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ATO SN19/2017

Estadual

Judiciário

03/08/2017

DJERJ, ADM, n. 223, p. 18.

- Processo Administrativo: 62776; Ano: 2017

Dispõe sobre consulta referente à exigibilidade de apresentação de certidão de feitos ajuizados para a lavratura de atos notariais - Decisão.

Processo: 2017-062776 Assunto: CONSULTA SOBRE EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO FEITOS AJUIZADOS NA LAVRATURA DE ATOS NOTARIAIS DUQUE DE CAXIAS 03 OF DE JUSTIÇA DECISÃO Trata-se de consulta formulada em caráter genérico pelo Substituto do 3º Ofício de Justiça da Comarca de Duque de Caxias... Ver mais
Texto integral

Processo: 2017-062776

Assunto: CONSULTA SOBRE EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO FEITOS AJUIZADOS NA LAVRATURA DE ATOS NOTARIAIS

DUQUE DE CAXIAS 03 OF DE JUSTIÇA

DECISÃO

 

Trata-se de consulta formulada em caráter genérico pelo Substituto do 3º Ofício de Justiça da Comarca de Duque de Caxias referente à exigibilidade de apresentação de certidão de feitos ajuizados para a lavratura de atos notariais. Aduz o consulente que a Lei nº 7.433/1985 sempre estabeleceu como requisito para a lavratura de escrituras públicas a apresentação de feitos ajuizados e, com o advento da Lei nº 13.097/2015, o parágrafo segundo do artigo 1º daquela lei teve sua redação suprimida, na parte do texto que previa a apresentação de certidão de feitos ajuizados na lavratura de atos notariais.

 

Acresce que, à luz do insculpido no parágrafo único do artigo 54 da Lei nº 13.097/1015, tendo em vista a referida alteração da Lei nº 7.433/1985, tem dúvidas sobre a necessidade de se exigir apresentação de feitos ajuizados quando da lavratura do ato notarial, especialmente relativo a imóveis.

 

Parecer e despacho da DIPEX às fls. 19/26 no sentido de recomendar a exigibilidade de certidão de feitos ajuizados quando da lavratura do ato notarial.

 

A atividade extrajudicial trata-se de função típica da Administração Pública, a qual, por sua vez, é entregue ao particular que vai gerenciá-la sob a fiscalização do Poder Judiciário. Nas palavras de Walter Ceneviva: "A atividade notarial e registrária, embora exercida em caráter privado, tem característicos típicos de serviço público".

 

Assim, o seu exercício privado por delegação do Poder Público não lhes retira o caráter público e, para atingir suas finalidades, são delegados a profissionais de direito dotados de fé pública, consoante dispõe o artigo 3º da Lei nº 8.935/94, sendo que os atos praticados pelos Delegatários são dotados de presunção relativa de veracidade, atributo dos atos praticados pelo Poder Público.

 

Importante ressaltar que, justamente por não exercer seu ofício no seio da organização funcional da Administração, com funções específicas e remuneração fixada em lei, o Delegatário da atividade extrajudicial não é ocupante de cargo público, de forma que seu exercício profissional deve ser considerado função pública por conta das inúmeras tarefas que são autorizadas a praticar, as quais seriam, na sua essência, da competência originária da Administração Pública. Neste sentido, grande parte dos doutrinadores assegura sobre a possibilidade de aplicação dos princípios específicos da Administração Pública para a atividade notarial, principalmente por serem estes muito mais exigentes e imperativos do que as normas constantes no diploma civilista.

 

Além desta função pública exercida pelos Delegatários, para os quais incidem os princípios da Administração Pública, as atividades por estes exercidas revestem se de uma maior cautela e prudência, e, nas palavras de Leonardo Brandelli, a atividade notarial opera na esfera da realização voluntária do direito, de forma que o notário molda juridicamente os negócios privados a fim de que estes se enquadrem no sistema jurídico vigente, prevenindo e evitando futuros vícios, bem como que se instaurem lides sobre a questão. Desta forma, sua função é essencialmente um mister de prudência e o é mais acentuadamente que a da maioria dos outros operadores do Direito, justamente por este sentido cautelar que a rege.

 

A compra e venda de um imóvel demanda uma avaliação cautelosa, uma vez que o posterior aparecimento de dívidas do vendedor pode implicar a reivindicação do imóvel pelos credores, situação esta que praticamente obriga o adquirente a realizar uma diligência completa não só sobre o imóvel, mas também sobre a situação do vendedor.

 

Na presente consulta, é mencionada a alteração trazida pelo Lei nº 13.097/2015 no parágrafo segundo do artigo 1º da Lei nº 7.433/85, no entanto, as alterações trazidas pela mencionada lei não têm o condão de retirar a natureza eminentemente prudencial e cautelosa da atividade notarial.

 

Aliás, importante frisar ainda que o artigo 54 da Lei nº 13.097/2015 consolidou o entendimento do enunciado da Súmula nº 375 do STJ, estabelecendo uma presunção relativa da higidez da transferência, modificação ou extinção do direito sobre o imóvel em caso de não haver o registro ou averbação do gravame ou constrição na matrícula do imóvel.

 

No entanto, trata-se de uma presunção relativa, o que afasta a hipótese absoluta de não ocorrência de fraude contra credores ou à execução. Isto porque se não houver registro ou averbação do gravame na matrícula do imóvel, deverá ser verificada existência de eventual fraude no caso concreto, onde será demonstrada a má-fé do adquirente, conforme disposto no parágrafo único do art. 54 da Lei nº 13.097/2015:

 

Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

 

Logo, se o adquirente estiver de boa-fé no momento da aquisição ou recebimento da garantia imobiliária, não poderão ser opostas as situações jurídicas indicadas pelo dispositivo legal. No entanto, a inexistência do registro ou averbações de gravames e constrições na matrícula não garante absolutamente a higidez do negócio jurídico, pois muitas são as formas de fraude à execução ou contra credores, cabendo ao notário agir com a cautela que é inerente a sua função.

 

Desta forma, não há que se entender que a simples verificação da matrícula do imóvel será medida plena para garantir a total segurança jurídica do adquirente, sendo que determinadas cautelas, como a verificação da distribuição de ações, é bastante recomendável ao comprador de imóveis.

 

Ademais, além da Lei nº 7.433/1985 e da Lei nº 13.097/2015, regulam a matéria do Decreto nº 93.240/86, que regulamenta a Lei nº 7.433/1985, o Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro - CODJERJ, e a Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça - Parte Extrajudicial.

 

Conforme o Decreto nº 93.240/1986, que regulamenta a própria lei, objeto da supressão da expressão, Lei nº 7.433/1985, é possível delimitar dois importantes comandos:

 

Art 1º- Para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, serão apresentados os seguintes documentos e certidões:

(...)

IV - a certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e a de ônus reais, expedidas pelo Registro de Imóveis competente, cujo prazo de validade, para este fim, será de 30 (trinta) dias;

V - os demais documentos e certidões, cuja apresentação seja exigida por lei.

 

Importante mencionar que enquanto a lei dispõe: "Na lavratura dos atos notariais, inclusive os relativos a imóveis ...", o decreto dispõe: "Para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis ...", de forma que no primeiro comando é possível divisar gênero (lavratura de atos notariais) e no segundo, espécie (lavratura de atos notariais relativos a imóveis. O diploma regulamentador deve ser suplementar ao diploma regulamentado, logo, manter a exigência naquele suprimida neste foi providencial, ainda mais quando se trata de espécie de gênero tratado pela lei. Nesta ordem de ideias, subsistiu no texto do regulamento a regra suprimida na lei (certidão de feitos ajuizados), a ser aplicada na lavratura de atos notariais relativos a imóveis, noutros termos disposta: "certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias". Ademais, está descrito de forma clara no inciso V que o rol de documentos exigíveis na lavratura de atos notariais relativos a imóveis não é exaustivo quando houver lei que exigir documento diverso.

 

Na esteira deste comando legal, o CODJERJ replica e amplia a regra do inciso IV no caput do seu artigo 115 (Título VI) do Livro II:

Art. 115 - Nos atos translativos de domínio, referentes a imóveis, será obrigatória a apresentação dos seguintes documentos: de identificação das partes, inclusive o pertinente ao Cadastro de Inscrição de Contribuintes (CIC), de comprovação do pagamento do imposto de transmissão 'inter vivos', certidões negativas de débitos fiscais, de comprovação da capacidade civil do alienante, referentes a ônus reais incidentes sobre o imóvel e a feitos de jurisdição contenciosa ajuizados em face do alienante.

 

E adverte:

 

§ 4º - A existência de distribuição de quaisquer feitos de jurisdição contenciosa em face da alienante não impede que se lavre a escritura pública, cabendo porém, ao Tabelião prevenir o adquirente para os riscos que eventualmente corre, consignado o fato no texto do ato notarial.

 

Por sua vez, a Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça - Parte Extrajudicial - reproduz a seguinte regra:

 

Art. 242. Conferida a documentação, o escrevente consignará:

 

VI - no caso de imóvel, tanto na escritura definitiva quanto na referente à promessa:

 

g) certidões, assim entendidas:

 

(3) de feitos de jurisdição contenciosa ajuizados (ações reais e pessoais reipersecutórias) e do Juízo orfanológico;

 

Logo, infere-se que na lavratura de atos notariais relativos a imóveis, exigir certidão de feitos ajuizados (as quais podem ser nominadas como "certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias", "feitos de jurisdição contenciosa ajuizados em face do alienante"), feitos de jurisdição contenciosa ajuizados (ações reais e pessoais reipersecutórias), além de decorrer de ordem legal (artigo 1º, incisos IV e V do Decreto nº 93.240/1986, caput do artigo 115, Título VI, do Livro III do CODJERJ) e normativa (artigo 242, inciso VI, alínea g, item 3 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça - Parte Extrajudicial), é medida preventiva contra os fortuitos previstos pelo parágrafo único do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015. Outrossim, para a lavratura dos demais atos notariais, a leitura atenta das normas de regência indicará, em cada caso, a documentação essencial à segurança e ao prudente exercício da atividade.

 

Desta forma, não há que se entender que a simples verificação da matrícula do imóvel será medida plena para garantir a total segurança jurídica do adquirente, sendo que determinadas cautelas, como a verificação da distribuição de ações, é bastante recomendável ao comprador de imóveis.

À vista do exposto, nada resta a prover nestes autos, uma vez que a consulta fora atendida.

Oficie-se ao consulente com cópia da presente decisão para ciência.

Publique-se.

Após, arquivem-se.

 

 

São Sebastião do Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2017.

 

MARCIUS DA COSTA FERREIRA

Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça

 

 

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.