PARECER SN249/2007
Estadual
Judiciário
10/10/2007
01/11/2007
DORJ-III, S-I, nº 206, p. 45
Porto, Fabio Ribeiro - Processo Administrativo: 268554; Ano: 2006
Dispoe sobre requerimento de expedicao de procuracao - Parecer.
Processo n.º 2006-268554
Assunto: Consulta acerca de requerimento de certidão com a finalidade de venda de imóveis cujo outorgante conste na base de óbitos.
Interessados: 8º Ofício de Notas da Comarca da Capital e RCPN da 10ª Circunscrição da mesma Comarca.
P A R E C E R
Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor-Geral da Justiça,
Trata o presente procedimento de consulta formulada pela Senhora Ivânia de Carvalho, Responsável pelo Expediente do 8º Ofício de Notas da Comarca da Capital, através de ofício endereçado a esta Corregedoria, em 17 de outubro de 2006, sobre como proceder quanto à expedição de certidão da procuração lavrada no Livro 2330, fls. 180 de 17/12/2001 tendo como outorgante Ivan Laurindo de Santana.
Informou a Responsável que após consulta no sistema WINCAC através de averiguação do Pré-teste foi constatada a existência de ocorrência na Base de Óbito em relação ao outorgante da procuração. Assim sendo, formulou a presente consulta questionando se a referida certidão deve ser expedida e em caso positivo se deve constar da mesma a ressalva apresentada pelo sistema
Manifestação da Divisão de Inspeção e Apoio Cartorário Extrajudicial as fls. 04/05 considerando que não há procedimento legal que impeça a expedição de certidão e entendendo que o responsável pelo expediente deve proceder às devidas anotações atuando conforme os princípios contidos na Lei nº 8.935/94.
Manifestação do Responsável pelo Expediente do Cartório do 8º Ofício de Notas as fls. 10/12 encaminhando cópia da procuração outorgada pelo Senhor Ivan Laurindo de Santana.
Manifestação da Divisão de Instrução e Pareceres para Serventias Extrajudiciais as fls. 15/16 informando que o WINCAC corresponde ao link do Selo de Fiscalização e que o Aviso nº 455/2004 em seus itens 09 e 10 permitiu que as serventias fizessem um pré-teste dos dados das partes integrantes do ato associado ao selo.
Cópia do Aviso nº 455/2004 as fls. 17/18.
Manifestação do Serviço de Selos as fls. 23 informando que foi realizado o pré-teste com o CPF do outorgante da procuração (fls. 20) sendo constatada a existência de ocorrência na base de óbitos relativa ao dado informado. Por fim, após consulta no Sistema de Distribuição de Selos Cartorários (fls. 21) informou que o óbito foi registrado no RCPN da 10ª Circunscrição da Comarca da Capital.
Manifestação da Divisão de Instrução e Pareceres para Serventias Extrajudiciais as fls. 25/26 opinando no sentido de que a Responsável pelo Expediente do 8º Ofício de Notas da Capital proceda às devidas anotações acerca do óbito de Ivan Lauriodo de Sant'Anna outorgante da procuração lavrada no Livro 2330, folhas 180/181 que se encontra cessada diante do disposto no artigo 682, inciso II do Código Civil.
É o relatório do presente procedimento.
Dispõe o artigo 5º da Constituição Federal no seu inciso XXXIV, alínea "b" que:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (...)"
Hely Lopes Meirelles define a certidão da seguinte forma "são cópias ou fotocópias fiéis e autenticadas de atos ou fatos constantes de processo, livro ou documento que se encontre nas repartições públicas. Podem ser de inteiro teor, ou resumidas, desde de que expressem fielmente o que se contém no original de onde foram extraídas. Em tais atos o poder Público não manifesta sua vontade, limitando-se a trasladar para o documento a ser fornecido ao interessado o que consta de seus arquivos. As certidões administrativas, desde que autenticadas, têm o mesmo valor probante do original, como documentos públicos que são" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 175 - destaquei).
Prossegue o supracitado autor lecionando que o fornecimento de certidões é obrigação de toda repartição pública, desde que requerido pelo interessado para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal. (ob. cit. p. 175/176- destaquei)
A certidão é espécie de ato enunciativo, isto é, simplesmente declara uma determinada situação, enuncia uma situação existente, sem qualquer manifestação de vontade da Administração. Ela expressa a existência de certo fato jurídico, representando a reprodução do que já está formalizado nos registros públicos.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho as certidões revelam a expressão do princípio da publicidade na Administração (art. 37, caput, da CF) e a sua obtenção configura-se como um dos direitos fundamentais dos indivíduos para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (art. 5º, XXXIV, "b", da CF). (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, pág. 124 - grifei)
Pontes de Miranda em seus comentários a Constituição de 1967 leciona que:
A expedição de certidões requeridas para defesa de direitos - cumpre frisar-se - de modo nenhum pode depender de apreciação da espécie pela repartição que as há de passar: seria permitir-se à autoridade administrativa arbítrio, ou pelo menos pré-exame do direito do requerente. A denegação somente se pode admitir por falta de legitimação do requerente para requerer, ou nenhuma ligação do conteúdo do ato certificável com o direito deduzido, ou a deduzir-se, em juízo ou administrativamente, ou sigilo. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a EC nº 01/69. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 655).
De outro lado, dispõe o artigo 429 da C.N.C.G.J. que: "Os traslados e certidões serão conferidos com os atos respectivos, constando expressamente, além da assinatura do Tabelião ou de seu substituto, a do servidor que realizar a respectiva conferência, antes de serem fornecidos aos interessados."
Os artigos 1º e 3º da lei nº 8.935/94 por sua vez dispõem que:
Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. (destaquei)
Segundo Walter Ceneviva, autenticidade é qualidade do que é confirmado por ato de autoridade, de coisa, documento ou declaração verdadeiro. E mais a frente leciona que: "O verbo autenticar é aqui vinculado a fatos. Significa a confirmação, pela autoridade da qual o notário é investido, da existência e das circunstâncias que caracterizem o fato, enquanto acontecimento juridicamente relevante. Quando certa ocorrência possa dar origem a direitos, passa a ser considerada fato jurídico, capaz de provocar efeitos em atos ou negócios jurídicos." (CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, págs. 27 e 49 - destaquei).
Em relação à fé pública o mencionado autor comenta que: "O art. 215 do Código Civil atribui fé pública à escritura lavrada em notas de tabelião como documento que faz prova plena do que nela se contém. (...) A fé pública afirma a certeza e a verdade dos assentamentos que notário e oficial de registro pratiquem e das certidões que expeçam nessa condição, com as qualidades referidas no artigo 1º." (ob. cit., p. 31).
Assim sendo, tendo conhecimento de qualquer informação que venha a interferir na eficácia do ato notarial, deve o Tabelião ou o seu substituto legal abster-se de praticá-lo até a comprovação da veracidade ou não desse fato, até mesmo para que não venha causar danos a terceiros.
E, salvo melhor juízo, foi o que ocorreu no caso dos autos. A Responsável pelo Expediente ao realizar o Pré-teste permitido pelo Aviso nº 455/2004 da C.G.J. se deparou com a informação de ocorrência de óbito do outorgante da procuração.
Fatos jurídicos são aqueles eventos capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, transferirem, conservarem, modificarem ou extinguirem relações jurídicas. Segundo a definição de Savigny, os fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem.
A denominação Fato Jurídico associa-se pelo uso freqüente à idéia universalmente acolhida da criação, da alteração ou do perecimento do direito, e o qualificativo jurídico deve ser mantido em razão da natureza dos seus efeitos.
E a morte do outorgante da procuração se caracteriza como um fato juridicamente relevante, pois, nos termos do artigo 682, inciso II, do Código Civil, in verbis:
"Artigo 682 - Cessa o mandato: (...)
II- pela morte ou interdição de uma das partes; (...)"
Assim, como o mandato é contrato intuitu personae, a morte de uma das partes o extingue. E nas lições de Caio Mário, por extinção de um direito deve-se entender o seu fim, a sua morte, o seu desaparecimento. A extinção é um conceito absoluto que supõe a destruição da relação jurídica. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pág. 299).
Ao tabelião cabe proceder com as cautelas que lhe são exigidas, intervindo nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade (inciso II do art. 6º da Lei nº 8.935/94). Intervir para WALTER CENEVIVA, tanto pode significar tomar parte quanto interferir. Todavia, prossegue, asseverando que
"a exegese sistemática limita a intervenção permitida à neutralidade, justificando apenas a utilização do segundo sentido. É imparcial, sob o império da lei, tendo em vista a realização do melhor resultado, consideradas as vontades que lhe sejam manifestadas. A interferência pode ser do próprio notário, enquanto delegado do Poder Público, ou de seus prepostos, que atuam sob a responsabilidade daquele" (CENEVIVA, ob. cit. p. 44/45).
A Consolidação Normativa desta Corregedoria na Seção II - Das Normas Gerais Para Lavratura De Atos Notariais, em seu artigo 401, disciplina que:
Art. 401 - Antes de lavrar a escritura, o Tabelião observará:
II - se estão em ordem os documentos comprobatórios da titularidade do direito, quando exigíveis, e, tratando-se de imóvel, se está registrado, fazendo menção do fato;
III - havendo procuração, se os necessários poderes foram outorgados e se os nomes das partes coincidem com os correspondentes no ato a ser lavrado;
IV - procedendo a procuração de outra Comarca, se têm as firmas reconhecidas e o sinal público do Tabelião que a lavrou, e, se passada no estrangeiro, atende às exigências legais;
V - se a certidão de procuração é recente, exigindo sua atualização quando não for; (destacamos)
A norma transcrita acima visa resguardar a garantia e a segurança do ato jurídico a ser executado, com a finalidade de verificar se o instrumento público está ou não regular, assim, tomando conhecimento do óbito do outorgante, não pode o notário omitir a importante informação no corpo da certidão.
A função notarial opera na esfera da realização voluntária do direito. O notário molda juridicamente os negócios privados, a fim de que estes se enquadrem no sistema jurídico vigente, prevenindo, por conseguinte, e evitando, ao máximo, que futuros vícios sejam aventados, bem como que lides se instaurem sobre a questão (BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial - de acordo com a Lei nº 11.441/07. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 131).
Segundo a clássica lição de RUFINO LARRAUD o notário, no exercício regular de sua função, adianta-se a prevenir e precaver os riscos que a incerteza jurídica possa acarretar a seus clientes (LARRAUD, Rufino. Curso de Derecho Notarial. Buenos Aires: Depalma, 1966, p. 138). Fica claro, na hipótese dos autos, que a informação na certidão fornecida da morte do outorgante atende plenamente o princípio da cautelaridade.
Conforme leciona BRANDELLI, a cautelaridade da função notarial está intimamente ligada ao fundamento da existência do direito notarial e da própria função notarial, que é a intervenção estatal, por meio de um agente delegado, na esfera de desenvolvimento voluntário do direito, proporcionando o cumprimento adequado deste, e evitando o surgimento do conflito de interesses (BRANDELLI, ob. cit. p. 132).
À luz do que foi exposto, concluímos que por se tratar de um direito fundamental do indivíduo, não pode a responsável pelo expediente se negar a fornecer a certidão ao requerente, salvo nos casos previstos em lei. Entretanto, verificada a existência de um fato jurídico relevante - no caso dos autos a morte do outorgante - capaz de fazer extinguir um direito, tal ocorrência deve ser anotada no ato com o intuito de se evitar prejuízos a terceiros de boa-fé, atuando o responsável pela serventia conforme os princípios contidos na Lei nº 8.935/94.
Por tudo o que foi acima exposto, visando garantir a autenticidade, a segurança e a eficácia do ato jurídico, sugiro a expedição ofício ao Titular do RCPN da 10ª Circunscrição desta Comarca para que envie cópia da certidão de óbito lavrada no livro C-353, fls. 229, termo 90523 em nome de Ivan Lauriodo de Sant'Anna em 27/05/2006 ao Responsável pelo Expediente do 8º Ofício de Notas também da Comarca da Capital.
Sugiro ainda que o responsável pelo expediente do 8º Ofício de Notas da Capital, após o recebimento da cópia da certidão de óbito, proceda às devidas anotações do óbito do outorgante na certidão da procuração lavrada no Livro 2330, as fls. 180 que se encontra por esta razão extinta e após expeça a certidão conforme requerido, tendo em vista que a obtenção da certidão é direito fundamental do indivíduo, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea b da Constituição da República Federativa do Brasil.
Neste diapasão, nada mais havendo a prover, opino pelo arquivamento do presente procedimento, devendo ser dada ciência ao Responsável pelo Expediente do 8º Ofício de Notas da Comarca da Capital, do presente parecer, com envio de cópia do mesmo.
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2007.
FÁBIO RIBEIRO PORTO
Juiz de Direito
Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça
D E C I S Ã O
Acolho o parecer de o Juiz Auxiliar para determinar:
1- a expedição ofício ao Titular do RCPN da 10ª Circunscrição desta Comarca para que envie cópia da certidão de óbito lavrada no livro C-353, fls. 229, termo 90523 em nome de Ivan Lauriodo de Sant'Anna em 27/05/2006 ao Responsável pelo Expediente do 8º Ofício de Notas também da Comarca da Capital;
2- que o Responsável pelo expediente do 8º Ofício de Notas da Comarca da Capital, após o recebimento da cópia da certidão de óbito, proceda às anotações devidas na certidão da Procuração lavrada no Livro 2330, as fls. 180 em razão do óbito do outorgante;
3- Após, arquive-se o presente procedimento, devendo ser dada ciência ao Responsável pelo Expediente do 8º Ofício de Notas da Comarca da Capital, da presente decisão bem como do parecer que a precede.
Publique-se. Cumpra-se.
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2007.
Desembargador LUIZ ZVEITER
Corregedor-Geral da Justiça
Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.