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AVISO 101/2019

Estadual

Judiciário

17/12/2019

DJERJ, ADM, n. 74, p. 3.

Ofício nº 1738-SG, de 21 de novembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça que divulga Ofício nº 975/2019/GABIN, de 20 de novembro de 2019, do Gabinete da Presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama.

AVISO TJ nº 101/ 2019 Ofício nº 1738-SG, de 21 de novembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça que divulga Ofício nº 975/2019/GABIN, de 20 de novembro de 2019, do Gabinete da Presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama. O... Ver mais
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AVISO TJ nº 101/ 2019

 

 

Ofício nº 1738-SG, de 21 de novembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça que divulga Ofício nº 975/2019/GABIN, de 20 de novembro de 2019, do Gabinete da Presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama.

 

 

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES, no uso de suas atribuições legais;

 

 

A V I S A aos Senhores Magistrados com competência para processamento e julgamento de processos criminais que, por recomendação do Conselho Nacional de Justiça, faz publicar no DJERJ a íntegra do Ofício nº 975/2019/GABIN, de 20 de novembro de 2019, da Presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama, bem como documentação que o acompanha, relativa à decisão proferida por aquela Autarquia sobre a guarda de animal silvestre (psitacídeo).

 

 

Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 2019.

 

 

Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

 

 

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

GABINETE DA PRESIDÊNCIA DO IBAMA

 

OFÍCIO Nº 975/2019/GABIN

 

Brasília, 20 de novembro de 2019.

Ao Senhor

CARLOS VIEIRA VON ADAMEK

Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

SAF SUL Quadra 2 Lotes 5/6

CEP: 70070-600 Brasília-DF

E-mail: secretariageralcnj@cnj.jus.br

 

Assunto: Guarda de Animal Silvestre (Psitacídeos).

Referência: Caso responda este Ofício, indicar expressamente o Processo nº 02019.001011/2008-07.

 

Senhor Secretário-Geral,

 

1. Cumprimentando-o, encaminho para ciência e entendimento, cópia do Despacho nº 6299093/2019-GABIN, de 20 de novembro de 2019, que trata de manifestação exarada por esta Autarquia acolhendo a jurisprudência consolidada sobre o tema para reconhecer como válida a posse de psitacídeos desde que prolongada (mínimo de 8 anos) e ausente de maus-tratos, vedando-se a sua apreensão pela fiscalização do Ibama e o seu recebimento no Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), salvo se comprovado o não atendimento dos requisitos mencionados.

 

2. Por este motivo, levo ao conhecimento de Vossa Senhoria a orientação geral que passa a ser aplicada pelo Ibama para casos semelhantes, com sugestão de divulgação perante os órgãos do Poder Judiciário.

 

Atenciosamente,

 

(assinado eletronicamente)

EDUARDO FORTUNATO BIM

Presidente do Ibama

 

 

 

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

GABINETE DA PRESIDÊNCIA DO IBAMA

 

Despacho nº 6299093/2019-GABIN

 

Processo nº 02019.001011/2008-07

Interessado: Roberta Leocadie Caldas Marques

À/Ao DIPRO

CORREGEDORIA

DBFLO

Assunto: Guarda de Animal Silvestre (psitacídeo)

 

GUARDA DOMÉSTICA DE ANIMAL SILVESTRE (PSITACÍDEOS). VALIDADE NOS CASOS DE POSSE PROLONGADA E AUSÊNCIA DE MAUS-TRATOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS. VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE. ACOLHIMENTO PELO IBAMA DA TESE DA VALIDADE DA GUARDA DE PSITACÍDEOS EM POSSE PROLONGADA E AUSÊNCIA DE MAUS-TRATOS. IMPOSSIBILIDADE DE APREENSÃO OU RECEBIMENTO NOS CENTROS DE TRIAGEM DE ANIMAIS SILVESTRES (CETAS) DE PSITACÍDEOS QUANDO COMPROVADA ESSAS CONDIÇÕES.

 

RELATÓRIO

 

1. Trata-se de processo administrativo no qual a requerente, em processo iniciado em setembro de 2008, solicita autorização à Gerência Executiva do Ibama em Pernambuco - Gerex/PE (atual Superintendência do Ibama no Estado de Pernambuco - Supes/PE) para a guarda doméstica de animal silvestre Amazonas aestiva (papagaio-verdadeiro).

 

2. A requerente informou que o papagaio havia sido objeto de doação de um amigo de seu pai, juntando dados e fotos do animal silvestre que comprovam que a ave porta anilha, bem como, mediante laudo particular feito por médico veterinário, "goza de boa saúde [...] bons tratos não portando [...] qualquer doença infecto contagiosa evidente" (SEI 0486484). Foi também juntado Termo de Depósito Doméstico Provisório (anilha TDDP nº 0001/Pernambuco).

 

3. Em Relatório de Visita Técnica de 11/07/2012 foi solicitado à depositária que apresentasse os laudos médicos veterinários referentes aos últimos anos da posse (2009, 2010, 2011 e 2012), o que foi feito (SEI 0486766). Após a leitura dos laudos, a equipe da Divisão Técnica - Ditec/DF realizou vistoria in loco, tendo em vista a mudança da depositária e de seu animal para Brasília/DF, quando foi registrado que "o manejo do animal estava sendo realizado de forma adequada para a necessidade do espécime (fls. 45), tendo sido verificado que o animal possui anilha no membro pélvico esquerdo com a numeração TDDP nº 0001/PE 12008" (SEI 0486766).

 

4. Em resposta à demanda do Núcleo de Fiscalização da Ditec/PE, houve manifestação da Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro) no sentido de que a concessão de autorização para guarda de animal silvestre foi ilegal e o TDDP foi concedido de forma irregular, sugerindo a apreensão do animal (artigo 24 do Decreto 6.514/08) e a comunicação de crime ao Ministério Público em razão de cativeiro doméstico ilegal (artigo 29 da Lei 9.605/98). Foi também sugerido que os servidores envolvidos respondessem perante a Corregedoria do Ibama para análise de sua responsabilização, com a manifestação de "encaminhar o presente processo à Corregedoria para análise e providências das questões afetas às irregularidades constatadas e, ainda, à Ditec do Ibama em Recife/PE visando imediato atendimento aos preceitos legais que sejam: lavratura de auto de infração, apreensão e recolhimento do espécime" (Nota Técnica 09/2019/NUFAU-CP/COFIS/CGFIS/DIPRO, SEI 6061664).

 

5. Tendo em vista os alertas contidos na Nota Técnica 9/2019/NUFAU-CP/COFIS/CGFIS/DIPRO (6061664), encaminhada pelo Despacho 6175931/2019-DITEC-PE/SUPES-PE (6175931) a esta Presidência, mostrando o zelo dos servidores do Ibama, bem como motivado pelo requerimento de guarda doméstica do animal, afigura-se imprescindível o enfrentamento do tema de forma geral, trazendo orientações a serem seguidas, evitando a insegurança jurídica interna e, ipso facto, externa.

 

6. Como preceituado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), é dever do gestor atuar para aumentar a segurança jurídica (art. 30). Embora o poder hierárquico já fosse suficiente para trazer essa vinculação às decisões administrativas, agora a possibilidade de que o gestor pode vincular os órgãos e entidades em relação as suas orientações é indubitável, sendo dever do gestor atuar para trazer segurança jurídica e previsibilidade a sua esfera de gestão.

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

7. A questão posta no presente processo administrativo, decorrente da diligência dos servidores dessa Autarquia no trato da questão ambiental, reside na validade do termo de depósito doméstico provisório (TDDP nº 0001/PE). Entretanto, ela traz a reboque o questionamento sobre a validade da posse de animal silvestre (papagaio) por particular, que tem sido admitida por jurisprudência mansa e pacífica de nossos tribunais superiores (STF e STJ) e regionais federais (TRFs), como demonstrado adiante.

 

Validade do termo de depósito doméstico provisório (TDDP)

 

8. Conforme bem colocado pela Nota Técnica 9/2019/NUFAU-CP/COFIS/CGFIS/DIPRO (6061664), o TDDP deu a posse provisória para animal que não foi apreendido pela fiscalização e cuja a impossibilidade de destinação à soltura, a zoológicos ou entidades assemelhadas não foi comprovada nos autos:

 

O Termo de Depósito Doméstico Provisório - TDDP era à época disciplinado pela resolução Conama nº 386, de 27 de dezembro de 2006. Seu art. 1º limita a emissão àqueles espécimes apreendidos pela fiscalização. Observa-se que não foi este o caso e, portanto, já por tal fato eiva-se de vício o TDDP concedido. Observa-se, ainda, que mesmo tendo sido o espécime apreendido pela fiscalização, a possibilidade de lavratura do termo é apenas ante a impossibilidade de atendimento da destinação à soltura, a zoológicos ou entidades assemelhadas. Nenhuma destas condições prévias foi atendida ou verificada. Portanto, reitera-se que a emissão do TDDP foi irregular e ilegal.

 

9. Em relação a espécimes apreendidos pela fiscalização, não se deve fazer interpretação tão restritiva ao dispositivo legal da normativa vigente à época, até porque a entrega do animal silvestre para o Ibama foi inconteste. A apreensão deve-se considerar efetuada quando da apresentação do espécime objeto do Termo de Depósito Doméstico Provisório (anilha TDDP nº 0001/Pernambuco). Pode-se admitir o acolhimento de animais no Ibama como um ato de fiscalização, não sendo necessário para isso que haja ida em ambiente externo (campo). Apreender o animal, como destaca o artigo 1º da Resolução Conama 384/06, não necessariamente significa ir a campo, tendo, no pior cenário hermenêutico, o legislador dito menos do que gostaria (minus scripsit quam voluit), o que atrairia um resultado extensivo da interpretação. O artigo 1º da Resolução Conama 384, de 27 de dezembro de 2006 preceitua:

 

Art. 1º Disciplinar a destinação de que trata o art. 2º, § 6º , inciso II, alínea "c", do Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999, mediante a concessão de Termo de Depósito Doméstico Provisório, constante do Anexo II desta Resolução, exclusivamente quando se tratar de animais anfíbios, répteis, aves e mamíferos da fauna silvestre brasileira apreendidos pela fiscalização dos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA.

 

10. Tem-se duas formas de aproximação hermenêutica para resolver a questão, como destacado por Francesco Ferrara em obra clássica sobre hermenêutica jurídica: "A imperfeição linguística pode manifestar-se de duas formas: ou o legislador disse mais do que queria dizer, ou disse menos, quando queria dizer mais. A sua linguagem pode ser demasiado genérica, e compreender aparentemente relações que conceitualmente dela estão excluídas, ou demasiado restricta, e não abraçar em toda a sua amplitude o pensamento visado. Em suma, o legislador pode pecar por excesso ou por defeito" (Interpretação e Aplicação das Leis. Trad. Manuel A. D. de Andrade. 2ª ed. Coimbra: Arménio Amado, 1963, p. 149).

 

11. No presente caso, não apenas a interpretação literal não exclui o animal entregue ao órgão ambiental, uma vez que receber o animal também faz parte da atividade de fiscalização, como em uma exegese teleológica não haveria razão para desconsiderar a entrega como possibilitadora do TDDP porque ele foi criado visando ao bem-estar animal, não sendo um fim em si. A forma como ele chega ao órgão ambiental é acessória, sendo aspecto incidental. A prova disso é que a atual normativa sobre a matéria é expressa em reconhecer que os animais podem ser apreendidos, resgatados ou oriundos de entrega espontânea. Com efeito, a Resolução Conama 457/2013 dispõe:

 

Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre o depósito e a guarda provisórios de animais silvestres apreendidos ou resgatados pelos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como também oriundos de entrega espontânea, quando houver justificada impossibilidade das destinações previstas no § 1º do art. 25, da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, observado o disposto nos arts. 102, 105 e inciso I do art. 107 do Decreto Federal nº 6.514, de 22 de junho de 2008.

 

12. De qualquer forma, a lei posterior (Res. Conama 457/2013) possibilita expressamente a entrega espontânea, devendo ser aplicada por ser norma posterior mais benéfica (novatio legis in mellius). É o princípio constitucional da retroatividade da lei penal benéfica (CF, art. 5º, XL), aplicável ao direito administrativo sancionador pela doutrina (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 64 65; VITTA, Heraldo  arcia. A Sanção no Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 112 114; LOBO, José María Quirós. Principios de Derecho Sancionador. Granada: Colmares, 1996, p. 53 59; DELLIS, Georges. Droit Pénal et Droit Administratif:  'influence des principes du droit penal sur le droit administrative répressiv. Paris: LGDJ, 1997, p. 292) e pelo o Superior Tribunal de Justiça:

 

[...] III   Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. [STJ, 1ª T., v.u., RMS 37.031/SP, rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 08/02/2018, DJe 20/02/2018]

 

13. Por tais motivos, entendo não ter havido nulidade no TTDP nº 0001/Pernambuco por ele ter se originado de entrega espontânea.

 

14. Situação diferente, como bem apontado pela Diretoria de Proteção Ambiental, é a de que não houve análise motivada nos autos acerca da impossibilidade de destinação do animal a zoológicos, entidades assemelhadas ou mesmo ser solto. Sem motivação de que essa análise aconteceu, como bem destaca a Nota Técnica 9/2019/NUFAU CP/COFIS/CGFIS/DIPRO (6061664), haveria nulidade do ato. Entretanto, o TTDP nº 0001/Pernambuco data de 12 de setembro de 2008, tendo mais de 11 anos, o que atrai a decadência de a Administração anular os próprios atos, nos termos da Lei 9.784/99, cuja redação é cristalina ao preceituar que

decai em cinco anos o direito de anular atos favoráveis ao destinatário.

 

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má fé.

 

15. Não se poderia alegar a inaplicabilidade do artigo 54 da Lei 9.784/1999, porque ele somente é excepcionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando diante de situações de flagrante inconstitucionalidade (cf., por todos, Pleno, AR na AR 2736/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 07/06/2019, DJe 19/06/2019), o que não é o caso dos autos, uma vez que o STF se recusa a reconhecer ofensa à Constituição para os casos de guarda doméstica de animais silvestres quando em posse prolongada e ausente os maustratos, como demonstrado adiante.

 

16. De qualquer forma, apenas para argumentar, pelo princípio da proteção de confiança outra não poderia ser outra a solução, uma vez que a posse da ave está lastreada em ato do Ibama que não é isolado, uma vez que diversos atos posteriores, no caso as autorizações de transporte, trouxeram a aparência de legitimidade. Destaque-se que todos esse atos desta autarquia ambiental gozam de presunção de legitimidade. Como bem destaca Humberto Ávila, quanto maior o grau de aparência, maior a proteção de confiança nele depositada, sendo que o Direito somente funciona se lhe for atribuído a presunção da validade, o que cobra um preço: o cidadão que confia no ato estatal não pode ser prejudicado.

 

Quanto maior for o grau de aparência de legitimidade da base, maior deve ser a proteção da confiança nela depositada. A essa regra se chega, de um lado, por meio das próprias exigências de cognoscibilidade e de eficácia jurídica que compõem o princípio da segurança jurídica: para que o Direito possa servir de orientação para o cidadão, ele precisa poder ser conhecido e executável; para que ele seja cognoscível e minimamente eficaz, porém, é necessário que o cidadão confie na validade dos atos normativos que tenham sido objeto de

publicação ou de intimação, jamais os considerando suspeitos. Em outras palavras, o princípio da legalidade só funciona, e o Direito só é minimamente eficaz, se lhe for atribuída presunção de validade. Essa presunção, no entanto, cobra um preço: o cidadão que confia na validade dos atos estatais não pode, posteriormente, ser prejudicado. É que sem presunção de validade não há confiabilidade. Sem nenhuma confiabilidade, entretanto, também não há nenhuma obediência. E sem nenhuma obediência não há como existir um mínimo de efetividade.

 

[ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 375 376]

 

17. A regra de decadência do artigo 54 da Lei de Processo Administrativo Federal excepciona a máfé, impedindo o decaimento. Entretanto, essa má-fé deve ser provada pelo Estado, o que não ocorreu. Patente a boa-fé da requerente, não apenas porque não haveria como considerar de má-fé uma pessoa que leva o animal ao órgão ambiental competente, no caso o Ibama, mas porque não existe indício de omissão de informação. Ademais, também porque existe legislação que presume a boa-fé do administrado que, embora seja posterior ao ato, nada mais faz do que incorporar o princípio da presunção de boa-fé do cidadão.

 

18. Com efeito, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei 13.874/19) prevê como princípio "a presunção de boa-fé do particular" (art. 2º, II), bem como o Decreto 9.094/17, cujo comando é claro no sentido de que os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal, nos quais se inclui o Ibama, observarão como diretrizes nas relações entre si e com os usuários dos serviços públicos a "presunção de boa-fé" (art. 1º, I). O próprio Código Civil prevê, como regra, a interpretação dos negócios jurídicos conforme a boa-fé (art. 113). Ademais, a doutrina é categórica em rechaçar a presunção de má fé do administrado, devendo haver prova de ocorrência da má-fé pela Administração Pública:

 

Note-se que a Administração Pública não pode pressupor a má-fé do administrado, sem que haja comprovação de sua efetiva ocorrência, para se amparar na possibilidade de anular ato após o prazo legal. Conforme será exposto abaixo (item benefícios previdenciários), não é correta, portanto, a conduta de agente público que invalida benefício após lapso legal, a partir de alegação de má-fé do administrado, quando em realidade ocorreu erro da própria Administração em conceder o benefício a maior.

 

[NOHARA, Irena Patrícia, MARRARA, Thiago. Processo Administrativo: Lei 9.784/99 comentada. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 431]

 

19. Apenas para argumentar, ainda que fosse possível anular o TDDP nº 0001/PE, esta anulação não faria sentido porque, como se verá, a competência para o presente caso é do Estado membro e a jurisprudência é pacífica em manter a guarda doméstica na ausência de maus tratos e da posse prolongada, o que se amolda no caso em concreto.

 

20. Cumpre destacar que com o passar dos anos também ocorreu mudança legal quanto à gestão de fauna em cativeiro no país, sendo o órgão ambiental estadual o ente competente para analisar e deferir licenças, autorizações e regularizações de animais silvestres em cativeiro, conforme previsto no artigo 8º, XIX, da Lei Complementar 140 de 08 de dezembro de 2011. Nos termos da OJN 47/2013/PFE IBAMA, aprovada pelo Presidência do Ibama, em 26/03/2013, na forma de parecer normativo para toda a Autarquia, é dos Estados membros a competência residual na matéria, como é o caso da guarda doméstica.

 

21. Dessa forma, compete ao órgão ambiental estadual analisar a possibilidade de emissão de um Termo de Guarda de Animais Silvestres (TGAS) como previsto na nova Resolução vigente, cabendo, nesse momento, tendo em vista a jurisprudência pacífica sobre a matéria, manter se válido o termo de depósito doméstico provisório (TDDP) pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, para que a requerente procure a regularização ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente competente.

 

 

Da posse de animal silvestre por particular: posse prolongada e ausência de maus tratos

 

22. O histórico do processo demonstra que o animal vive no cativeiro no mínimo há vinte anos, levando-se em conta que na época da busca por regularização em 2008, declarou-se que o animal já possuía 10 anos. As fotos em 2008 exibem um animal já adulto e em boas condições de saúde, o que torna crível a declaração de idade inicial.

 

23. Quanto maior for o tempo de permanência em cativeiro, maior a dificuldade de reabilitação desses animais psitacídeos, bem como de outros animais silvestres, sendo este um dos motivos que fazem os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama estarem lotados de animais de diversas espécies, em especial papagaios e araras. Pouco mais de 50% é o percentual de reintrodução de animais na natureza oriundos dos Cetas, ou seja, quase a metade nunca mais volta para a natureza, sendo que em 2018 esse índice foi de 48,1% (https://www.ibama.gov.br/notas/2070 sistema de gestao dos centros de triagem de animaissilvestres do ibama chega integrado a plataforma de conversao de multas ambientais).

 

24. Sobre as condições de saúde e bons tratos do animal objeto do presente processo administrativo, são várias vistorias, atestados médico veterinários e licenças de transporte emitidas ao longo dos anos, o que demonstra que a requerente dedicou atenção ao animal e buscou o Ibama para regularizar a

situação. Dessa maneira, não há que se falar em maus tratos e urgência no recolhimento do animal, ao contrário, tudo converge para a manutenção da posse do animal pela requerente.

 

25. A reabilitação de papagaios e o consequente retorno à natureza, embora em muitos casos seja possível, é extremamente dificultosa nestes casos de longo cativeiro. Além disso, os Cetas do Ibama estão lotados destes animais sem condições de reabilitação na natureza ou para encaminhamento a criadouros e zoológicos, os quais também possuem grande quantidade de indivíduos destas espécies nos plantéis.

 

26. Nossos tribunais são pacíficos em reconhecer a guarda doméstica quando há posse prolongada, ausência de maus tratos aos animais silvestres e/ou de exploração ilegal do comércio.

 

27. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é unânime em reconhecer a guarda doméstica de papagaios quando adaptados ao convívio doméstico, o que pressupõe certo tempo longe da natureza, e inexistente maustratos. Com efeito, na Primeira Turma do STJ destacam-se os seguintes precedentes, sendo que o primeiro deles cita vários outros no mesmo sentido:

 

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMBIENTAL. GUARDA DOMÉSTICA DE PAPAGAIOS. ANIMAIS ADAPTADOS AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE. AGRAVO INTERNO DO IBAMA DESPROVIDO.

1. Esta Corte Superior consolidou entendimento da possibilidade de manutenção de animal silvestre em ambiente doméstico quando já adaptado ao cativeiro por muitos anos, em especial, e quando as circunstâncias fáticas não recomendarem o retorno ao seu habitat natural, como ocorreu no caso dos autos. Precedentes: AgInt no REsp. 1.389.418/PB, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 27.9.2017; AgInt no REsp. 1.553.553/PE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 28.8.2017.

2. Agravo Interno do IBAMA desprovido.

[STJ, 1ª T., v.u., AgInt no AREsp 668.359/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 28/11/2017, DJe 05/12/2017]

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. APREENSÃO DE PAPAGAIOS. AMBIENTE DOMÉSTICO. POSSE POR MAIS DE DEZ ANOS. INEXISTÊNCIA DE MAUS TRATOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1. No caso, o Tribunal Regional, ao analisar o conjunto fático probatório, concluiu que a apreensão das aves não é razoável, pois acarretaria mais prejuízo do que proteção. Assim, a alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.

2. Ademais, esta Corte, já se manifestou pela aplicação do princípio da razoabilidade em casos similares, relacionados a aves criadas por longo período em ambiente doméstico, sem qualquer indício de maus tratos ou risco de extinção.

[STJ, 1 Tª., v.u., AgRg no REsp 1.457.447/CE, rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 16/12/2014, DJe 19/12/2014]

 

28. A Segunda Turma do STJ, em acórdãos da relatoria do Ministro Herman Benjamin, entende pela validade da guarda doméstica do animal, restigiando a reiterada jurisprudência sobre o assunto, cujo precedente mais antigo (REsp 1.084.347) remonta 2010:

 

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RECORRIDO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICOPROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. In casu, o Tribunal local entendeu que "não se mostra razoável a devolução do papagaio 'Tafarel' à fauna silvestre, uma vez que está sob a guarda da autora há pelo menos vinte anos, sendo certa sua adaptação ao convívio com seres humanos, além de não haver qualquer registro ou condição de maus tratos ". Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que a ave deveria continuar sob a guarda do recorrido, porquanto criada como animal doméstico. 2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais "que vivem naturalmente fora do cativeiro", conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público. In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. 3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Precedentes: AgRg no AREsp 333105/PB, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/09/2014; AgRg no AREsp 345926/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 15/04/2014; REsp 1085045/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 04/05/2011; e REsp 1.084.347/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2010.

[STJ, 2 T., v.u., AgRg no REsp 1.483.969/ CE, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 25/11/2014, DJe 04/12/2014]

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. ANIMAL SILVESTRE EM CATIVEIRO HÁ MAIS DE 15 ANOS. PAPAGAIO. FALTA DE OMISSÃO, ART. 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DO DISPOSITIVO DA LEI FEDERAL VIOLADO. SÚMULA 284/STF. [...]

3. Em obter dictum, saliento que o Tribunal a quo observou que o animal silvestre está na posse da recorrida há mais de 15 anos, não está ameaçado de extinção e tem recebido bons tratos, por esses motivos considerou que o papagaio ficará melhor com os seus atuais donos. Precedente em caso semelhante: AgRg no REsp 1483969/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4/12/2014.

[STJ, 2ª T., v.u., REsp 1.540.740/AL, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 05/04/2016, DJe 25/05/2016]

 

29. Em termos de decisões monocráticas, tal entendimento, como não poderia deixar de ser, não se altera. Há inúmeras decisões do STJ pela manutenção da guarda doméstica do animal, cf., por exemplo,

 

AREsp 1.518.302, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 19/08/19, DJe 06/09/2019; REsp 1.503.678, rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 14/06/2018, DJe 28/06/2018; REsp 1.463.058, rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 13/06/2018, DJe 28/06/2018; REsp 1.630.861, rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 08/03/2018, DJe 22/03/2018; REsp 1.553.316, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 22/02/18, DJe 20/03/2018; REsp 1.686.095, rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 10/10/17, DJe 09/11/2017; AREsp 1.008.721, rel. Min. Assusete Magalhães, j. em 19/10/17, DJe 06/11/2017; REsp 1.459.765, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 03/10/17, DJe 10/10/2017; REsp 1.468.565, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 16/08/17, DJe 12/09/2017; REsp 1.260.373, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 09/08/17, DJe 11/09/2017; AREsp 1043932, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 12/06/17, DJe 21/06/2017; AREsp 913.233, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 12/06/17, DJe 21/06/2017; AREsp 668.359, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 12/06/2017, DJe 21/06/2017; REsp 1.587.064, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 04/05/17, DJe 08/06/2017; REsp 1.655.103, rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 21/03/2017, DJe 31/03/2017; REsp 1.384.657, rel. Min. Og Fernandes, j. em 28/03/17, DJe 29/03/2017; REsp 1.453.386, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 01/02/2017, DJe 06/02/2017; AREsp 761.467, rel. Min. Og Fernandes, j. em 29/11/16, DJe 02/12/2016; AREsp 883.308, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 28/11/16, DJe 02/12/2016; AREsp 767.696, rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 13/06/16, DJe 17/06/2016; REsp 1.467.180, rel. Min. Humberto Martins, j. em 10/02/16, DJe 15/02/2016; REsp 1.551.173, rel. Min. Humberto Martins, j. em 09/12/15, DJe 14/12/2015; REsp 1.501.035, rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 25/11/15, DJe 01/12/2015; AREsp 675.794, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 19/09/15, DJe 15/10/2015; AREsp 767.696, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 10/09/15, DJe 24/09/2015; REsp 1442297, rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 29/07/15, DJe 04/08/2015; AREsp 672.272, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 06/05/15, DJe 16/06/2015; REsp 1.514.876, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 12/03/15, DJe 06/04/2015; AREsp 663.760, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 04/03/15, DJe 17/03/2015; REsp 1.457.447, rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 19/11/14, DJe 24/11/2014; REsp 1.483.969, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 06/10/14, DJe 23/10/2014; AREsp 511.141, rel. Min. Og Fernandes, j. em 01/08/14, DJe 06/08/2014; REsp 1.433.116, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 10/02/14, DJe 28/02/2014; AREsp 345.926, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 03/02/14, DJe 10/02/2014; REsp 1.397.092, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 02/10/13, DJe 04/10/2013; REsp 1.377.015, rel. Min. Sérgio Kukina, j. em 03/05/13, DJe 09/05/2013; Ag 1.405.669, rel. Min. Castro Meira, j. em 17/08/11, DJe 19/08/2011.

 

30. Não apenas para papagaios se admite a guarda doméstica. O STJ chegou a permiti-la para macaco ("macaco barrigudo"), que vivia bem tratado há vários anos com a família, com bom estado de saúde atestado com laudo médico, não se descartando ainda o vínculo afetivo com a família (2ª T., v.u., REsp 1.085.045/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 20/09/2009, DJe 04/05/2011).

 

31. O STJ chegou a negar seguimento a recurso, ou seja, não valia a pena levá-lo ao conhecimento do colegiado, o que de certa forma acabou por ser reconhecido pelo órgão de representação judicial ao não apresentar recurso, sobre caso em que o papagaio estava há 8 (oito) anos em posse doméstica sem maus tratos ou exploração comercial (REsp 1.468.971). Da mesma forma, os TRFs da 3ª e 5 Regiões (AC 0007867-77.2008.4.03.6100 e APELREEX 0015918-32.2011.4.05.81008) e o TJSP (RNC 1002348-59.2017.8.26.0266, AC 1005891-64.2016.8.26.0053) encamparam o prazo de 8 (oito) anos . Entende-se que o prazo é razoável, possibilitando a caracterização da posse prolongada.

 

32. O Ibama já recorreu desse entendimento no Supremo Tribunal Federal (STF), tentando cassar decisão do TRF da 4ª Região, que permitiu a um casal gaúcho manter em casa um papagaio adquirido sem a devida autorização ambiental, mas a Suprema Corte rechaçou o pleito:

 

RECLAMAÇÃO - ARGUIÇÃO DE OFENSA AO POSTULADO DA RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97) - SÚMULA VINCULANTE Nº 10/STF - INAPLICABILIDADE - INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE JUÍZO OSTENSIVO OU DISFARÇADO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE QUALQUER ATO ESTATAL - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

[STF, 2ª T., v.u, Rcl 10.595 AgR, rel. Min. Celso de Mello, j. em 21/10/2014, DJe 06/02/2015]. No mesmo sentido, cf., v.u., RE 1.103.448/PB, rel. Min. Edson Fachin, j. em 11/10/2019, DJe 23/10/2019

 

33. O Ibama vem contestando no STF a jurisprudência pacífica do STJ pela via do Recurso Extraordinário, mas igualmente não vem obtendo sucesso, sendo tratado como questão de prova ou de ofensa indireta à Constituição Federal, não havendo malferimento à Lei Maior na tese em si (v.g., RE 1.133.551/RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 05/09/2018, DJe 11/09/2018; ARE 993.763/RS, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. em 12/04/2018, DJe 19/04/2018; RE 1.103.448/PB, rel. Min. Edson Fachin, j. em 04/04/2018, DJe 09/04/2018; ARE 1.061.782/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. em 31/08/2017, DJe 06/09/2017; ARE 981.964/RS, rel. Min. Edson Fachin, j. em 08/08/2016, DJe 15/08/2016; ARE 875.986/PE, rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 06/04/2015, DJe 09/04/2015; ARE 725.815/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 01/02/2013, DJe 07/02/2013). Ressalte-se que esses casos transitaram em julgado e não foram objeto de recurso por parte do órgão de representação judicial, exceto pelo RE 1.103.448, que teve recurso, mas cuja consequência foi a imposição da multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC, mostrando inequivocamente como a tese é pacífica.

 

34. Nos Tribunais Regionais Federais a situação não é diferente, valendo citar as decisões mais recentes e em caráter amostral, mas que são suficientes para demonstrar o entendimento jurisprudencial.

 

35. No TRF da 1ª Região, cf., por exemplo, 6ª T., v.u., AC 0021824-81.2009.4.01.3800, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. em 12/08/2019, e-DJF1 23/08/2019; 6ª T., v.u., AC 0003131-94.2010.4.01.4000, rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, j. em 11/06/2018, e-DJF1 22/06/2018; 6ª T., v.u., AC 0018015-37.2014.4.01.3500, rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, j. em 13/04/2018, e-DJF1 04/05/2018; 6ª T., v.u., AC 0027018-93.2012.4.01.3400, rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, j. em 25/09/2017, e-DJF1 09/10/2017; 6ª T., v.u., AC 0025231-51.2016.4.01.3800, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. em 21/08/2017, e-DJF1 01/09/2017; 6ª T., v.u., AC 0002971-06.2009.4.01.4000, rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, j. em 14/08/2017, e-DJF1 25/08/2017; 5ª T., v.u., AC 0007018-04.2010.4.01.3801, rel. Des. Fed. Souza Prudente, j. em 10/07/2019, e-DJF1 22/08/2019; 5ª T., v.u., AC 0042477-65.2013.4.01.3800, rel. Des. Fed. Souza Prudente, j. em 03/07/2019, e DJF1 15/07/2019; 5ª T., v.u., AC 0013403-39.2008.4.01.3800, rel. Des. Fed. Souza Prudente, j. em 03/07/2019, e-DJF1 11/07/2019; 5ª T., v.u., AC 0013799-74.2012.4.01.3800, rel. Des. Fed. Néviton Guedes, j. em 22/06/2016, e-DJF1 01/07/2016; 6ª T., v.u., AC 0010517-53.2011.4.01.3803, rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, j. em 30/11/2015, e-DJF1 11/12/2015; 5ª T., v.u., AC 0025548-02.2013.4.01.3300, rel. Des. Fed. Néviton Guedes, j. em 01/10/2014, e-DJF1 03/11/2014; 6ª T., v.u., AC 0030639-04.2008.4.01.3800, rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. em 23/03/2012, e-DJF1 13/04/2012, p. 1040.

 

36. No TRF da 2ª Região, cf., por exemplo, 5ª T. Especializada, APELREEX 0031530-03.2016.4.02.5001, rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, j. em 08/02/2019, e-DJF2R 13/02/2019; 8ª T. Especializada, MS 0011771 21.2016.4.02.0000, rela. Desa. Fed. Vera Lúcia Lima, j. em 01/12/2017, e-DJF2R 07/12/2017; 5ª T. Especializada, AC 0004497-09.2014.4.02.5001, rel. Des. Fed. Jose Eduardo Nobre Matta, j. em 10/08/2017, e-DJF2R 16/08/2017; 8ª T. Especializada, APELREEX 0001034-96.2014.4.02.5118, rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, j. em 14/07/2016, e-DJF2R 20/07/2016; 6ª T. Especializada, AC 0107030-46.2014.4.02.5001, rela. Desa. Fed. Nizete Lobato Carmo, j. em 14/07/2016, e-DJF2R 20/07/2016; 8ª T. Especializada, AC 0003585-42.2010.4.02.5101, rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, j. em 04/09/2015, e-DJF2R 16/09/2015.

 

37. No TRF da 3ª Região, cf., por exemplo, 3ª T., ApReeNec 5014261-63.2018.4.03.6100, rela. Desa. Fed. Cecilia Marcondes, j. em 19/09/2019; 6ª T., ApCiv 1458841 (0034616-40.2009.4.03.9999), rela. Desa. Fed. Diva Marlebi, j. em 25/07/2019, e-DJF3 Judicial 1 02/08/2019; 6ª T., ApCiv 5000533-77.2017.4.03.6103, rel. Des. Fed. Johonson Di Salvo, j. em 18/03/2019, e- DJF3 Judicial 1 22/03/2019; 6ª T., v.u., Ap 1902776 (0020180-02.2010.4.03.6100), rel. Des. Fed. Johonson Di Salvo, j. em 22/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 02/03/2018; 6ª T., AI 5000564-10.2016.4.03.0000, rel. Des. Fed. Johonson Di Salvo, j. em 09/06/2017, e- DJF3 Judicial 1 14/06/2017; 3ª T., AI 448690 (0023893-15.2011.4.03.0000), rel. Des. Fed. Nery Junior, j. em 04/08/2016, e-DJF3 Judicial 1 15/08/2016; 6ª T., v.u., ApReeNec 332016-(0021500 87.2010.4.03.6100), rel. Des. Fed. Johonson Di Salvo, j. em 13/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 21/08/2015; 3ª T., ApReeNec 1591555-(0016870-22.2009.4.03.6100), rel. Des. Fed. Carlos Muta, j. em 04/12/2014, e-DJF3 Judicial 1 10/12/2014; 6ª T., v.u., AC 0011660-62.2006.4.03.6110, rel. Des. Fed. Johonson Di Salvo, j. em 27/11/2014, e-DJF3 Judicial 1 05/12/2014; 6ª T., v.u., Ap 1470533 (0007867 77.2008.4.03.6100), rel. Juiz Conv. Herbert de Bruyn, j. em 06/06/2013, e DJF3 Judicial 1 14/06/2013; 6ª T., v.u., ApReeNec 322182 (0016203 41.2006.4.03.6100), rel. Juiz Conv. Herbert de Bruyn, j. em 18/04/2013, e DJF3 Judicial 1 25/04/2013; 3ª T., v.u., ApReeNec 329304 (0019575-56.2010.4.03.6100), rel. DEs. Fed. Nery Junior, j. em 22/09/2011, e-DJF3 Judicial 1 03/11/2011.

 

38. No TRF da 4ª Região, cf, por exemplo, 4ª T., AC 5005994-76.2018.4.04.7102, rel. Des. Fed. Cândido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 16/10/2019; 2ª T., AC 5000052-38.2016.4.04.7133, rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, juntado aos autos em 05/09/2019; 4ª T., AC 5032439-54.2015.4.04.7000, rel. Des. Fed. Cândido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 29/11/2018; 4ª T., AC 5008521-69.2016.4.04.7102, rel. Des. Fed. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 16/08/2018; 3ª T., AC 5003459-05.2017.4.04.7105, rel. Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 23/08/2018; 3ª T., AC 5024527-10.2014.4.04.7107, rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 06/09/2016; 4ª T., v.u., AC 5001285-32.2013.4.04.7115, rela. Desa. Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 24/05/2016; 4ª T., v.u., AC 5003978-64.2014.4.04.7014, rel. Des. Fed. Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 19/02/2016; 4ª T., v.u., AC 5017210-58.2014.4.04.7107, rel. Des. Fed. Cândido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 16/07/2015; 4ª T., v.u., AC 5003707-43.2014.4.04.7115, rel. Des. Fed. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 17/06/2015; 3ª T., v.u., AC 5006753-94.2014.4.04.7000, rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 14/04/2015; 3ª T., v.u., APELREEX 5002779-60.2012.4.04.7213, rel. Des. Fed. Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 17/07/2014; 3ª T., v.u., APELREEX 5065559 21.2011.4.04.7100, rel. Des. Fed. Nicolau Konkel Júnior, juntado aos autos em 23/08/2012.

 

39. No TRF da 5ª Região, cf., por exemplo, 2ª T., v.u., EDAG 0800754-63.2019.4.05.0000, rel. Des. Fed. Leonardo Carvalho, j. em 13/08/2019; 1ª T., v.u., AC 0808460-34.2016.4.05.8300, rel. Des. Fed. Alexandre Costa de Luna Freire, j. em 14/11/2018; 4ª T., v.u., AC 0800329-87.2018.4.05.8401, rel. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto, j. em 19/10/2018; 2ª T., v.u., AI 0800890-31.2017.4.05.0000, rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, j. em 08/06/2017; 1ª T., v.u., APELREEX 0800222-44.2016.4.05.8100, rel. Des. Fed. Leonardo Resende Martins (conv.), j. em 15/05/2018,; 1ª T., v.u., AC 0000413-17.2017.4.05.9999 (593690), rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, j. em 08/02/2018, DJe 23/02/2018, p. 96; 2ª T., v.u., APELREEX 0001421-29.2010.4.05.83.00, rel. Des. Fed. Ivan Lira de Carvalho (conv.), j. em 06/12/2016, DJe 10/02/2017, p. 76; 2ª T., v.u., APELREEX 0801609 02.2013.4.05.8100, rel. Des. Fed. Raimundo Alves de Campos Jr. (conv.), j. em 03/02/2015; 1ª T., v.u., AC 0800111-40.2014.4.05.8000, rel. Des. Fed. Manoel Erhardt, j. em 14/08/2014; 1ª T., v.u., APELREEX 2008.81.00001710901 (8635/01), rel. Des. Fed. José Maria Lucena, j. em 24/07/2014, DJe 31/07/2014, p. 44; 4ª T., v.u., APELREEX 2009.81.00005644 2 (29653), rel. Des. Fed. Emiliano Zapata Leitão (conv.), j. em 14/01/2014, DJe 16/01/2014, p. 201; 3ª T., v.u., APELREEX 0004751 81.2012.4.05.8100, rel. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto (conv.), j. em 14/11/2013, DJe 26/11/2013, p. 126; 4ª T., v.u., APELREEX 0015918 32.2011.4.05.8100, rel. Des. Fed., Lazaro Guimarães, j. em 08/10/2013, DJe 17/10/2013, p. 348.

 

40. Embora o Ibama não se submeta à Justiça Estadual, por força do artigo 109, I, da CF, existem precedentes no mesmo sentido das cortes federais: TJSP, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, v.u., Remessa Necessária Cível 1009897-21.2018.8.26.0223, rel Des. Luis Fernando Nishi, j. em 04/07/2019; TJSP, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, v.u., AC 1052816-84.2017.8.26.0053, rel Des. Luis Fernando Nishi, j. em 16/05/2019; TJSP, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, v.u., Remessa Necessária Cível 1002348-59.2017.8.26.0266, rel. Des. Roberto Maia, j. em 26/04/2018; TJSP, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, AC 1005891-64.2016.8.26.0053, rel. Des. Nogueira Diefenthaler, j. em 25/10/2017; TJRS, 22 ª Câmara Cível, v.u., Reexame Necessário 70079618559. rel. Des. Luiz Felipe Silveira Difini, j. em 28/01/2019. DJe 01/02/2019; TJRS, 2ª Câmara Cível, v.u., Reexame Necessário 70069022945, rela. Desa. Lúcia de Fátima Cerveira, j. em 27/07/2016; TJRS, 21 ª Câmara Cível, v.u., Apelação e Reexame Necessário 70067177758, rel. Des. Marco Aurélio Heinz, j. em 02/12/2015; TJGO, 2ª Câmara Cível, Apelação 0066254-14.2016.8.09.0051, rel. Des. Carlos Alberto França, j. em 21/03/2018, DJe 21/03/2018; TJMG, 6ª Câmara Cível, AI 1.0000.15.029602 8/001, rel. Des. Claret de Moraes, j. em 02/02/0016.

 

41. Em suma, é maciça a jurisprudência formada admitindo a tese de guarda em cativeiro doméstico de animais silvestres desde que em posse prolongada e bem tratados, não sendo aconselhável que o Ibama ignore tal entendimento, gerando judicializações desnecessárias e desgastantes para o cidadão, a sociedade, o Judiciário e a própria Autarquia.

 

42. A própria Procuradoria Geral da República, em diversos pareceres, também opina pela manutenção da guarda doméstica do animal silvestre quando em posse prolongada e ausente os maus tratos (cf., exemplificadamente, Parecer 9246/2017/AR/SPGR, juntado ao REsp 1503678/CE; Parecer 38.291/2017-MGMF, juntado ao REsp 1.686.095; Parecer 30.460/2016-MGMF, juntado ao REsp 1.467.180/CE; Parecer 5671/2016 - SPGR/DV, juntado ao REsp 1.540.740/AL; Parecer 6843/2014-JBBA, juntado ao REsp 1.442.297/PB; Parecer 11.302/2014-C-JFMA, juntado ao REsp 1.260.373/RS).

 

43. O princípio da juridicidade/legalidade deve pautar o administrador público (v.g., CF, art. 37, caput, Lei 9.784/99, art. 2º, caput e parágrafo único, I), em nada contribuindo para aumentar a segurança jurídica, dever da autoridade pública (LINDB, art. 30), não reconhecer o direito à regularização da guarda doméstica de animal silvestre bem tratado e na posse do particular por longo período de tempo, sem intuito comercial. Nesse cenário de intensa e longa judicialização é difícil afirmar que existem argumentos utilizados por esta Autarquia que não foram analisados e rechaçados pelos nossos tribunais.

 

44. Ademais, apreender ou receber animais bem tratados e em posse prolongada em Cetas gera gastos desnecessários violando os princípios constitucionais da economicidade e da eficiência, pois movimenta órgãos ambientais para, depois de movimentar a congestionada máquina judiciária, devolver o animal a quem estava com ele. Há gasto de recursos humanos e materiais do Estado em atividade que contraria pacífica jurisprudência, enquanto se deveria empregar esses mesmos recursos em outras ações da política ambiental que não são rechaçadas pelo Poder Judiciário. Não discriminar pessoas que se encontram em situações fáticas e jurídicas similares (posse prolongada de psitacídeo sem maus tratos) não apenas prestigia o princípio constitucional da igualdade (CF, art. 5º, caput), mas também do da eficiência (CF, art. 37, caput), uma vez que desestimula a litigância da questão decidida.

 

45. Essa postura de não enfrentar a jurisprudência consolidada tem sido destacada pela doutrina em relação à advocacia pública por causa da vinculação da Administração Pública aos precedentes judiciais: "O comprometimento do advogado público com os precedentes judiciais significa não fechar os olhos às reiteradas decisões que já reconheçam um determinado direito, apenas em nome de uma atuação evidentemente protelatória" (PEREIRA, Aline Carvalho, FERREIRA, Fernanda Macedo. Vinculação da Administração Pública aos precedentes judiciais: uma análise do papel da advocacia pública na efetivação de direitos fundamentais, Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, nº 1, p. 367 380, 2015, p. 374). A própria advocacia pública vem evitando recorrer de teses nas quais há jurisprudência consolidada dos tribunais superiores em sentido desfavorável, conforme se observa, por exemplo, na Portaria PGFN 502/2016 (art. 2º, VII). A LC 73/93 também autoriza o Advogado Geral da União a editar súmula administrativa resultante "de jurisprudência iterativa dos Tribunais" (art. 4º, XII) bem como dispensar a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo "iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores (Lei 9.469/97, art. 4º). Também é digno de se mencionar a possibilidade de o Ministro da Previdência e Assistência Social autorizar o INSS de recorrer em processos judiciais em face de "jurisprudência consolidada do STF ou dos tribunais superiores" (Lei 8.213/91, art. 131).

 

46. Recorrer contra jurisprudência consolidada somente gera desperdício de recursos estatais, com o pagamento de custas, honorários advocatícios e eventuais multas processuais. Viola a eficiência e economicidade administrativas, pois ao dispender energia em teses perdidas na Justiça a pretexto de estar defendendo o interesse "público", o Estado, ao aparentar ser zeloso, deixa de tutelar diversas agressões, verdadeiramente ilegítimas, impostas às políticas públicas que lhe competem (FREITAS, Juarez. Respeito aos precedentes judiciais iterativos pela Administração Pública. A&C - Revista de Direito Administrativo & Constitucional, n. 1, Curitiba, Juruá, p. 13 22, 1999, p. 15 16; HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C - R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, p. 63 91, jan./mar. 2015, p. 77).

 

47. Nada mais injusto do que não obter um direito pacificamente reconhecido pelos tribunais somente porque não ajuizou ação judicial para obtê lo, uma vez que o critério de distinção entre, no caso, quem obtém a guarda do psitacídeo e de quem não a obtém, é acesso ao Poder Judiciário. Como destacado por Daniel Wunder Hachem, a "discriminação ilegítima decorrente do provimento isolado conduz a um tratamento desigual entre "cidadãos 'com sentença' e 'sem sentença'", sem que haja fundamento jurídicoconstitucional a autorizá-lo. E a consequência dessa postura é a conversão do Judiciário na "porta das esperanças" para a reivindicação de benefícios sociais que deveriam ser naturalmente proporcionados pelo Estado. A parcela da população alijada do acesso à Justiça - em geral, a mais carente de tais prestações - passa a ser ainda mais desfavorecida" (Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C - R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, 2015, p. 76).

 

48. Deve o gestor público atuar para corrigir essa distorção sempre que possível.

 

49. É anti-isonômico assegurar direitos apenas à parcela da população que logra acesso ao Judiciário, deixando à deriva todos os demais cidadãos que compartilham a mesma situação jurídica por não acessar a via judicial. A tutela jurídica não deve ser apenas eficaz, mas também igualitária, motivo pelo qual é preciso encontrar ferramentas no direito administrativo que vinculem a Administração Pública às decisões estatais prévias administrativas ou judiciais que reconheceram certos direitos, estendendo esse reconhecimento a todos os demais titulares que venham a reivindicá lo (HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C - R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, p. 65). A conclusão não poderia ser mais clara:

 

A Administração Pública, ao decidir os processos administrativos submetidos à sua apreciação, está sujeita ao dever jurídico de respeitar os precedentes administrativos e judiciais já consolidados em favor dos direitos do cidadão como forma de assegurar-lhes uma proteção igualitária. Trata-se de uma exigência: (i) do direito fundamental à igualdade (art. 3º, IV, e art. 5º, caput, da CF); (ii) do direito fundamental à proibição de discriminação atentatória contra os direitos fundamentais (art. 5º, XLI, da CF); (iii) do princípio constitucional da impessoalidade administrativa (art. 37, caput, da CF); (iv) do direito fundamental à segurança jurídica (art. 5º, caput, da CF) e à proteção da confiança legítima.

[Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais, A&C - R. de Dir. Administrativo & Constitucional, a. 15, nº 59, 2015, p. 66 - destaques no original]

 

50. A possibilidade de o gestor público baixar orientações gerais a seus subordinados sanando dúvida e uniformizando a conduta administrativa não é algo novo, mas se tornou insofismável após o artigo 30 da LINDB.

 

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.

 

51. Para Egon Bockmann Moreira e Paula Pessoa Pereira, esse dispositivo legal "diz respeito ao dever de instauração da segurança jurídica" e esse dever é "atribuído, de modo imediato, primário e vinculante, pela própria LINDB, a todas as autoridades públicas que profiram decisões e manejem casos de Direito Público" (Art. 30 da LINDB - O dever público de incrementar a segurança jurídica, Revista de Direito Administrativo, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 243 274, nov. 2018, p. 247). Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas doutrinam que o artigo 30 da LINDB "teve o desiderato de realizar o trespasse da stare decisis às decisões administrativas" (Comentários à Lei nº 13.655/2018 - Lei da segurança para a inovação pública. 1ª reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 160), ou seja, possibilita o efeito vinculante de decisões administrativas no âmbito da própria entidade ou órgão que o expediu (art. 30, parágrafo único).

 

52. Para evitar a violação à isonomia, com a manutenção da diferenciação entre os que obtém a guarda porque têm ordem judicial e os que não a mantém pela ausência de comando vindo do judiciário, bem como ao princípio da juridicidade, tomando atitude reiteradamente repelida pelas nossas cortes de justiça (jurisprudência iterativa e consolidada), faz-se necessário expedir recomendação geral reconhecendo o direito à guarda do psitacídeo quando ausente os maus tratos e diante da posse prolongada.

 

53. Embora a gestão da fauna esteja majoritariamente com os Estados membros, o tema interessa ao Ibama pela existência de fiscalização ambiental, de competência comum, e recepção de animais nos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas). Assim, nas respectivas atividades, somente se considerará ilícita a posse de animal silvestre (psitacídeos) quando não houver posse prolongada ou existir maus tratos. Obviamente que a exploração ilegal do comércio também impede o reconhecimento da licitude guarda do psitacídeo, mas que comercializa não detém a posse prolongada do animal.

 

54. Deve a fiscalização ambiental atentar para esses requisitos, abstendo se de apreender o animal diante da comprovação da posse prolongada (mínimo de 8 anos) e da ausência de maus tratos, orientando a procura ao órgão estadual para a sua regularização. Da mesma forma, não faria sentido vedar a apreensão do animal e liberar a sua recepção pelos Centros de Triagem de Animais Silvestres. Os Cetas devem se abster de receber animais sem que haja a prova de que havia maus tratos ou, na sua inexistência, que a posse pelo particular não era prolongada. Essa restrição não se aplica a animais abandonados, resgatados, entregues, mas é importante para que não se deixe entrar pela janela o que se expulsou pela porta.

 

 

CONCLUSÃO

 

55. Pelo exposto, decide-se pela manutenção da guarda provisória do Amazonas aestiva a interessada pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias ou até decisão do OEMA/PE, o que vier primeiro, validando o termo de depósito doméstico provisório (TDDP) e remetendo cópia dos presentes autos ao OEMA/PE para que decida sobre a questão.

 

56. Firma-se como orientação geral (LINDB, art. 30), a ser seguida pelo Ibama, a validade da posse de psitacídeos desde que prolongada (mínimo de 8 anos) e ausente maus tratos, vedando-se a sua apreensão pela fiscalização e o seu recebimento no Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), salvo se comprovado o não atendimento dos requisitos mencionados.

 

57. Encaminho o presente despacho à Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro), à Diretoria de de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas (DBFLO) e à Corregedoria (Coger) para conhecimento e aplicação interna.

 

58. Determino que à DBFLO regulamente o Termo de Guarda de Animais Silvestres (TGAS) no âmbito do Ibama e que seja remetida cópia deste despacho ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), à Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), à Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anama), para conhecimento e eventual divulgação interna.

 

Atenciosamente,

 

(assinado eletronicamente)

EDUARDO FORTUNATO BIM

Presidente do Ibama

 

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.