AVISO 668/2008
Estadual
Judiciário
23/10/2008
05/11/2008
DJERJ, ADM, nº 47, p. 26
Avisa quanto a inexistencia de obrigatoriedade de aceitacao de che
que, nos Servicos Extrajudiciais privatizados, para pagamento de emolu
mentos, e da outras providencias.
Processo n.º 2008 - 240236
Assunto: Encaminha cópia de procedimento de consulta sobre a existência de algum óbice no recebimento de cheques por parte de cartórios extrajudiciais.
Interessados: Senhores Titulares/Delegatários, Interventores ou Responsáveis pelos Expedientes dos Serviços Extrajudiciais privatizados e oficializados deste Estado e público em geral.
PARECER
Pagamento de emolumentos com cheque. Ausência de obrigatoriedade do Tabelião e/ou Registrador em receber cheque como forma de pagamento dos emolumentos. Princípio da legalidade. Interpretação do artigo 162, inciso I do Código Tributário Nacional conforme a Constituição. Sugestão de Edição de Aviso regulamentando a matéria.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor-Geral da Justiça
O presente procedimento foi deflagrado pelo eminente Juiz de Direito Dirigente do 2º Núcleo Regional, Dr. Antonio Augusto de Toledo Gaspar, através do ofício n.º 435, datado de 02 de setembro do corrente, solicitando informação acerca da existência de algum posicionamento desta instância administrativa, sobre o fato de um Serviço Extrajudicial não aceitar cheques para o pagamento dos emolumentos e, em caso negativo, requerendo o posicionamento deste Órgão.
A presente consulta tem por finalidade instruir o procedimento n.º 2.008 - 162424, que tramita perante o Setor de Fiscalização e Disciplina daquele Núcleo Regional iniciado pelo Senhor Fernando Kopschitz Praxedes, que narra os seguintes fatos:
"(...) Na data de hoje, em razão da cliente Yolanda de Mello Canelas necessitar a obtenção de certidões, solicitou ao seu filho, Felipe que comparecesse ao Cartório do 2º Distribuidor de Niterói, para o fim de requerê-las, sendo informado pelo funcionário existir "ordem da titular" para não recebimento de cheques.
No sentido de verificar a existência de irregularidade na determinação de não aceitar cheques para fornecimento de certidões, bem como a constatação de que no horário de expediente ao público, Sexta-Feira, dia 27 de junho de 2008, às 16:10 horas, não se encontravam no Cartório o Titular ou Substituto, fato constatado após manter contato telefônico com o Cartório, sendo atendido pela funcionária Marcela, faz a presente consulta, sendo que o seu entendimento da recusa de cheque não poderia ocorrer, por seu titular delegatário de Serviço Público, não podendo negar-se à receber cheques, mas tão somente condicionar a emissão das certidões após a compensação de cheque vinculado ao protocolo fornecido.
Assim sendo, entendeu formular a presente consulta, uma vez que em outros Cartórios nesta cidade, como exemplo 5º Ofício, 3º Ofício, 4º Ofício, 9º Ofício, 16º Ofício nunca houve por parte de seus titulares qualquer óbice no recebimento de cheques para o fim de requerimento de certidões ou outros serviços (...)".
Naquele procedimento o culto Magistrado Dirigente do 2º Núcleo Regional, determinou que fosse instada a Delegatária do Serviço do 2º Ofício do Registro de Distribuição da Comarca de Niterói, que assim se manifestou:
"(...) Em, 27/06/08, Felipe Praxede esteve na sede do Cartório, tendo sido atendido por mim (substituta da serventia).
Naquela oportunidade, Felipe Praxede pretendeu requerer certidões através do pagamento por meio de cheque (adrede preenchido com valor superior à quantia que efetivamente lhe foi cobrada, o que implica dizer que a Serventia teria de lhe devolver "troco" pelo cheque dado em pagamento). Ademais, verifica-se, conforme depreende da própria documentação apresentada pelo reclamante, que o mencionado título de crédito foi emitido por pessoa diversa do requerente (cheque de terceiro).
Afirma o advogado, ora denominado reclamante, que "no seu entendimento", a recusa do cheque não poderia ocorrer, por ser a titular Delegatária do Serviço público, não podendo negar-se a receber cheque, mas tão somente condicionar a emissão das certidões após a compensação de cheque ao protocolo fornecido.
Apenas a título de ilustração, com todo respeito à tese do sobredito advogado, passo a citar alguns "entendimentos em contrário":
Pontes de Miranda (2001: p.73), em sua magnífica obra afirma que o cheque faz as vezes de dinheiro, porém não é dinheiro, não tem curso forçado.
Rubens Requião (2003:p.479), tem a mesma opinião, afirmando: " O cheque não tem poder liberatório de moeda. Ninguém é obrigado a receber cheque em pagamento, pois só a moeda tem curso forçado. O uso de cheque se explica pela facilidade com que mobiliza os valores monetários"
Fran Martins (1998:p.13/14) ensina: Dispensa-se assim o uso do dinheiro em espécie. Mas o simples recebimento do cheque, por parte do portador, não significa pagamento, donde poder o portador recusar o cheque para solvência do seu crédito. Isso porque o cheque é apenas uma ordem de pagamento, e na realidade, esse pagamento só se verifica quando a ordem é cumprida, seja com a entrega real do dinheiro, seja com o lançamento em conta da importância mencionada no cheque. Só aí caberá ao portador quitar o seu crédito, pois só então o débito desaparece. Até o momento do pagamento pelo sacado, o devedor continua sendo o emitente do cheque, razão pela qual não pode o portador voltar-se contra o sacado que não paga e sim contra o sacador que,pelo cheque, apenas ordenou o pagamento mas, na realidade, não efetuou o mesmo, já que o cheque não representa moeda e sim instrumento de pagamento, como acima assinalado".
Mister ressaltar, que os emolumentos cobrados pelas serventias extrajudiciais são acrescidos de tributos destinados ao Fundo Especial do Tribunal de Justiça na razão de 20%, bem como Fundo Especial da Defensoria Pública (5%) e Fundo Especial da Procuradoria do Estado (5%) e, que tais tributos são pagos pelo usuário do serviço, tendo o Delegatário apenas a incumbência de repassá-lo àquelas entidades em até oito dias da prática do ato, ou seja, em até oito dias do requerimento, do pedido de certidão (parágrafo 1º do art. 165 da Consolidação Normativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).
Em outras palavras, nasce para o usuário do serviço extrajudicial, a obrigação de pagar o tributo devido àqueles Fundos Especiais, no momento em que o mesmo se utiliza dos serviços cartorários, sendo da responsabilidade do Delegatário apenas o seu repasse em até oito dias.
Portanto, ainda que se imagine haver alguma coerência na afirmação do reclamante em condicionar o recebimento das certidões à efetiva compensação do cheque, poderíamos esbarrar com uma das seguintes situações:
O requerente ou interessado voltaria para pegar as certidões em data posterior àquela estabelecida para o recolhimento destinado aos Fundos Especiais, quando então poderia ser informado que em razão de insuficiência de fundos, seu cheque fora devolvido, gerando o ônus do pagamento dos tributos exclusivamente para o Delegatário.
O requerente ou interessado não mais voltaria à sede do cartório para retirar as certidões requeridas, fazendo com que o delegatário tivesse de suportar sozinho o ônus de recolher um tributo devido unicamente pelo requerente.
No caso em concreto, numa hipótese como a descrita acima, o requerente ainda teria obtido o "troco" pelo cheque dado com o valor mais alto, praticando, em tese, crime de estelionato.
Depreende-se da leitura do art. 62 da Lei 7.357/85 (Lei do Cheque), que somente o dinheiro e o cheque administrativo teriam capacidade liberatória. O cheque comum não quita desde logo a obrigação. Portanto, não se pode falar no pronto pagamento definido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Pelo exposto, pode-se concluir que apesar de o Código de Defesa do Consumidor estabelecer a obrigatoriedade do fornecimento de bens ou serviços a quem pretende adquiri-los mediante pronto pagamento, o cheque não é pagamento à vista e, sim, uma ordem de pagamento à vista, que pode não ser cumprida pelo banco no caso de falta de provisão de fundos.
Não tendo capacidade liberatória, o cheque não tem curso forçado, uma vez que não há atualmente, qualquer dispositivo legal que obrigue quem quer que seja a aceitar pagamento através deste título de crédito.
A recusa do recebimento do pagamento em cheque é um direito garantido pela nossa Lei Maior. Prevalece, portanto, o disposto em nossa Constituição Federal que, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, inciso II, deixa claro que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Surpreendeu pela extraordinariedade, a irresignação do advogado, forçando a funcionária que lhe atendeu ao telefone por fim à conversa que pretendia inflamar, dizendo que não havia ninguém para resolver o seu problema e que apenas cumpria ordens da delegatária (...)."
As fls. 16/19 foi lançado parecer da Divisão de Instrução e Pareceres para Serventias Extrajudiciais, que assim concluiu:
"(...) Diante do exposto, s.o.e., pelo fato de não existir norma que obrigue os Serviços Extrajudiciais a aceitarem cheques para pagamento dos emolumentos, sendo essa decisão uma faculdade do Oficial Registrador, uma vez que o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços registrais é de sua responsabilidade, verifica-se que não foi vislumbrado, em tese, no tocante a essa fato, nenhuma irregularidade cometida pelo 2º Distribuidor da Comarca de Niterói (...)."
O ilustre Diretor da Divisão de Custas e Informações desta Corregedoria apresentou manifestação as fls. 29, in verbis:
"(...) Tratam os autos em epígrafe acerca de expediente encaminhado pelo MM. Juiz de Direito Dirigente do 2º Núcleo Regional da Corregedoria Geral da Justiça, Dr. Antônio Augusto de Toledo Gaspar, indagando acerca da existência de posicionamento desta E. Corregedoria atinente à obrigatoriedade de aceitação de cheque para o pagamento de emolumentos, face à irresignação efetuada pelo Advogado Fernando Kopschitz Praxedes em face da recusa de aceitação de cheque pelo Cartório do 2º Ofício de Distribuição da Comarca de Niterói (proc. adm. nº 2008-162424).
Analisando o pronunciamento da serventia instada, às fls. 10/13 e a manifestação da Divisão de Instrução e Pareceres para Serventias Extrajudiciais, às fls. 16/19 deste feito, enuncio as seguintes considerações:
1) Preliminarmente, deve-se ressaltar os emolumentos devidos por atos extrajudiciais praticados pelos serviços oficializados podem ser pagos em cheque, desde, nos moldes do art. 10 do Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ 163/2007 (cópia às fls. 23/26 deste feito), (a) o Banco sacado faça parte do sistema de compensação de cheques deste Estado; (b) o emitente esteja consignado na GRERJ (não se aceitando assim cheque emitido por terceiro); (c) lançamento do número da GRERJ no verso do cheque;
2) No tocante aos serviços extrajudiciais privatizados, manifesto minha concordância com os pronunciamentos do serviço instado e do DIPEX (fls. 17/19) acerca da facultatividade de aceitação de cheques para o pagamento dos emolumentos e acréscimos legais devidos, ratificada ainda pela opinião do Dr. Antônio Herace Filho, exposto no Boletim da Associação de Registradoras das Pessoas Civis do Estado de São Paulo (ARPEN-SP), de Julho de 2003 (cópia a fls. 27). Desta forma, conforme orientação do Banco Central do Brasil acostada a fls. 28 deste feito (embora direcionada à atividade empresarial, mas, a meu sentir, aplicável à matéria em tela), não existe obrigatoriedade de aceitação de cheques.
3) Logo, sugiro, s.m.j., a publicação de decisão acerca da matéria em tela, para a amplo conhecimento dos aplicadores do Direito acerca da inexistência de obrigatoriedade de aceitação de cheques para o pagamento de emolumentos (evitando-se assim transtornos como o narrado neste feito), bem como a análise da conveniência de determinação às serventias extrajudiciais privatizadas que não aceitem o pagamento de emolumentos com cheques, de afixação de aviso acerca da recusa em tela, de fácil visualização aos usuários (...)."
Eis o relatório do presente procedimento.
A jurisprudência do STF tem os serviços notariais e de registro como espécie de serviço público.
Como bem ressaltou o eminente Min. CELSO DE MELLO "a possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada 'em caráter privado, por delegação do poder público' (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa" (ADI-MC 1378/ES - ESPÍRITO SANTO, Julgamento: 30/11/1995, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ 30-05-1997 PP-23175). Preciso neste ponto o magistério de HAMILTON DIAS DE SOUZA e MARCO AURÉLIO GRECO (A Natureza Jurídica das Custas Judiciais,in, Resenha Tributário - OAB/SP, 1982, p. 102):
"Vale referir que não infirma essa conclusão a existência de cartórios não oficializados, pois, estes desempenham função pública, sendo públicos os serviços por eles prestados. De resto, a circunstância de estes serviços serem prestados por pessoas outras que não o Estado não os desnatura como públicos, sendo a relação jurídica que se estabelece entre aqueles e os usuários de direito público, como bem o demonstrou Renato Alessi." (Grifo nosso).
Impõe enfatizar que os Serviços Extrajudiciais, instituídos pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos" (art. 1º, Lei nº. 8.935/94), constituem órgãos públicos.
Assim, os Serviços Extrajudiciais, não mais ostentam seu primitivo caráter patrimonial, sujeitos que se achavam, no passado, à propriedade de seus ocupantes. De forma que os notários e registradores "são órgãos da fé pública instituídos pelo Estado" e desempenham, nesse contexto, "função eminentemente pública" (STF, RTJ 67/327, Rel. Min. DJACI FALCÃO).
O próprio exame do texto constitucional permite concluir pela estatalidade dos serviços notariais e registrais.
Os emolumentos, segundo pacífica Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, têm natureza tributária de taxa (ADIn 948-GO, Ministro Francisco Rezek (RTJ 172//778); RE 116.208-MG, Ministro Moreira Alves, 'DJ' de 08.6.90; ADIn 2.059-PR. Ministro Nelson Jobim, 'DJ' de 21.9.2001; ADIn 1.709-MT, Ministro Maurício Corrêa, 'DJ' de 31.3.2000; ADIn 1.778 (MC)-MG, Ministro Nelson Jobim, 'DJ' de 31.3.2000) e são instituídos pelos Estados e pelo Distrito Federal, observadas normas gerais editadas pela União, nos termos do artigo 236, § 2º da Constituição Federal, normas estas que estão previstas na Lei nº 10.169 de 29/12/2000.
Taxa, por sua vez, é um tributo contraprestacional, posto que vinculado a uma prestação estatal específica em favor do contribuinte. É cobrada pela prestação de serviços públicos ou pelo exercício do poder de polícia.
Conforme restou consignado na ADI 3643/RJ, Relator Ministro Carlos Britto, publicada no D.O. em 16/02/2007 (STF) os valores recolhidos em favor de Fundos Especiais têm natureza tributária de taxa de polícia.
Na lição de KIYOSHI HARADA, taxas de polícia e de serviços (art. 145, II, da CF):
"são tributos vinculados à atuação estatal: exercício do poder de polícia ou prestação de serviço público específico e divisível. Basta que o serviço esteja à disposição do contribuinte para o surgimento da obrigação tributária, por ser compulsória sua utilização." (HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 16. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2007, p. 333).
ALEXANDRE DE MORAIS nos ensina que "taxas são tributos instituídos em razão do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição". (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2006, p. 770). Faz a diferenciação entre taxa e preço público, salientando que
não pode se confundir taxas com preços públicos, pois, conforme apontou o Supremo Tribunal Federal, enquanto as taxas decorrem do poder de polícia do Estado, ou são de serviço, resultante da utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, o preço público decorre da exploração, pelo particular, de um bem ou serviço. (MORAES, Alexandre de, ob. cit. p. 770).
WALTER CENEVIVA disseca a questão, concluindo pela impossibilidade de os emolumentos serem classificados como preço público, ao argumento de que emolumentos correspondem, na atividade privada, ao preço do serviço. Na economia clássica, é o montante em dinheiro a ser permutado pelo serviço. Na atividade notarial e de registro, contudo, não há que se falar em preço, pois sua determinação não se equilibra entre as variações da oferta e da procura, segundo critérios aplicados verticalmente pelo Poder Público e, assim, sem qualquer semelhança com as operações de livre mercado. (CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores comentada. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 95)
Sendo taxa, indiscutivelmente compete ao Estado regulamentar sua forma cobrança e conseqüentemente o pagamento. A propósito da competência dos Estados para instituir os emolumentos cobrados pelos serviços extrajudiciais, vale conferir o acórdão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3643/RJ, em que foi declarada a constitucionalidade da Lei Fluminense nº 4.664/05, que versa sobre o percentual de 5% dos emolumentos para o Fundo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FUNDPERJ), in vebis:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISO III DO ART. 4º DA LEI Nº 4.664, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2005, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. TAXA INSTITUÍDA SOBRE AS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO. PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DESTINADO AO FUNDO ESPECIAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. É constitucional a destinação do produto da arrecadação da taxa de polícia sobre as atividades notariais e de registro, ora para tonificar a musculatura econômica desse ou daquele órgão do Poder Judiciário, ora para aportar recursos financeiros para a jurisdição em si mesma. O inciso IV do art. 167 da Constituição passa ao largo do instituto da taxa, recaindo, isto sim, sobre qualquer modalidade de imposto. O dispositivo legal impugnado não invade a competência da União para editar normais gerais sobre a fixação de emolumentos. Isto porque esse tipo de competência legiferante é para dispor sobre relações jurídicas entre o delegatário da serventia e o público usuário dos serviços cartorários. Relação que antecede, logicamente, a que se dá no âmbito tributário da taxa de polícia, tendo por base de cálculo os emolumentos já legalmente disciplinados e administrativamente arrecadados. Ação direta improcedente. (ADI 3643 / RJ - RIO DE JANEIRO, Relator Min. CARLOS BRITTO, Julgamento: 08/11/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, publicação DJ 16-02-2007, p. 00019)
É indubitável, portanto, que compete aos Estados legislar sobre emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Não se pode negar que o Código Tributário no art. 162, inciso I prevê como forma de pagamento a moeda corrente e o cheque ou vale postal.
O Código Tributário Nacional recepcionado pela Constituição com natureza jurídica de Lei Complementar, por sua vez, encontra fundamento de validade no artigo 146 da CF/88.
Da leitura do referido dispositivo constitucional, verifica-se que o legislador constituinte atribuiu à Lei Complementar Nacional competência para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.
O parágrafo único do artigo 146 da Constituição autorizou a instituição de um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Portanto, o artigo 146 da Constituição autorizou a União a estabelecer normas gerais. Não retirou, e nem poderia, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a competência para dispor sobre os tributos constitucionalmente a ele reservados.
Daí resulta que o CTN só obriga aos Estados e Municípios, naquilo em que efetivamente se revestir desta qualidade, ou seja, qualidade de norma geral.
Sobre o tema, confira-se a lição de HAMILTON DIAS DE SOUZA:
"O limite da norma geral é, de outro lado, a competência legislativa das ordens parciais de governo, que não pode ser excluída, sem prejuízo de suas respectivas autonomias e do próprio princípio federativo. Isto posto, se o legislador nacional, a propósito de editar lei complementar veiculadora de normas gerais, invadir a competência do legislador ordinário, aquela não será vinculante para Estados e Municípios, valendo apenas como lei ordinária da União, pois a lei, para ser considerada complementar, deverá ter não só a forma que lhe é própria, mas também conteúdo previsto expressamente na Constituição Federal." (SOUZA, Hamilton Dias de. Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 1. Coordenação de Ives Granda da Silva Martins, São Paulo: Ed. Saraiva - destaquei)
Note-se que as leis estaduais que fixam os emolumentos são naturalmente diversas, pois levam em consideração as peculiaridades de cada Estado e de sua população. Assim, qualquer dispositivo de lei complementar que desconsidere essa diversidade, estará invadindo a competência legislativa e importará em afronta à Federação (art. 4º, incisos IV e V da CF).
Por fim não se pode perder de vista que o próprio CTN ressalva a necessidade da legislação regulamentar as garantias exigidas para o pagamento por cheque.
Cabe destacar que a jurisprudência do STF vem admitindo a incidência de taxa sobre as atividades notariais e de registro, tendo por base de cálculo os emolumentos que são cobrados pelos titulares das serventias como pagamento do trabalho que eles prestam aos tomadores dos serviços cartorários. Taxa, agregue-se, gerada em razão do exercício do poder de polícia que assiste aos Estados-membros, mediante atuação pelos órgãos diretivos do Poder Judiciário, notadamente no plano da vigilância, orientação e correição da atividade em causa, a teor do § 1º do art. 236 da Constituição Federal.
Daqui já se infere a competência dos Estados-membros para instituir tributos sobre as atividades notariais e de registro. E assim o fez a Lei Estadual nº. 3.350/99, que não instituiu uma exação que se amolde à definição de imposto. Criou, isto sim, uma taxa em razão do poder de polícia. Poder que assiste aos Estados-membros enquanto delegantes da atividade notarial e de registro e exercitável pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário de cada uma dessas unidades estaduais da nossa Federação. Sendo certo que em nenhum dispositivo foi regulamentado pagamento do tributo mediante cheque.
Nesta ordem de idéias, a interpretação correta do art. 162, inciso I do CTN é aquela segundo a qual compete ao Estado regulamentar o pagamento do tributo mediante cheque, bem como as garantias que podem eventualmente ser exigidas.
Dessa feita, não tendo a legislação estadual (Lei nº. 3.350/99) regulamentado o pagamento dos emolumentos por cheque, não é possível a aplicação direta do art. 162, I do CTN. Trata-se de norma infraconstitucional de eficácia limitada, cuja regulamentação deverá ser estabelecidapor meio de Lei como expressamente consignado no mencionado dispositivo.
Colocada a questão nesses termos resta analisar a existência de obrigatoriedade de aceitar cheque como forma de pagamento em decorrência da legislação civil em vigor.
É bastante discutida a origem do cheque. Vários autores procuram antecedentes do mesmo, na mais remota antiguidade. Assim, chega-se a dizer que possuíam características de cheques, certos documentos existentes no Egito antigo.
Alguns autores de tomo negam que tais documentos constituem antepassado do cheque (v.g. VASSEUR, Michel e MARIN, Xavier. Le Cheque. Paris: Editions Sirey, 1969), mas reconhecem que, a partir da Segunda metade da Idade Média, ordens de pagamentos contra Bancos, com algumas características do cheque moderno, eram, entre outros, chamados polizze notata fede, na Itália, e bills of saccario, na Inglaterra.
Outros doutrinadores aventam a idéia de que o cheque foi introduzido na Inglaterra em 1557 por TOMAS GRESCHAM, se desenvolvendo no século XVII (cf. MCLOUGHLIN, James. Introduction to Negotiable Instruments. Londres: Butterworths, 1975).
Por fim, alguns juristas sustentam o nascedouro do cheque na Idade Média, onde era comum os senhores depositarem seu ouro em um único lugar, que tinha instalações de segurança apropriadas: a oficina do ourives. Com o tempo, estes artesãos começaram a emitir papéis que representavam partidas de ouro que guardavam, obrigando-se a trocá-los pelo valor em metal precioso que cada um deles representava. Em fins da Idade Média, muitos ourives, mais tarde agentes financeiros e os primeiros bancos que foram surgindo, começaram a emitir os primeiros bilhetes de banco.
No século XIV, com o surgimento da classe burguesa (burguesia) e o auge do comércio que mobilizou na Europa bens e valores em uma escala nunca antes imaginada, estes documentos com valores fixos muitas vezes eram insuficientes para as necessidades do capitalismo nascente, o que motivou outros novos documentos que podiam ser escritos pelo depositante com o valor desejado, sempre que estivesse coberto pelos seus depósitos.
Eram letras de câmbio à vista, aceitas inicialmente pelo banco dos Médici de Florença e logo por outros estabelecimentos e que podem ser consideradas como os primeiros cheques, ainda que não tivessem esse nome.
Este costume estendeu-se às Ilhas Britânicas com a criação, em 1605, do Banco da Inglaterra, que assumiu a função de guardar o ouro do reino e emitir papéis que o representassem, com seu valor equivalente expresso em libras esterlinas. Surgiram assim os primeiros bilhetes de banco emitidos por um Estado.
Com a criação do Banco da Inglaterra, as letras de câmbio adquiriram novo auge e tanto esse como outros bancos começaram a dar a seus clientes blocos em branco dessas letras, que os depositantes preenchiam de acordo com o montante de retirada que quisessem fazer. Como os cheques de hoje em dia, cada folha desses livretos tinham um talão, no qual se anotavam os dados da retirada e que serviria para a verificação.
Certo é que após certa época o cheque desligou-se, da letra de câmbio, com a qual era confundido (embora, no sistema inglês, ainda seja considerado uma letra de câmbio a vista, sacada sobre banqueiro) tomando as características que o configuram.
Distingue-se no cheque o sacado que deve ser sempre uma instituição financeira, requer provisão de fundos no momento da emissão e só pode ser emitido a vista, não comportando o aceite.
No Brasil tem-se como primeira referência de sua utilização o Regulamento do Banco da Província da Bahia, aprovado pelo Decreto nº. 438 de 1845. Quinze anos depois, a Lei nº. 1.083/1860 passou a disciplinar a emissão dos cheques, embora não use tal expressão, e sim recibos ou mandato. A palavra CHEQUE só foi empregada pelo Decreto nº. 149-B de 1893 no seu art. 16.
Até o início do século passado os diplomas legais que regulavam os cheques, eram fragmentários e diferentes, requerendo maior unidade e atualização que ocorreu com a edição da Lei nº. 2.591/1912 que passou a regulamentar o cheque no Brasil.
Com o advento da Lei Uniforme de Genebra (aderido pelo Brasil com o Decreto nº. 57.595/66), houve dúvida na doutrina e na Jurisprudência pátria se a Lei Uniforme sobre Cheque que acabara de entrar em vigor teria derrogado a Lei nº. 2.591/1912. Somente após a manifestação do Pretório Excelso (STF) sobre o tema que passou geralmente a ser aceito que, no Brasil, como direito interno, regia a Lei Uniforme sobre o Cheque, com as reservas feitas pelo Decreto nº. 57.595/66.
Essa Lei teve vigência até a entrada em vigor da Lei nº. 7.357/85, que revogando as disposições em contrário passou a regulamentar o cheque no país.
O cheque é uma ordem de pagamento dada a um Banco onde se dispõe de fundos, sujeito a alguns requisitos. Em outras palavras é uma ordem que o mandante, que se chama passador, sacador ou emitente, dá ao seu Banco, para pagar ao portador dele ou à sua ordem, uma determinada quantia de dinheiro que lhe tem em guarda, ou que lhe possa conceder à crédito (na hipótese de cheque especial).
O lexicógrafo AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, em seu indispensável Novo Dicionário da Língua Portuguesa, São Paulo Ed. Nova Fronteira, 2ª ed., p. 270, conceitua o cheque como uma: "ordem de pagamento de certa quantia à pessoa em favor da qual se emite esse documento, ou qualquer portador dele.",
Discute-se a origem etimológica do cheque. Alguns autores sustentam que ela proveio de bill of exchequer, abreviando-se posteriormente, para chequer e, por último, transformando-se em chek; outros afirmam que a palavra se originou no verbo inglês to chek, que significa verificar, controlar. Há, ainda, os que lhe encontram a origem na palavra francesa échiquier, tabuleiro de xadrez ou échec.
No seu conceito jurídico, leciona FRAN MARTINS que o cheque é: "uma ordem de pagamento, à vista, dada a um banco ou instituição assemelhada, por alguém que tem fundos disponíveis no mesmo, em favor próprio ou de terceiro." (MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. I, 1996, p. 8). De outro lado THEOPHILO DE AZEREDO SANTOS, em excelente monografia sobre o CHEQUE, conceitua da seguinte forma:
"é a ordem de pagamento, em dinheiro, à vista, a um banco ou instituição financeira (sacado), por alguém (emitente) que tem fundos disponíveis nessa empresa, em favor próprio ou de terceiro (tomador, beneficiário, favorecido ou portador)" (O Cheque. Rio de Janeiro: ABAERJ - BLOCH, 1992, p. 3).
Importante nesse passo é precisar a natureza jurídica do cheque, possibilitando o prosseguimento na consulta formulada. Dar a natureza jurídica de um instituto é localizá-lo de modo perfeito, no sistema de direito a que pertence esse instituto. É enquadrá-lo dentro da ordem jurídica vigente, isto é, perceber sua própria natureza dentro da sistemática em vigor.
É de suma importância visualizarmos a natureza jurídica do cheque que em muito ajudará no deslinde da questão formulada.
Entre nós consideram-no como título de crédito J.X CARVALHO DE MENDONÇA, OTÁVIO MENDES e WALDEMAR FERREIRA, e mais recentemente, EUNÁPIO BORGES, RUBENS REQUIÃO e WALDIRIO BULGARELLI. Posição esta da qual comungamos, pois é inegável sua natureza de Título de Crédito.
Curiosa é a propósito a posição de PONTES DE MIRANDA que, parecendo não ter admitido o cheque como título de crédito, ao analisar sua natureza e o caráter do cheque, contudo, considera-o como: título formal; título com pluralidade de obrigações; título com elemento representativo; título de prestação fungível e título comercial. O aclamado jurista em nosso sentir parece estipular uma natureza jurídica sui generis, sendo o cheque uma espécie de tertium genus, entre o instrumento de pagamento e o título de crédito.
Definida a natureza jurídica do cheque a resposta à questão formulada é fácil, pois, título de crédito não é moeda, e não sendo moeda não tem curso forçado nem o poder liberatório de moeda.
Outra não é a posição do Banco Central do Brasil, como se pode verificar através no endereço eletrônico http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/servicos4.asp?idpai=portalbcb, onde consta a seguinte informação: "Não há obrigatoriedade de aceitar cheques em nenhuma transação comercial, e isso vale também para os bancos." Posição esta que se aplica à atividade notarial e de registro.
A norma legislativa não obriga ninguém a receber um título de crédito como o cheque, isto é, um documento representativo de um crédito cujo exercício pode não vir a ser concretizado.
Não há norma que obrigue o notário ou registrador a comunicar aos seus usuários a opção de não receber cheques, não obstante recomendável tal precaução para que sejam evitadas situações constrangedoras. A regra, aliás, é o pagamento em moeda: tanto o antigo como o atual Código Civil Brasileiro, artigos 947 (Código Civil revogado) e 315 (Código Civil atual), respectivamente, dispõem que o pagamento em dinheiro far-se-á em moeda corrente. O Cheque, que pode fazer às vezes de moeda, não o é, e não tem curso forçado, de sorte que a sua recusa, não se reveste de ilicitude.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio do nominalismo, segundo o qual nas obrigações em dinheiro (hipótese dos autos), o devedor se libera pagando em moeda corrente (cf. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, vol. 2, 1994, p. 133).
O pagamento mediante cheque ocorre pro solvendo e não pro soluto, pois, se não houver fundo, tal pagamento não terá eficácia (cf. RT 490/220, 493/87, 494/58, 471/163, 486/104 e 436/154).
Assim, em decorrência da legislação em vigor (art. 315 do Código Civil c/c Lei nº. 8.880/94 c/c Lei nº. 10.192/2001) forçoso concluir que não é possível obrigar o tabelião ou o oficial de registro a aceitar o pagamento dos emolumentos em cheque.
Outro não é o entendimento doutrinário, a respeito do tema YUSSEF SAID CAHALI, discorre que:
"(...) o particular não está obrigado a receber o pagamento de seu crédito por meio de cheque, qualquer que seja o motivo invocado para a recusa, ou mesmo sem qualquer explicitação a respeito. Conceitualmente, o cheque representa uma ordem de pagamento à vista dirigida ao sacado; este é que não poderá recusar o respectivo pagamento em dinheiro, salvo se existem motivos justificáveis como a insuficiência de fundos do emitente ou irregularidade no preenchimento do título." (Dano moral. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 1998, p. 404)
Anota ainda o autor acima citado, na mesma obra, mesma página, que o professor WALDEMAR FERREIRA, concorda com o raciocínio desenvolvido.
Pela pertinência, transcrevemos as lições do professor FRAN MARTIS a respeito do tema:
"A entrega do cheque ao portador não vale como pagamento ou quitação do sacador, tal quitação só ocorre quando o banco sacado efetua o pagamento Donde se afirmar que 'não se paga com cheque', e o cheque apenas um instrumento para o pagamento se efetuar Resultado dessa compreensão é que o credor não é obrigado a receber o cheque' para a quitação de seu crédito junto ao emitente" (O cheque segundo a nova lei. Rio de Janeiro: Forense, 1986, n. 40, p. 486).
A jurisprudência, por sua vez, é uníssona em afirmar a ausência de obrigatoriedade de aceitar o cheque como moeda oficial:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECUSA EM ACEITAR CHEQUE PARA PAGAMENTO DE MERCADORIAS, SOB O FUNDAMENTO DE EXISTIR RESTRIÇÃO NO CPF DO MARIDO DA EMITENTE, OUTRO TITULAR DA CONTA CORRENTE. CIÊNCIA DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. SIMPLES ABORRECIMENTOS E DISSABORES. A eventual aceitação de outras formas de pagamento, tais como cheques e cartões, são providências usualmente adotadas apenas para facilitar a compra, tendo o comerciante o direito de conferir e consultar os órgãos competentes, a fim de evitar ocasional prejuízo, notadamente, no atual panorama econômico, onde são vítimas constantes. Não configurando, a situação narrada dor, sofrimento, ou humilhação, descabida a imputação da obrigação de indenizar pelos danos morais. Agravo retido: desprovimento. Apelação provida. 2005.001.40668 - DES. JORGE LUIZ HABIB - Julgamento: 24/01/2006 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. COMPRA NO SUPERMERCADO. CHEQUE PÓS DATADO. NÃO TEM O COMERCIANTE OBRIGAÇÃO DE ACEITAR O PAGAMENTO ATRAVÉS DE CHEQUE PÓS DATADO, NEM LHE É ILÍCITO EFETUAR DILIGÊNCIAS PARA ACEITAR TAL FORMA DE PAGAMENTO. FATO EM SI QUE NÃO CARACTERIZA O DANO MORAL INDENIZÁVEL. A JURISPRUDÊNCIA JÁ SE POSICIONOU NO SENTIDO DE QUE OS DISSABORES, A IRRITAÇÃO, OS ABORRECIMENTOS, AS MÁGOAS, NÃO CONFEREM, À QUALQUER DAS PARTES, DIREITO À REPARAÇÃO A TÍTULO DE DANO MORAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA MONOCRÁTICA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 2005.001.05285 - DES. HELDA LIMA MEIRELES - Julgamento: 03/05/2005 - SETIMA CAMARA CIVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECUSA DE PAGAMENTO DE DESPESAS COM CHEQUE PRÉ-DATADO, POR ESTABELECIMENTO COMERCIAL, EMITIDO POR EX-FUNCIONÁRIO DA EMPRESA, DEMITIDO DO EMPREGO CERCA DE DOIS MESES ANTES, CUJA SITUAÇÃO FINANCEIRA NÃO ERA, NA OCASIÃO, IDÊNTICA À DA ÉPOCA EM QUE ELE FOI ADMITIDO E RECEBEU O CARTÃO DE CLIENTE PREFERENCIAL. INOCORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO, INDISPENSÁVEL PARA GERAR A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. O COMERCIANTE TEM A FACULDADE DE REJEITAR O PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE, O QUAL REPRESENTA UMA ORDEM À VISTA E NÃO TEM O MESMO CURSO DA MOEDA, SEM QUE ESSE ATO POSSA CARACTERIZAR OFENSA A QUALQUER DIREITO DA PERSONALIDADE. PROVIDO O SEGUNDO RECURSO. PREJUDICADO O PRIMEIRO. 2007.001.43468 DES. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS - Julgamento: 05/12/2007 - SETIMA CAMARA CIVEL
Processual e Civil. Ação de indenização por dano moral por recusa de comerciante em vender a credito para consumidor que anteriormente comprara por essa forma e tivera três dos cheques devolvidos por falta de fundos. Defesa baseada no direito de recusar credito, decorrente da obrigação de só ter que vender mediante pagamento 'a vista e em moeda corrente. Procedência da ação. Apelação da ré. 1. Mesmo que a hipótese se enquadre na previsão legal, o ônus da prova não pode ser invertido na sentença, porque a Constituição Federal garante o direito de defesa e a inversão já na sentença impede o réu de pelo menos tentar desincumbir-se do ônus que não era seu mas que para ele foi transferido. 2. O vendedor de bens e o fornecedor de serviço só são obrigados a vender sua mercadoria ou fornecer o seu serviço se o pagamento for feito 'a vista e em moeda corrente, porque só esta tem circulação forcada, ou seja, imposta por lei, de forma que se o pagamento for em cheque, o comerciante não tem nenhuma obrigação de aceitá-lo (porque o cheque é mera ordem de pagamento e por isso depende da existência de fundos em poder do sacado e da própria solvência do sacado), muito menos se o cheque for pré-datado (pois este é confessadamente desprovido de fundos no momento da emissão) e por isso a simples recusa do comerciante em vender a credito não gera dano moral indenizável. 3. Apelação a que se da' provimento. (MMS) 2002.001.17495 - DES. MIGUEL ANGELO BARROS - Julgamento: 12/11/2002 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça conforme se vê do voto proferido pelo preclaro Ministro Relator Aldir Passarinho Junior, no Recurso Especial n.º 509.003 - MA (2003/0007989-1), a seguir transcrito:
PAGAMENTO COM CHEQUE. O comerciante não está obrigado a receber o pagamento em cheque eis que este é um título de crédito e não moeda oficial do país a sua recusa não viola as disposições do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, eis que é um dos elementos do contrato e não da oferta de produtos. Provimento ao recurso para reformar a sentença' (ApCív 19990310089238ACJ.DF, ReI João Timóteo de Oliveira, j. 15.08.2000, maioria, DJU 21.11.2000, p 41, www.tjdf.gov.br).
No mesmo sentido:
RECURSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. CONDUTA DO COMERCIANTE. LEGALIDADE. 1. Receber ou recusar cheque é opção do comerciante. Não há Lei que determine curso forçado dessa forma de pagamento. 2. Não comete ato ilícito o comerciante que, recebendo cheque sem provisão de fundos, encaminha o nome do emitente para cadastro de proteção ao crédito. 3. Nada impõe ao comerciante o dever de exigir identificação do emitente de cheque, tampouco de fiscalizar se o portador do talonário é mesmo o titular da conta-corrente. 4. Os danos causados à pessoa cujos documentos foram indevidamente utilizados por terceiro para, fraudulentamente, abrir conta-corrente em instituição financeira, não podem ser imputados ao comerciante que recebe pagamento em cheque sem provisão de fundos e encaminha o nome de quem consta no título a cadastro de inadimplentes. O comerciante, no caso, é tão vítima quanto quem perdeu os documentos. (REsp nº. 831336/RJ - Ministro Relator HUMBERTO GOMES DE BARROS - 3ª t. DJe 01/04/2008)
Portanto, aceitar ou não pagamento em cheque insere-se na esfera de direito do credor, tabelião ou registrador, já que a prática ou costume não induz ou substitui obrigação legal de curso forçado desse instrumento. E ao exercitar regularmente o seu direito, o tabelião ou registrador, no caso, não incide em ilícito passível de responsabilização.
Contudo, o dever de dar publicidade, afixando cartazes junto aos Serviços Notariais e de Registro, de forma visível e precisa, à política de recebimento de cheques praticada pelo Delegatário, como sugerido pelo ilustre Diretor da Divisão de Custas e Informações, nos parece uma forma adequada. Estando tal regra atendendo a chamada boa fé-objetiva, positivada em nosso ordenamento Jurídico (artigos 113, 187 e 422, todos do Código Civil Brasileiro).
Desde há muito sobreleva em importância o Princípio da Boa-fé Objetiva, cujo significado, explica JUDITH MARTINS COSTA, representa "um modelo de conduta social, arquétipo ou standart jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade". (A Boa-Fé no Direito Privado: Sistema e Tópico no Processo Obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 411).
Vale lembrar aos mais desavisados que a Lei e o contrato não são mais as únicas fontes de obrigações no Direito Brasileiro. É forçoso reconhecer, dentre as funções da boa-fé objetiva, a de criação de deveres jurídicos chamados deveres anexos ou deveres acessórios de conduta, inclusive na fase pré-contratual, e a de limitação de direitos subjetivos.
Podemos até aqui citar alguns exemplos que entre os deveres acessórios de conduta encontram-se: 1) os deveres de aviso e esclarecimento, como os da fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial e 2) o dever de dar publicidade à política de recebimento de cheques, e, como exemplo de limitação de direitos subjetivos, o estreitamento do direito de recusar cheques.
É faculdade do notário e/ou registrador aceitar o pagamento através de cheque, que constitui, tecnicamente, dação em pagamento. Nem poderia ser outro modo: o cheque não é moeda, e sim título de crédito. A ordem de pagamento dele constante pode deixar de ser cumprida, diante da inexistência de provisão de fundos junto ao banco sacado.
Existe, é certo, a prática de que pagamento, em boa parte dos negócios, seja feita dessa forma, mas tal prática não adquiriu, nem pode adquirir, o status de direito. Além disso, está condicionada, usualmente, à realização de certas rotinas verificatórias da solvabilidade do sacador, variáveis de atividade notarial e/ou de registro para atividade notarial e/ou de registro, levando-se em conta aspectos como a praça do pagamento e etc...
Frise que o cheque não é papel de curso forçado, portanto não pode o Delegatário aceitá-lo contra a sua vontade, forçadamente, posto que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Os notários e registradores que aceitarem cheques poderão consultar os bancos de dados que as Associações Comerciais colocam à disposição da sociedade através de convênios com por exemplo com o SPC ou como o Serasa, entre outros cadastros de "maus pagadores".
Como bem destacou o Diretor da Divisão de Custas e Informações no que diz respeito aos Serviços Extrajudiciais oficializados o tema já se encontra devidamente regulado, nos termos do que dispõe o art. 10 do Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ 163/2.007, observando as seguintes regras: 1) o Banco sacado faça parte do sistema de compensação de cheques deste Estado; 2) o emitente esteja consignado na GRERJ (não se aceitando chegue emitido por terceiro) e 3) lançamento do número da GRERJ no verso do cheque.
Neste diapasão, opino pela publicação de aviso para conhecimento do público em geral quanto à inexistência de obrigatoriedade de aceitação de cheque, nos Serviços Extrajudiciais privatizados, para pagamento de emolumentos, pois o cheque não é papel de curso forçado, portanto não pode o Delegatário aceitá-lo contra a sua vontade, posto que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.
De outro lado, visando uniformizar o tratamento da questão sugiro a edição de Aviso, com a finalidade de obrigar os Serviços Extrajudiciais privatizados afixar cartaz de forma visível e precisa, quanto à política de recebimento de cheque praticado naquele Serviço Extrajudicial, ou seja, se aceitam ou não o pagamento de emolumentos com cheque e, em caso positivo, explicitando as condições da aceitação do mesmo. No atinente aos Serviços Extrajudiciais Oficializados, estes deverão observarem o disposto no art. 10 do Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ 163/2.007.
Finalmente, me manifesto pelo encaminhamento deste parecer bem como da decisão ao eminente Juiz de Direito Dirigente do 2º Núcleo Regional para ciência.
Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2008.
FÁBIO RIBEIRO PORTO
Juiz de Direito
Em auxílio à Corregedoria Geral da Justiça
D E C I S Ã O
Acolho o parecer do ilustre Juiz Auxiliar, adotando como razão de decidir os fundamentos no mesmo expostos, que passam a integrar a presente decisão, para determinar a publicação de Aviso para conhecimento do público em geral quanto à inexistência de obrigatoriedade de aceitação de cheque, nos Serviços Extrajudiciais privatizados, para pagamento de emolumentos, pois o cheque não é papel de curso forçado, portanto não pode o Delegatário aceitá-lo contra a sua vontade, posto que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Contudo, os Serviços Extrajudiciais privatizados deverão afixar cartaz de forma visível e precisa, quanto à política de recebimento de cheques praticado naquele Serviço Extrajudicial, ou seja, se aceitam ou não o pagamento de emolumentos com cheques e, em caso positivo, explicitando as condições da aceitação do mesmo.
Determino, ainda, o encaminhamento da presente decisão, bem como do parecer que a precede ao eminente Juiz de Direito Dirigente do 2º Núcleo Regional para ciência.
Publique-se. Expeça-se Aviso. Cumpra-se. Após, Arquive-se.
Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2008.
Desembargador LUIZ ZVEITER
Corregedor-Geral da Justiça
AVISO Nº 668/2008
O Desembargador LUIZ ZVEITER, Corregedor-Geral da Justiça deste Estado, no uso de suas atribuições legais (artigo 44 do CODJERJ), considerando o que foi decido no procedimento n.º 240.236/2.008, AVISA aos Senhores Titulares/Delegatários, Interventores ou Responsáveis pelos Expedientes dos Serviços Extrajudiciais privatizados e oficializados deste Estado e o público em geral, quanto à inexistência de obrigatoriedade de aceitação de cheque, nos Serviços Extrajudiciais privatizados, para pagamento de emolumentos, pois o cheque não é papel de curso forçado, devendo, no entanto, os Delegatários dos Serviços Extrajudiciais privatizados afixarem cartaz de forma visível e precisa, quanto à política de recebimento de cheque praticado no Serviço Extrajudicial, ou seja, se aceitam ou não o pagamento de emolumentos com cheques e, em caso positivo, explicitando as condições da aceitação do mesmo. No atinente aos Serviços Extrajudiciais Oficializados, deverão observar o disposto art. 10 do Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ nº. 163/2007.
Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2.008.
Desembargador LUIZ ZVEITER
Corregedor-Geral da Justiça
Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.