ATO SN4/2020
Estadual
Judiciário
29/10/2020
03/11/2020
DJERJ, ADM, n. 42, p. 15.
- Processo Administrativo: 0667131; Ano: 2020
Dispõe sobre apresentação do relatório com os principais fatos e etapas do processo de impeachment de Wilson Witzel, nos termos do procedimento aprovado pelo Tribunal Especial Misto - Decisão.
DJERJ, ADM, n. 67, de 14/12/2021, p. 44
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Ciente e arquivem-se.
Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2021.
Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 214, de 27/07/2021, p. 34
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
Encaminhe-se a 3ª Vice-Presidência para autuação e remessa à Suprema Corte.
Rio de Janeiro, 23 de julho de 2021.
Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 206, de 15/07/2021, p. 23
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Intime-se o agravado para oferecimento de resposta, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 1.042, §3º do Código do Processo Civil.
Rio de Janeiro, 13 de julho de 2021.
Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 199, de 06/07/2021, p. 15
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Desde a Constituição de 1934 o processo de impeachment deixou de ser criminal passando a ser de natureza política, já que não produz efeitos atinentes à liberdade e bens do homem, mas tem por escopo o afastamento do exercício do múnus público através da perda do cargo e inabilitação até cinco anos, a teor da Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 1950, salvaguardando se a responsabilidade civil ou penal perquiridas em via própria.
A esse respeito mencione-se:
O impeachment perante o direito brasileiro não tem caráter jurisdicional. É substancialmente administrativo, valendo como uma defesa da pessoa jurídica de direito público político, de existência necessária, contra o "improbus" administrador. Se tivesse caráter jurisdicional, o acusado ficaria sujeito a dois processos contenciosos, um de competência do Poder Legislativo, e outro, do Poder Judiciário; responderia duas vezes pelo mesmo fato e deveria suportar duas condenações (CRETELLA, 1992) (1)
Instituto que tem feição política, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgados segundo critérios políticos (BROSSARD, 1992, p 75). (2)
Trata-se, pois, de um processo administrativo ou político e de uma natureza disciplinar; pois assim se explica a razão por que a cumulação de pena imposta ao Presidente da República pelo Senado e da pena criminal imposta pelos tribunais ordinários, não constitui violação do princípio non bis in idem; do mesmo modo por que esse princípio não é ofendido, quando o empregado público, punido administrativamente, é depois processado e punido criminalmente pelos tribunais, e em razão do mesmo delito (BROSSARD, 1992, p. 78). (3)
Encerrado o julgamento, põe-se fim ao rito estabelecido pelo Tribunal Especial Misto no que tange à aplicação da norma processual penal supletivamente, devendo a análise de admissibilidade do Recurso Extraordinário interposto ser feita com base na legislação civil e normas regimentais do Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Isto posto, em juízo de admissibilidade, considerando a ausência de recolhimento em dobro do preparo recursal (index 2384525), a teor do preconizado no §4º do artigo 1.007 do Código de Processo Civil, DEIXO DE CONHECER o Recurso Extraordinário interposto para DECLARÁ-LO DESERTO, nos termos do artigo 1.007, caput, do referido diploma legal.
Intimem-se. Após, arquivem-se.
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2021.
Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
Notas de Rodapé:
1 - CRETELLA JUNIOR, José. Do Impeachment no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 18.
2 - PINTO, Paulo Brossard de Souza. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 75.
3 - Ibidem, p. 78.
DJERJ, ADM, n. 183, de 14/06/2021, p. 10
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Ante a ausência de comprovação do preparo recursal no ato de interposição (index 2285240), INTIME-SE o recorrente para recolhimento, na forma do artigo 1.007, §4º do Código de Processo Civil, no prazo de 05 (cinco) dias.
Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 163, de 13/05/2021, p. 13
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
PRESIDENTE:
Exmo. Sr. Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira
MEMBROS:
Exmo. Sr. Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho
Exmo. Sr. Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva
Exma. Sra. Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves
Exma. Sra. Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo
Exma. Sra. Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello
Exmo. Sr. Deputado Estadual Alexandre Freitas
Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado
Exmo. Sr. Deputado Estadual Waldeck Carneiro (Relator)
Exma. Sra. Deputada Estadual Dani Monteiro
Exmo. Sr. Deputado Estadual Carlos Macedo
ACÓRDÃO
PROCESSO N° 2020-0667131
RELATOR: DEPUTADO WALDECK CARNEIRO
PROCESSO N.º 2020/0667131
DENUNCIANTE(S): EXMO. SR. DEPUTADO ESTADUAL LUIZ PAULO CORREA DA ROCHA E EXMA. SRA. DEPUTADA ESTADUAL LUCIA HELENA PINTO DE BARROS
DENUNCIADO: EXMO. SR. GOVERNADOR WILSON JOSÉ WITZEL
RELATOR: EXMO. SR. DEPUTADO ESTADUAL WALDECK CARNEIRO
EMENTA: Crime de Responsabilidade. Denúncia contra o Governador do Estado do Rio de Janeiro. Incidência da Lei Federal n° 1.079/1950, segundo as balizas da Súmula Vinculante n° 46 e do julgamento de mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 378-DF, ambos do Supremo Tribunal Federal. Competência do Tribunal Especial Misto. Pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, em 11 de março de 2020. Imputações de improbidade na administração e conduta incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo de Governador do Estado, em virtude da requalificação supostamente delituosa do Instituto Unir Saúde, bem como da alegada improbidade da avença com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde. Fatos sobejamente comprovados. Incidência, em ambos os eixos da Denúncia, do art. 9°, item 7, da Lei Federal n° 1.079/1950. Culpabilidade configurada. Circunstâncias e consequências dos crimes de responsabilidade que determinam a condenação, em ambos os eixos, à perda do cargo eletivo e à consequente inabilitação por cinco anos para o exercício de qualquer função pública, nos termos do caput do art. 78 do mesmo diploma.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de processo especial por crime de responsabilidade, em que são denunciantes o Excelentíssimo Senhor Deputado Luiz Paulo Correa da Rocha e a Excelentíssima Senhora Deputada Lucia Helena Pinto de Barros, acordam os Membros do Tribunal Especial Misto, em sessão presencial, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, em conformidade com a ata de julgamento: por unanimidade de votos, acolher a pretensão acusatória, julgando procedente o pedido para condenar o réu à perda do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro e à inabilitação para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de cinco anos, nos termos do artigo 4º, inciso v, do artigo 9º, item 7, e do artigo 78, todos da Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 1950.
RELATÓRIO
O Relatório consta no Index 2082805.
VOTO
Preliminares
Em suas Alegações Finais, apresentadas no dia 27 de abril do corrente, a Defesa arguiu preliminarmente: (a) a inépcia da Denúncia e a ausência do libelo acusatório; (b) a ofensa à Súmula Vinculante n° 14, do Supremo Tribunal Federal, que trata da imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do processo; (c) o cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de provas periciais.
No caso concreto, busca a combativa Defesa o reconhecimento das citadas preliminares arguidas, pedindo: a) no que tange à primeira preliminar, que "seja anulado o processo desde sua origem"; b) no que tange à segunda preliminar, que "seja anulada a oitiva do ex-Secretário e delator, Edmar Santos, bem como o interrogatório do Governador Wilson Witzel"; c) no que tange à terceira preliminar, que seja declarada a "nulidade do feito desde o início da instrução".
Primeira Preliminar
Com relação à primeira preliminar arguida, qual seja, a inépcia da Denúncia e a ausência do libelo acusatório, o próprio legislador, ao editar a Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950, consagrou, em seu artigo 59, a apresentação do libelo como uma "faculdade", deixando cristalina a sua natureza discricionária. Vejamos:
"Art. 59. Decorridos esses prazos, com o libelo e a contrariedade ou sem eles, serão os autos remetidos, em original, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ou ao seu substituto legal, quando seja ele o denunciado, comunicando-se lhe o dia designado para o julgamento e convidando-o para presidir a sessão." (grifos nossos)
Ademais, o rito procedimental aplicável ao processo de impeachment de governadores está insculpido nos artigos 74 a 79 da aludida Lei nº 1.079/50. Nessa sequência de dispositivos, porém, não se faz qualquer referência à obrigatoriedade de apresentação do libelo acusatório. Logo, a ausência de disciplinamento legal sobre a exigência de apresentação de libelo acusatório, no que tange ao processo de impeachment de governadores, configurou-se como escolha do legislador.
É nessa exata perspectiva que se insere o entendimento adotado pelo eminente Relator, Ministro Alexandre de Moraes, do egrégio Supremo Tribunal Federal, quando proferiu sua r. Decisão, dirimindo os mesmíssimos questionamentos da Defesa, nos autos da Reclamação Constitucional n° 46.835-RJ:
"(...) não havendo falar em lacuna a ser preenchida pela aplicação subsidiária do rito procedimental referente ao Presidente da República, motivo pelo qual sequer há falar em indevida aplicação da Lei Federal pelo órgão julgador reclamado".
E prossegue o insigne Ministro, referindo-se ao caso concreto ora em apreço:
"Seja como for, ainda que houvesse a possibilidade de apresentação de libelo acusatório ao procedimento referente aos governadores, não há que se falar em prejuízo no presente caso, a partir da perspectiva do exercício concreto da ampla defesa, garantia constitucional aos acusados de maneira geral."
Por fim, importa acrescentar que o Réu, desde a apresentação de seu primeiro instrumento de defesa a este Tribunal Especial Misto, antes da decisão sobre a admissibilidade da Denúncia, buscou enfrentar o mérito da acusação em seus dois eixos estruturantes. Naquela peça defensiva, sobre o primeiro eixo da acusação relativo à requalificação da OSS Unir Saúde, assim se pronunciou a Defesa:
"Em outras palavras, a decisão proferida pelo governador que visava (...) garantir à população regular acesso ao serviço de saúde, em meio a uma pandemia nunca antes vista/vivida no último século, só tomou relevância e ares de irregularidade dada a suposta relação entre a Unir e o Sr. Mário Peixoto(...)."
Naquele mesmo instrumento de defesa, sobre o segundo eixo da acusação relativo à contratação da OSS IABAS, a Defesa se manifestou nos seguintes termos:
"Não obstante os fatos narrados na denúncia, não restou comprovado, sob nenhuma perspectiva, de que forma o governador poderia ter participado neste procedimento administrativo, que resultou na celebração do contrato nº 027/2020 entre o estado do Rio de Janeiro e o IABAS."
Como se constata, desde a primeira etapa de processamento do Réu, quando ainda era apenas denunciado, a Defesa já demonstrava conhecer, com clareza, os eixos da denúncia, a ponto de enfrentá-los, diretamente, no mérito.
Diante do exposto, rejeito a primeira preliminar (III.1) relativa à inépcia da Denúncia e à ausência de libelo acusatório.
Segunda Preliminar
Com relação à segunda preliminar arguida, qual seja, ofensa à Súmula Vinculante n° 14, do Supremo Tribunal Federal, que trata da imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do processo, a Defesa se refere à integralidade da colaboração premiada do Sr. Edmar José Alves dos Santos, que não teria sido disponibilizada a tempo, pelo Superior Tribunal de Justiça, para a sessão de oitiva da referida testemunha e de interrogatório do Réu. A propósito desse questionamento, cabe destacar os seguintes aspectos. Em primeiro lugar, todos os anexos da aludida colaboração premiada que se referem aos dois eixos estruturantes da Acusação já estavam disponíveis às partes durante a fase instrutória. Em segundo lugar, os anexos encaminhados pelo e. Ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal Especial Misto, após a conclusão da fase de instrução do presente processo, além de não guardarem relação com os eixos da Acusação, já tinham sido disponibilizados à Defesa, desde 12 de março do corrente, como afirma o próprio Ministro, no Ofício n° 877/2021-CESP, datado de 13 de abril de 2021. Ora, a sessão de oitiva do Sr. Edmar Santos e de interrogatório do Réu ocorreu no dia 07 de abril de 2021, portanto, quase um mês depois que a Defesa teve acesso aos referidos anexos.
Diante do exposto, rejeito a segunda preliminar (III.2) relativa à imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do processo.
Terceira Preliminar
Por fim, com relação à terceira preliminar arguida, qual seja, cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de prova pericial, não tem procedência a sua arguição pelo Réu, tendo em vista que se trata de matéria pacificada em nossos colendos Tribunais, que consideram ser de competência do julgador, de ofício ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias à instrução processual, bem como indeferir aquelas que, a seu juízo, encerram caráter protelatório.
Sobre o tema, destacamos o voto do eminente Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, proferido nos autos do HC 131.158-RS, Primeira Turma, DJe 26.4.2016:
"(...) não há direito absoluto à produção de prova. Em casos complexos, há que confiar no prudente arbítrio do juiz da causa, mais próximo dos fatos, quanto à avaliação da pertinência e relevância das provas requeridas pelas partes".(grifos nossos)
Na mesma linha, ensina o eminente jurista e Desembargador do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Guilherme de Souza Nucci (1):
"Sobre a vinculação do juiz ao laudo pericial, é natural que, pelo sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional adotado pelo Código, possa o magistrado decidir matéria que lhe é apresentada de acordo com sua convicção, analisando e avaliando a prova sem nenhum freio ou método previamente imposto pela lei.
(...) Por tal motivo, preceitua o art. 182 do Código de Processo Penal não estar o juiz adstrito ao laudo, podendo acolher totalmente as conclusões dos expertos ou apenas parcialmente, além do poder rejeitar integralmente laudo ou apenas parte dele. O conjunto probatório é o guia do magistrado e não unicamente o exame pericial. Ex.: é possível que o julgador despreze o laudo de exame do local, porque acreditou na versão oferecida por várias testemunhas ouvidas na instrução de que a posição original do corpo no momento crime, por exemplo, não era a retratada pelo laudo. Assim o juiz rejeitará o trabalho pericial e baseará sua decisão nos depoimentos coletados, que mais o convenceram da verdade real". (grifos nossos)
Ademais, a preliminar arguida, além de ser objeto de Acórdão deste Tribunal Especial Misto, também foi examinada no Mandado de Segurança, autuado no egrégio Órgão Especial do colendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob o n° 0001341-27.2021.8.19.0000, e jurisdicionalmente sanada, nos termos da Decisão do eminente Relator, Desembargador Custódio de Barros Tostes. Se não, vejamos:
"Sucede, contudo, que, embora a interpretação a contrario sensu tenha sido bem operada, a conclusão esbarra no fato de que o Órgão Especial não é instância revisora do Tribunal Especial Misto, ao qual o artigo 78 da Lei 1.079/50 comete competência soberana para julgar o Governador de Estado por crimes de responsabilidade. Assim, não se defere o mandado de segurança ao sucedâneo recursal, na medida em que sequer existe órgão judicialmente revisor para o qual poderia ser dirigido."
Além de invocar o argumento da inexistência de instância recursal para as decisões do Tribunal Especial Misto, o ilustre Desembargador acrescenta o límpido entendimento, na mesma linha da posição anteriormente citada do eminente Ministro Edson Fachin, de que cabe ao juiz discernir sobre o direito à instrução probatória:
"Afinal, como cediço, o acusado tem direito à prova, mas a gestão desta atividade, inclusive para indeferir diligências inúteis à formação de seu convencimento, fica a critério do juiz, destinatário final dos elementos produzidos."
Diante do exposto, rejeito a terceira preliminar (III.3) relativa ao cerceamento de defesa pelo indeferimento de pedido de produção de prova pericial.
Decisão sobre as preliminares
Em face de toda a argumentação declinada até aqui, REJEITO TODAS AS PRELIMINARES ARGUIDAS PELA DEFESA em suas Alegações Finais.
2. Aspectos contextuais e conceituais
Com a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, o Brasil deu largo passo rumo à restauração do Estado Democrático de Direito, após 21 anos de arbítrio.
O preâmbulo da nossa Carta Magna é, por assim dizer, a expressão dos profundos anseios e das reais intenções que permeiam o texto constitucional. É nesse introito constitucional que, preliminarmente, os integrantes da Assembleia Nacional Constituinte deixam claro que ali estiveram reunidos para "instituir um Estado Democrático".
Com efeito, ainda no preâmbulo da Constituição, texto de grande relevância e imensurável valor teleológico, fica demonstrada a importância do primado dos direitos para o tão almejado Estado Democrático. Vejamos:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL." (grifos nossos)
Mais adiante, é expressamente reiterada a vontade dos membros da Assembleia Nacional Constituinte, no parágrafo único, do artigo 1°, a saber:
Art. 1° (...)
Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifos nossos)
Percebe-se, portanto, que, desde o início, a Constituição Federal configura a República Federativa do Brasil não apenas como um "Estado Democrático", mas também, nos termos do caput de seu artigo 1º, como um "Estado Democrático de Direito". O corolário dessa submissão à forma jurídica é um Estado Constitucional no qual a noção de "democracia" não se esgota no direito ao voto, ou seja, não se limita à legitimação da vontade do povo no processo de eleição de seus representantes, embora este seja, é claro, um componente inextricável da experiência democrática.
Sobre esse tema, o jurista Paulo Brossard de Souza Pinto, de saudosa memória, ex-Ministro de Estado da Justiça e ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (2), ressalta:
"(...) sem eleição não há democracia, mas sem a responsabilidade efetiva dos eleitos a democracia não passará de forma disfarçada de autocracia. Autocracia eletiva e temporária, mas autocracia." (grifos nossos)
Logo, o representante eleito, segundo o ordenamento jurídico, é conceituado como agente público investido de mandato e de responsabilidades. Com efeito, a Lei Federal n° 8.429, de 02 de junho de 1992, em seu artigo 2º, define agente público como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta ou indireta.
Nesse sentido, sublinha a eminente jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (3):
"(...) agente público é todo aquele que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da administração indireta. Dividindo-o em quatro espécies: agentes políticos - que exercem cargos por mandato eletivo ou nomeação; servidores públicos - pessoas físicas que prestam serviços ao Estado; Militares - que são os agentes públicos das forças armadas; e particulares em colaboração com o Estado - que são aqueles que exercem funções sem vínculos empregatícios com a Administração. (...)" (grifos nossos)
Decerto, o agente público, no exercício de sua função, deve atuar com zelo, desprendimento, dedicação, conhecimento, sempre respeitando as normas infraconstitucionais e constitucionais, bem como pautando sua conduta, de forma permanente, na busca pelo bem comum do povo.
Importa destacar que, ao aceitar a investidura em uma função pública, o agente deve respeitar e observar, acima de tudo, os ditames legais, ou seja, praticar atos lastreados na legalidade. Mas também se requer que seus atos estejam igualmente fundamentados na moralidade e na probidade. A inobservância dos comandos legais ou a adoção de condutas imorais ou ímprobas poderão acarretar ao agente público a responsabilização por suas ações, sejam elas comissivas ou omissivas.
No caso em tela, o agente público, qual seja, o Governador afastado do Estado do Rio de Janeiro, Exmo. Senhor Wilson José Witzel, foi denunciado pela suposta prática de crime de responsabilidade, na forma prevista no artigo 74, tipificado conforme disposto no artigo 4°, inciso V, e no artigo 9°, item 7, todos da Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950, pelo Exmo. Senhor Deputado Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (doravante, Deputado Luiz Paulo) e pela Exma. Senhora Deputada Estadual Lucia Helena Pinto de Barros (doravante, Deputada Lucinha).
A supracitada Lei prevê os crimes de responsabilidade praticados por agentes públicos, no presente caso, pelo Chefe do Poder Executivo estadual do Rio de Janeiro, e regula o respectivo processo de julgamento que pode levar à perda do cargo e à inabilitação, por até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da propositura de ações judiciais pelos órgãos competentes.
No Brasil, prevalece o modelo estadunidense de impeachment, acerca do qual as formulações de Alexis de Tocqueville (4), filósofo, político, jurista e escritor francês, restam atuais:
"(...)
Le but principal du jugement politique, aux États-Unis, est donc de retirer le pouvoir à celui qui en fait un mauvais usage, et d'empêcher que ce même citoyen n'en soit revêtu à l'avenir. C'est, comme on le voit, un acte administratif auquel on a donné la solennité d'un arrêt. (...)"
Em tradução livre, pode-se afirmar que o insigne pensador francês sustentou que o objetivo principal do julgamento político é a retirada do poder de quem dele fez mau uso e impedir que nele seja reinvestido no futuro, por meio de um ato administrativo ao qual se dá a solenidade de uma sentença judicial.
A contrario sensu, importa destacar que a forma de Estado Monárquica se caracterizava justamente pela absoluta irresponsabilidade do Rei ou do Imperador. Essa irresponsabilidade era inclusive afirmada em sede de matéria constitucional, mais especificamente no artigo 99, da Constituição brasileira de 1824. Respeitada a grafia, vejamos:
"Art. 99 A Pessoa do Imperador é inviolável e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma." (grifos nossos)
É importante o destaque acerca da absoluta irresponsabilidade do monarca para demonstrar que, ao contrário do Estado Monárquico, em uma República, ninguém, absolutamente ninguém, está acima da Lei. Pouco importa se governados ou governantes, todos estão sujeitos à responsabilização.
Justamente nesse sentido, Paulo Maria de Lacerda (5) já considerava a responsabilização do Chefe do Poder Executivo, há mais de um século e sob a égide da nossa primeira Constituição republicana de 1891, como "uma conquista fundamental da democracia e, como tal, é elemento essencial da forma republicana democrática que a Constituição brasileira adotou." (grifos nossos)
É bem verdade que, no Brasil, o processo de impeachment, que tem natureza político-administrativa e pode culminar na destituição de determinadas autoridades, inabilitando-as para o exercício de funções públicas, é, nas palavras do eminente jurista e membro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Roberto Barroso (6), "o processo mediante o qual se promove a apuração e o julgamento dos crimes de responsabilidade", como pode ser o caso de delitos supostamente cometidos por governadores, que é exatamente o objeto do processo ora em exame.
Nesse sentido, também se manifestou o eminente Ministro Edson Fachin, no julgamento de mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 378-DF, pelo egrégio Plenário do colendo Supremo Tribunal Federal, cujo Acórdão foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico, na data de 08 de março de 2016:
"(...)
Por essa razão, é no preceito fundamental da relação entre os poderes que se deve buscar a natureza jurídica do impeachment, definido como um modo de se exercer o controle republicano do Poder Executivo. A exigência de lei específica, de um lado, e as garantias processuais, de outro, permitem configurá-lo como modalidade limitada de controle, na medida em que, sendo a República um fim comum, ambos os poderes devem a ele dirigir-se. O limite, por sua vez, decorre do fato de que não se pode, sob o pretexto de controle, desnaturar a separação de poderes.
Do princípio republicano parece decorrer, pois, a natureza político-administrativa do instituto, cuja tutela coincide, embora com regimes diferenciados, com a que se sujeitam os demais agentes públicos e aqueles a eles equiparados relativamente à probidade da Administração. (...)" (grifos nossos)
Na mesma esteira, em sua obra aqui já mencionada, Paulo Brossard de Souza Pinto (1992, p. 75) sublinha: "o impeachment tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos - julgamento que não exclui, antes supõe, é óbvio, a adoção de critérios jurídicos."
Ainda sobre o mesmo tema, também se pronunciou o saudoso Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, mais precisamente sobre a natureza jurídica do processo por crime de responsabilidade, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 378-DF:
"Eu não diria que se trata de um julgamento político, mas de um modo diferente de interpretar a Lei. Obviamente que a interpretação da Lei por um parlamentar é diferente do olhar que um juiz lança a determinadas circunstâncias. Assim também ocorre nos processos de competência do Júri." (grifos nossos)
Merece destaque o fato de que o processo de impeachment tem motivações políticas, desdobramentos políticos, provocações políticas e julgamentos políticos. Porém, isso não quer dizer que seja um processo arbitrário: pelo contrário!
O processo de impeachment deve ser considerado como importante instrumento garantidor da democracia. É através dele que se permite a responsabilização de agentes públicos, cabendo seu julgamento, ou seja, o poder de decisão, àqueles(as) em quem o povo brasileiro confiou seu voto e, portanto, que foram eleitos(as) como seus representantes.
Isso não quer dizer, contudo, que "critérios jurídicos" não devam ser observados e respeitados. Como já realçado por Paulo Brossard de Souza Pinto, esses mesmos critérios nos obrigam inclusive a revisitar a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), recepcionada em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto Federal n° 678, de 06 de novembro de 1992, o qual prevê, em seu artigo 8°, as garantias judiciais aplicáveis aos processos sancionatórios promovidos pelo Estado, quais sejam:
"ARTIGO 8º - GARANTIAS JUDICIAIS
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça." (grifos nossos)
É imperioso frisar que, com exceção das alíneas "a" e "e", inaplicáveis ao caso ora examinado, no curso do presente processo foram cumpridos todos os demais requisitos apontados. Se não, vejamos:
Item 1: Foi devidamente assegurado ao Réu o direito de ser ouvido, com todas as devidas garantias, dentro de um prazo razoável, tanto perante a augusta Casa Legislativa, onde o denunciado pôde se defender oralmente e por escrito, quanto neste colendo Tribunal Especial Misto;
Item 2, alínea b: Desde sua citação pela augusta Assembleia Legislativa, o Réu conhece a Denúncia formulada pelos Excelentíssimos Senhores Deputados Luiz Paulo e Lucinha;
Item 2, alínea c: Foi assegurado ao Réu o acesso às informações, tempo e meios necessários à sua defesa, tanto perante a augusta Assembleia Legislativa quanto perante este egrégio Tribunal Especial Misto;
Item 2, alínea d: Os seguidos mandatos conferidos e posteriormente revogados pelo Réu aos seus patronos e defensores demonstram cristalinamente o respeito ao mais amplo exercício de tal direito.
Item 2, alínea f: Foi assegurado ao Réu o direito de arrolar inúmeras testemunhas - todas ouvidas em juízo -, bem como o direito de inquirir aquelas indicadas pela Acusação, ressaltando-se que o próprio Réu atuou, como inquiridor, na oitiva da principal testemunha do processo em tela.
Item 2, alínea g: Em momento algum, seja no âmbito da Assembleia Legislativa, seja perante este Tribunal Especial Misto, o Réu foi obrigado a produzir prova contra si mesmo nem tampouco a confessar qualquer das acusações que lhe foram imputadas;
Item 2, alínea h: Sobre as questões estritamente jurídico-constitucionais, o Réu recorreu ao egrégio Supremo Tribunal Federal, onde ingressou com as Reclamações Constitucionais n° 42.358-RJ, n° 45.366-RJ, nº 46.835-RJ e nº 47.040-RJ, além de ter impetrado dois mandados de segurança perante o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Conclui-se, portanto, que, no âmbito deste processo, não é cabível falar em afronta ao princípio constitucional do contraditório, que, nas palavras do jurista e professor Vicente Greco Filho (7), "se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável." (grifos nossos)
Na mesma linha, também não cabem questionamentos ou ilações acerca do princípio constitucional da ampla defesa, que assegura ao Réu a liberdade inerente ao indivíduo de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas, seguindo, para tanto, duas regras básicas: a) a possibilidade de se defender; b) a possibilidade de recorrer.
Ainda no bojo dos ensinamentos do jurista e professor Vicente Greco Filho (8), "consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133); e) poder recorrer da decisão desfavorável."
Por fim, pontifica o sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia das Universidades de Leeds e de Varsóvia, Zygmunt Bauman (9): "no fundo de todas as crises da atualidade está a crise dos instrumentos de ação efetiva."
É exatamente esta ação efetiva que precisa ser resgatada. Afinal, neste momento, todos os holofotes estão voltados para este inédito Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro (TEM), em razão do processamento e do julgamento do Chefe do Poder Executivo estadual, vale dizer, mais uma grave e lamentável página na história recente do Estado do Rio de Janeiro.
Importa relembrar que, pouco mais de um ano à frente do Poder Executivo fluminense, o Réu viu o mundo inteiro receber, com perplexidade, a notícia da inauguração do hospital Huoshensha, na cidade de Whuan, capital da província de Hubei, na China. A citada cidade viria a ser o epicentro, entre os meses de dezembro de 2019 e janeiro de 2020, de uma pneumonia, até então de causa desconhecida, que havia se alastrado rapidamente e foi posteriormente nomeada "COVID-19".
Não bastasse todo o espanto face à impressionante velocidade com que a doença se espalhou, a notícia teve ainda mais repercussão com a divulgação do tamanho do hospital, preparado para disponibilizar 1.000 (mil) leitos e dotado de uma equipe médica de cerca de 1.400 (mil e quatrocentos) profissionais de saúde. Nesse mesmo momento, a mídia mundial começa a divulgar as impressionantes imagens da logística empregada para erguer aquela espantosa estrutura. Eram centenas de caminhões, tratores e retroescavadeiras, somados a centenas de operários, que trabalharam na empreitada por apenas 10 (dez) dias, tempo recorde e improvável para realizar feito tão arrojado.
Além do hospital Huoshensh, o governo chinês previa ainda entregar, dois dias depois, outro hospital, o Leishenshan, com capacidade de atendimento de 1.500 (mil e quinhentos) leitos. Toda essa infraestrutura, infelizmente, não foi capaz de conter o avanço da doença no planeta, que veio a ser reconhecida como Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (10), em 30 de janeiro de 2020.
Ainda em janeiro de 2020, a COVID-19 já havia rompido as fronteiras chinesas e países como Japão, Coréia do Sul e Tailândia já registravam os primeiros casos. A partir desse momento, começaram a ser divulgadas por autoridades sanitárias internacionais as primeiras medidas de contenção do coronavírus, como o fechamento das fronteiras dos países vizinhos à China, o controle e a quarentena de viajantes.
No Brasil, passado o carnaval, na quarta-feira subsequente, dia 25 de fevereiro de 2020, foi registrado o primeiro caso suspeito, no dia seguinte confirmado, de paciente infectado pelo novo coronavírus. (11) Tratava-se de um homem de 61 (sessenta e um) anos, que deu entrada no Hospital Israelita Albert Einstein, na cidade de São Paulo, com histórico de viagem pela Itália.
Em 05 de março do mesmo ano, foi anunciado, pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), o primeiro caso confirmado, no estado do Rio de Janeiro, de paciente infectado pelo novo coronavírus. (12) A assustadora notícia foi dada pelo então Secretário de Estado de Saúde, Sr. Edmar Santos. Desta feita, tratava-se de uma mulher de 27 (vinte e sete) anos, moradora do município de Barra Mansa, no sul fluminense, que viajara pela Europa entre os dias 09 e 23 de fevereiro de 2020, data em que retornou ao Brasil.
Na oportunidade, o então Secretário de Estado de Saúde procurou tranquilizar a população fluminense, dizendo se tratar de "caso importado" por pessoa que estivera em área de transmissão e acrescentando que a paciente apresentava sintomas brandos da doença, "como são 85% dos casos". Esclareceu, ainda, que a enferma estava em isolamento domiciliar, onde permaneceria pelo prazo de 20 dias, contado da data em que os sintomas se manifestaram. Disse ainda que não existiam sinais de que o vírus estivesse circulando livremente pelo Rio de Janeiro: "(...) a população pode seguir tranquila. Não há nenhum motivo para pânico."
No dia 06 de março de 2020, dia seguinte às declarações do Sr. Edmar Santos, o estado do Rio de Janeiro registrou o segundo caso confirmado de paciente infectado pelo novo coronavírus, sendo o primeiro caso na cidade do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma mulher de 52 (cinquenta e dois) anos de idade, também com histórico de viagem pela Itália.
Sobre esse novo caso, em nota, o Sr. Edmar Santos afirmou novamente que se tratava de dois casos importados e completou: "permanecemos no nível zero do nosso plano de contingência e não há razões para pânico. Os cuidados devem permanecer os mesmos que tomamos para gripe."
Na manhã da quinta-feira, dia 19 de março de 2020, foi confirmada a primeira morte em decorrência do novo coronavírus, no estado do Rio de Janeiro, que ocorreu na cidade de Miguel Pereira. (13) A vítima era uma mulher de 63 (sessenta e três) anos, que tinha comorbidades (diabetes e hipertensão) e trabalhava como empregada doméstica na residência de uma pessoa que testara positivo para a doença.
Posteriormente, foi publicado o Decreto Estadual n° 46.984, de 20 de março de 2020, reconhecendo o estado de calamidade pública no estado do Rio de Janeiro em decorrência da pandemia do novo coronavírus, ato executivo logo depois corroborado pela Lei Estadual nº 8.794, de 17 de abril de 2020.
A partir daí, é possível afirmar que, diante da pandemia do novo coronavírus, tragédia sanitária e humanitária, de proporções e características inéditas no Rio de Janeiro, no Brasil e no planeta, todos os holofotes se voltaram, como era de se supor, para a gestão pública da saúde. Na esfera estadual, descortinou-se, então, um cenário que evidenciava fragilidade na gestão da crise, revelando-se nítido despreparo da administração estadual para adotar, em caráter efetivo, as necessárias ações emergenciais de gestão para o enfrentamento à COVID-19, embora o Réu, como governador, tivesse anunciado, de início, medidas firmes e, em geral, sintonizadas com as recomendações das autoridades sanitárias e científicas, nacionais e internacionais.
Contudo, após decretado o estado de calamidade pública em virtude da pandemia, com a suspensão de várias atividades presenciais, em função da adoção das medidas de isolamento ou distanciamento social, imprescindíveis à contenção da curva epidemiológica, começaram a ser anunciados os investimentos emergenciais para aparelhamento de hospitais e para aquisição dos insumos necessários ao atendimento de pacientes que apresentassem sintomas ou tivessem a confirmação da infecção pelo novo coronavírus. Naquele mesmo período, em 30 de março de 2020, foi anunciada também pelo Réu, na qualidade de governador, a montagem de 8 (oito) hospitais de campanha no estado (incluindo uma unidade financiada e gerida pela iniciativa privada, com pacientes encaminhados pela Secretaria de Estado de Saúde), de modo a possibilitar o aumento de 1.800 (mil e oitocentos) leitos, aqui incluídos os leitos intensivos, para serem disponibilizados à população fluminense, com previsão de inauguração até 30 de abril de 2020: Maracanã, Jacarepaguá, Leblon (privado), Duque de Caxias, São Gonçalo, Campos, Casemiro de Abreu e Gericinó. No início de abril daquele ano, o governo estadual chegou a anunciar uma nona unidade em Nova Friburgo.
Dos hospitais de campanha prometidos, além da unidade custeada pelo setor privado (Leblon), apenas dois foram entregues pelo governo estadual (Maracanã e São Gonçalo), mesmo assim, com muito atraso na montagem e com a quantidade de leitos reduzida, muito aquém da propagada, além das crescentes suspeitas de irregularidade e dos fortes indícios de fraude nos processos de contratação da organização social responsável pelo serviço (ALERJ. Comissão Especial COVID-19. Relatório Final, 2020).
A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) começaram então a investigar desvio de recursos públicos da área de saúde no Estado do Rio de Janeiro e, diante de indícios da participação do Governador Wilson Witzel, o MPF encaminhou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de Medida Cautelar de Busca e Apreensão Criminal, que deu origem ao Inquérito nº 1338-DF, sob a relatoria do eminente Ministro Benedito Gonçalves. Posteriormente, o MPF encaminhou o pedido de Busca e Apreensão Criminal n° 27-DF, com vistas à apuração de possíveis irregularidades na execução do programa estadual de enfrentamento à COVID-19 no estado do Rio de Janeiro, o que desencadeou a chamada "Operação Placebo".
3. Breve resumo da Denúncia e sua admissibilidade pelo TEM
Com base nos fatos acima, restituídos em apertado resumo, o Deputado Estadual Luiz Paulo e a Deputada Estadual Lucinha protocolaram, em 27 de maio de 2020, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), denúncia contra o governador do Estado do Rio de Janeiro, Senhor Wilson José Witzel, imputando-lhe a prática de crimes de responsabilidade, caracterizados na forma do disposto no art. 4°, inciso V, e no art. 9°, item 7, todos da Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950, em dois eixos de acusação: a) requalificação da Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS Unir Saúde); b) contratação da Organização Social de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (OSS IABAS).
Em relação ao primeiro eixo, qual seja, a requalificação da OSS Unir Saúde, aduz a Denúncia que, no exercício de 2019, foi instaurado o processo administrativo n° E-08/001/1170/2019, com vistas à apuração de indícios de irregularidades cometidas pela OSS Unir Saúde na execução dos contratos de gestão das unidades estaduais de saúde sob sua responsabilidade.
Após assegurados o contraditório e a ampla defesa nos autos do referido processo administrativo, teriam restado comprovados os indícios de irregularidades na execução dos contratos de gestão sob a responsabilidade da OSS Unir Saúde, razão que motivou a aplicação da sanção de desqualificação da referida entidade, o que se deu com a edição da Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019, de 16 de outubro de 2019, ato conjunto firmado pelo Secretário de Estado de Saúde e pelo Secretário de Estado da Casa Civil e Governança.
A citada Resolução tinha amparo na Lei Estadual n° 6.043, de 19 de setembro de 2011, regulamentada pelo Decreto nº 43.261, de 27 de outubro de 2011, que disciplina a qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais, na área de saúde, bem como dispõe sobre a celebração de contratos de gestão entre o Poder Executivo e as entidades qualificadas na forma da aludida Lei. Com efeito, neste diploma legal, está claramente prevista, em seu art. 38, a possibilidade de o Poder Executivo desqualificar a entidade como Organização Social, o que acarreta a rescisão do contrato de gestão, assim como a reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à entidade, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Ocorre que, em 23 de março do corrente, o Réu, de acordo com os denunciantes, "sem fundamento idôneo" e fazendo uso de poder discricionário, fundado unicamente nos elementos subjetivos da oportunidade e da conveniência da Administração Pública, deu provimento ao recurso administrativo interposto pela OSS Unir Saúde, inconformada com sua desqualificação.
Com isso, a Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019 foi revogada e, consequentemente, restaurou-se a qualificação da OSS Unir Saúde, que voltou a ser considerada apta a celebrar contratos de gestão com o Poder Executivo para administrar unidades estaduais de saúde. O ato de requalificação da referida entidade como Organização Social foi devidamente publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (DOERJ), em 24 de março de 2020.
O provimento do recurso administrativo interposto pela OSS Unir Saúde, segundo a Denúncia, "sem fundamento legal", amparado apenas em elementos subjetivos, quais sejam, a oportunidade e a conveniência da Administração Pública, teve como principal justificativa o reconhecimento da situação de emergência no estado do Rio de Janeiro, na área de saúde pública, nos termos do Decreto nº 46.973, de 16 de março de 2020, posteriormente convalidado pela Lei n° 8.794, de 17 de abril do 2020, que reconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus.
Em relação ao segundo eixo da acusação, qual seja, a contratação da OSS IABAS, afirmam os denunciantes que o Ministério Público Federal teria identificado robustos indícios de participação do Réu, de forma ativa, na prática de atos ilícitos referentes à mencionada contratação. Acrescentam os denunciantes que elementos comprobatórios teriam sido encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, o que ensejou a deflagração do Inquérito nº 1.338/DF e, em consequência, a adoção de medida cautelar baseada no pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 27-DF (2020/0114014-7), acolhido por iniciativa do eminente relator, Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito Gonçalves, tendo sido, então, autorizada a expedição de doze mandados de busca e apreensão, no âmbito da "Operação Placebo", em endereços direta ou indiretamente ligados ao Réu e a seus colaboradores.
Conforme destacado ainda na Denúncia, o eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça acima citado relatou que os investigadores afirmam existir "prova robusta" de ilicitude nos processos que levaram à contratação, por valor aproximado de R$ 850 milhões, da OSS IABAS para construir e gerir os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, tudo sempre com a presumível anuência do Réu, que teria agido de modo a assegurar todo suporte necessário à realização das fraudes constatadas no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.
Sublinhe-se que a contratação, sem licitação, em caráter emergencial, da OSS IABAS destinava-se a atender duas finalidades interligadas, porém muito distintas, amalgamadas no mesmo milionário contrato: construir os hospitais de campanha e gerir os hospitais de campanha construídos.
Assim, como salientam os denunciantes, o Réu teria criado, nos termos da respeitável Decisão do Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito Gonçalves, "uma estrutura hierárquica para a prática de delitos dentro da estrutura do poder executivo fluminense para dar suporte aos contratos fraudulentos para originar ações de combate ao coronavírus no Estado do Rio". Ainda segundo o eminente relator no Superior Tribunal de Justiça, as provas estariam nas diferentes propostas orçamentárias apresentadas ao Poder Executivo, que teriam sido fraudadas para dar aparência de concorrência e legalidade à contratação da referida instituição, com vistas à prestação dos serviços de montagem e desmontagem de tendas, instalação de caixas d'água e de geradores de energia, colocação de piso, entre outros itens, para a estruturação dos hospitais de campanha.
Após aceita pela augusta Casa Legislativa, a peça denunciatória foi encaminhada ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a fim de que instalasse, na forma da Lei, o competente Tribunal Especial Misto, responsável pelo processamento e pelo julgamento do governador.
Na data de 05 de novembro de 2020, este Tribunal Especial Misto, reunido em sessão presencial, sob a presidência do Exmo. Senhor Desembargador Cláudio de Mello Tavares, decidiu, por unanimidade, receber a denúncia por crime de responsabilidade referente à OSS Unir Saúde e, por maioria, receber a denúncia por crime de responsabilidade referente à OSS IABAS.
4. Primeiro Eixo da Acusação: Requalificação da OSS Unir Saúde
Com relação ao primeiro eixo da acusação, qual seja, a requalificação da OSS Unir Saúde, foi instaurado, conforme já mencionado anteriormente, o competente processo administrativo n° E-08/001/1170/2019, com vistas à apuração de indícios de irregularidades cometidas pela referida entidade na execução dos contratos de gestão das unidades estaduais de saúde sob sua responsabilidade. Assegurado o contraditório e a ampla defesa nos autos do referido processo administrativo, restaram comprovados indícios de irregularidades na execução dos aludidos contratos, o que ensejou a aplicação da penalidade de desqualificação da OSS Unir Saúde, fato consumado com a edição da Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019, de 16 de outubro de 2019. Trata-se de ato baixado, em conjunto, pelo então Secretário de Estado de Saúde, Senhor Edmar José Alves dos Santos, e pelo então Secretário de Estado da Casa Civil e Governança, Senhor André Luís Dantas Ferreira. Convém destacar, a respeito da fundamentação do referido ato, o fragmento que se segue, oriundo do parecer técnico-jurídico emitido pela Subsecretaria Jurídica da Secretaria de Estado de Saúde, que é bastante eloquente:
"(...) Sendo assim, considerando as diversas denúncias de malversação de recursos públicos pela OSS UNIR e a constatação de várias irregularidades na execução de contratos de gestão celebrados com esta SES, incluindo a parte estrutural relativa à manutenção predial das unidades de saúde, entende-se que juridicamente viável a desqualificação da entidade em questão, tendo sido assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa da OSS. Em paralelo, salienta-se que, conforme se depreende dos arts. 4º da Lei n° 6.043/2011 e 1°, do Decreto Estadual n° 43.261/2011, a qualificação de uma entidade em Organização Social tem natureza discricionária, ou seja, o órgão administrativo encarregado de perfazer a qualificação da entidade em OSS, além dos requisitos normativos estabelecidos, estudará a conveniência e oportunidade, motivadamente, de qualificar, ou não, a entidade. Noutros termos, por ser o ato de qualificação de entidades privadas sem fins lucrativos em Organizações Sociais de Saúde ato de natureza discricionária, desde que motivadamente e garantido o contraditório e a ampla defesa, é juridicamente possível a desqualificação fora das hipóteses regulamentares, por tratar de hipóteses exemplificativas. (...)
III. CONCLUSÃO
Em face dos fatos expostos, esta Subsecretaria Jurídica entende que, em tese, há indícios de irregularidades que tornam juridicamente viável a desqualificação da OSS Unir. Dessa forma, encaminha-se os autos à Subsecretaria Geral."
A citada Resolução Conjunta tinha amparo nos parágrafos 1° e 2° do artigo 38, da Lei Estadual n° 6.043, de 19 de setembro de 2011, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 43.261, de 27 de outubro de 2011, como já foi declinado anteriormente
Apesar de cumpridos os requisitos para aplicação da sanção à OSS Unir Saúde, esta, inconformada com sua desqualificação, interpôs Recurso Administrativo, com amparo no art. 57 da Lei Estadual n° 5.427, de 1º de abril de 2009, dirigido à autoridade hierarquicamente superior, no caso concreto, ao chefe do Poder Executivo estadual.
No dia 23 de março de 2020, o Réu, fazendo uso de seu poder discricionário e fundado unicamente nos elementos subjetivos da oportunidade e conveniência da Administração Pública, deu provimento ao mencionado recurso administrativo. Em nota à imprensa, a assessoria do governador afirmou que "(...) o processo administrativo em questão foi julgado em conformidade com os princípios da legalidade, moralidade, eficiência, publicidade e impessoalidade (...)" e alegou, também, que a decisão do Réu de revogar a desqualificação da OSS Unir Saúde tinha o propósito de "não impactar no adequado funcionamento das unidades de saúde mantidas por ela." (ALERJ-Comissão Especial COVID-19. Relatório Final, 2020, p. 392).
Ocorre que as investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Receita Federal (RF) demonstraram a existência de um complexo e sofisticado esquema, com atuação no âmbito da saúde pública estadual, composto por dezenas de indivíduos que se revezavam à frente de pessoas jurídicas para ocultar a figura do empresário Mário Peixoto. Este empresário, além do controle de várias empresas, detinha também forte influência na gestão de organizações sociais prestadoras de serviços à Secretaria de Estado de Saúde, responsáveis pela administração de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), espalhadas em diversos municípios do Rio de Janeiro, sobretudo na Baixada Fluminense, como é o caso dos municípios de Mesquita, Queimados, Magé e Nova Iguaçu.
Para isso, o empresário contava com a participação de outras pessoas, constituindo uma rede complexa, com divisões de tarefas entre seus membros, o que se dava, segundo aquelas investigações, da seguinte forma: (a) núcleo econômico: composto pelo empresário Mário Peixoto e seu filho Vinícius Ferreira Peixoto; (b) núcleo administrativo: composto pelo senhor Luiz Roberto Martins; (c) núcleo operacional: composto pelos senhores Alessandro de Araújo Duarte, Cassiano Luiz e Juan Elias Neves de Paulo; (d) núcleo político: composto pelos senhores Wilson José Witzel e Lucas do Carmo Tristão.
Importa ainda destacar que o citado empresário foi um dos alvos da "Operação Favorito" (14), deflagrada em razão de investigações realizadas pelo MPF e pela PF, com vistas à apuração de desvio de dinheiro público em contratos na saúde pública estadual, envolvendo organizações sociais, e de pagamento de propina a agentes públicos em troca da manutenção ou da concessão de novos contratos, tendo havido, segundo tais investigações, expansão dessas ações ilícitas durante a pandemia do novo coronavírus, notadamente por meio de organizações sociais.
O senhor Luiz Roberto Martins, integrante do núcleo administrativo do grupo do citado empresário, também foi investigado como um dos alvos da Operação "Filhote de Cuco" (15), que tinha como objetivo apurar a existência de superfaturamento nos contratos firmados entre o governo do estado do Rio de Janeiro e a organização social responsável pela administração de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) nos bairros de Botafogo (Nova Iguaçu), Cabuçu (Nova Iguaçu), Campo Grande I (Rio), Campo Grande II (Rio), Santa Cruz (Rio), Lafaiete (Duque de Caxias) e Sarapuí (Duque de Caxias), além das unidades situadas nos municípios de Magé e Mesquita.
Cabe destacar, ainda, que, além de sua prisão, também foram encontrados, em sua residência, no município de Vassouras-RJ, valores que somados totalizam a monta de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
Ainda sobre o senhor Luiz Roberto Martins, além das atividades referentes ao núcleo administrativo da organização liderada pelo empresário Mário Peixoto, chegou a acumular o cargo de presidente do Instituto Data Rio de Administração Pública (IDR), organização social que foi sucedida pela OSS Unir Saúde na gestão das UPAs citadas anteriormente.
Embora o empresário Mário Peixoto nunca tenha figurado formalmente nos quadros das citadas organizações sociais, no curso das investigações restou comprovado que, de fato, era ele quem detinha absoluto domínio e controle sobre suas atividades, o que fazia com auxílio e atuação do senhor Luiz Roberto Martins.
Ao empresário Mário Peixoto cabia a função de articular a renovação de contratos, assim como a captação de novos contratos de gestão na área da saúde pública estadual, para as organizações sociais que controlava, ainda que por intermédio e com auxílio de terceiros, mediante pagamento de vantagens financeiras indevidas a agentes públicos integrantes do Poder Executivo estadual.
Esclarecedoras interceptações telefônicas no terminal utilizado pelo senhor Luiz Roberto Martins, devidamente autorizadas no âmbito das investigações da "Operação Favorito", revelam a atuação do empresário Mário Peixoto, de forma velada, na tentativa de reverter a desqualificação da OSS Unir Saúde.
Em conversa com o interlocutor, identificado apenas como Elcyr, Luiz Roberto Martins refere-se a um acerto entre o empresário Mário Peixoto e o Réu a fim de assegurar a requalificação daquela organização social. Na oportunidade, revela ter havido pagamento de propina a um agente público não identificado com o fito de conseguir a reabilitação da entidade, deixando claro que tinha conhecimento da referida decisão, antes mesmo de sua publicação no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (DOERJ). Vejamos parte da degravação do citado diálogo, ocorrido no dia 20 de março de 2020:
"(...)
LUIZ: O pessoal está todo doido atrás de mim para me dar contrato
ELCY: hein?
LUIZ: O pessoal está todo doido atrás de mim para me dar contrato
ELCY: já
LUIZ: vai revogar aquela desclassificação da UNIR. Recebi até ligação dele. Voltar com aquelas quatro da baixada.
ELCY: beleza
(...)
LUIZ: Diz o Mario que foi ele que acertou junto com o Governador. Mas não publicou ainda. Eu estava comprando isso de um outro cara.
ELCY: aí volta?
LUIZ: As quatro de Nova Iguaçu não tem segundo colocado. Então está com contrato emergencial ainda. Se revogar e publicar a revogação tem que republicar o resultado do edital. (...)"
Apesar de o nome de Luiz Roberto Martins também não constar oficialmente no quadro de diretores, presidentes ou responsáveis pela OSS Unir Saúde, o senhor Nelson Bornier, ex-Prefeito do município de Nova Iguaçu, recentemente falecido, político experiente e dotado de relativa influência no governo estadual, durante a gestão do Réu, ao menos no tocante a questões atinentes a seu município, por ocasião de sua oitiva como testemunha arrolada pelo Tribunal Especial Misto, respondeu ao relator:
"O SR. WALDECK CARNEIRO - O senhor conhece o Sr. Luiz Roberto Martins?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA - Conheço.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Conhece de onde?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA - Conheço quando da fundação das duas UPAs que existem na nossa cidade: uma no bairro Botafogo e outra no bairro de Cabuçu; uma se deu ali, precisamente, de Cabuçu, em 2008, e a de bairro Botafogo, em torno de 2010, 2011, que era administrada pela empresa que ele participa.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Certo.
E o senhor se recorda do nome dessa empresa da qual ele participa?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA - É Unir.+
O SR. WALDECK CARNEIRO - É Unir Saúde.
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA - Não sei a razão social, se é nome fantasia ou se é nome social.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Claro, claro.
E o senhor, por acaso, sabe que função ou que papel ele exercia nessa empresa ou exerce?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA - Não sei. Um dos responsáveis. O cargo que ele exercia, se era Presidente ou alguma Diretoria, eu não sei, mas era um dos membros da Unir."
Em diálogo com o mesmo senhor Nelson Bornier, em outra interceptação telefônica, datada do dia 24 de março de 2020, mesmo dia em que foi publicada no DOERJ a requalificação da OSS Unir Saúde, por ato discricionário do Réu, Luiz Roberto Martins afirmou: "o zero um do palácio assinou aquela revogação da desclassificação da UNIR", fazendo clara referência ao chefe do Poder Executivo fluminense.
LUIZ: estou te ligando para te dar uma notícia boa
BORNIER: hum
LUIZ: O zero 1 do palácio assinou aquela revogação da desclassificação da UNIR.
BORNIER: aquele relatório
LUIZ: aquela desclassificação que impediu a gente de assumir as UPAs. Eu sei que tem muito pai aqui e eu teria que fazer um DNA para saber quem é o pai. (...)"
Por fim, ainda em relação à influência do empresário Mário Peixoto junto à OSS Unir Saúde, o ex-Secretário de Estado de Saúde Edmar Santos, em seu depoimento prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, em 25 de julho de 2020, declarou:
"(...)QUE também no início de sua gestão foi levantada a situação de 3 OSs mais problemáticas: UNIR, Pro Saúde e Cruz Vermelha; QUE além disso, havia boatos de que a Cruz Vermelha seria ligada a PAULO MELO e a UNIR seria ligada a MÁRIO PEIXOTO; (...)"
De forma muito mais evidente, o ex-Secretário de Estado de Saúde, em depoimento ao TEM, respondendo ao relator, deixou claro que recebeu ordem do Réu para participar de almoço com o Sr. Mário Peixoto e com o Sr. Lucas Tristão, no restaurante Aspargus, situado à Rua Senador Dantas, Centro do Rio. Segundo o depoente, durante o almoço, o empresário conversou predominantemente sobre a desqualificação da OSS Unir Saúde, pedindo que tal fato não ocorresse, e também sobre a ampliação de seus negócios na área da saúde, no âmbito da administração estadual. Antes da resposta ao relator, o depoente já havia revelado o episódio do almoço, quando respondeu diretamente ao Réu, que atuava como seu inquiridor. Ao responder ao Réu sobre a questão, o ex-Secretário de Saúde esclareceu, a bem da verdade, que o Réu solicitara o seu comparecimento ao almoço, mas não dera orientação expressa para que atendesse às demandas do empresário Mário Peixoto. Ao ouvir tal resposta, o Réu aquiesceu, afirmando: "Está certo". Ou seja, não contestou o fato de que pediu ao Secretário para almoçar com o empresário. Vejamos os diálogos:
"O SR. Wilson José Witzel: O senhor pode repetir, por favor?
O SR. Edmar José Alves dos Santos: Eu posso. O Senhor me pediu que fosse ao almoço, determinou que fosse ao almoço. Eu não tinha nenhuma proximidade nem com Lucas Tristão àquela época. Eu fui ao almoço do Mário Peixoto a seu pedido.
O SR. Wilson José Witzel: A meu pedido.
O SR. Edmar José Alves dos Santos: Mas não recebi nenhuma ordem que atendesse aos pedidos dele. Então, realmente... mas a conversa toda ficou clara, que é Mário Peixoto quem está à frente da Unir e que tinha outros interesse na saúde, que ele queria introduzir outras empresas dele que pudessem negociar, vender, fazer negócios com a saúde.
O SR. Wilson José Witzel: Está certo."
Diante disso, resta comprovada a existência de uma potente rede ligada ao grupo do empresário Mário Peixoto, com atuação de forma estruturada e coordenada, contando inclusive com divisão de tarefas entre seus membros e com incidência sobre a administração pública estadual, durante a gestão do Réu. Aliás, percebe-se aí nítida contradição nas falas do Réu. Em resposta ao Desembargador Fernando Foch, o governador afastado chegou a afirmar que exonerava secretários que tivessem relações com empresários. Acrescentou que, em seu governo, essa era "a norma da casa". Ora, nesse caso, o próprio Réu infringiu sua normativa, quando pediu que seu secretário de Saúde fosse almoçar com um empresário.
Além do grupo de influência liderado pelo empresário Mário Peixoto, havia também, no âmbito da saúde pública estadual, outro grupo atuante, diretamente ligado ao Senhor Everaldo Dias Pereira (doravante, Pastor Everaldo). Político influente no cenário fluminense, o Pastor Everaldo era presidente nacional do Partido Social Cristão (PSC), agremiação político-partidária do Réu, e gozava de trânsito livre no Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro.
No núcleo diretamente ligado ao Pastor Everaldo, identifica-se, com destaque, o empresário Edson Torres e o próprio Secretário de Estado de Saúde à época, Senhor Edmar José Alves do Santos.
Segundo declarado pelo próprio Edmar Santos, o empresário Edson Torres tinha grande proximidade com o Pastor Everaldo, chegando ao ponto de se intitular "sócio do PSC", de forma que ambos se consideravam "proprietários" do partido.
Importa ainda destacar que o empresário Edson Torres atuou de forma intensa no processo que culminou na indicação do Senhor Edmar Santos para o cargo de Secretário de Estado de Saúde. Conforme declarado pelo próprio ex-secretário, que foi sondado pelo empresário a esse respeito:
"(...) Que passada a eleição e tendo sido eleito, no período de transição, o colaborador recebeu ligação por voz por Whatsapp de EDSON TORRES; Que EDSON disse que o futuro cargo de Secretário de Saúde estava entre o colaborador e FERNANDO FERRY; (...) Que a procura por outro nome tinha como objetivo emplacar um nome do PSC ao cargo; Que o colaborador percebeu essa primeira reunião como uma mera sondagem, não havendo qualquer tratativa sobre negócios ilícitos; (...) Que, após certo tempo, em novembro de 2018 .o colaborador é indicado como futuro secretário de saúde; (...)" (grifos nossos)
No mesmo sentido se manifestou, em depoimento aos membros do Tribunal Especial Misto, na qualidade de testemunha, o empresário Edson Torres. Com efeito, em resposta ao relator sobre a nomeação de Edmar Santos para o cargo de Secretário de Estado de Saúde, afirmou:
"O SR. WALDECK CARNEIRO - Entendo, entendo.
E, uma vez eleito, em segundo turno, o candidato Wilson Witzel, o senhor, ao lado do Pastor Everaldo, ajudou de alguma forma na montagem da equipe de Governo, a indicar Secretários, a indicar membros para o futuro Governo que iria se instalar?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Diante da minha relação de amizade e de confiança com o Everaldo, sim. Participei de ajuda de algumas escolhas.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Entendi.
Que escolhas? De que escolhas o senhor participou de alguma forma?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - O próprio Edmar. Final de outubro, ele procurou uma pessoa próxima a nós, a mim, e pediu uma reunião comigo. Marcamos um café da manhã no Hotel Hilton, eu estive no Hotel Hilton com ele. O Edmar tinha um projeto político de ser diretor do Hupe, depois Reitor da Uerj e indo a Deputado. Era o projeto político dele, que ele tinha compartilhado comigo anteriormente. E, nessa hora, nesse café, ele me pediu se tinha como encaminhar o currículo dele a um pleito a um cargo no Governo do Estado depois da... Já com a eleição do Wilson já definida, Wilson Witzel, o então Governador. E assim eu fiz. Conversamos, ele... A conversa seria para ele... Eu entendia que a conversa seria para ele tratar da eleição dele a Reitor da Uerj, porém, ele disse que não, que ele pretendia ver se conseguia um cargo por indicação política. Eu encaminhei o currículo dele, que é um bom currículo, ao Everaldo. O Everaldo encaminhou ao Governador, o Governador o atendeu e o escolheu. (...)"
Diante dos elementos probatórios restituídos até aqui, resta clara a existência de dois braços econômicos atuantes na Secretaria de Estado de Saúde: um ligado ao empresário Mário Peixoto e outro ligado ao presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo.
Nesse sentido inclusive, manifestou-se Edmar Santos, em depoimento prestado à Procuradoria Geral da República (PGR). Vejamos:
"Que existem três grupos que compõem o Governo WILSON WITZEL, encabeçados por: (1) MARIO PEIXOTO; (2) PASTOR EVERALDO e (3) JOSÉ CARLOS DE MELO; Que MARIO PEIXOTO é o grupo que o colaborador tem menos informações; Que sabe dizer, no entanto, que é o grupo mais importante e que detém mais poder no Estado; (...) Que os grupos de PASTOR EVERALDO tem equivalente importância ao grupo de MARIO PEIXOTO; Que ambos tem acesso direto ao governador; Que quanto às vantagens ilícitas, o grupo de MARIO PEIXOTO é maior que o do PASTOR; (...) Que o colaborador tem maior conhecimento do grupo do PASTOR EVERALDO;"(grifos nossos)
Confirmada a existência de dois grupos econômicos e rivais atuantes no âmbito da saúde pública estadual, quais sejam, o grupo ligado ao empresário Mário Peixoto e o grupo ligado ao Pastor Everaldo, cumpre destacar que, segundo declarações de Edmar Santos, prestadas à PGR, ambos conviviam em constante clima de tensão e de disputa pelo poder e pelos contratos, no âmbito da administração estadual. A esse respeito, reconhece Edmar Santos, "(...) que Peixoto e Everaldo viviam em constante tensão".
Ainda segundo Edmar Santos, a interface de comunicação entre o grupo de Mário Peixoto e o Réu era feita por intermédio de Lucas Tristão, que ocupou o cargo de Secretário de Estado de Desenvolvimento, Energia e Relações Internacionais na gestão do Réu.
Sobre Lucas Tristão, importa destacar que, além de homem de confiança do Réu, era também amigo pessoal do empresário Mário Peixoto, relação essa confirmada, por ambos, em depoimento prestado ao Tribunal Especial Misto.
Quando perguntado pelo relator sobre a relação de amizade com Lucas Tristão, o empresário Mário Peixoto respondeu:
"O SR. WALDECK CARNEIRO - Entendi. Então, pode-se dizer que tinha uma relação profissional, acabou evoluindo para uma relação também de certa maneira de amizade?
O SR. MARIO PEIXOTO - É, porque, na realidade, o Advogado Lucas Tristão, como ele era do Espírito Santo, praticamente não tinha currículo no Rio, ele me procurava muito. Aí, acabou nascendo uma amizade."
Na mesma direção se manifestou o senhor Lucas Tristão em seu depoimento ao Tribunal Especial Misto, em resposta à Acusação:
O SR. LUIZ PAULO - Senhor presidente, eu gostaria que a testemunha nos informasse qual era a relação dele com o senhor Mário Peixoto e filho.
O SENHOR PRESIDENTE: Pode responder.
"O SR. LUCAS TRISTÃO DO CARMO - O senhor Mario Peixoto foi meu cliente enquanto exercia a advocacia. O filho do senhor Mario Peixoto também foi meu cliente quando eu exercia a advocacia. E, desde 1º de janeiro de 2019, quando me mudei para o Rio de Janeiro, desenvolvi um relacionamento de amizade com ambos"
Em outro momento, ainda em seu depoimento ao Tribunal Especial Misto, o empresário Mário Peixoto deixa claro que há uma relação de proximidade entre ele e Lucas Tristão. Ao ser questionado a esse respeito pela Acusação, assim respondeu:
"O SR. LUIZ PAULO - Depois desse encontro quando o senhor conheceu o Governador Wilson Witzel, eu pergunto ao senhor, se foi nesse encontro também que o senhor conheceu o Sr. Tristão?
O SR. MARIO PEIXOTO - Não, senhor. Conheci Lucas Tristão lá em Angra dos Reis. Não lembro se em fevereiro ou março, por aí.
O SR. LUIZ PAULO - O Sr. Tristão afirmou aqui a este Tribunal que ele tem uma relação próxima ao senhor e ao seu filho Vinícius, inclusive frequentando as casas. O senhor confirma esse depoimento?
O SR. MARIO PEIXOTO - Em parte. Ele nunca frequentou a casa do meu filho. Às vezes na minha casa, ele almoçou algumas vezes na minha casa.
O SR. LUIZ PAULO - Eu confesso que não consegui ouvir.
O SR. MARIO PEIXOTO - Vou chegar mais próximo. Eu falei que ele teve alguns encontros de almoço na minha casa, mas não na casa do meu filho. Conheceu meu filho na minha casa e encontrou-se com ele algumas vezes lá.(...)" (grifos nossos)
Ainda para corroborar a grande proximidade entre o empresário Mário Peixoto e Lucas Tristão, no bojo das investigações da "Operação Favorito", foi interceptado diálogo telefônico entre Vinícius Peixoto, filho de Mário Peixoto, e a senhora sua mãe. Vejamos:
"Vinicius: meu teste deu positivo
mãe: mentira, você está brincando comigo.
Vinicius: é
mãe: meu Deus Vinicius, e as crianças e a Camila?
Vinicius: deu todo mundo negativo, só o meu deu positivo
mãe: eu estou bem. Você estava sentindo dor de cabeça e febre
Vinicius: eu tive febre e dor de cabeça
mãe: e agora está se sentido bem?
Vinicius: agora estou sentido bem mãe: a gente tem imunidade, não é todo mundo que fica daquele jeito não, entendeu? Tem gente que ... o vírus passa pelo corpo da pessoa e não sente nada.
(...)
Vinicius: a gente acha que foi um dia que eu estive na casa do meu pai. O Lucas teve, né? O Lucas estava lá, o Heitor brincou com ele e pode ter 'pego' aquele dia lá. O primeiro que ficou doente foi o Heitor ou a Helena, um dos dois. Estava lá o Lucas com a esposa.
mãe: O Lucas irmão do Matheus?
Vinicius: não, é o Lucas secretário.
mãe: entendi, um grandão
Vinicius: É. Lá no governo todo mundo teve. Mãe: o que ele foi fazer na casa dos outros?
Vinicius: meu pai, ideia de maluco. Todo mundo com corona no governo e chama o cara para ir na casa dele.
mãe: tem sorte de não ter 'pego', o seu pai. Fez o exame?
Vinicius: fez, quando o do Lucas deu positivo ele fez os exames."
Em sintonia com a estreita relação comprovadamente existente entre o senhor Lucas Tristão, lugar-tenente do Réu, e o empresário Mário Peixoto, em depoimento prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, o ex-Secretário de Estado de Saúde Edmar Santos afirmou que o próprio Réu atribuía ao citado empresário o sucesso de sua eleição. No depoimento, disse: "Que WILSON WITZEL atribui a sua vitória eleitoral a MARIO PEIXOTO".
Em contraponto às negativas do empresário Mário Peixoto quanto à sua participação na vitoriosa campanha eleitoral do Réu, outro ex-integrante do governo estadual, o senhor Hormindo Bicudo Neto, ex-Controlador Geral do estado do Rio de Janeiro, que se qualificou como amigo do Réu, em depoimento, na condição de informante, ao Tribunal Especial Misto, assim afirmou:
"O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Conheci o Mario Peixoto bem antes. Conheci o Mario Peixoto quando eu fui Controlador Geral do Município de Nova Iguaçu, na gestão do Lindbergh, e o Mario Peixoto já representava nas cooperativas de trabalho. E havia tanto questionamento sobre a possibilidade de as cooperativas prestarem serviço público ou não.
Na época, como Controlador, e conhecendo bem a dinâmica do Tribunal de Contas, eu consegui emitir um parecer, naquela época era um parecer sazonal, de acordo com a necessidade da saúde naquela época, que foi inclusive aprovado pelo Tribunal de Contas depois. A partir dali, Mario Peixoto passou a ter um contato comigo praticamente profissional, porque houve um respeito e tudo.
Muitos anos depois se passaram, eu não tive mais contato com ele, fui ter um novo contato com ele justamente quando da candidatura. Porque ele tinha um instituto de pesquisa...
O SR. LUIZ PAULO - Ah, o Sr. Mario Peixoto tinha um instituto de pesquisa?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Sim, ele tinha um instituto de pesquisa. Não sei se ele ainda tem hoje.
O SR. LUIZ PAULO - Não, não. Eu só fiquei curioso.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Ele tinha um instituto de pesquisa e eu pedi a ele uma pesquisa. Porque essa ideia da candidatura pudesse ser válida, eu pedi a ele uma pesquisa. Ele me fez uma pesquisa, ele sempre faz pesquisa, ele inseriu lá alguns requisitos da pesquisa para a gente poder analisar tecnicamente e saber a viabilidade ou não. Afinal de contas a pessoa teria que largar a carreira de magistrado, não podia ir para uma aventura.
Então, foi assim. E dali eu acabei me desligando deles porque eu não pude mais continuar na campanha.
O SR. LUIZ PAULO - Pois é, mas nessa pesquisa que o Sr. Mario Peixoto patrocinou para o Sr. Wilson Witzel, seguramente deu um resultado...
(...)
O SR. LUIZ PAULO - Sim, mas função dessa pesquisa que ele patrocinou...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Sim. Sim.
O SR. LUIZ PAULO - ... deve ter dado indicadores de que seria positiva a candidatura do Wilson Witzel.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - É. Numa análise que o senhor conhece bem, não é?
O SR. LUIZ PAULO - Sim, sim, mas deu algum nível de positividade, tanto é que ele virou candidato.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Exatamente." (grifos nossos)
Logo, fica claro que há relações de proximidade que unem o Réu, o seu homem de confiança e empoderado secretário, Lucas Tristão, e o empresário Mário Peixoto. Essas relações foram importantes para dar algum nível de proteção aos interesses do empresário na administração estadual, durante a gestão do Réu. Assim, considerando que a OSS Unir Saúde estava vinculada ao aludido empresário, que a dirigia ou, no mínimo, representava seus interesses, tal situação colidia com os interesses do grupo concorrente, liderado pelo Pastor Everaldo, em conluio com o empresário Edson Torres, notadamente em relação aos contratos na área de saúde. Ora, como Edmar Santos torna-se secretário com a interveniência da citada dupla, sua ação, como titular da Secretaria, não favorecia as demandas e pretensões do empresário Mário Peixoto.
Com efeito, assim que assumiu a Secretaria de Estado de Saúde, o então Secretário Edmar Santos deu início à auditoria sobre a situação das organizações sociais, que, segundo ele, trabalham, todas, na esfera da ilicitude. Ele assim se pronuncia, em resposta ao relator, conforme o diálogo abaixo:
"O Senhor WALDECK CARNEIRO: o senhor afirmou, em uma de suas respostas aqui hoje, que não há nenhuma OS que trabalhe de forma lícita na saúde. Isso se aplica à Unir e à Iabas na sua gestão também?
O Senhor EDMAR SANTOS: Se aplica a todas (...).
O Senhor WALDECK CARNEIRO: Certo, mas também à Unir e à Iabas...
O Senhor EDMAR SANTOS: Também à Unir e à Iabas."
A auditagem realizada na Secretaria, em que todas as organizações sociais praticavam ilicitudes, conforme declaração do próprio secretário, identificou três organizações sociais, tidas como as mais "problemáticas": OSS Unir Saúde, OSS Pró-Saúde e OSS Cruz Vermelha. Apesar disso, apenas a OSS Unir Saúde teve instaurado em seu desfavor processo administrativo com vistas à sua desqualificação, sendo as demais substituídas por outras organizações sociais, porém sem sofrer a penalidade máxima de desqualificação.
Apesar de devidamente respeitados o contraditório e a ampla defesa da OSS Unir Saúde, bem como ter sido o ato de desqualificação firmado pelos secretários estaduais responsáveis, na forma dos diplomas legais que regem a matéria, a instauração do processo administrativo n° E-08/001/1170/2019 (desqualificação da Unir) se deu por determinação do ex-Secretário de Estado de Saúde, pessoa intimamente ligada, como já vimos, ao grupo do Pastor Everaldo, concorrente do grupo encabeçado pelo empresário Mário Peixoto. O vínculo do ex-secretário com a dupla Pastor Everaldo/Edson Torres é confirmado no depoimento do empresário ao MPF, como se observa a seguir:
"Que Edmar, no meio da conversa, perguntou ao depoente se o mesmo não poderia arrumar um cargo para ele; que Edmar disse que Witzel esteve no HUPE durante a campanha e tinha gostado da visita; que Edmar pediu que o depoente intercedesse junto ao governador eleito para a obtenção do cargo do secretário de saúde; que até então o depoente e Everaldo não tinham um nome para a secretaria de saúde; que como Witzel já conhecia Edmar de sua visita ao HUPE, acabou o escolhendo."
No entanto, na tentativa de evitar a desqualificação da OSS Unir Saúde, o Réu determinou que Edmar Santos fosse a um almoço com o empresário Mário Peixoto, com a presença do senhor Lucas Tristão, fato esse narrado pelo próprio ex-Secretário de Estado de Saúde, em seu depoimento aos membros do Tribunal Especial Misto, no último dia 07 de abril. Vejamos o diálogo:
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Sim. O senhor disse que nunca teve nenhuma relação com o Mario Peixoto, nunca teve nenhum contato com ele (...)
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - À exceção do almoço que eu fui a pedido seu, junto com o Lucas Tristão, mais ou menos em junho, julho, a única vez que eu tive com o Mario Peixoto, não é? E que o tema principal da conversa dele foi realmente não desqualificar a Unir, me dando aí a certeza que ele seria o dono oculto da Unir porque ele quase não falou de outro assunto a não ser esse, e assim como o José Carlos, como o Everaldo, ele próprio, também, queria ter mais negócio na Saúde, como todo mundo queria ter mais negócio na Saúde.
(...)
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Confirma, muito obrigado.
O senhor relata que teve um almoço com o Sr. Mario Peixoto e com o Secretário Lucas Tristão. Esse almoço está relatado - ressalto aqui, chamo a atenção do Tribunal que o almoço não está relatado no anexo, mas consta do Termo de Declaração a 24 de junho de 2020, em que aparece o almoço. Esse almoço de que participou o Sr. Lucas Tristão, a reunião tratou da permanência da OS Unir nos contratos da Secretaria de Saúde: "...A que o colaborador não sabe dizer se formalmente a OS está em nome de Mario Peixoto, mas ficou claro que, de fato, lhe pertencia". O que o senhor pode esclarecer como "ficou claro que, de fato, lhe pertencia"?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS- Porque 90% do tempo que a gente almoçou, o Mario Peixoto tava preocupado em que a Unir fosse reabilitada, quer dizer, não fosse desqualificada, de que isso traria prejuízo para ele e que, além disso, ele teria interesse em outros negócios de empresas dele na Saúde. Ou seja, se ele quer outros negócios de empresa dele, ele está afirmando que a Unir também é uma empresa dele, não é? Então, na conversa, no almoço, foi muito claro isso. A insistência do próprio Lucas, também, que eu atendesse ao Mario Peixoto. (...)" (grifos nossos)
É interessante constatar que o Réu se contradisse, ao ser interrogado pelo relator na mesma sessão, quando negou que tenha pedido ao ex-secretário para que fosse ao referido almoço. Não se trata simplesmente de contradição com a fala de seu ex-secretário, mas com sua própria fala. Afinal, ele afirmou "está certo", quando Edmar Santos repetiu que tinha ido ao tal almoço a pedido do Réu, mas que este não pedira ao secretário para atender a demanda do empresário. Ora, se o Réu não apenas não contestou seu ex-secretário, mas confirmou seu depoimento, classificando-o como "certo", por que então negou a ordem dada ao seu então secretário para participar do almoço, quando indagado pelo relator a esse respeito? Vejamos o breve diálogo:
"O SR. WALDECK CARNEIRO - Alguma vez o senhor chegou a pedir ao Secretário de Saúde Edmar Santos que participasse de um almoço com o Sr. Mario Peixoto e Sr. Lucas Tristão?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Hipótese alguma."
Sem sucesso na tentativa de reverter a situação da OSS Unir Saúde junto ao seu então secretário de Saúde, o Réu viu publicada a Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019, que desqualificou a entidade como organização social.
Em depoimento ao Tribunal Especial Misto, o Senhor Edmar Santos disse que tomou conhecimento da possibilidade de requalificação da OSS Unir Saúde em conversa com o Réu, na varanda do Palácio Guanabara, ocasião em que, segundo o depoente, alertou o governador de que a requalificação da OSS Unir Saúde seria "batom na cueca". Na oportunidade, o Réu respondeu, segundo o depoente, que "era um pedido que ele não poderia deixar de atender". Vejamos:
"O SR. WALDECK CARNEIRO - Bem, quando o senhor alertou o Governador afastado que seria, na sua expressão, "batom na cueca" a requalificação da Unir, o senhor queria dizer exatamente o quê? E como ele reagiu a esse alerta?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - Eu queria dizer que era tão óbvio todas as evidências, que não tinha volta. Não tem como fazer diferente. Se ele assina qualquer coisa de... E, pior, o decreto... Na verdade, pelo decreto, o Governador não teria nem essa autoridade. Porque a qualificação de uma OS ou sua desqualificação tem que ser concomitante da Saúde com a Casa Civil.
Então, ainda tinha essa questão sobre o próprio decreto estadual que trata sobre as OSs no nosso âmbito.
Mas, pior que isso, com tantas evidências no processo que foi feito - um processo longo, bem documentado -, como é que, no dia seguinte, alguém assina e fala: não, está qualificado de novo. Não é? Óbvio, aquela lista de processo, bem-feito, com parecer da PGE, é um "batom na cueca". Não é?
O SR. WALDECK CARNEIRO - E em relação...
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - E ele reagiu(...) Ele reagiu assim: não, não tem jeito, tenho que atender o pedido. E é o pedido do Mario Peixoto. Então, ele estava pressionado a atender o pedido, apesar dos riscos que isso trazia.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Eu só queria entender... Desculpe, Dr. Edmar. Ele, então, respondeu dizendo que não teria jeito e era preciso atender ao pedido do senhor Mario Peixoto? Foi nesses termos, aproximadamente?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - É, que eu tenho que atender... Um pedido que eu não posso deixar de atender."
O SR. WALDECK CARNEIRO: Mas ele falou que era do Mario Peixoto?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - Ele não falou do Mario Peixoto diretamente. Mas todo o contexto, desde a minha ... o pedido aí ... é do Mario Peixoto. Por que a Unir é de quem? Do Mario Peixoto. (grifos nossos)
Diante disso, em 24 de março de 2020, fazendo uso de seu poder discricionário, o Réu publicou despacho para requalificar a OSS Unir Saúde, sem qualquer parecer técnico que o fundamentasse, revogando o ato conjunto de seus secretários e tornando a entidade apta novamente para assumir novos contratos de gestão.
Na direção contrária à decisão de requalificação proferida pelo Réu, manifestou-se o senhor Hormindo Bicudo Neto, ex-Controlador Geral do Estado, amigo do governador afastado, em depoimento ao Tribunal Especial Misto. Quando indagado pelo Relator, se "não achava um pouco estranho que, para ter havido uma resolução conjunta da Secretaria de Estado de Saúde e da Casa Civil e Governança para desqualificar a Unir, isso tenha sido precedido por um parecer técnico e, para decretar a sua requalificação, o Governador não tenha consultado ninguém, não tenha se baseado em parecer técnico nenhum", o ex-Controlador respondeu:
"O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Não concordo.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Não concorda?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Não concordo com essa atitude, não concordo com o ato, não posso lhe dizer tecnicamente, porque eu não li, nunca tive acesso a esse processo e nem aos pareceres que o fundamentaram, mas seria de bom alvitre, por uma questão até de cuidado, a qualquer gestor, de que encaminhe para os órgãos de controle determinadas situações em que possa correr risco a sua gestão. (...)" (grifos nossos)
Ainda sobre o tema, em seu interrogatório no Tribunal Especial Misto, o Réu foi esquivo, quando questionado pela Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, sobre a requalificação da OSS Unir Saúde. Vejamos:
"A SRA. INÊS DA TRINDADE CHAVES DE MELO - O senhor revogou a desclassificação da Unir Saúde contradizendo o parecer jurídico do Procurador responsável. O senhor considera prudente, responsável, esse ato administrativo, mesmo sabendo que a Unir respondia a 20 processos administrativos na Secretaria de Estado de Saúde por irregularidades na condução dos contratos existentes junto ao Governo Estadual, na área de Saúde, inclusive, um deles já com penalidade administrativa?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Desembargadora Inês, V. Exa. que é uma especialista no tema de improbidade, eu queria esclarecer que, assim como a Unir, várias outras OS também tinha problemas de irregularidade, 2018, 2017, 2016, foram anos em que essas organizações sociais tiveram pagamentos interrompidos por conta de várias crises financeiras. Assumimos um Governo com R$17 bilhões de restos a pagar e grande parte desses restos a pagar era em relação a organizações sociais e atividades ligadas à área da Saúde.
Então, a Unir estava dentro desse problema em que as irregularidades que elas alegavam - V. Exa. pode observar no processo - muitas delas eram por falta de pagamento. Então, não consertou o ar-condicionado, não colocou número de médicos que deveria ser colocado, isso era um problema que várias outras OS também tinham." (grifos nossos)
A propósito desse quadro de irregularidades generalizadas, reconhecido pelo próprio Réu, é especialmente revelador o diálogo travado entre ele e a Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, durante o interrogatório do governador afastado:
A Senhora Teresa de Andrade Castro Neves - A minha pergunta é justamente por que não, já que existiam outras, e o senhor estava ciente de que existiam outras com irregularidades (...).
O Senhor Wilson José Witzel: Então, foi essa pergunta que fiz para o secretário Edmar: 'por que você não está fazendo a desqualificação das outras OSs que estão em situações muito piores?'
A Senhora Teresa de Andrade Castro Neves - Mas então a opção foi para não punir ninguém, não para punir todos que estivessem errados?"
Diante do triste quadro instalado no estado do Rio de Janeiro, em meio a inúmeras suspeitas de corrupção e desvio de dinheiro público, envolvendo empresas privadas e organizações sociais, além de pagamento de vantagens a agentes públicos integrantes do Poder Executivo fluminense, no dia 14 de maio de 2020, por decisão da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro, o empresário Mário Peixoto foi preso preventivamente, no âmbito da "Operação Favorito".
Curiosamente, ato contínuo à prisão do empresário Mário Peixoto, exatamente no dia seguinte ao fato, o Réu voltou atrás em sua decisão de requalificar a OSS Unir Saúde. Ora, mas se a requalificação discricionária da entidade, decidida monocraticamente pelo Réu, menos de dois meses antes, não tinha nenhuma relação com qualquer demanda do empresário Mário Peixoto, como várias vezes afirmou o Réu, por que então ele se apressou em rever o seu próprio ato?
À luz do ordenamento jurídico brasileiro, assiste razão à Acusação, tendo em vista que o Réu deixou de observar um princípio basilar da administração pública, qual seja, a moralidade, princípio que está diretamente vinculado ao conceito de probidade, que, por sua vez, abrange as noções de dignidade, honra e decoro, conforme tipificado no artigo 9°, item 7, da Lei Federal 1.079, de 10 de abril de 1950.
No que tange ao princípio da moralidade, trata-se de realçar que o agente público não pode se limitar a agir apenas dentro do estrito cumprimento dos comandos legais, embora isso seja fundamental. Mas, não é suficiente. O exercício da função pública requer também o estrito respeito ao imperativo da probidade. Nesse sentido, já se manifestou o Ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 160.381 - SP, analisando o princípio da Moralidade à luz da Constituição Federal:
"Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio de administração pública (art 37 da CF). isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez "el hecho de su consagración en una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter" (El princípio de buena fé en el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César." (grifos nossos)
Logo, conclui-se que, não apenas a inobservância dos comandos legais, mas também a indesejável flexibilidade moral, configuram práticas criminosas, ainda que de natureza diversa. Afinal, o crime de responsabilidade contra a probidade administrativa não é um crime comum, mas um delito especificamente vinculado à adoção, por parte do agente público, de conduta incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo que ocupa.
Sobre o mesmo tema, já dispunha o artigo 48, do Decreto nº 30, de 08 de janeiro de 1892 (16), que, em seu capítulo IV, artigo 48, definia o crime de responsabilidade contra a probidade da administração. Vejamos:
"Art. 48. Comprometter a honra e a dignidade do cargo por incontinencia publica e escandalosa, ou pelo vicio de jogos prohibidos ou de embriaguez repetida, ou portando-se com inaptidão notoria ou desidia habitual no desempenho de suas funcções."(grifos nossos, mantida a redação original)
Percebe-se, portanto, que a preocupação com a dignidade, a honra e o decoro, no exercício de cargos do alto escalão da gestão pública, há muito se faz presente no arcabouço legal brasileiro. Como exemplo, podemos citar:
a) No âmbito da administração púbica federal: o artigo 9°, item 7, da Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1970:
"Art. 9° São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
(...)
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo."(grifos nossos)
b) No âmbito da administração pública estadual: o §1° e inciso II, do artigo 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro:
"Art. 104 - Perderá o mandato o Deputado:
(...)
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
(...)
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no Regimento Interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro da Assembleia Legislativa ou a percepção de vantagens indevidas." (grifos nossos)
Na mesma linha, ainda na citada Carta Estadual, dispõe o artigo 146:
"Art. 146 - São crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentarem contra a Constituição da República, a do Estado e, especialmente, contra:
(...)
V - a probidade na administração; (...)" (grifos nossos)
Cabe ressaltar ainda os ensinamentos do saudoso jurista e ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard (17), sobre a responsabilização de autoridades públicas pela prática de crime de responsabilidade e, consequentemente, por atentar contra a honra, a dignidade e o decoro do cargo:
"Só aquele que pode malfazer ao Estado, como agente seu, está em condições subjetivas de sofrer a acusação parlamentar, cujo escopo é afastar do governo a autoridade que o exerceu mal, de forma negligente, caprichosa, abusiva, ilegal ou facciosa, de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro do cargo" (grifos nossos)
Ora, mas quais seriam os conceitos de honra, dignidade e decoro do cargo de Governador? Antes de responder, faz-se necessário esclarecer o significado desses termos, à luz do vernáculo.
Segundo o Dicionário Houaiss (18), honra é o "princípio de conduta de quem é virtuoso, corajoso, honesto; cujas qualidades são consideradas virtuosas."; no Dicionário Caldas Aulete (19), é definida como "princípio de conduta pessoal fundamentado na ética, honestidade, coragem e em outros traços de comportamento socialmente considerados virtuosos; DIGNIDADE; HONRADEZ"; e no Dicionário Michaelis (20), como "princípio moral e ético que norteia alguém a procurar merecer e manter a consideração dos demais na sociedade".
Sobre dignidade, define-a o Dicionário Houaiss como a "qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; HONRA, autoridade, nobreza"; no Dicionário Caldas Aulete, a dignidade é definida como a "qualidade moral que infunde respeito; HONRA; autoridade"; e, por fim, no Dicionário Michaelis, é definida como o "modo de proceder que transmite respeito; autoridade, HONRA, nobreza".
Já a palavra decoro, segundo o Dicionário Houaiss, é o "acatamento das normas morais; DIGNIDADE, HONRADEZ, pundonor"; no Dicionário Caldas Aulete, é definido como "honestidade, integridade, HONRADEZ"; e, segundo o Dicionário Michaelis, é "seriedade e decência ao agir; DIGNIDADE".
Percebe-se a evidente sinonímia que vincula as noções de dignidade, honra e decoro, que se aplicam à ocupação do cargo de governador. Se não, vejamos:
a) dignidade do cargo de Governador: dever de o Governador pautar sua conduta pelas mais rígidas normas éticas, o que lhe exige, em qualquer ocasião, alto padrão de comportamento, o que se refletirá em seu desempenho como chefe do Poder Executivo e no grau de respeito que lhe é devido;
b) honra do cargo de Governador: o apreço e o respeito de que é objeto ou se torna merecedor o Governador, perante os cidadãos em geral, os demais Poderes e os servidores públicos;
c) decoro do cargo de Governador: valor moral e social da Chefia do Governo, cujo elevado conceito social é essencial para o exercício válido e democrático do poder.
Com o mesmo entendimento, em sede de Alegações Finais, a Acusação discorre sobre a linha do tempo que embasa a participação e a ciência do governador afastado Wilson Witzel nas tomadas de decisão, sob a influência de atores políticos e operadores financeiros que o cercavam, deixando cristalina sua preferência por grupos econômicos em detrimento do interesse público. Vejamos:
"A questão central sob a ótica do Crime Responsabilidade do Governador Sr. Wilson Witzel, não é definir quem era o detentor último do poder decisório na estrutura da UNIR, se era Luiz Roberto Martins ou Mario Peixoto. E, sim, que a requalificação da UNIR foi ato ímprobo, que não atendeu o interesse público, e que a sua desqualificação em seguida foi uma tentativa de se dar uma falsa aparência de imparcialidade, quando os atos ímprobos já tinham sido descobertos pelas operações do MPE-RJ e MPF." (grifos originais)
Diante de todo o exposto, conclui-se, portanto, que o ato praticado pelo Réu, qual seja, a requalificação da OSS Unir Saúde deu-se em clara e total afronta às noções de dignidade, honra e decoro, ou seja, em completa inobservância ao imperativo da probidade. Afinal, no exercício da função pública, não se pode agir para proteger ou prejudicar, deliberadamente, interesses privados, particulares ou específicos, em detrimento do elevado interesse público.
5. Segundo Eixo da Acusação: contratação da OSS IABAS
Em relação ao segundo eixo da acusação, qual seja, a contratação da OSS IABAS, os denunciantes afirmam haver robustos indícios de participação do Réu na prática de atos ilícitos referentes à celebração do contrato milionário, no valor total de R$835.772.409,78 (oitocentos e trinta e cinco milhões setecentos e setenta e dois mil quatrocentos e nove reais e setenta e setenta e oito centavos).
A citada contratação, que ocorreu em caráter emergencial e sem qualquer tipo de seleção pública ou licitação, tinha como objetivo a montagem de 7 (sete) hospitais de campanha no estado, na esfera pública, de modo a possibilitar o aumento de 1.800 (mil e oitocentos) leitos, aqui incluídos os leitos intensivos, para serem disponibilizados à população fluminense, sendo essa uma das medidas anunciadas pelo Réu, ainda no mês de março de 2020. Pouco depois, chegou a ser anunciada uma oitava unidade, sem contar, como já mencionado anteriormente, a unidade que seria erguida sob a responsabilidade do setor privado, que estava fora do escopo do contrato.
O Relatório Final da Comissão Especial constituída na ALERJ para investigar as contratações emergenciais na área de saúde, no contexto da pandemia, revela que, no caso da contratação da OSS IABAS, não se constatou: a) justificativa pertinente para a escolha dessa entidade; b) estudo preliminar para fundamentar a contratação; c) especificação mínima de quantitativos referentes aos itens contratados; d) devido zelo na antecipação de pagamento sem garantias suficientes para a administração pública, entre outros aspectos temerários (ALERJ, Comissão Especial COVID-19. Relatório Final, 2020, p. 69).
Dos hospitais de campanha prometidos, apenas 2 (dois) foram entregues (Maracanã e São Gonçalo), mesmo assim, depois de considerável atraso no cronograma de montagem e com número reduzido de leitos, muito aquém do alardeado, como já foi mencionado na seção anterior.
Já vimos que, tão logo a pandemia se abateu sobre a população fluminense, o quadro de inépcia na gestão da crise, por parte da administração estadual, foi ficando delineado. Já vimos, também, que, além dos problemas gerenciais, rumores, suspeitas e indícios de irregularidades ganharam corpo, o que despertou o interesse investigativo de diferentes órgãos de controle do Estado.
O Réu, em sua defesa técnica, apresentada a este Tribunal Especial Misto, alega: (a) que está dada a inexistência de provas ou indícios de sua participação na contratação da OSS IABAS, imputando tais responsabilidades ao então Secretário de Estado de Saúde, senhor Edmar José Alves dos Santos, e a seu Subsecretário Executivo, senhor Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos; (b) que, após noticiada pela imprensa a existência de superfaturamento na contratação da citada entidade, determinou à Controladoria Geral do Estado (CGE) que procedesse a auditoria prévia em todas as contratações emergenciais, o que fez por meio da edição do Decreto Estadual n° 47.039, de 17 de abril de 2020.
É necessário fazer alguns destaques sobre atores importantes para a elucidação das questões inerentes à contratação da OSS IABAS e sobre a existência de um grande esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos, durante a gestão do Réu.
Como já vimos, o empresário Edson Torres teve participação destacada na indicação de Edmar José Alves dos Santos para o cargo de Secretário de Estado de Saúde, com a anuência do Pastor Everaldo, presidente nacional do Partido Social Cristão (PSC), junto a quem o empresário gozava de grande influência.
Pastor Everaldo, por sua vez, além de político conhecido no cenário fluminense e presidente nacional do PSC, partido pelo qual se elegeu Wilson Witzel, exercia, como já afirmamos, grande influência na gestão estadual, em diferentes áreas.
Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos foi a pessoa escolhida pelo Pastor Everaldo para ocupar o cargo de Subsecretário Executivo da Secretaria de Estado de Saúde. Tal decisão foi comunicada ao então Secretário de Estado de Saúde Edmar Santos pelo empresário Edson Torres. O Secretário, à época, não rejeitou a indicação e delegou ao novo subsecretário executivo o poder de efetuar contratações e ordenar despesas do órgão.
Sobre suas relações com a dupla Pastor Everaldo/Edson Torres, Edmar Santos, em seu depoimento prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 2020, discorreu com clareza meridiana:
"(...)Que passada a eleição e tendo sido eleito, no período de transição, o colaborador recebeu ligação por voz por Whatsapp de EDSON TORRES; Que EDSON disse que o futuro cargo de Secretário de Saúde estava entre o colaborador e FERNANDO FERRY; Que o colaborador é convidado por EDSON para um café da manhã no Hotel Hilton na Barra da Tijuca, em novembro de 2018, estando presentes apenas o colaborador e EDSON; Que na ocasião EDSON afirmou que era "sócio" do PSC junto com o Pastor Everaldo; Que ambos se consideravam "proprietários" do partido; Que, por conta disso, EDSON afirmou que não tinha interesse que FERNANDO FERRY assumisse a Secretária de Saúde pois este tinha ligação com o Deputado Estadual Rodrigo Amorim que é do PSL; Que a procura por outro nome tinha como objetivo emplacar um nome do PSC ao cargo; Que o colaborador percebeu essa primeira reunião como uma mera sondagem, não havendo qualquer tratativa sobre negócios ilícitos; Que, após uma semana, o colaborador liga para EDSON por Whatsapp para saber notícias e EDSON o convida para uma segunda reunião no mesmo hotel HILTON; Que os termos da conversa são os mesmos; Que não há nenhuma tratativa de vantagens ilícitas, mas o nome do colaborador é chancelado por EDSON para ser o nome indicado pelo partido ao cargo; Que até então não conhecia o Pastor Everaldo; Que é marcada, então, reunião na FIRJAN, onde funcionava o gabinete de transição do Governador no Centro do Rio de Janeiro; (...) Que esta primeira reunião com WITZEL foi muito atípica; Que WITZEL conversou apenas por 15 minutos com o colaborador. falando sobre parcerias público-privadas e temas de seu interesse; Que o colaborador saiu da reunião achando que não seria o escolhido pois não foram feitas muitas perguntas a respeito do seu currículo, experiência ou visão a respeito das políticas públicas de saúde para o Estado; Que após dois ou três dias o colaborador recebe ligação de EDSON onde é marcada nova reunião com o governador no prédio da FIRJAN; Que EDSON servia como um intermediário do PASTOR EVERALDO; Que nessa segunda reunião o colaborador conversa de maneira detida com WILSON WITZEL, por duas a três horas; Que o discurso do governador neste momento é no sentido de afastar os grupos corruptos dentro da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro; Que o colaborador chegou a pedir segurança para si e família país temia pela sua vida ao mexer com os grupos que estavam infiltrados na Secretaria de Estado de Saúde; Que nesta reunião não houve qualquer ajuste de vantagem indevida com o Governador; Que, após certo tempo, em novembro de 2018, o colaborador é indicado como futuro secretário de saúde; (...)" (grifos nossos)
Com relação à nomeação do ex-Subsecretário Executivo da pasta da Saúde, Grabriell Neves, ainda em seu depoimento à PGR, Edmar Santos esclarece:
"(...) Que, ao longo de sua estadia à frente da Secretaria de Estado de Saúde, a tensão com o grupo do PASTOR EVERALDO foi crescendo e, a partir de outubro de 2019, começou a haver pressão para troca subsecretária executiva MARIA THEREZA LOPES; Que o colaborador chegou a entender que havia ameaças veladas à DARIA THEREZA, com expressões como "ela está muito velhinha, pode falecer a qualquer momento"; Que as pressões começaram a crescer e vários nomes foram sendo sugeridos para ocupar o cargo; Que, à época, a indicação do nome de GABRIELL NEVES não pareceu ao colaborador uma má indicação num primeiro momento pois o mesmo possuía experiência na área, sendo subsecretário na pasta de Ciência e Tecnologia; Que, em janeiro de 2020, o colaborador foi chamado à sede do PSC e o PASTOR EVERALDO comunicou que o novo Subsecretário Executivo da Secretaria de Saúde seria, de fato, GABRIELL NEVES; Que, a partir desse momento, o colaborador começou a suspeitar do motivo pelo qual GABRIELL tinha sido escolhido pelo PASTOR EVERALDO; Que havia um processo de compliance na Casa Civil que fazia uma avaliação da vida pregressa do futuro subsecretário; Que, desta forma, a escolha não era exclusiva do Secretário passando pelo aval de outras pastas (Casa Civil e Governador); Que o colaborador entende que a nomeação de GABRIELL teria como objetivo deixa-lo como "rainha da Inglaterra". (grifos nossos)
Quanto à proximidade e à existência de uma relação de amizade entre o Pastor Everaldo e o empresário Edson Torres, em seu depoimento prestado à PGR, em 03 de setembro de 2020, o empresário assevera:
"(...)Que no início da década de 90 o depoente começou a gerir a Dinâmica Segurança, da qual detinha 50% de propriedade; Que geria a Dinâmica. mas mantinha-se como diretor das demais empresas; Que a empresa já possuía diversos contratos com o setor público e na campanha para o Governo do Estado do Rio de Janeiro de 1994 o depoente chegou a visitar tanto MARCO AURÉLIO ALENCAR quanto representantes da campanha de MARCELO ALENCAR; Que forneceu cerca de 40 veículos para a campanha de GAROTINHO a pedido de AUGUSTO ARISTON; (...) Que na mesma eleição, registra que conheceu PASTOR EVERALDO, num encontro promovido com evangélicos e a candidata ao Senado Benedita;(...) Que após o Governo de MARCELO ALLENCAR. o depoente passou a estreitar suas relações com o PASTOR EVERALDO;(...) Que registra que EVERALDO sempre teve negócios no ramo imobiliário; Que, em 2003, EVERALDO ofereceu ao depoente a compra da empresa BRM ENGENHARIA E CONSULTORIA; Que nessa época EVERALDO colocou seu filho LAÉRCIO para cuidar da empresa; Que o depoente comprou três ou quatro terrenos no Recreio dos Bandeirantes para fazer incorporações; Que Foram feitos três prédios. mas a empresa não teve sucesso: Que o plano original era utilizar os apartamentos para aluguel, mas todos os apartamentos acabaram sendo vendidos; Que EVERALDO saiu da empresa após dois anos; (...)" (grifos nossos)
Já com relação ao Pastor Everaldo, se manifestou Edmar Santos em seu depoimento prestado à PGR, destacando sua proximidade com o Réu. A esse respeito, assim se expressou:
"(...) Que nesta reunião, além do governador eleito WILSON WITZEL, estavam o PASTOR EVERALDO, LUCAS TRISTÃO e CLEITON RODRIGUES; Que os citados eram pessoas de extrema confiança de WITZEL; (...)" (grifos nossos)
Também em seu depoimento prestado à PGR, o empresário Edson Torres discorreu sobre os primórdios da parceria entre Pastor Everaldo, o depoente e o Réu:
"(...)Que o declarante esteve pessoalmente com WITZEL em três oportunidades; Que, ao final de 2017 o declarante foi convidado por EVERALDO para participar de uma reunião com o Juiz Federal WILSON WITZEL; Que o propósito da reunião era conversar sobre a viabilidade política de WITZEL vir candidato a Governador do Estado do Rio de Janeiro pelo PSC: QUE WITZEL ainda não era filiado e nem poderia pois ainda era Juiz; Que tal reunião ocorreu na sede do PSC. Rua Senador Dantas, 71, 21° andar, presentes o declarante, EVERALDO, WITZEL e um empresário aposentado amigo do declarante VALDIR LOPES; Que nessa reunião WITZEL apresentou seu interesse em ser candidato ao Governo do Rio de Janeiro; Que nessa reunião. foram tratados apenas assuntos políticos e viabilidade; (...) QUE VICTOR HUGO possuía também interlocução de PASTOR EVERALDO para influenciar no governo WITZEL; (...)" (grifos nossos)
Ainda sobre a relação de proximidade existente entre o Governador afastado Wilson Witzel e o Pastor Everaldo, em depoimento prestado aos membros do Tribunal Especial Misto, se manifestaram as seguintes testemunhas: (a) Hormindo Bicudo Neto, ex-Controlador Geral do Estado do Rio de Janeiro durante a gestão de Wilson Witzel; (b) Lucas Tristão do Carmo, ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais; (c) Alex da Silva Bousquet, ex-Secretário de Estado de Saúde; (d) Edmar José Alves dos Santos, ex-Secretário de Estado de Saúde; (e) Edson da Silva Torres, empresário com forte atuação na saúde pública estadual; (f) Valter Alencar Pires Rebelo, advogado e político filiado ao PSC. Disseram eles:
a) Hormindo Bicudo Neto:
"O SR. WALDECK CARNEIRO - Uma última pergunta, Presidente.
O senhor falou que tinha conhecimento da influência política do Pastor Everaldo tendo em vista que ele é o Presidente Nacional do Partido do Governador? O senhor também tinha informações sobre a influência do Pastor Everaldo na gestão de áreas do Governo: Detran, Cedae, Saúde...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Ouvi falar, ouvi falar, né, que ele também tinha na Cedae. No Departamento de Trânsito, já não sei dizer para o senhor. Mas na Cedae ouvi falar também que ele tinha interferência lá, sim: que o Dr. Hélio era uma indicação dele."
b) Lucas Tristão do Carmo:
"O SR. ALEXANDRE FREITAS - Sr. Lucas Tristão, qual sua relação com o pastor Everaldo?
O SR. LUCAS TRISTÃO DO CARMO - A minha relação com o pastor Everaldo, ela ficou muito ruim desde um período ali na campanha. Desde então, a gente sempre se tratou institucionalmente. Ele era o Presidente do partido do Governador, eu era um Secretário de Estado do Governo Wilson Witzel e nosso relacionamento sempre foi ali institucional."
c) Alex da Silva Bousquet:
O SR. WALDECK CARNEIRO - Entendi. O senhor afirmou também que se encontrou uma única vez com o Pastor Everaldo no Palácio Guanabara.
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET - Isso.
O SR. WALDECK CARNEIRO - Foi alguma reunião específica?
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET - Não foi reunião específica, foi encontro de corredor.
d) Edmar José Alves dos Santos:
"O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Não houve facilitação de indicação de OS etc.? O senhor participou de alguma reunião?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - Participei de
algumas reuniões com o pastor Everaldo e com o Edson Torres e com o Vitor, que eu não lembro o sobrenome.
(...)
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - E o senhor se lembra da resposta que eu dei ao senhor?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - O senhor me deu uma primeira resposta.
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Qual foi a resposta que eu dei para o senhor?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - Que o senhor ia conversar com o pastor Everaldo sobre isso. (...)"
e) Edson da Silva Torres:
"O SR. CARLOS MACEDO - Muito bem. Eu faço uma outra pergunta. Dessa forma, o pastor Everaldo, ele é o longa manus do Governador Wilson Witzel ou foi o longa manus do Governador Wilson Witzel?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Me perdoe. Eu queria que o senhor falasse em português. Eu não entendo essa palavra "longa manus".
O SR. CARLOS MACEDO - Muito bem. Seria uma mão executora de uma ordem superior, ou seja, um braço que não faz parte do mesmo corpo, mas atende a um comando cerebral extinto ali ou independente daquele corpo.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Sim."
"O SR. ALEXANDRE FREITAS - Perfeito. O senhor tem alguma dúvida de que o pastor Everaldo era o operador financeiro do já Governador Wilson Witzel em questão de favorecimentos em contratos do Estado?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Não."
f) Valter Alencar Pires Rebelo
O SR. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA - Depois de eleito o Governador tinha contato com o Pastor Everaldo, assim, no Palácio, contatos com certa frequência?
O SR. VALTER ALENCAR PIRES REBELO - Sem dúvida.
Em algumas oportunidades eu pude observar em algumas reuniões a presença do Pastor que, para mim, conduzia assuntos partidários. Eu nunca participei dessas reuniões, mas o via em algumas oportunidades no palácio."
Importa destacar que, sobre o livre trânsito do Pastor Everaldo no Palácio Guanabara, sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o próprio Wilson Witzel confirmou esse fato em seu interrogatório no Tribunal Especial Misto:
(...)
O SR. WALDECK CARNEIRO - Pastor Everaldo?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Diversas vezes, Presidente do partido. Foram várias... Inclusive, várias das Atas de entrada e saída do Palácio Laranjeiras constavam o Márcio Pacheco, o Claudio Castro, o Sandro, membros da executiva estadual do partido para tratar das eleições de 2020. Eu, como Governador e Presidente de honra do partido, opinei, não só nas eleições do Rio de Janeiro, mas do Brasil inteiro. Eu estive em São Luiz do Maranhão para acompanhar as prévias para a eleição no Maranhão, filiando Prefeito; no dia da minha defesa de tese de doutorado eu estava em São Luiz fazendo campanha - na verdade, fazendo campanha de filiação. Então, eu, como Presidente de honra do partido, viajei o Brasil com o Pastor Everaldo, com Deputados Federais do meu partido no Tocantins, na Bahia, e no Rio de Janeiro não era diferente. Foram várias reuniões realizadas com a executiva do partido para definir sobre eleições. A reunião era eminentemente política."
São necessários tais esclarecimentos quanto ao networking entre essas pessoas para possibilitar o enfrentamento do mérito quanto à influência do Governador afastado Wilson Witzel na contratação da OSS IABAS.
Isto posto, em sua defesa apresentada ao Tribunal Especial Misto, o Réu aduz não existir quaisquer indícios de sua participação na contratação da OSS IABAS. Contudo, na contramão de sua afirmação, em depoimento prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, o ex-Secretário de Estado de Saúde, senhor Edmar Santos, declarou ter sofrido pressões vindas do Réu e de terceiros para a montagem dos hospitais de campanha, nos mesmos moldes dos contratados pelo Estado de São Paulo.
Apesar do estudo realizado por sua equipe, que apontava outras medidas, o então Secretário de Estado de Saúde foi informado pelo então Subsecretário Executivo de sua pasta, senhor Gabriell Neves, que a OSS IABAS seria a organização social encarregada de construir e gerir hospitais de campanha, sendo ele, o subsecretário, o gestor responsável por decidir sobre a contratação:
"QUE, com o avanço da pandemia, porém, o Estado de SP decidiu montar hospitais de campanha e o colaborador voltou a conversar com BERTHOLDO, mas não definiu que seria o IABAS o contratado; QUE o governador WITZEL e a primeira-dama HELENA começaram a pressionar o colaborador para a montagem de hospitais de campanha, já que as cobranças na média aumentaram; QUE o colaborador voltou a projetar com sua equipe a montagem de hospitais de campanha, em modelos diferentes do de SP, seguindo um racional técnico; QUE quem bateu o martelo para a contratação do IABAS não foi o colaborador; QUE o colaborador recebeu de GABRIELL NEVES a notícia de que seria o IABAS a OS contratada; QUE o colaborador acreditou que essa escolha havia sido deliberada pelo grupo do PASTOR EVERALDO, já que o IABAS já tinha uma relação com o grupo;(..) QUE o novo contrato, porém, não solucionou alguns vícios como a ausência de prazo para entrega dos hospitais e a falta de exigência de documentos; QUE o contrato foi assinado mesmo com esses vícios, o que causou espanto no colaborador, pois sacramentou uma mudança drástica na postura do Estado com o IABAS, que começou bastante severa e terminou demasiadamente flexível; (...)" (grifos nossos)
Importa ainda destacar, sobre a contratação da OSS IABAS, que o Pastor Everaldo, segundo depoimento de Edmar Santos, deixava claro que nada acontecia na Secretaria de Estado de Saúde sem que o Governador soubesse, seja com antecedência ou mesmo no transcurso das ações, ressalvando que seu grupo tinha carta branca para atuar:
"QUE o PASTOR EVERALDO já disse mais de uma vez ao colaborador que todas as questões que passavam pelo grupo tinham carta branca do governador WILSON WITZEL, que às vezes sabia antes e às vezes era informado ao longo do processo;(...)" (grifos nossos)
Como se vê, segundo o delator, o Pastor Everaldo declarou que as ações de seu grupo político tinham o aval do Governador, ou seja, o Réu tinha conhecimento sobre as mesmas. Em depoimento ao Tribunal Especial Misto, outros agentes públicos que integraram a equipe do Governo do Estado, durante a gestão do Réu, se manifestaram, dando a entender que o governador afastado era sabedor do que se passava em sua administração. É o caso do ex-Controlador Geral do Estado do Rio de Janeiro, senhor Hormindo Bicudo, que alertou o chefe do Poder Executivo, não apenas sobre a má fama, mas também sobre o valor astronômico da contratação da OSS IABAS. Segue sua declaração a esse respeito, em diálogo com a Acusação:
"O SR. LUIZ PAULO - Que é um dos eixos aqui da nossa investigação.
O senhor é um homem de controle, há muitos anos, segundo a sua experiência, vai a três décadas. A Iabas havia sido desqualificada do Município do Rio de Janeiro no Governo de Marcelo Crivella e desqualificada por uma bagunça que ela vez lá, a bagunça era tão grande que tem uma Deputada que dizia que ela não era nem Iabas, era "Diabas".
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Eu me lembro disso.
O SR. LUIZ PAULO - Você vê como ela é conhecida, e ela foi convidada por alguém para construir, construir obra de engenharia e gerenciar serviços médicos...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Isso mesmo.
O SR. LUIZ PAULO - Serviços incompatíveis.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Totalmente.
O SR. LUIZ PAULO - Que só faz aumentar o valor do contrato.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - E numa dimensão absurda.
O SR. LUIZ PAULO - Porque vai pagar um sobre preço sobre as obras de engenharia.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Exatamente.
O SR. LUIZ PAULO - Quem vai pagar? O Estado.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Perfeito.
O SR. LUIZ PAULO - Claro, o senhor vai investigar isso, é claro que isso salta aos seus olhos. Veio à tona algum dado de realidade para o senhor de quem teria colocado essa Iabas para fazer esse serviço?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Deputado, quando eu fiquei sabendo da dimensão dessa contratação, né?
O SR. LUIZ PAULO - Mais de 800 milhões.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Na época era 850...
O SR. LUIZ PAULO - Pois é, mais de 800...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Com 10 hospitais de campanha, que não é hospital simples, é um hospital... Hospital mesmo, porque hospital de campanha não é um piso, um ar condicionado, é um universo muito pesado, é uma responsabilidade muito grande e eu fiquei bem assustado como tudo aconteceu, sem planejamento nenhum, umas planilhas de orçamento totalmente equivocadas, o que sofreu uma ação nossa direta junto com a Procuradoria do Estado.
Numa primeira medida, nós reduzimos em mais de 150 milhões aquele contrato e me surpreendeu também por ser o Iabas porque ele aparece no nosso relatório e não aparece muito bem no nosso relatório de auditoria, aparece com deficiências graves e isso me surpreendei profundamente, alertei todo setor, alertei o Secretário Edmar também por que dessa escolha, essa informação nunca me veio...
O SR. LUIZ PAULO - O senhor alertou o Governador também?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Alertei o Governador também, ele criou uma comissão na época, se eu não me engano, até a pedido com o Vice-Governador participando, eu participei dessas reuniões, de vez em quando porque a situação também ficou insustentável, Deputado, porque nós estávamos com a pandemia acontecendo, a proliferação do vírus estava enorme, os hospitais já tinham iniciado a construção com esse instituto escolhido pela Saúde dessa forma equivocada, mas, também parar aquilo poderia correr um risco ainda maior de começar tudo do zero e as pessoas sendo contaminadas à velocidade do que estava, então, isso deu um medo em todo mundo, deu medo na PGE, deu medo na CGE, deu medo na Assembleia, deu medo em todo mundo.
O SR. LUIZ PAULO - Era para ter medo mesmo.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Era para ter medo mesmo. E, felizmente ou infelizmente, nós tivemos que continuar com o Iabas naquele primeiro momento, reduzimos o contrato, modificamos algumas cláusulas deles que, inclusive, cláusula de despesa de capital reverteriam em favor do Estado, ou seja, aquele dinheiro que foi pago a eles teria voltado para a gente, mas, eu confesso ao senhor que foi uma decisão horrível, lamentável e que de falta de planejamento mesmo, porque nem a projeção de 10 hospitais eu assumiria como gestor porque eu nem vi ainda o tamanho do vírus, a expansão dele.
Eu já projetar dez, assim, de primeira linha, foi meio pesado. Eu achei muito exagerado. (...)"
Ainda sobre a má fama da OSS IABAS e os riscos envolvidos em sua contratação, outra ex-integrante do Governo do Estado do Rio de Janeiro na gestão Wilson Witzel, senhora Mariana Scardua, declarou ter avisado seu superior hierárquico, o Secretário de Estado de Saúde, sobre aqueles aspectos e, em consequência disso, teria sido exonerada do cargo que ocupava. Afirmou a depoente à Acusação:
O SR. LUIZ PAULO - E relatava para ele que a Organização Social Iabas tinha avaliação de 96% de conceito C na gestão do Hospital Adão Pereira Nunes, que ela tinha sido desqualificada no Município da Capital, que ela estava inscrita na dívida ativa do Município da Capital, que ela teve um dirigente preso e estava sendo investigada pelo próprio Ministério Público, então, perguntei a ele se ele alertou o Secretário ou alguém do Governo sobre tudo isso que pesava sobre a Iabas, visto que ela foi escolhida para tocar um contrato de construção e gestão de hospitais de campanha de mais de oitocentos milhões de reais. A senhora tinha conhecimento de todos esses fatos que eu relatei aqui?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA - Sim.
O SR. LUIZ PAULO - E a senhora relatou para o Sr. Edmar?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA - Então, com relação ao contrato de gestão do Hospital Adão Pereira Nunes, eu repito aqui que tem um parecer meu ratificando pela não renovação deste contrato, encaminhando para as subsecretarias e para o Secretário competente, para as sanções devidas e não renovação.
Com relação ao hospital de campanha, quando eu fiquei sabendo...
O SR. LUIZ PAULO - Mas a Iabas, especificamente.
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA - Sim, a Iabas, Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, gerido pela Iabas, só tinha conceito C e uma prestação de contas muito frágil. Após avaliar os relatórios da comissão de fiscalização, ratifiquei o parecer da CAF pela não renovação, não renovação deste contrato, pela troca da Organização Social, porque o Iabas não entregava o que estava em contrato. Essa foi uma das ações.
A outra, como eu disse aqui, eu ficava sabendo, também já falei isso na Alerj e no MPE, eu ficava sabendo das ações da secretaria de estado pela televisão, às sete da manhã, quando o Secretário entrava no ar. E por aí eu fiquei sabendo que teriam hospitais de campanha, depois eu fiquei sabendo que os hospitais de campanha seriam todos com o Iabas. Aí, eu cheguei a comentar com ele que era... a palavra certa, não sei como dizer, mas que era imprudente, perigoso, porque o Iabas já tinha um histórico de não entregar, e ele tinha conhecimento disso. Aí, sei lá, um dia depois, dois dias depois, eu fui exonerada.
Novamente ao ser questionada sobre a contratação da OSS IABAS, desta vez pela Deputada Dani Monteiro, Mariana Scardua afirma ter avisado sobre os riscos da contratação daquela entidade ao Subsecretário Executivo (Gabriell Neves) e ao Secretário de Estado de Saúde (Edmar Santos). Eis o excerto de seu depoimento com esse teor:
A SRA. DANI MONTEIRO - Ao encontrar algumas inconformidades, falhas ou faltas, nas palavras da senhora, que em geral são irregularidades na gestão dos contratos, a quem a senhora deveria se reportar?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA - Então, eu não sei se alguma testemunha já falou, mas a Comissão de Acompanhamento e Fiscalização do Contrato de Gestão, pelo decreto, é subordinada ao Secretário de Estado de Saúde e ela se reporta aos superintendentes e aos Subsecretários, para dar ciência desse acompanhamento.
Então, quando eu tive, por exemplo... quando você tem ciência de alguma prestação de serviço que não está em conformidade com o contrato, a primeira ação, por exemplo, da área técnica, é notificar, por ofício, pedindo para corrigir. E aí, a gente comunica aos órgãos competentes. Então, assim, quando era alguma coisa que não era conduzida, a gente tinha que comunicar à SubCIC, à Subsecretaria de Controle Interno e Compliance. A CAF direcionava os relatórios também para a Subsecretaria de Controle Interno e Compliance.
Então, por exemplo, no caso do Iabas, que é um caso emblemático, quando a CAF encaminha o relatório para a Superintendência de Acompanhamento de Contrato de Gestão, encaminha para a Subsecretaria de Gestão da Atenção Integral, eu fiz questão - era um caso muito grave -, então, eu fiz questão de informar todos os setores competentes: a Subsecretaria Executiva; ao Secretário de Saúde.
Eu não me lembro se eu cheguei a avisar a Subsecretaria Geral ou não, mas ela não tem competência também nesse ramo, mas é importante talvez saber. E, por fim, acho que também a gente informou à Subsecretaria Jurídica ou pediu posterior encaminhamento. Mas a Subsecretaria de Controle Interno e Compliance; o Secretário de Estado e a Subsecretaria Executiva, que são os três diretamente interessados, eles foram comunicados pela Subsecretaria de Gestão da Atenção Integral à Saúde, assim como foram comunicados pela CAF.
A SRA. DANI MONTEIRO - Mariana, conforme as suas declarações aqui, a falta de transparência motivou o pedido da sua exoneração em fevereiro de 2020. Correto?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA - Sim. A falta de transparência da Subsecretaria Executiva com relação à execução financeira dos contratos e à execução financeira e orçamentária dos contratos e à assinatura dos novos contratos e lançamento de novos editais.
Em sua defesa, o Réu afirmou que ordenar despesas não faz parte das atribuições do cargo para o qual foi eleito, mas sim o acompanhamento de políticas públicas estrategicamente elaboradas, conforme seu plano de governo e promessas de campanha.
Ainda em sua defesa, diz ter implantado o Sistema Eletrônico de Informações (SEI), desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com vistas à garantia do acesso às informações sobre contratos e contratações em curso, de modo a fortalecer a transparência das ações governamentais.
Foi exatamente nesse sentido que o Réu se manifestou em seu interrogatório, em resposta ao Desembargador Fernando Foch:
"O SR. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA - Eu não sei se estou bem lembrado, mas acredito que não. Acredito ter ouvido de V. Exa. na campanha eleitoral que governaria desconfiando. Ou seja, fiscalizando todos os seus Secretários. Essa... eu estou enganado ou isso foi dito em campanha, Governador?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Desembargador, durante a campanha eleitoral, eu fiz várias afirmações de compromisso com a transparência. Tanto que ao assumir o Governo do Estado eu implantei o SEI que foi feito um acordo com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem o mais moderno sistema de processamento eletrônico não só administrativo, mas judicial, o e-PROC e o SEI. Fizemos um convênio com o TRF da 4ª Região e implantamos o SEI no Governo do Estado. Para dar total transparência às licitações, aos processos administrativos. Da minha parte, sempre nós nos comportamos de forma transparente. Em relação aos Secretários, a orientação sempre foi nesse sentido. Agora, eu não tenho como controlar efetivamente o que o Secretário faz - com quem ele janta, com quem ele sai. Não é possível isso. São mais de 20 Secretários, são Subsecretários. É difícil. Não é possível controlar."
Ocorre que todas as promessas e o declarado cuidado com a transparência, em processos administrativos e licitações realizadas pelo Poder Executivo, não foram suficientes para impedir a falta de limpidez na rumorosa contratação da OSS IABAS.
É relevante destacar que a cifra do contrato para montagem e gestão dos hospitais de campanha no estado do Rio de Janeiro, qual seja, o valor exato de R$835.772.409,78 (oitocentos e trinta e cinco milhões setecentos e setenta e dois mil quatrocentos e nove reais e setenta e oito centavos), representa mais de 10% (dez por cento) do orçamento previsto para a Saúde Estadual no ano de 2020, conforme consta na Lei Orçamentária Anual daquele ano, que consignava o montante de R$ 7.075.545.394,00 (sete bilhões setenta e cinco milhões quinhentos e quarenta e cinco mil trezentos e noventa e quatro reais) (21) para o setor. Trata-se da maior contratação feita pela administração estadual, com uma única empresa, em todas as áreas, no ano de 2020. Provavelmente, uma das maiores contratações da história recente da administração pública estadual do Rio de Janeiro.
Com relação ao fato de ser o senhor Grabriell Neves, Subsecretário Executivo da Secretaria de Estado de Saúde, o responsável por ordenar despesas daquela pasta, isso em nada exclui a responsabilidade do Réu, posto que era seu dever zelar pela boa conduta de seus subordinados, mormente quando estão investidos de responsabilidades estratégicas. Voltaremos às questões "estratégicas" mais adiante.
Se os Secretários de Estado e Subsecretários exercem cargos de confiança e são orientados a praticar atos que lhes são delegados, direta ou indiretamente, pelo governador, este deve responder, não apenas pela escolha do subordinado, mas também pelo dever de supervisionar diretamente os atos praticados por seus escolhidos.
Com relação ao fato de que, após noticiada pela imprensa a existência de superfaturamento na contratação da OSS IABAS, o Réu determinou que a Controladoria Geral do Estado (CGE) fizesse auditoria prévia em todas as contratações emergenciais, cabe ressaltar que, conforme consta das Alegações Finais da Acusação:
"A IABAS, tinha 96% de avaliação de desempenho semestral em conceito "C", no contrato 03/2016, para gestão do HEAPN. Tal conceito representa o mais crítico desempenho e, mesmo assim, a IABAS foi selecionada pelo comando da área da Saúde estadual, com intenção não republicana, para implantar e gerir 7(sete) Hospitais de Campanha e que, ainda, tinha sido desqualificada no Município do Rio de Janeiro por gestão precária, que tinha sido investigada pelo MPE e que teve dirigente da mesma preso. E que, também, estava inscrita na dívida ativa do Município da Capital. O aparato institucional do Estado nada verificou, mesmo se tratando de um contrato de tal dimensão."
Cabe repetir que essa péssima reputação e avaliação foi também notificada ao ex-Secretário de Estado de Saúde e ao seu Subsecretário Executivo, pela Senhora Mariana Scardua, que também exercia cargo de Subsecretária naquela pasta:
"A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA - Sim, a Iabas, Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, gerido pela Iabas, só tinha conceito C e uma prestação de contas muito frágil. Após avaliar os relatórios da comissão de fiscalização, ratifiquei o parecer da CAF pela não renovação, não renovação deste contrato, pela troca da Organização Social, porque o Iabas não entregava o que estava em contrato. Essa foi uma das ações.
A outra, como eu disse aqui, eu ficava sabendo, também já falei isso na Alerj e no MPE, eu ficava sabendo das ações da secretaria de estado pela televisão, às sete da manhã, quando o Secretário entrava no ar. E por aí eu fiquei sabendo que teriam hospitais de campanha, depois eu fiquei sabendo que os hospitais de campanha seriam todos com o Iabas. Aí, eu cheguei a comentar com ele que era... a palavra certa, não sei como dizer, mas que era imprudente, perigoso, porque o Iabas já tinha um histórico de não entregar, e ele tinha conhecimento disso. Aí, sei lá, um dia depois, dois dias depois, eu fui exonerada."
Como se pode observar, a má fama da OSS IABAS era amplamente conhecida entre gestores graduados da equipe do Réu. Apesar disso, foi a organização social escolhida para prestar o serviço de montagem e de gestão dos hospitais de campanha. Ademais, não obstante a publicação do Decreto Estadual n° 47.039, de 17 de abril de 2020, que determinava a realização de auditoria nos contratos emergenciais realizados pela Secretaria de Estado de Saúde no âmbito das ações de enfrentamento à pandemia do coronavírus, aquela famigerada organização social foi afastada apenas no mês de junho de 2020, após a publicação do Decreto Estadual n° 47.103, de 02 de junho de 2020, sob pressão da imprensa e depois de desembolsados valores expressivos pelo erário.
Isso por certo ocorreu pelo fato de que a OSS IABAS tem estreita ligação com o grupo liderado pelo Pastor Everaldo, cujo principal operador executivo, nos meses de fevereiro e março de 2020, no âmbito da SES, era Gabriell Neves, que respondia pelas contratações no órgão.
Nesse sentido, destacou a Acusação, em suas Alegações Finais:
"Para robustecer a acusação de que a contratação da IABAS foi escusa e se deu de forma irregular e improba através de uma organização criminosa na gestão do acusado de Crime de Responsabilidade, o GOVERNADOR WILSON WITZEL, é que se transcreve o abaixo:
No termo de colaboração do Sr. Edmar José Alves dos Santos, em sede de delação premiada ao MPF em 24/06/20, as fls. 2 e 3 de 5, no Anexo 14 - IABAS, afirma: " QUE, por ser aliada ao grupo do PASTOR EVERALDO o IABAS alimentava o pool de empresas que contribuía com o caixa da propina (...)
QUE, em janeiro de 2020, BERTHOLDO conversa com o colaborador sobre a perspectiva da contratação de hospitais de campanha, para a pandemia que se aproximava, Que o colaborador não deu muita importância para essa conversa porque os hospitais de campanha não estavam em seus planos; Que, com o avanço da pandemia, porém, o Estado SP decidiu montar hospitais de campanha e o colaborador voltou a conversar com BERTHOLDO, mas não definiu que seria o IABAS o contratado; Que o governador WITZEL e a primeira-dama HELENA começaram a pressionar o colaborador para a montagem de hospitais de campanha, já que as cobranças na mídia aumentaram; Que o colaborador voltou a orientar com sua equipe a montagem de hospitais de campanha, em modelos diferentes de SP, seguindo um raciocínio técnico; QUE quem bateu o martelo para a contratação do IABAS não foi o colaborador; QUE o colaborador recebeu de GABRIELL NEVES a notícia de que seria o IABAS a OS contratada; QUE o colaborador acreditou que essa escolha havia sido deliberada pelo grupo do PASTOR EVERALDO, já que o IABAS já tinha uma relação com o grupo; QUE, entretanto, o colaborador não teve a confirmação de VICTOR HUGO que essa decisão partiu do grupo; QUE PASTOR EVERALDO posteriormente informou ao colaborador que também não partiu dele essa decisão, mas é possível que tenha partido; Que VICTOR chegou a se queixar da interferência de CASSIO BARREIROS na relação com o IABAS; QUE a interface do grupo do empresário JOSÉ CARLOS narrado em anexo próprio era feita por CASSIO BARREIROS, que foi chefe de gabinete da casa civil e posteriormente assessor especial do governador WITZEL (...)"
Isto posto, não resta qualquer dúvida de que o Réu, ao lado do Pastor Everaldo, tendo como operadores executivos Edmar Santos e, por dois meses, Gabriell Neves, estruturou esquema para destinar parcela significativa do orçamento da pasta da saúde estadual à efetivação de uma contratação temerária, mas aparentemente tentadora, em face do estratosférico valor do contrato.
Pelo exposto, conclui-se, portanto, que, no lapso temporal entre a contratação, a determinação de realização de auditoria e o efetivo afastamento da OSS IABAS, as ações ocorreram mediante comando, direto ou indireto, do Réu. Ainda que não haja sua assinatura no contrato; ainda que ele não tivesse executado uma ação direta para contratar a OSS IABAS, é inverossímil que não soubesse de nada do que se passava. Afinal, era a maior contratação de seu governo, com grande cobertura midiática e com incidência sobre o principal desafio do Rio de Janeiro, naquele momento e ainda hoje: salvar as vidas das pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Ora, poderia o Réu, como governador, ficar absorto face a tudo isso?
Na hipótese de que a resposta à questão acima seja afirmativa, o caso passa a ser de negligência, omissão, descuido ou desleixo. Como pode o Réu, como chefe do Poder Executivo estadual, não ter acompanhado, monitorado, se interessado mais de perto por um dossiê de gestão tão importante e tão decisivo para a vida do povo fluminense?
De uma forma ou de outra, por ação direta ou indireta, ou, ainda, pela mais absoluta omissão, não me parece cabível afastar a responsabilidade do Réu em relação à desastrosa contratação da OSS IABAS. Até porque, sua atitude de se manter sob alegada distância das decisões relativas à contratação da OSS IABAS foi determinante para que tudo acontecesse da forma como ocorreu. Seu distanciamento, omissão ou negligência, além de reprováveis por si mesmos, foram a senha para que gestores e empresários, em conluio, agissem ao arrepio do interesse público e da moralidade, de modo que o Réu pudesse vir a alegar, caso questionado, que não tivera participação nos fatos, pois estava focado nas "questões estratégicas".
Mas, mesmo sob o prisma da responsabilidade estratégica, sempre brandida pelo Réu para justificar sua inimputabilidade sobre os fatos e responsabilidades que lhe são atribuídos, há uma questão devastadora: afinal, o que seria mais estratégico para o governador à época do que cuidar, com máximo zelo e irretocável integridade, da gestão da saúde, da execução de um contrato milionário, único na administração, em plena pandemia, com número ascendente de mortos e infectados no Rio de Janeiro? Havia algo mais estratégico naquela conjuntura?
Outrossim, vale destacar que a definição de "improbidade" é motivo de acalorados debates doutrinários entre juristas. Parte dos autores entende que a probidade é dever máximo do agente público, mas outros doutrinadores preferem enfatizar que ela é, a rigor, um dos princípios basilares da Administração Pública. Mas essas vertentes, a rigor, não se colocam em contradição. Ambas as correntes são confluentes quanto ao dever legal e moral do agente público em servir à administração com honestidade, boa fé e zelo para com a res publica.
Nas lições da ilustríssima jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro (22), a improbidade administrativa seria a lesão à probidade e à moralidade administrativa, acrescentando ainda a autora que, quando tratada como infração, a improbidade ganha um sentido mais extenso e preciso, abarcando os atos imorais ou desonestos, como também os atos ilegais.
Como se percebe, em relação ao modo de agir compatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo de governador, impunha-se ao Réu o dever de atendimento a padrões éticos, tais como honestidade, lealdade, cuidado, boa fé e probidade.
É no mínimo curioso, além de improvável, que o governador afastado não tivesse conhecimento da contratação da OSS IABAS para montagem e gestão dos hospitais de campanha, assim como também é curioso, além de inverossímil, que o Réu não tenha acompanhado o andamento do processo administrativo e a execução desses serviços.
Além de ter grande envergadura financeira, sendo possivelmente o contrato de valor mais alto da Secretária de Estado de Saúde e de todo o Poder Executivo estadual, também se tratava de medida estratégica para o enfrentamento da pandemia no estado do Rio de Janeiro. Sua omissão e negligência, no acompanhamento do processo de contratação da empresa ou organização social que realizaria a montagem e a gestão dos hospitais, certamente acabou por contribuir para que dezenas de milhares de cidadãos fluminenses fossem fatalmente vitimados pela covid-19, em decorrência da total ausência de infraestrutura na saúde estadual para o acolhimento das pessoas infectadas pelo novo coronavírus.
Segundo o Dicionário Michaelis (23), a omissão é definida como "abstenção de um ato ou de cumprimento de um dever legal; não realização de uma conduta (socorro, salvamento, intervenção etc.) que pode ou poderia gerar responsabilidade criminal, por causar dano moral ou patrimonial"; a negligência é definida como "(1) falta de vigilância; descuido, desídia, desleixo; (2) sentimento de que alguém ou alguma coisa não merece sua atenção ou respeito; desatenção, desinteresse, menosprezo; (3) falta de iniciativa; indolência, inércia, preguiça."
Já à luz do ordenamento jurídico brasileiro, a omissão e a negligência do Réu, na qualidade de governador, caracterizam-se como descumprimento do poder-dever de agir e, diante das consequências colhidas pela sociedade fluminense, não há como afastar sua responsabilização. Nesse diapasão, sublinha o eminente jurista Hely Lopes Meirelles:
"O poder administrativo, portanto, é atribuído à autoridade para remover os interesses particulares que se opõem ao interesse público. Nessas condições, o poder de agir se converte no dever de agir. Assim, se no Direito Privado o poder de agir é uma faculdade, no Direito Público é uma imposição, um dever para o agente que o detém, pois não se admite a omissão da autoridade diante de situações que exigem sua atuação. ("Direito Administrativo Brasileiro", 2010, p.107)
Sobre a omissão e a negligência, nas palavras do saudoso jurista, professor de direito e magistrado, Dr. José de Aguiar Dias (24), podem ser conceituadas como:
"(...) omissão é a negligência, o esquecimento das regras de proceder, no desenvolvimento da atividade. Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento. A negligência ocorre na omissão das precauções exigidas pela salvaguarda do dever a que o agente é obrigado. Configura-se, principalmente, no fato de não advertir a terceiro do estado das coisas capaz de lhe acarretar prejuízo, de não providenciar a remoção de objeto que produza dano deixado em lugar público; na ignorância e no erro evitáveis, quando impedem o agente de conhecer o dever; isto é deixar de ouvir o que é audível, deixar de ver o que é visível."
Logo, a responsabilização do Réu pode, sim, decorrer de sua conduta omissiva e negligente no exercício de sua elevada função pública, de caráter executivo. Ou seja, apto a cuidar, resolver, agir, como se espera de qualquer pessoa que exerça o cargo de governador, o Réu, eleito para cumprir essa função, delega a terceiros, por ação ou omissão, sem supervisão ou acompanhamento, a tomada de decisões centrais de sua administração.
Como o próprio Réu ressaltou, não apenas em sua peça de defesa apresentada ao Tribunal Especial Misto, mas também em seu interrogatório, sua obrigação se restringia à tomada de "decisões estratégicas". Ora, se a contratação milionária de um serviço de montagem e gerência de hospitais de campanha para atendimento da população fluminense, em meio a uma pandemia devastadora, não se tratava de decisão estratégica de seu governo, ninguém mais saberá definir o sentido do que seja estratégico.
Nessa perspectiva, também ensina o saudoso jurista Hely Lopes Meirelles (25):
"o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto." (grifos nossos)
Em outras palavras, é inaceitável que, diante do porte financeiro do contrato e da urgente necessidade de montagem de hospitais de campanha para atendimento à população fluminense, cada vez mais afetada pela pandemia, que o Réu, como chefe do Poder Executivo, não tenha se mantido informado sobre o processo de contratação da OSS IABAS e, menos ainda, sobre a execução do contrato. Aliás, sem sequer tirar proveito do inovador sistema que orgulhosamente implantou, o Sistema Eletrônico de Informações, que lhe possibilitaria, de seu próprio gabinete, acompanhar o andamento de todos os processos, notadamente monitorar o empenho, a liquidação e o pagamento relativos a serviços prestados ou a bens e insumos comprados.
Mesmo em relação a supostas atitudes diligentes e zelosas reclamadas pelo Réu em sua defesa, como a edição do Decreto nº 47.103, de 02 de junho de 2020, que afastou a OSS IABAS da construção e da gestão dos fracassados hospitais de campanha, o referido ato só veio à luz depois que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro exerceu seu poder de controle, determinando, em 27 de maio de 2020, a suspensão dos pagamentos à entidade, por suspeita de irregularidades, incluindo superfaturamento no contrato. Ou seja, o Réu afastou a OSS IABAS apenas poucos dias depois da decisão do TCE-RJ!
Também é importante destacar que o Réu tem atitude hesitante, quando se trata de responder sobre as decisões relativas à contratação da OSS IABAS. Embora, nas Alegações Finais, a Defesa afirme categoricamente que a decisão sobre a contratação da OSS IABAS tenha sido do Subsecretário Executivo Gabriell Neves, em resposta ao Relator, durante o seu interrogatório, o Réu foi menos firme. Indagado se a decisão tinha sido do Subsecretário Executivo, ele respondeu: "provavelmente"! Aliás, não se sabe bem em que momento a administração estadual, sob o comando do Réu, abandonou o "Plano de Resposta de Emergência ao Coronavírus no Estado do Rio de Janeiro", de janeiro de 2020, que previa o aproveitamento das estruturas hospitalares das Forças Armadas e da própria Secretaria de Saúde, e se encaminhou para a contratação discricionária da OSS IABAS. Como governador à época, será mesmo honroso e digno que o Réu não tenha resposta precisa para nada disso?
Talvez a explicação esteja na resposta dada pelo Sr. Edson Torres, em diálogo com a Acusação, durante seu depoimento. Indagado se a OSS IABAS participava da caixinha de propina por ele assumidamente coordenada, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde, o depoente afirmou: "Inicialmente, não. (...) Depois, no início de 2020, por causa da pandemia, que Edmar trouxe um contrato fechado referente à pandemia, que, aí, colocou-se alguém para conversar com o IABAS sobre questão de participação de propina."
Nunca é demais lembrar dois dados assombrosos: no governo do Réu, o erário estadual pagou cerca de R$ 256 milhões antecipadamente à OSS IABAS para construir e gerenciar hospitais de campanha, iniciativa que se constituiu no mais retumbante fracasso de sua gestão. O dramático corolário dessa vultosa soma desperdiçada é o número de quase 44.000 mortos pela COVID-19 no Estado do Rio de Janeiro, que fecha o mês de abril de 2021 com quase 740.000 casos confirmados. Ambos os dados são do Consórcio de Veículos de Imprensa que monitora a pandemia no Brasil.
Em resposta à Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, o Réu afirmou, de forma eloquente, "que não é atribuição do governador verificar regularidade de pagamentos". Pouco antes, porém, afirmara, respondendo ao Desembargador Fernando Foch, com orgulho, que havia implantado um moderno sistema de monitoramento de informações da gestão: "Para dar total transparência às licitações, aos processos administrativos. De minha parte, sempre nos comportamos de forma transparente." Contudo, mesmo com dispositivo tão avançado, o Réu não sabe bem quem indicou o Subsecretário Executivo Gabriell Neves, não sabe bem quem contratou a OSS IABAS, não sabe bem quanto se pagou à entidade, pois, tudo isso, não seria de sua alçada. Essa atitude de "auto-desresponsabilização", de se colocar sempre como alguém que está eximido de responsabilidade, mesmo diante de decisões graves em sua gestão, é efetivamente indecoroso, aqui entendido como algo vergonhoso. Mas atenta também contra a moral, na medida em que essa atitude de esquiva abriu caminho para que outros operassem, de forma espúria, sem ser molestados, em sua administração.
Logo, não resta outra conclusão possível que não seja a nítida configuração de flagrante, irresponsável e criminosa omissão do Réu, o que depõe gravemente sobre a probidade de sua atuação como governador do estado do Rio de Janeiro.
6. DISPOSITIVO
Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativo ao ato de requalificação da OSS Unir Saúde, considero que a pretensão acusatória é procedente, tendo em vista que tal ato, por parte do Réu, contribuiu diretamente para proteger interesses privados, mesquinhos e ilegítimos, em detrimento do elevado interesse público, sendo um capítulo da competição travada por grupos econômicos concorrentes, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, que disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento de vantagens indevidas, os contratos daquele órgão público estadual.
Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativo à contratação da OSS IABAS para construir e gerir hospitais de campanha, considero que a pretensão acusatória é procedente, pois a atitude do Réu, ao se esquivar do exercício de sua função de dirigente executivo máximo do Estado do Rio de Janeiro, contribuiu diretamente para as maquinações delituosas de um dos grupos econômicos que disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento de vantagens indevidas, os contratos da Secretaria de Estado de Saúde.
Diante disso, CONSIDERANDO:
a) que o Réu, no que se refere a ambos os eixos da Acusação, agiu de modo oposto ao que se espera de um governante e líder, no sentido de proteger, cuidar e representar os legítimos interesses da população que governa e lidera;
b) que o Réu é particularmente conhecedor da Lei e das obrigações inerentes ao ocupante de cargo público, posto que exerceu várias funções de provimento efetivo, em diferentes órgãos públicos, notadamente o exercício da magistratura federal, por quase 18 anos;
c) que as consequências diretas e indiretas dos atos praticados pelo Réu, cuja autoria aqui reconheço, sem duvidar, portanto, de sua materialidade, têm relação com os números devastadores de mortos e infectados pela pandemia do novo coronavírus, no âmbito do estado do Rio de Janeiro;
d) que os atos do Réu, em relação aos dois eixos que estruturam a Acusação, ferem frontalmente a dignidade, a honra e o decoro do cargo público que ocupava:
ACOLHO INTEGRALMENTE A PRETENSÃO ACUSATÓRIA, OU SEJA, JULGO PROCEDENTE, EM RELAÇÃO AOS DOIS EIXOS DA ACUSAÇÃO, O PEDIDO PARA CONDENAR O RÉU À PERDA DO CARGO DE GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E À INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE QUALQUER FUNÇÃO PÚBLICA PELO PRAZO DE CINCO ANOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 4º, INCISO V, DO ARTIGO 9º, ITEM 7, E DO ARTIGO 78, TODOS DA LEI FEDERAL Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950.
É como voto.
Rio de Janeiro, 30 de abril de 2021.
WALDECK CARNEIRO
Relator
Notas de Rodapé:
1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2ª ed, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2006.
2 BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2ª Edição. São Paulo, Saraiva,1992.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo, Atlas, 2005.
4 TOCQUEVILLE, Alexis de. 12ª Edição. Paris: Institut Coppet, 2012.
5 DE LACERDA, Paulo Maria. Princípios de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Azevedo, 1912.
6 BARROSO, Luís Roberto. Impeachment - Crime de Responsabilidade - Exoneração do Cargo. Revista de Direito Administrativo, vol. 212, p. 174, 1998.
7 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2° Volume. 11ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.
8 GRECO FILHO, Vicente. Tutela Constitucional das Liberdades. São Paulo: Editora Saraiva, 1989.
9 BAUMAN, Zygmunt. Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Rio de janeiro: Zahar, 2014.
10 OPAS/OMS Brasil. Folha informativa - COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus) - Atualizada em 17 de abril de 2020. Disponível em: Acesso em 17/04/2020.
11 BRASIL CONFIRMA PRIMEIRO CASO DO NOVO CORONAVÍRUS. Governo Brasileiro, 2020. Disponível em: http://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/02/brasil-confirma-primeiro-caso-do-novo-coronavirus
12 ESTADO DO RIO DE JANEIRO CONFIRMA PRIMEIRO CASO DE CORONAVÍRUS. Agência Brasil, 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/estado-do-rio-de-janeiro-confirma-primeiro-caso-de-coronavirus-0
13 GOVERNO DO RJ CONFIRMA A PRIMEIRA MORTE POR CORONAVÍRUS. Portal G1 Rio, 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/19/rj-confirma-a-primeira-morte-por-coronavirus.ghtml
14 Polícia Federal. PF prende empresário envolvido em desvios na área da saúde do Rio de Janeiro. 2020. Disponível em: http://www.pf.gov.br/imprensa/noticias/2020/06-noticias-de-junho-de-2020/pf-prende-empresario-envolvido-em-desvios-na-area-da-saude-do-rio-de-janeiro
15 Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. MPRJ realiza operação para prender integrantes de organização criminosa que desviou R$ 3,9 milhões dos cofres públicos em compras superfaturadas na área de saúde. 2020. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/noticias-todas/-/detalhe-noticia/visualizar/85217
16 BRASIL. Diário Oficial da União. Seção 1, 1892. Página 449. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-30-8-janeiro-1892-541211-publicacaooriginal-44160-pl.html
17 BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 3ª Edição. São Paulo, 1992. Editora Saraiva.
18 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.
19 AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Delta, 1980.
20 MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.
21 GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL 2020. Disponível em: http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC42000007038
22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.
23 MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.
24 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v. I, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
25 MEIRELLES, Hely Lopes et al. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª ed. Salvador, Juspodivm; São Paulo: Malheiros, 2020.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE ATA DE JULGAMENTO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Ata da 8ª Sessão do Tribunal Especial Misto
Aos 30 dias do mês de abril do ano de dois mil e vinte e um, reuniu-se o Tribunal Especial Misto, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA, Presidente, presentes no Plenário os Excelentíssimos Senhores Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho, Deputado Carlos Macedo, Deputado Waldeck Carneiro, Deputado Chico Machado, Deputado Alexandre Freitas, Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello e Deputada Dani Monteiro, e por meio da plataforma Microsoft TEAMS os Desembargadores Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva, Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves e Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, presentes, ainda, no Plenário, o denunciante Luiz Paulo Correa da Rocha e os patronos do denunciado.
Aberta a sessão às 9h33min e aprovada a ata da sessão anterior, o Excelentíssimo Presidente do Tribunal Especial Misto, Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, indagou à acusação, à defesa e aos membros do Tribunal se dispensavam a leitura do relatório, sendo a resposta afirmativa.
Em seguida, foi dada a palavra ao denunciante, Deputado Luiz Paulo Correa da Rocha, que concluiu a sustentação oral nos seguintes termos "(...) Isto posto, verificada e comprovada a existência dos componentes legais e essenciais à tipicidade da conduta, à autoria do crime de responsabilidade punível, vem a acusação requerer a este Egrégio Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro que condene, consoante a Lei 1.079/50, o Sr. Governador Wilson José Witzel pelo crime de responsabilidade, declarando o seu impedimento para continuar no cargo que ultrajou. E que, posteriormente, Sr. Presidente, seja o acusado sancionado com a inabilitação por cinco anos para o exercício de qualquer função pública, consoante o artigo 78, da Lei 1.079/50, por ser de justiça."
Na sequência, foi dada a palavra aos patronos do denunciado, Doutores Bruno Mattos Albernaz de Medeiros e Eric de Sá Trotte, que suscitaram as preliminares de inépcia da denúncia, ausência do libelo acusatório, vulneração frontal à Súmula Vinculante 14 e cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial e, concluíram a sustentação oral nos seguintes termos: "(...) Dessa forma, Excelências, por todas as provas arrecadas durante a instrução, todos os depoimentos convergentes, e não apontar o Governador atrelado a quem quer seja com intentos espúrios ou recebimento de propina, nenhum elemento a corroborar os devaneios acusatórios, a absolvição é a medida que se impõe, conforme bem destacou Nilson Naves. A decisão proferida pelo Chefe do Executivo do Rio de Janeiro, fundamentada às folhas 369 a 375, do aludido processo administrativo, não viola os princípios constitucionais esculpidos no artigo 37 da Constituição Federal e tampouco os princípios norteadores da administração pública, reconhecidos pelo ordenamento jurídico.(...) no que tange à acusação IABAS, restou claro que não houve qualquer participação do acusado em relação à contratação da IABAS. A bem da verdade, é imperioso observar que sequer foi denunciado pelo Ministério Público Federal por atos relacionados à contratação da IABAS. Ao avesso do que sustenta a acusação, de maneira descompromissada com a verdade, o Governador não foi denunciado, sequer é réu, obviamente, por atos relacionados à contratação da IABAS. Em verdade, diante da ausência de provas de que tenha agido dolosamente para a contratação da IABAS, a acusação pede a condenação por ter permitido a contratação da IABAS. Permitir é ato de negligência; permitir seria um ato culposo. E, como se sabe, não há previsão legal de punição, a título culposo, por qualquer crime de responsabilidade."
Encerradas as sustentações orais da acusação e da defesa, o Excelentíssimo Presidente do Tribunal Especial Misto passou a palavra ao Excelentíssimo Deputado Waldeck Carneiro, Relator do processo, para votação das preliminares arguidas pela defesa, com início pela preliminar de inépcia da denúncia e ausência de libelo acusatório, e na sequência, as duas outras preliminares - ofensa à Súmula Vinculante n° 14, do Supremo Tribunal Federal, que trata a imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do processo e cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de provas periciais - as quais foram rejeitadas, à unanimidade, após a colheita dos votos dos Exmos. membros do Tribunal Especial Misto, Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho, Deputado Carlos Macedo, Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva, Deputado Chico Machado, Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, Deputado Alexandre Freitas, Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, Deputada Dani Monteiro e Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello.
Rejeitadas todas as preliminares, por unanimidade, passou-se ao mérito do julgamento.
Dada a palavra ao Excelentíssimo Relator, Deputado Waldeck Carneiro, este proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativo ao ato de requalificação da OSS Unir Saúde, considero que a pretensão acusatória é procedente, tendo em vista que tal ato, por parte do réu, contribuiu diretamente para proteger interesses privados, mesquinhos e ilegítimos, em detrimento do elevado interesse público, sendo um capítulo da competição travada por grupos econômicos concorrentes, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, que disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento de vantagens indevidas, os contratos daquele órgão público estadual. Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativo à contratação da OSS IABAS para construir e gerir hospitais de campanha, considero que a pretensão acusatória é procedente, pois a atitude do réu, ao se esquivar do exercício de sua função de dirigente executivo máximo do Estado do Rio de Janeiro, em nítida ação omissiva, contribuiu diretamente para as maquinações delituosas de um dos grupos econômicos que disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento de vantagens indevidas, os contratos da Secretaria de Estado de Saúde. Diante disso, considerando: a) que o réu, no que se refere a ambos os eixos da Acusação, agiu de modo oposto ao que se espera de um governante e líder, no sentido de proteger, cuidar e representar os legítimos interesses da população que governa e lidera; b) que o réu é particularmente conhecedor da Lei e das obrigações inerentes ao ocupante de cargo público, posto que exerceu várias funções de provimento efetivo, em diferentes órgãos públicos, notadamente o exercício da magistratura federal, por quase 18 anos; c) que as consequências diretas e indiretas dos atos praticados pelo réu, cuja autoria aqui reconheço, sem duvidar, portanto, de sua materialidade, têm relação com os números devastadores de mortos e infectados pelo novo coronavírus, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro; d) que os atos do réu, comissivos e omissivos, em relação aos dois eixos que estruturam a Acusação, ferem frontalmente a dignidade, a honra e o decoro do cargo público que ocupava: ACOLHO INTEGRALMENTE A PRETENSÃO ACUSATÓRIA, OU SEJA, JULGO PROCEDENTE, EM RELAÇÃO AOS DOIS EIXOS DA ACUSAÇÃO, O PEDIDO PARA CONDENAR O RÉU À PERDA DO CARGO DE GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E À INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE QUALQUER FUNÇÃO PÚBLICA PELO PRAZO DE CINCO ANOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 4º, INCISO V, DO ARTIGO 9º, ITEM 7, E DO ARTIGO 78, TODOS DA LEI FEDERAL Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950."
Às 13h37 horas foi suspensa a sessão, por uma hora.
Retomada a sessão às 14h40 horas, o Excelentíssimo Relator, Deputado Waldeck Carneiro pediu a palavra para retificar o dispositivo de seu voto, nos seguintes termos: "(...) Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativa ao ato de requalificação da OSS Unir Saúde, considero que a pretensão acusatória é procedente, tendo em vista que tal ato por parte do réu contribuiu diretamente para proteger interesses privados, mesquinhos e ilegítimos em detrimento do elevado interesse público, sendo um capítulo da competição travada por grupos econômicos concorrentes no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, que disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento de vantagens indevidas, os contratos daquele órgão público estadual. Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativa à contratação da OSS IABAS para construir e gerir hospitais de campanha, considero que a pretensão acusatória é procedente, pois a atitude do réu, ao se esquivar do exercício de sua função de dirigente executivo máximo do Estado do Rio de Janeiro, contribuiu diretamente para as maquinações delituosas de um dos grupos econômicos que disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e no pagamento de vantagens indevidas, os contratos da Secretaria de Estado de Saúde. Diante disso, considerando: A - que o réu, no que se refere a ambos os eixos da acusação, agiu de modo oposto ao que se espera de um governante e líder, no sentido de proteger, cuidar e representar os legítimos interesses da população que governa e lidera. B - que o réu é particularmente conhecedor da lei e das obrigações inerentes a ocupante de cargo público, posto que exerceu várias funções de provimento efetivo em diferentes órgãos públicos, notadamente o exercício da magistratura federal por quase 18 anos. C - que as consequências diretas e indiretas dos atos praticados pelo réu, cuja autoria, que reconheço, sem duvidar portanto de sua materialidade, tem relação com os números devastadores de mortos e infectados pelo novo coronavírus no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. D - que os atos do réu comissivos e omissivos em relação aos dois eixos que estruturam a acusação ferem frontalmente a dignidade, a honra e o decoro do cargo público.(...) Que os atos do réu, em relação aos dois eixos que estruturam a acusação ferem frontalmente a dignidade, a honra e o decoro do cargo público que ocupava. Acolho integralmente a pretensão acusatória, ou seja, julgo procedente em relação aos dois eixos da acusação o pedido para condenar o réu a perda do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro."
Na sequência, foi dada a palavra ao Excelentíssimo Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) Sr. Presidente, eminentes pares, a meu entendimento - como dito -, as duas imputações dirigidas ao Governador deste Estado, Sr. Wilson José Witzel, restaram comprovadas,, quais sejam a prática dos crimes previstos no art. 4º, inciso V, é o único que se encaixa, combinado com o art. 7º, na forma do disposto no art. 74, todos da Lei 1.079/50. Por conseguinte, voto, Sr. Presidente, no sentido de condenar o réu Wilson José Witzel como incurso nos crimes tipificados nos art. 4º, inciso V, combinado com o art. 7º, item 5, na forma no disposto no art. 74, todos da Lei 1.079/50, com a perda do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro nos exatos termos da fundamentação por mim aqui apresentada. É como voto, Sr. Presidente."
Na sequência, foi dada a palavra ao Excelentíssimo Deputado Carlos Macedo, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) Nesse sentido, Sr. Presidente, senhoras e senhores, o meu voto é pela procedência da acusação, na forma do voto do Relator. Entendo que o Sr. Wilson Witzel teve atuação comissiva, tipificada na Lei 1.079/1950. Em especial em seu artigo 9º. E, portanto, concluo que na análise dos fatos que abarcam a requalificação da organização Unir Saúde e na condução do objeto do contrato celebrado com o IABAS ocorrem as práticas do crime de responsabilidade. Esse é o meu voto, pela condenação do Sr. Governador Wilson Witzel, Presidente."
Na sequência, foi dada a palavra ao Excelentíssimo Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) quero consignar que o que foi apurado aponta para fortíssimos indícios de crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, organização criminosa e advocacia administrativa. Isso em meio à maior pandemia do século, com mais de 410 mortos no Brasil e mais de 37 mil no Estado do Rio de Janeiro desde março do ano passado (...) Apesar de tudo, atenho-me à Lei 1.079/50 (...) não se pode desconhecer que o concerto probatório produzido neste processo permite que se conclua, com absoluta segurança, que a administração pública do Estado do Rio de Janeiro ¯ a alta administração pública do Estado do Rio de Janeiro ¯ no governo chefiado pelo denunciado se deixou envolver por verdadeiras quadrilhas que tomaram de assalto a coisa pública; aliás, que já haviam tomado de assalto a coisa pública (...) A prova testemunhal é fortíssima no sentido de que os contratos com as organizações sociais de saúde eram malfeitos ¯ segundo o atual Secretário de Estado de Saúde, Carlos Alberto Chaves, eram elaborados "para não funcionar". Tinham execução extremamente insuficiente, não fiscalizada pelo Poder Público e, acima de tudo, lesiva aos interesses e aos cofres públicos (...) É abundante a prova de gravíssimos desmandos, com graves prejuízos ao erário e em detrimento do interesse público (...) Enfim, o denunciado confessou omissão própria: era seu dever fiscalizar seus auxiliares e ele não os fiscalizou (...) Diante dos efeitos deletérios desse quadro gravíssimo, danoso ao interesse público, à saúde pública e à moralidade administrativa, o denunciado, ao se demitir do elementar dever de fiscalizar seus subordinados procedeu de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Noutras palavras, subsumiu-se à conduta descrita no no 7 do art. 9o da Lei 1.079/50 (...) resta induvidoso que o denunciado desrespeitou outro dos deveres impostos pelo art. 37, caput, da Constituição da República: o da impessoalidade, o que o faz, mais uma vez, subsumido ao no 7 do art. 9o da Lei 1.079/50 (...) Em síntese, o cenário que se desnudou é um gravíssimo quadro para o qual concorreram comissões e omissões próprias (...) A meu ver, senhor presidente, não é preciso dizer mais. Acompanho o voto do relator e o voto ¯ aliás, voto poético ¯ do Des. José Carlos Maldonado de Carvalho. Enfim, voto pela procedência da denúncia, ou seja, pelo impeachment do denunciado."
Na sequência, foi dada a palavra ao Excelentíssimo Deputado Chico Machado, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) Assim, após verificar, primeiro, a compatibilidade dos elementos da denúncia promovida pelo Excelentíssimo Sr. Deputado Luiz Paulo e Excelentíssima Sra. Deputada Lucinha, para materialidade dos fatos e provas que constituem o presente processo. Segundo: adequação típica dos crimes praticados pelos denunciados no artigo 74 da Lei 1.079/50, pelos crimes de responsabilidade previstos na forma do artigo 4º, do inciso V, artigo 9º, do item 7, da Lei 1.079/50. Após analisar as alegações finais do denunciante, após analisar a defesa do denunciado, além de suas alegações finais com suas respectivas preliminares e, por fim, a decisão do Excelentíssimo Sr. Ministro Alexandre de Moraes na Reclamação 46.835/RJ, acompanho o voto na íntegra do Excelentíssimo Sr. Relator Deputado Waldeck Carneiro, que condena o Governador Wilson José Witzel à perda do mandato. É assim que eu voto, Sr. Presidente.
Na sequência, foi dada a palavra à Excelentíssima Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) entendendo configurados os atos omissivos e comissivos do denunciado como incursos no artigo 9º, item 7, artigo 2º, 33, 34, combinados com artigo 4º, inciso V, 74, 78, todos da Lei 1.079/50, decretando a perda do cargo."
Na sequência, foi dada a palavra ao Excelentíssimo Deputado Alexandre de Freitas, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) Ante o exposto, julgo pela procedência da pretensão inicial de impedimento do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Wilson José Witzel, pela prática de atos infracionais previstos no artigo 10, inciso XII, inciso XIX, e artigo 11 inciso I, ambos da Lei 8.429, concomitante com o artigo 4º, inciso V, da Lei 1.079. É como eu voto, Sr. Presidente.
Na sequência, foi dada a palavra à Excelentíssima Desembargadora Inês da Trindade, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) Dessa forma, entendo que o Sr. Wilson José Witzel cometeu o crime de responsabilidade consistente em fraudar a requalificação da Unir Saúde e a contratação da IABAS com superfaturamento de respiradores em tempos de pandemia da Covid-19, previstos no Artigo 85, VI, da Constituição de 88, combinado com o Artigo 4º, V, probidade da administração; e Artigo 9º, VII, proceder de modo incompatível com a dignidade, honra e decoro, ambos da Lei 1.079/1950, ficando, assim, o acusado incurso na pena de perda do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro."
Na sequência, foi dada a palavra à Excelentíssima Deputada Dani Monteiro, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos:"(...) Ante o exposto, voto pela integral procedência da acusação com reconhecimento que o Excelentíssimo Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro Wilson José Witzel praticou os crimes de responsabilidade previstos no Art. 4º, Inciso V e no Art. 9º, item 7, combinado com o Art. 74 da Lei 1079/50, consistentes: 1. Na requalificação e posterior desqualificação da Organização Social de Saúde Instituto Unir, para contratação no estado. 2. Na contratação da Organização Social IABAS para construir e gerir hospitais de campanha durante a pandemia da Covid19. Condenando-o, por conseguinte, a perda do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro. É como voto, Sr. Presidente."
Na sequência, foi dada a palavra à Excelentíssima Desembargadora Inês da Trindade, que proferiu seu voto, concluindo nos seguintes termos: "(...) O denunciado, definitivamente, não honrou o mandato obtido pela confiança dos seus eleitores procedendo de forma incompatível com o decoro exigido pelo cargo, que tem como valores basilares a ética e a moral. Patente, portanto, a prática por parte do denunciado de ato que atenta contra a probidade da administração pública o que configura o crime de responsabilidade, previsto no Art. 9, Item 7, da Lei nº 1079/50. Pelo exposto, julgo procedente a denúncia para destituir do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro o Sr. Wilson José Witzel."
Encerrada a votação quanto ao mérito do julgamento, o Excelentíssimo Presidente, Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira anunciou o resultado: "Por unanimidade, o Tribunal Especial Misto julgou procedente o pedido."
O Excelentíssimo Deputado Alexandre Freitas pediu a palavra para esclarecer que acolhia o pedido apenas em relação à requalificação da UNIR, mas não em relação à IABAS, julgando procedente o pedido apenas por um dos fundamentos.
Passou-se, então, à segunda fase do julgamento, relativa à fixação da pena de inabilitação.
Antes da votação, o Doutor Eric de Sá Trotte, representando o denunciado, fez uso da palavra, nos seguintes termos: "Na medida em que o Art. 78 da Lei nº 1079/50 estabelece a inabilitação por até cinco anos, a defesa requer que caso seja decidida pela inabilitação nos termos do Art. 59, do Código Penal, por analogia, que seja fixada a reprimenda no mínimo legal."
Iniciada a votação, o Excelentíssimo Deputado Waldeck Carneiro proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "(...) Nesse sentido, Presidente, o meu voto sobre a inabilitação já tinha dado e me retratei porque não sabia, por inexperiência, que tinha que esperar esse momento, eu voto por uma inabilitação por cinco anos. Portanto, o período máximo previsto no artigo 78 da Lei 1.079 de 1950. É assim que voto sobre esse ponto."
Em seguida, o Excelentíssimo Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "(...) Por conseguinte, Sr. Presidente, voto no sentido de declarar o réu Wilson José Witzel inabilitado pelo prazo de cinco anos para o exercício de qualquer função pública, com fincas no artigo 2°, segunda figura, da Lei 1.079/50."
O Excelentíssimo Deputado Carlos Macedo acompanhou o voto do Relator, quanto à dosimetria da pena.
O Excelentíssimo Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "(...) Eu voto, Sr. Presidente, acompanhando o relator. E acho que ponderação feita pelo eminente Desembargador Maldonado de Carvalho para essa fixação, essa dosimetria está perfeita e eu a adoto. Mas eu ressalto a crueldade que está por trás dos fatos que restaram apurados e que nos levaram a esse julgamento unânime, quando à procedência unânime. E eu pergunto quantas dessas 44 mil mortes teriam sido evitadas se a probidade administrativa tivesse merecido o respeito que ela tem que ter. Isso é fundamental para essa dosimetria. Acompanho o Relator, Sr. Presidente."
O Excelentíssimo Deputado Chico Machado proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "(...) nos termos do voto do relator, condeno o denunciado Wilson José Witzel à inabilitação por cinco anos para o exercício de qualquer função pública, conforme consignado no caput do artigo 78, da lei 1079/1950."
A Excelentíssima Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "(...) O que já foi dito, eu também entendo que os crimes são gravíssimos. Infelizmente, de fato, essa questão da fixação da pena é matéria privativa da União federal, nós temos uma legislação federal que estabelece como limite os cinco anos. O STF já se posicionou pela limitação e pela impossibilidade de majoração desse limite de pena pelos estados. E destacou que foi recepcionada a Lei 1.079 no que ela estabelece os cinco anos para os governadores de estado. Então, eu acompanho, agora já quase maioria, mas eu acompanho o relator e aos demais que me antecederam para fixar a pena em cinco anos."
O Excelentíssimo Deputado Alexandre Freitas proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "Por questão de coerência, tendo em vista que eu absolvi o denunciado em relação à denúncia envolvendo os fatos ligados à IABAS, eu não posso utilizar aquilo que eu disse inclusive no meu voto: incompetência, soberba e vaidade não vão compor a minha dosimetria nesse momento. Tendo em vista que apenas o condenei em razão da reabilitação da OS Unir. E diante do que foi demonstrado aqui no processo, eu não encontrei, relacionados única e exclusivamente a OS Unir dano, prejuízo ao Erário. E, lembrando, não estou considerando absolutamente nada em relação a IABAS porque eu o absolvi. Mas eu espero que a população fluminense condene o agora "impeachmado" Governador ao ostracismo político. Mas isso tem que ser uma decisão do povo. A gente aqui está restrito aos termos da lei e a lei só nos autoriza até cinco anos. Mas como não vi no seu ato de reabilitação prejuízo ao erário, eu não posso condená-lo ao máximo da pena. Por isso condeno ele a quatro anos consecutivos de inabilitação para o exercício de qualquer cargo ou função pública contados do trânsito em julgado desta decisão na forma do artigo 2º concomitante ao artigo 78 da Lei 1.079. E, novamente, reforçando que eu espero que o povo fluminense condene agora o Governador "impeachmado" ao ostracismo político. Obrigado, Presidente, é como voto."
A Excelentíssima Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "Com base no artigo 59 do Código Penal, diante do alto grau de reprovabilidade da conduta do réu, e como ressaltou o Desembargador Foch, mais de 40 mil mortes no Estado do Rio de Janeiro em virtude da pandemia e dessas atitudes perpetradas pelo Governador, e também levanta em conta estipulado, o que foi estipulado na ADI 1.628, cujo relator foi o Ministro Eros Grau, e com base nos artigos 2º e 78 da lei 1.079, usando os fundamentos do Desembargador Maldonado, eu voto pela inabilitação pelo prazo de cinco anos, diante dos graves fatos comprovados."
A Excelentíssima Deputada Dani Monteiro proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "Sr. Presidente, fundamentada na gravidade dos fatos aqui narrados, uma vez que se trata de crime de responsabilidade cometido na área da saúde, o que, por si só, já seria grave, visto tratar-se um dos principais direitos fundamentais constitucionalmente protegidos; tratando-se de fatos ocorridos também durante a maior pandemia do último século cuja gravidade é imensurável, voto pela aplicação da pena máxima de inabilitação para o exercício de cargo público, pelo prazo de cinco anos. Acompanho o relator. É como voto."
A Excelentíssima Desembargadora Maria da Glória Bandeira de Mello proferiu seu voto quanto à dosimetria da pena, concluindo nos seguintes termos: "A conduta, como aqui foi exatamente analisada, foi gravíssima, mas, na esteira do dito do que foi dito pela Deputada Dani, eu acho que a gravidade maior aqui é pelo bem ofendido, que foi a saúde, e isso é imperdoável. Ainda mais em uma época de pandemia em que esse bem foi avassaladoramente danificado. Com as consequências que nós todos vemos diariamente. Então, em função disso, tanto pela gravidade como pelo bem atingido, eu voto pelos cinco anos de inabilitação."
Antes de anunciar o resultado, o Excelentíssimo Presidente, Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, enalteceu o trabalho desenvolvido pelos membros do Tribunal Especial Misto durante toda a instrução e durante os julgamentos, com alto nível na discussão das ideias, na inquirição das testemunhas, no exame da prova, na aplicação do Direito, destacando, também, a atuação do eminente Desembargador Cláudio de Mello Tavares, na presidência do Tribunal Especial Misto até o início de fevereiro.
Na sequência, proclamou o resultado do julgamento: 'Por unanimidade de votos, rejeitadas as preliminares e julgado procedente o pedido para decretar a destituição de Wilson José Witzel do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro e, por maioria, o declarar inabilitado para qualquer função pública durante cinco anos, vencido o Deputado Alexandre Freitas, que fixava o prazo de quatro anos. É o resultado final do julgamento.'
O Excelentíssimo Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva pediu a palavra e afirmou: "Eu quero dizer aqui e, tenho certeza, que o meu sentimento corresponde ao de todos, que V.Exa. conduziu os trabalhos primorosamente. Eu diria, uma demonstração de equilíbrio, de respeito ao direito de defesa, de respeito aos procedimentos, tudo com serenidade, com calma, com firmeza e com elegância, que são todas qualidades que nós reconhecemos em V.Exa. já há algumas décadas."
O Excelentíssimo Deputado Waldeck Carneiro pediu a palavra e disse: "Agradeço a V.Exa., Presidente Henrique Figueira, pela sabedoria, firmeza, serenidade e espírito dialógico com que nos conduziu desde que substituiu o Desembargador Cláudio de Mello Tavares. Portanto, eu queria fazer esse registro também e, mais uma vez, agradecer a todos os Srs. Desembargadores e Desembargadoras, aos meus colegas Deputados e Deputadas, a todas as assessorias que nos acompanharam ao longo desses seis meses. Obrigado."
A Excelentíssima Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo pediu a palavra e afirmou: "Quero cumprimentar todos os componentes do Tribunal Misto por esse trabalho árduo, porque já estamos há meses aqui dedicados a esse trabalho. E lembrar de parabenizar tanto o Presidente Cláudio de Melo, ex-presidente, como o Presidente atual, que realmente efetuou da melhor forma os trabalhos. E agradecer a todos os colegas pela cordialidade e pela dedicação de todos para podermos chegar a este dia. Muito obrigada."
Nada mais havendo, o Excelentíssimo Presidente do Tribunal Especial Misto, Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, agradeceu a todos e, às 20h40, declarou encerrado o Tribunal Especial Misto.
Rio de Janeiro, 30 de abril de 2021.
Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente
Elke Autuori Spitz Paiva
Secretária do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 148, de 22/04/2021, p. 15
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Juntem se os documentos encaminhados através do Ofício nº 000877/2021-CESP pelo Ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça, consistente em anexos da colaboração premiada de Edmar Santos que não contemplam diretamente o nome do denunciado.
No dia 12.03.2021, a Defesa do denunciado teve integral acesso a esses documentos na Ação Penal que tramita no STJ, conforme certidões de fls. 1830 e 1834 da Petição nº 13.505/DF.
Assim, não se está diante de informações desconhecidas da Defesa, mas pelo contrário, a instrução probatória foi encerrada sem prejuízo ao denunciado, na medida em que tinha amplo conhecimento de todos os documentos que pudessem ser usados em seu benefício.
Considerando que a Defesa requer dilação do prazo para apresentação de alegações finais sob a justificativa da complexidade da causa, conforme petição ora anexada, e visando evitar qualquer arguição de nulidade, DEFIRO a prorrogação até o dia 27/04/2021.
Designo sessão de julgamento para o dia 30/04/2021 às 09:00 horas.
Dê-se ciência às partes.
Intimem-se.
Desembargador HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 140, de 12/04/2021, p. 32
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Ao denunciado para alegações finais no prazo de 10 (dez) dias
Rio de Janeiro, 09 de abril de 2021.
HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 135, de 05/04/2021, p. 13
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
O denunciante no index 1881458 afirmou que não possui mais provas a produzir.
A Defesa técnica no index 1930135 afirma que não possui mais testemunhas a serem arroladas, ressalvando tão somente o interesse na reinquirição do Sr. Edmar Santos. Aponta, no entanto, ser imprescindível o acesso ao inteiro teor da delação premiada celebrada pelo ex-Secretário de Saúde.
No bojo da Reclamação nº 45.366 do STF, o Relator Senhor Ministro Alexandre de Moraes faz menção aos anexos da colaboração referentes ao Governador, cujo acesso na íntegra pela defesa foi prejudicado por estar o arquivo corrompido ou com o prazo do link expirado.
Esse foi o fundamento que justificou a provocação e a decisão proferida na Reclamação ajuizada perante o STF, considerando que esses anexos faziam menção ao Governador e deveriam ser de conhecimento integral pela defesa antes da oitiva do Sr. Edmar Santos e realização do interrogatório.
Ocorre que, o compartilhamento da prova deferido pelo Senhor Ministro Benedito Gonçalves diz respeito exclusivamente aos anexos referentes ao Governador, conforme se vê no Ofício nº 000442/2021 CESP, que comunica a decisão proferida por Sua Excelência tendo como base a manifestação do MPF (Petição nº 13958/DF - 2020-0339792-8) no sentido de que devem ficar resguardados os "anexos da colaboração que não digam respeito ao Governador".
Esse Tribunal Especial Misto já disponibilizou à Defesa todos os meios essenciais ao pleno exercício do contraditório e ampla defesa. Encontram-se anexados aos autos a íntegra da colaboração premiada do Sr. Edmar Santos com todos os elementos que dizem respeito ao Governador, de modo que atendida a decisão proferida na Reclamação nº 45.366 do STF.
O sigilo dos atos de colaboração não é oponível ao delatado, mas perpassa pela análise de dois requisitos:
"Um, positivo: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente (INQ 3.983, rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 10.10.2016). O outro, negativo: o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento." (Reclamação 24.116/SP, relatoria do Ministro Gilmar Mendes)
"Não obstante essa expressa determinação de sigilo, o corréu delatado tem o direito de acessar as declarações prestadas pelo colaborador que o incriminem, incluindo-se os seus registros audiovisuais, a fim de confrontá-las, nos precisos termos da Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal: 'É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa'. (RCL 25.034/SC, de relatoria do ministro Dias Toffoli, DJe 3.10.2016).
Revela-se imprescindível transcrição integral do voto paradigmático proferido pelo e. Ministro Teori Zavascki, no Inq. 3983/DF que encerra qualquer celeuma a respeito da matéria:
4. Tratando-se de colaboração premiada contendo diversos depoimentos, envolvendo diferentes pessoas e, possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido prestados em ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito.
(...)
4. Também não prospera o alegado cerceamento de defesa, em razão do arguido em agravos regimentais, por meio dos quais se buscava acessar o inteiro teor do acordo de colaboração premiada e respectivos termos de depoimento de Fernando Soares. Conforme já consignado nas decisões agravadas, o Procurador-Geral da República juntou aos autos todos os depoimentos de colaboradores que se referiam ao acusado e aos fatos referidos na denúncia. À época dos requerimentos, o conteúdo solicitado pelo denunciado encontrava-se submetido a sigilo (art. 7º da Lei 12.850/2013), regime que visa a dois objetivos essenciais: (a) preservar os direitos assegurados ao colaborador, dentre os quais o de "ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados" (art. 5º, II, da Lei 12.850/2013) e o de "não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito" (art. 5º, V, da Lei 12.850/2013), bem como (b) "garantir o êxito das investigações" (arts. 7º, § 2º e 8º, § 3º, da Lei 12.850/2013). É certo que o próprio art. 7º, § 2º, da Lei 12.850/2013 mitiga o sigilo do conteúdo de colaboração depois de instaurado o respectivo inquérito, para assegurar "ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento". Além dessa ressalva final, é importante que a interpretação da norma leve em consideração o contexto e as circunstâncias de cada caso, mormente quando se tratar de investigação de grande complexidade, sobre um grande leque de fatos e com envolvimento de muitas pessoas. Sobre isso, em recente julgamento perante a Segunda Turma desta Corte, consignei em voto de relator o seguinte:
"Ora, se os depoimentos dizem respeito a fatos ainda sob investigação, e sobretudo não abrangidos pela ação penal ou inquérito já instaurados, podem e devem, salvo decisão judicial em contrário, permanecer em sigilo. O recebimento da denúncia em demanda que não guarda relação com aqueles termos de colaboração sigilosos, por óbvio, não lhes franqueia acesso automaticamente. Do contrário, uma colaboração que contemplasse inúmeros fatos delituosos impediria o dominus litis de denunciar algum deles até que se concluísse a investigação sobre todos, sob pena de ver de pronto revelada a integralidade da colaboração ao rol dos primeiros denunciados, o que prejudicaria sigilo muitas vezes imprescindível à apuração dos demais delitos revelados na colaboração. O que não se coloca em dúvida, repita se, é o direito do acusado, por sua defesa, de ter acesso aos elementos que embasaram a denúncia ou constantes nos autos em que a denúncia foi formulada." (Rcl 22009, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 16/02/2015, pendente de publicação)
No caso, os depoimentos prestados pelos colaboradores dizem respeito a inúmeros fatos, envolvendo diferentes pessoas e, possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido prestados em ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências. A instauração de inquérito específico, assim, dará ao defensor acesso aos termos de colaboração pertinentes aos fatos pelos quais é investigado o representado, como efetivamente ocorreu.
É evidente que eventual sonegação de elemento relevante pode vir a configurar restrição ao exercício de defesa. Entretanto, mesmo essa possibilidade hipotética, abstratamente considerada, não se prestaria a invalidar o instituto da colaboração premiada, tal como disciplinado na legislação nacional. Como já decidido nesta Corte, "o direito assegurado ao indiciado (bem como ao seu defensor) de acesso aos elementos constantes em procedimento investigatório que lhe digam respeito e que já se encontrem documentados nos autos, não abrange, por óbvio, as informações concernentes à decretação e à realização das diligências investigatórias, mormente as que digam respeito a terceiros eventualmente envolvidos" (HC 94387 ED, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJe de 21/5/2010).
O caso dos autos é exemplo claro do que se afirmou. A acusação juntou aos autos todos os termos de depoimento referentes aos fatos narrados na denúncia, franqueando à defesa, a tempo e modo, seu imprescindível exercício - que depois, aliás, acabaria renovado. Posteriormente, em decorrência de decisão proferida em dezembro de 2015, foi revogado o regime de sigilo ao qual até então se encontrava submetido o acordo de colaboração premiada de Fernando Soares, ressalvados os termos de números 5, 5 A e 17, que contemplam diligências sigilosas ainda em andamento e que dizem respeito a fatos narrados absolutamente estranhos aos da presente denúncia. Desse modo, não se sustenta a preliminar, o que importa prejuízo ao exame dos agravos regimentais interpostos.
Assim, as partes obtiveram acesso integral e irrestrito a todo conteúdo da colaboração premiada que diz respeito ao Sr. Wilson José Witzel, razão pela qual não se justifica o requerimento de acesso a documentos que não guardam relação com os fatos imputados nesse processo de impeachment.
Em continuação à colheita da prova oral, DESIGNO SESSÃO DO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO para os dias 07 e 08 de abril de 2021 às 9:00 horas quando deverá ser ouvida a testemunha EDMAR SANTOS e procedido o interrogatório do denunciado.
Intimem-se, pessoalmente, a testemunha e o denunciado.
Intimem-se.
Rio de Janeiro, 25 de março de 2021.
HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 125, de 12/03/2021, p. 24
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
1. Determino que a Secretaria do Órgão Especial anexe os novos depoimentos encaminhados nesta data pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, bem como disponibilize o link de acesso aos demais depoimentos constantes nos autos, cuja vista já foi anteriormente concedida às partes conforme certidão no index 1581203.
2.Concedo às partes vista sobre todas as provas anexadas, especialmente sobre os novos depoimentos encaminhados pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive das testemunhas Edmar Santos e Edson Torres.
3. Havendo interesse das partes, a Secretaria do Órgão Especial poderá disponibilizar cópia das peças a ser entregue por pendrive.
4. Digam as partes se ainda persiste o interesse na produção de prova oral, devendo indicar o rol de testemunhas no prazo improrrogável de 10 (dez) dias.
Rio de Janeiro, 11 de março de 2021.
Desembargador Henrique Carlos De Andrade Figueira
Presidente
DJERJ, ADM, n. 116, de 01/03/2021, p. 28.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Advogado: Bruno Mattos Albernaz de Medeiros - OAB-RJ 189.941
Advogado: Eric de Sá Trotte - OAB-RJ 178.660
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
1) Index 1788492 - Expeça-se ofício ao Exmo. Sr. Ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, solicitando o encaminhamento de todos os depoimentos prestados pelo Sr. Edson dos Santos Torres, inclusive aquele ocorrido no dia 31.08.2020, enquanto ainda estava preso, para que seja disponibilizado às partes interessadas junto ao processo SEI respectivo, em observância
ao Devido Processo Legal.
Sem prejuízo, oficie-se também solicitando o encaminhamento dos depoimentos prestados pelo Sr. Edmar Santos, indagando, ainda, a respeito da conveniência da publicização, tendo em vista a necessidade de indexá-lo aos autos respectivos para prosseguimento da regular marcha processual e disponibilização às partes interessadas junto ao processo SEI respectivo, em observância do Devido Processo Legal, ante o que restou decido na MC na Reclamação 45.366/RJ, no Supremo Tribunal Federal.
2) Index 1758545 - Consigno que se trata de processo público o qual a Defesa dispõe a todo momento de acesso a sua integralidade.
3) Designo a Secretária do Tribunal Pleno e do Órgão Especial, Sra. Elke Autuori Spitz Paiva, para secretariar os trabalhos do Tribunal Especial Misto, com efeitos a contar de 05 de fevereiro de 2021. Publique-se.
4) A resposta da Secretaria de Estado da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro no index 1694089 salienta que a remuneração relativa ao mês de dezembro/2020 perfez a monta de R$ 5.781,74 (cinco mil, setecentos e oitenta e um reais e setenta e quatro centavos). Desta forma, considerando a informação prestada pela Defesa no index 1589562, ao denunciado para o cumprimento do
determinado no index 1596070.
Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2021.
Desembargador Henrique Carlos De Andrade Figueira
Presidente
DJERJ, ADM, n. 102, de 04/02/2021, p. 19.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Defiro a dispensa das senhoras Regineyde Anete Reis e Lisete Gama Lopes, de secretariar os trabalhos do Tribunal Especial Misto, a contar de 04 de fevereiro de 2021.
Publique-se e Anote-se.
Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2021.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 101, de 03/02/2021, p. 27.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIA DE JULGAMENTO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Certifico, que em sessão realizada pelo Tribunal Especial Misto em 13 de janeiro de 2021, após a oitivas das testemunhas, o Desembargador Presidente usou da palavra, proferindo seu voto quanto aos Embargos de Declaração interpostos pela defesa.
Certifico, ainda, que, ao término do seu voto, o Presidente submeteu a votação do Tribunal Especial Misto, com o seguinte resultado: Nos termos do voto do Desembargador Claudio de Mello Tavares, Presidente, que foi acompanhado pelo Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho, Deputado Carlos Macedo, Desembargador Fernando Foch, Deputado Waldeck Carneiro, Deputado Chico Machado, Desembargador Inês da Trindade e Deputada Dani Monteiro, os Embargos de Declaração da defesa foram conhecidos e desprovidos, vencidos parcialmente a Desembargadora Teresa Andrade, o Deputado Alexandre Freitas e a Desembargadora Maria da Gloria Bandeira de Mello, que votaram conhecendo e dando parcial provimento aos Embargos de Declaração, apenas para esclarecer que a decisão é única e tão somente para dar cumprimento à liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deferida na medida cautelar que determinou a suspensão da realização "DO INTERROGATÓRIO DE WILSON WITZEL nos autos do processo de impeachment 2020.00667131, em sessão de instrução designada pelo Tribunal Especial Misto para o dia 28.12.2020" e determinou "que o interrogatório somente poderá ser realizado após a defesa ter acesso a todos os documentos remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça, com prazo mínimo de 5 (cinco) dias entre o acesso integral e o ato processual, bem como após a complementação da oitiva da testemunha Edmar José Alves dos Santos, quando não mais incidirem as restrições decorrente da delação negociada nos autos da Ação Penal 976/DF (Inquérito 1338/DF), nos termos do art. 7º, § 3º da Lei 12820/2013"
Certifico, também, que a Desembargadora Inês da Trindade acompanhou o Desembargador Presidente e acrescentou apenas, questão de ordem, expedição de ofício ao Ministro Benedito Gonçalves, com cópia, inclusive, da decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes no processo 45366/RJ, para que informe se permanecem as restrições da delação negociada do sr. Edmar José Alves dos Santos, nos autos da Ação Penal 976/DF, Inquérito 1338/DF, tendo em vista a necessidade do Tribunal Especial Misto de programar os próximos atos do processo de impeachment.
Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2021
Regineyde Anete Reis
Secretária do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 99, de 01/02/2021, p. 47.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
1) Considerando a certidão acostada no index 1675897, que atesta ausência de resposta ao Ofício nº 07/2021 - T.E.M. (index 1601649), dirigido ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Casa Civil, determino sua reiteração.
2) Considerando a afirmação apresentada pela CEDAE, no ofício constante do index 1675874, no sentido de que o Senhor Edson da Silva Torres, na qualidade de testemunha, teria mencionado suposta prática de ato ilegal pela Companhia, defiro o requerimento apresentado, para fins de autorizar o acesso às informações que indiquem menção à prática de ato ilegal por esta ou quaisquer de seus prepostos.
3) Defiro, em homenagem às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, o requerimento apresentado pela Defesa, constante do index 1675883, e determino a expedição de ofício ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro a fim de solicitar o encaminhamento da cópia do depoimento prestado pelo Senhor Edson dos Santos Torres, em 31.08.2020, enquanto ainda estava preso.
Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2021.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 87, de 13/01/2021, p. 14.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
A recomendação 62 do CNJ tem por escopo o resguardo dos atores processuais ao risco de contaminação, tendo em vista a pandemia de SARS-COV-2.
A testemunha possui condição pessoal que a insere em grupo de risco.
Assim, é de bom tom o resguardo da integridade física da mesma bem como de todos que estiverem presentes na sessão.
Isto posto, defiro a oitiva da testemunha através de videoconferência.
Baixo à secretaria para que crie a sala virtual e informe à testemunha o endereço.
Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2021.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 85, de 11/01/2021, p. 19.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Trata-se de requerimento do Exmº Sr Relator do processo de Impeachment no sentido de que fosse deferida busca nos sistemas INFOJUD, RENAJUD, SIEL e INFOSEG para apurar o endereço da testemunha Sr. Edson da Silva Torres.
A defesa do acusado oferece petição requerendo a expedição de guia para depósito à disposição do Tribunal Especial Misto de 1/3 do valor indevidamente depositado em sua conta.
Autos encaminhados para determinações.
É o recopilado relatório.
O pleito do Exmº Sr. Relator deve ser deferido eis que, a despeito do alegado princípio da cooperação, em processo penal, a despeito dos termos da lei 13964/19, o sistema acusatório implementado ainda não é puro, mas misto.
Nesse diapasão, há plena competência do julgador em complementar a atividade probatória, eis que não revogado o art. 156 do CPP pela lei acima citada.
Assim, cabe a diligência para encontrar a testemunha cuja oitiva é pretendida.
Para conferir maior efetividade à busca, e, por existir convênio para tais consultas entre os entes e o TJRJ, deve ser deferida busca aos sistemas LIGHT, NATURGY E CDL.
Tratando-se de afastamento de sigilo de dados tributário, deve ser mantida sigilosa a busca no sistema INFOJUD, devendo o endereço retornado na mesma ser inserido nos autos mediante certidão, e, após, destruído o arquivo gerado.
O requerimento da defesa, de igual sorte, deve ser deferido, entretanto não para depósito de 1/3 do valor indevidamente creditado, mas a integralidade deste, qual seja 1/3 dos vencimentos do Governador do Estado.
Isto posto, defiro a consulta aos sistemas INFOJUD, RENAJUD, SIEL, INFOSEG, LIGHT, NATURGY E CDL, autorizando o Sr. Juiz Auxiliar Dr. Marcello Rubioli a realizar as buscas nos sistemas.
Defiro o depósito à disposição do Tribunal Especial Misto do valor integral indevidamente depositado a favor do acusado, devendo ser oficiado à Secretaria de Estado da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro para que informe o valor a ser depositado com urgência.
Designo sessão para o dia 13/01/2021, às 11:00hs para oitiva das testemunhas faltantes e julgamento dos embargos declaratórios interpostos pela defesa do acusado.
Oficie se à Eg. Presidência do Tribunal de Justiça do Piauí para aditamento da carta precatória expedida em função da data redesignada.
Intime se a testemunha residente no Estado do Rio de Janeiro, por hora certa, caso necessário, e, sob pena de condução coercitiva.
Rio de Janeiro, 08 de janeiro de 2021.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
DJERJ, ADM, n. 78, de 29/12/2020, p. 9
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIA DE JULGAMENTO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Certifico, que em sessão realizada pelo Tribunal Especial Misto em 28 de dezembro de 2020, após a oitivas das testemunhas, o Desembargador Presidente apresentou para aprovação, e foi aprovado sem divergência por parte dos membros do Tribunal Especial Misto, ou impugnação da acusação e defesa, o seguinte: "Como mencionado anteriormente, em cumprimento ao que restou determinado pelo Ministro Alexandre de Moraes, levo ao Plenário a sugestão de suspensão do presente feito, inclusive do prazo previsto para o julgamento do feito (art. 82 da Lei nº. 1.079/50), ante o requerimento formulado pela própria defesa do acusado, para aguardar (I) a decisão do STJ de modo a possibilitar a complementação da oitiva da Testemunha Edmar José Alves dos Santos, ou (II) decisão quanto a impugnação na forma do art. 990 do CPC nos autos da RCL n. 45.366 RJ; (III) a decisão a ser prolatada na SL (Suspensão de Liminar) n. 1.418 DF, conforme informado pela acusação na presente sessão de julgamento.
Assim, ficará suspenso o feito, mantida na integralidade a decisão prolatada quando do recebimento da denúncia, com o afastamento do governador do cargo, impossibilidade de utilização da residência oficial e redução dos proventos, até que não mais incidam as restrições decorrente da delação negociada nos autos da Ação Penal 976/DF (Inquérito 1338/DF), nos termos do art. 7º, § 3º da Lei 12.820/2013 para a complementação da oitiva da testemunha Edmar José Alves dos Santos, com o posterior interrogatório do acusado, nos estritos termos da decisão prolatada pelo Ministro, ou até ulterior decisão a ser prolatada (I) na impugnação impetrada nos autos da RCL n. 45.366 RJ, na forma do art. 990 do CPC; (II) na SL n. 1.418 DF, conforme informado pela acusação na presente sessão de julgamento.
As testemunhas em que a oitiva não foi dispensada poderão ser ouvidas pelo Tribunal Especial Misto".
Participaram da sessão os Excelentíssimos Senhores Desembargador Claudio de Mello Tavares, Presidente, presentes no Plenário os Excelentíssimos Senhores Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho, Deputado Carlos Macedo, Deputado Waldeck Carneiro, Deputado Chico Machado, Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, Deputado Alexandre Freitas, Deputada Dani Monteiro e Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello, e por meio da Plataforma Webex os Desembargadores Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva e Inês da Trindade Chaves de Melo.
Presentes os Denunciantes - Deputado Luiz Paulo Correa da Rocha e Deputada Lucia Helena Pinto de Barros -, e a Patrona do denunciado - Dra. Ana Tereza Basílio.
Homenageadas as vítimas de feminicídio, com um minuto de silêncio pela morte da Juíza Viviane Vieira do Amaral.
Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2020.
Regineyde Anete Reis
Secretária do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 76, de 23/12/2020, p. 15
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Não assiste razão à defesa em suas alegações e requerimentos.
Primeiramente, cabe trazer à baila que o rito procedimental foi submetido ao Tribunal Especial Misto, e, aprovado, não foi sequer impugnado pela defesa.
Foi decisão expressa do Tribunal Especial Misto que os prazos e atividades não seriam suspensos durante o recesso forense.
Inobstante, urge salientar que o chamado "recesso forense" é a suspensão de prazos processuais exclusivamente determinada por força de regra de organização judiciária.
Por exemplo, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tal suspensão se dá por força do § 1º do art. 66 da LODJ.
Tal não ocorre com o Tribunal Especial Misto, não lhe sendo oponível eventuais suspensões por recesso de outros tribunais, dado que o TEM é unidade jurisdicional, ainda que temporária, autônoma.
Não se alegue ainda que seria oponíveis as chamadas "férias dos advogados" instituídas pelo art. 220 do CPC.
Tal suspensão não se aplica ao processo penal.
Sobre tal controvérsia debulhou se a Exmª Ministra Carmen Lúcia, no bojo da reclamação 6866-92.2016.2.00.0200, veja se:
"...A suspensão dos prazos processuais entre os dia 20 de dezembro e 20 de janeiro, prevista no artigo 220 do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), não se aplica aos processos criminais. O entendimento é da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.
"O processo penal tem princípios, regras e conteúdos distintos do processo civil, razão pela qual não é possível aplicar indistintamente as normas do segundo sobre o primeiro, sob pena de subverter a lógica processual com base na qual foi construído o processo penal", registrou a ministra, ao negar liminar requerida pela Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco, que pretendia estender o recesso forense previsto no novo CPC para os processos criminais.
Regras do processo civil só podem ser aplicadas ao processo penal em caso de ausência de norma específica, diz Carmen.
Inicialmente, a OAB PE fez a requisição ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que negou o pedido. Inconformada, a OAB PE recorreu ao CNJ que também não acatou os argumentos apresentados. "Além de haver norma específica sobre o tema, a não realização de sessões de julgamento, de audiências e a suspensão dos prazos processuais de 7 a 20 de janeiro representa restrição às garantias do réu, notadamente à duração razoável do processo (artigo 5º, Inciso LXIII, da Constituição da República)", afirmou a ministra Cármen Lúcia.
A ministra explicou ainda que as normas do processo civil podem ser aplicadas supletivamente ao processo penal em caso de ausência de norma específica, o que não é o caso analisado, devido a previsão do artigo 798 do Código de Processo Penal.
Este dispositivo do CPP estabelece a continuidade de todos os prazos processuais, inclusive no período de férias, pela natureza jurídica do bem tutelado pelo Direito Penal, como o direito de ir e vir. O CPC, por sua vez, não reproduz esse entendimento legislativo. (Conjur)"
Não se perca de linha que é paradigma à solução de eventuais omissões do rito a regra insculpida pelo CPP, o que não seria o caso face a decisão expressa em sessão.
Nesse particular determinam os arts. 797 e 798 do CPP:
"...Art. 797. Excetuadas as sessões de julgamento, que não serão marcadas para domingo ou dia feriado, os demais atos do processo poderão ser praticados em período de férias, em domingos e dias feriados. Todavia, os julgamentos iniciados em dia útil não se interromperão pela superveniência de feriado ou domingo.
Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado...
Por fim, a própria lei 1079/50 determina, no art. 82, que o processo e julgamento dos crimes definidos naquela lei deve ser ultimado em 120 dias. Tal determinação legal inculca obviamente que os prazos e atividades não podem ser suspensos por fictício recesso forense ou férias de advogados.
Intime-se a testemunha nos endereços indicados pela defesa, e, requisitem-se as demais testemunhas junto aos seus comandos militares, uma vez que não oferecidos endereços para intimações.
Uma vez infrutífera a intimação para comparecimento pessoal intime-se por mensagem eletrônica para participação telepresencial.
Ao contrário do que alega, há certidão de que todos os documentos enviados pelo STJ lhe foram disponibilizados, ainda que em dois momentos.
Tendo sido designada sessão de instrução para o dia 28/12/2020 é forçoso reconhecer que haverá prazo mais que suficiente para análise dos documentos efetivamente enviados pelo STJ.
Os documentos sobre os quais houve erro de download por força do tamanho dos arquivos serão desconsiderados como prova.
Finalmente, ante a alegação da defesa sobre a ausência do acusado à sessão de interrogatório já designada, cabe ser alertada sobre a aplicabilidade do disposto no art. 397 do CPP ao caso.
Isto posto, mantenho a data de sessão anteriormente designada.
Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2020.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 68, de 11/12/2020, p. 95
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DESPACHO
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Tratam os presentes autos de pedido de decretação de impedimento do Exmº. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Wilson José Witzel.
Realizada a sessão de recebimento da denúncia e organização probatória, ficou designado o dia 17/12/2020, às 09:00hs para a realização de sessão de instrução para a oitiva das testemunhas arroladas e das testimonium iudici.
Entretanto, na forma do art. 185 e seguintes do CPP, urge que seja designado o interrogatório do denunciado para que este possa exercer a autodefesa.
Este, face dos princípios da ampla defesa e do contraditório, somente pode ocorrer após a produção de todas as provas deferidas.
Assim, designo o dia 18/12/2020 às 16:00hs para interrogatório do denunciado.
Intimem-se denunciado, defesa e acusação.
Publique-se.
Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2020.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal Especial Misto
DJERJ, ADM, n. 67, de 10/12/2020, p. 26.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE CONCLUSÃO DE ACÓRDÃO
Processo SEI nº 2020-0667131
Denunciante: Luiz Paulo Corrêa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB/RJ 74.802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB/RJ 93.384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
EMENTA: Crime de Responsabilidade. Denúncia recebida por este Tribunal Especial Misto. Fase Probatória. Decisão Plenária: deferimento, por unanimidade, das provas testemunhais e das provas documentais suplementares requeridas pelas Partes e indeferimento, por maioria, das provas periciais requeridas pela Defesa, nos termos do art. 400, § 1°, do Código de Processo Penal combinado com o art. 79, caput, da Lei Federal n° 1.079/1950. Conclusões: Por unanimidade de votos, foi deferida a produção de prova testemunhal e as provas documentais suplementares. Por maioria de votos, foram indeferidas as periciais, vencidas em parte as Desembargadoras Teresa de Andrade Castro Neves, Inês da Trindade Chaves de Melo e Maria da Glória Bandeira Oliveira de Mello, que deferiam a prova pericial contábil. A Deputada Dani Monteiro deferia todas as provas requeridas. O Deputado Waldeck Carneiro indicou as testemunhas Nelson Roberto Bornier de Oliveira, Mario Pereira Marques Neto, Edson da Silva Torres, Gustavo Borges da Silva, Carlos Frederico Verçosa Duboc, Maria Ozana Gomes, Mariana Tomasi Scardua e Bruno José da Costa Kopke Ribeiro. O Deputado Alexandre Freitas indicou como testemunhas Helena Witzel e Alessandro de Araújo Duarte. Antes do término da sessão de julgamento, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente designou sessão para o dia 17/12/2020, às 09:00, para as oitivas das testemunhas, estando o Deputado Luiz Paulo, denunciante, e o Dr. José Roberto Sampaio, advogado do denunciado, presentes à sessão, intimados da marcação da referida data.
DJERJ, ADM, n. 61, de 01/12/2020, p. 12.
Processo SEI 2020.0667131
Denunciante: Luiz Paulo Correa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB-RJ 74802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB-RJ 93384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
Considerando a apresentação de requerimento de produção de provas, nos termos do nos termos do procedimento aprovado pelo Tribunal Especial Misto, designo o dia 04 de dezembro de 2020, às 11 horas, para a realização de sessão com a finalidade específica de se deliberar quanto à produção de provas pleiteada, nos termos do item 22 do Roteiro de votação aprovado pelo Tribunal Especial Misto.
Determino a abertura de conclusão, ao Excelentíssimo Relator, Deputado Estadual Waldeck Carneiro da Silva.
Intimem-se os demais membros do Tribunal Especial Misto para ciência acerca da data designada para a realização da sessão, bem como acerca do teor dos requerimentos probatórios formulados.
Determino ainda a intimação da acusação e do denunciado e seus patronos da data acima designada.
À Secretaria do Tribunal Especial Misto para adoção das providências de praxe, no sentido de viabilizar a sessão ora designada.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2020.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal de Justiça
DJERJ, ADM, n. 47, de 10/11/2020, p. 12.
Processo SEI nº 2020-0667131
Denunciante: Luiz Paulo Corrêa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB/RJ 74.802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB/RJ 93.384
Relator: Deputado Waldeck Carneiro
EMENTA: Crime de Responsabilidade. Denúncia contra o Governador do Estado do Rio de Janeiro. Incidência da Lei Federal n° 1.079/1950, segundo as balizas do Verbete n° 46 da Súmula Vinculante e do julgamento de mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 378-DF, ambos do Supremo Tribunal Federal. Competência do Tribunal Especial Misto. Pandemia do novo coronavírus oficialmente reconhecida no Estado do Rio de Janeiro por ato do denunciado, corroborado pela ALERJ. Imputação de improbidade na administração e conduta incompatível com a dignidade do cargo de Governador do Estado, em virtude da requalificação supostamente delituosa do Instituto Unir Saúde e da alegada improbidade da avença com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde. Defesa substanciosa do denunciado, instruída por dezenas de documentos, protocolada neste Tribunal Especial Misto, em 19 de outubro do corrente, que enfrenta o mérito da Denúncia. Requisitos formais, inclusive justa causa, ensejadores do recebimento integral da Denúncia. Afastamento do denunciado do cargo de Governador do Estado, durante a vigência do processo por crime de responsabilidade. Desocupação pelo denunciado do Palácio das Laranjeiras, residência oficial exclusiva de quem exerce as funções constitucionais de Chefe do Poder Executivo fluminense. Conclusões: a) por unanimidade de votos, receber, quanto ao capítulo referente à Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde, a Denúncia por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Wilson José Witzel; b) por maioria de votos, vencido o Excelentíssimo Senhor Deputado Alexandre Freitas, receber, quanto ao capítulo referente à Organização Social de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde, a Denúncia por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Wilson José Witzel; c) por maioria de votos, vencidos o Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva, o Excelentíssimo Senhor Deputado Chico Machado, o Excelentíssimo Senhor Deputado Alexandre Freitas e a Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello, determinar a desocupação, pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Wilson José Witzel, do Palácio das Laranjeiras, no prazo de dez dias, contado da data de publicação deste Acórdão; d) por unanimidade, mediante proposta do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal Especial Misto, determinar, em virtude do recebimento da Denúncia e nos termos do art. 57, c, combinado com o art. 77 da Lei Federal n° 1.079/1950, a redução de 1/3 (um terço) do subsídio do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Wilson José Witzel, que lhe será ressarcido em caso de absolvição.
DJERJ, ADM, n. 42, de 03/11/2020, p. 15.
PRESIDENTE:
Exmo. Sr. Desembargador Cláudio de Mello Tavares
MEMBROS:
Exmo. Sr. Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho
Exmo. Sr. Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva
Exma. Sra. Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves
Exma. Sra. Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo
Exma. Sra. Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello
Exmo. Sr. Deputado Estadual Alexandre Freitas
Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado
Exmo. Sr. Deputado Estadual Waldeck Carneiro
Exma. Sra. Deputada Estadual Dani Monteiro
Exmo. Sr. Deputado Estadual Carlos Macedo
RELATÓRIO
PROCESSO N° 2020-0667131
RELATOR: DEPUTADO WALDECK CARNEIRO
Sumário
I - DA DENÚNCIA 1
II - DO PARECER DA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ SOBRE A DENÚNCIA E DE SUA APRECIAÇÃO EM PLENÁRIO 15
III - DA INSTALAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ 16
IV - DA PETIÇÃO APRESENTADA À COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ COM VISTAS À SUSPENSÃO DO PRAZO PARA A DEFESA DO DENUNCIADO 18
V - DA DELIBERAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOBRE O PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA DEFESA PELO DENUNCIADO 22
VI - DA IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PELO DENUNCIADO 23
VII - DA RESPOSTA OFERECIDA PELA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ AO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO DENUNCIADO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 56
VIII - DA DECISÃO DO EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. ELTON LEME SOBRE O MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO DENUNCIADO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 70
IX - DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPETRADA PELO DENUNCIADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 79
X - DA RESPOSTA DA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ À RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPETRADA PELO DENUNCIADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 93
XI - DA DECISÃO DO EMINENTE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DIAS TOFFOLI QUE DEFERIU O PEDIDO LIMINAR NO ÂMBITO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL 105
XII - DA DECISÃO DO EMINENTE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ALEXANDRE DE MORAES QUE REFORMOU A DECISÃO ANTERIOR SOBRE A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL, REVOGANDO A LIMINAR CONCEDIDA EM PLANTÃO JUDICIÁRIO 114
XIII - DA DEFESA APRESENTADA PELO DENUNCIADO À COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT DA ALERJ 125
XIV - DO VOTO DO RELATOR NA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ 128
XV - DA APROVAÇÃO DO PARECER PELOS MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ 130
XVI - DA APROVAÇÃO EM PLENÁRIO DO PROJETO DE RESOLUÇÃO DE AUTORIA DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ 131
XVII - DO ENVIO PELA ALERJ DOS DOCUMENTOS SOBRE O PROCESSO DE IMPEACHMENT AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA INSTALAÇÃO DO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO 132
XVIII - DA CITAÇÃO DO DENUNCIADO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA AO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO 134
XIX - DA DEFESA APRESENTADA PELO DENUNCIADO AO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO 135
PROCESSO Nº 2020/0667131
DENUNCIANTE(S): EXMO. SR. DEPUTADO ESTADUAL LUIZ PAULO CORREA DA ROCHA E EXMA. SRA. DEPUTADA ESTADUAL LUCIA HELENA PINTO DE BARROS
DENUNCIADO: EXMO. SR. GOVERNADOR WILSON JOSÉ WITZEL
RELATOR: EXMO. SR. DEPUTADO ESTADUAL WALDECK CARNEIRO
RELATÓRIO
I - DA DENÚNCIA
Em 27 de maio do corrente, foi protocolada, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), denúncia em desfavor do Exmo. Sr. Wilson José Witzel, Governador do Estado do Rio de Janeiro, tendo como signatários o Exmo. Sr. Deputado Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Sra. Deputada Estadual Lucia Helena Pinto de Barros.
A referida peça denunciatória tem como fundamento legal a possível caracterização da prática de Crime de Responsabilidade, na forma prevista no artigo 74, tipificado conforme disposto nos artigos 4°, inciso V, e artigo 7°, todos da Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950.
Eis os fatos, segundo os denunciantes, que passo a citar:
"No dia 16 de outubro de 2019, foi editada a RESOLUÇÃO CONJUNTA SES/SECCG Nº 664, tendo como signatários o Secretário de Estado de Saúde e o Secretário de Estado da Casa Civil e Governança. A mencionada resolução se fundamentou na Lei Estadual n° 6.043, de 19 de setembro de 2011 e no Decreto Estadual n° 43.261, de 27 de outubro de 2011. Após assegurado o direito ao contraditório e a ampla defesa no processo
administrativo instaurado no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde, sob o n° E 08/001/1170/2019, com vistas à apuração da gestão das unidades de saúde sob a responsabilidade da Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS UNIR), observou-se indícios de irregularidades suficientes. Tais indícios ensejaram que a aludida resolução desqualificasse a entidade sem fins lucrativos, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, nos moldes do § 5°, do artigo 75 do Decreto Estadual n° 43.261/2011.
Esta desqualificação importou na rescisão dos contratos de gestão vigentes à época, reversão dos bens permitidos e dos valores entregues, sem prestação de contas, à utilização da Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS UNIR), sem prejuízo de outras sanções cabíveis, nos termos do § 7°, do artigo 75 do Decreto Estadual n° 43.261/2011.
Ocorrendo assim a rescisão unilateral pelo Poder Público dos contratos de gestão vigentes, não tendo a mencionada Organização Social direito à indenização, nos moldes do § 9°, do artigo 75 do Decreto Estadual n° 43.261/2011.
Em 23/03/2020, o denunciado sem fundamento legal idôneo, utilizando do poder discricionário de conveniência e oportunidade deu provimento ao recurso administrativo interposto pela Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS UNIR) para revogar a sua desqualificação. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro do dia 24/03/2020 e consequentemente, restituiu à mencionada Organização Social todos os direitos e obrigações contratuais anteriores a sua desqualificação, bem como a possibilidade de esta assinar novos contratos com o Estado do Rio de Janeiro.
Ocorre que com o advento da epidemia do COVID- 19, foi reconhecida a situação de emergência na saúde pública do Estado do Rio de Janeiro em razão do contágio, pelo Decreto nº 46.973, de 16 de março de 2020, se fez necessário no âmbito do Estado do Rio de Janeiro o aumento de leitos hospitalares e consequentemente de todos os equipamentos necessários a guarnecer estes leitos, para atendimento as pessoas acometidas pelo malfadado novo coronavírus. Estando entre estes equipamentos o chamado respirador mecânico, além da construção hospitais de campanha.
Em razão desta necessidade veemente, o Poder Executivo através da Secretaria de Estado de Saúde fez a aquisição de 1.000 respiradores mecânicos, porém foi apurado que os valores constantes nos contratos de aquisição foram superfaturados, com valores muito acima dos praticados no mercado atual.
Com esta apuração foram descobertos pelo Ministério Público Federal robustos indícios da participação do Governador do Estado do Rio de Janeiro, sr. Wilson José Witzel nos atos ilícitos. Isto posto, tais elementos foram encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça - STJ, tendo sido distribuída a relatoria ao exmo. sr. Ministro Benedito Gonçalves, este por sua vez diante dos elementos apresentados expediu 12 (doze) mandados de busca e apreensões a serem cumpridos pela Polícia Federal nos estados de São Paulo e no Rio de Janeiro, chamada "Operação Placebo", com a seguinte decisão judicial abaixo colacionada:
"PEDIDO DE BUSCA E APREENSAO CRIMINAL N° 27 - DF (2020/01 14014-7)
RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONCALVES
REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
REQUERIDO: EM APURACAO
DECISÃO
Trata-se de expediente avulso em que a Secretaria da Corte Especial acosta pedido de Medida Cautelar de Busca e Apreensão Criminal requerido pelo Ministério Público Federal contra investigados que indica.
O Inquérito n. 1338, instaurado junto a esta Corte Superior, a pedido do Ministério Público Federal, visa apurar possíveis irregularidades na execução do programa estatal de enfrentamento ao COVID-19, no Estado do Rio de Janeiro, onde diversos contratos foram supostamente firmados com valores superiores aos praticados pelo mercado.
Após narrativa das condutas dos investigados e das empresas contratadas, já disposta no referido inquérito, o MPF imputa indícios de participação ativa do Governador do Estado quanto ao conhecimento e ao comando das contratações realizadas com as empresas hora investigadas, mesmo sem ter assinado diretamente documentos, vez que sempre divulgou todas as medidas em sua conta no Twitter.
Relata que relevantes informações contidas na rede mundial de computadores e, principalmente, elementos de convicção originários do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e da Procuradoria da República naquela unidade da Federação, confirmam a existência de fraudes e o provável envolvimento da cúpula do Poder Executivo fluminense, a recomendar seja adotada a medida cautelar probatória de busca e apreensão.
Descreve que em 14/5/2020 recebeu, por meio da procuradoria da República no Rio de Janeiro, prova judicialmente compartilhada, obtida em uma das investigações que tramitam em primeiro grau, onde em interceptação telefônica colhe diálogo referente a ato de revogação da desqualificação da Organização Social UNIR SAÚDE, indicativos de possível ajuste ilícito entre o M.P. com o governador W.W., vez que o Governador deu provimento a recurso hierárquico apresentado pela citada organização social e revogou a Portaria SES/SECCG n. 664/2019, que desqualificava a entidade, sob o fundamento de conveniência e oportunidade, demonstrando forte probabilidade da existência de ajustes para o desvio de dinheiro público.
Informa que em novo compartilhamento de provas proveniente da Justiça Federal do Rio de Janeiro, demonstram vínculo bastante estreito e suspeito entre a Primeira Dama do Estado do Rio de Janeiro H.A.B.W. e as empresas de interesse de M.P., em especial o contrato de prestação de serviços e honorários advocatícios entre seu escritório de advocacia e a empresa DPAD SERVIÇOS DIAGNÓSTICOS LTDA, bem como comprovantes de transferências de recursos entre as duas empresas.
Descreve, ainda, que conforme Informação n. 0011/2020 da Polícia Federal, encontraram no correio eletrônico alessandro.duarte@gmail.com mensagens datada de 14/04/2020, recebidas de J.E (rj_juan@hotmail.com) com documentos relacionados a pagamentos para a esposa do governador W.W.
Descrevem a relação de A.D. e J.E. com organização criminosa chefiada por M.P. para tanto dispõe:
A.D. figura como braço direito de M.P., sendo, além de sócio de diversas empresas interligadas ao grupo empresarial, responsáveis pela gestão financeira de grande parte dos negócios do empresário, estando à frente dos negócios do grupo empresarial ao menos desde 2012, época da contratação do IDR pela SES/RJ, bem como é um dos procuradores de conta bancária da ATRIO RIO SERVICE com movimentações milionárias suspeitas.
Por sua vez, J.E. além de movimentar expressivas quantias em dinheiro para os investigados, exerce a função de contador de diversas empresas do grupo, figurando, ainda, como sócio de empresas relacionadas a contratos suspeitos.
Transcrevem áudios interceptados pela autoridade policial em terminal utilizado por J.E. que demonstram que recentemente foram feitas alterações dos contratos sociais de empresas utilizadas pela organização criminosa para a movimentação de ocultação de recursos oriundos dos cofres públicos, como ATRIO RIO SERVICE TECNOLOGIA, DPAD E MV GESTAO DE ATIVOS EMPRESARIAIS, dentre outras.
Aduzem, ainda, que M.P. utilizava de pessoas para receber e pagar vantagens ilícitas de sua organização criminosa.
Mencionam a existência de relação do Secretário Estadual L.P. com a organização criminosa chefiada por M.P., comprovada pela interceptação telefônica entre V.P. e sua mãe, bem como pelo recebimento de transferências financeiras no montante de R$225.000,00 na conta do escritório advocacia de L.T., oriundo das empresas de M.P.
Afirmam a existência de prova robusta de fraudes nos processos que levaram a contratação do IABAS para gerir os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, tudo com anuência de comando da cúpula do Executivo. Para tanto, informam que foram apresentados orçamentos fraudados para serviços de montagem desmontagem de tendas, instalação de caixas d'água, geradores de energia e piso para a formação da estrutura dos hospitais de campanha, tudo com o conhecimento do então Secretário de Saúde E.S. Provas policiais dão conta que os demais orçamentos foram apresentados ao Estado para escamotear a fraude na contratação, apresentando uma legalidade inexistente.
Por fim, afirmou que as provas coletadas até esse momento indicam que, no núcleo do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, foi criada uma estrutura hierárquica, devidamente escalonada a partir do Governador, que propiciou as contratações sobre as quais pesam fortes indícios de fraudes.
Para tanto, descreve em que W.W. mantinha o comando das ações (auxiliado por H.W.), tendo seu Secretário E.S., por meio da Resolução SES n. 1991, delegado funções a G.N., criando-se uma estrutura hierárquica que deu suporte aos contratos supostamente fraudulentos, em cuja base figuram, no mínimo, F.J de O.F., representantes da Corporate Events Brasil, C.A.F., Presidente Executivo do IABAS e L.C.C.D., da empresa Clube de Produção (fl. 61).
Fundamento o que é medida cautelar de busca e apreensão se faz necessária no caso em análise, uma vez que a diligência poderá garantir a localização e apreensão de variada a documentação (física e eletrônica) em poder dos investigados.
É o relatório. Decido.
Sobre a Medida Cautelar de Busca e Apreensão, disponha o art. 240, §1°, "c"," d", "e", "f" e "h", do CPP:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
[...]
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
[...]
h) colher qualquer elemento de convicção.
A busca e apreensão, como medida cautelar, dependem do cumprimento cumulativo dos requisitos do fumus bonis juris e do periculum in mora.
Conforme acima relatado, a prova compartilhada originária do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e da Procuradoria da República naquela unidade da Federação, bem como a constante no caderno investigatório, trazem elementos de convicção, que, em juízo de cognição limitada e superficial, típico das cautelares, propiciam convicção quanto a indícios veementes de autoria e materialidade que permitem o deferimento da medida vindicada.
Uma vez caracterizado o fumus bonis juris, passo a análise da urgência.
O periculum in mora caracteriza se pelo fato de que eventuais documentos comprobatórios das práticas ilícitas podem ser destruídos pelos investigados, sendo típico que os indícios destes delitos normalmente sejam eliminados pelos seus autores.
Ademais, estamos tratando de supostos ilícitos cometidos por alguns investigados com conhecimento jurídico, cuja obtenção da prova toma se bastante difícil. Assim, a medida cautelar se mostra imprescindível em razão da necessidade de assegurar a preservação de elementos comprobatórios de materialidade e autoria delitivas.
Com efeito, é necessário que se obtenha o material relacionado à pratica de crime, especialmente anotações, arquivos de computador, contratos, agendas de telefone, eletrônicos que arquivem dados, comprovantes de pagamentos ou de depósitos e mídias, sem prejuízo de qualquer outra prova de cometimento de crime.
O art. 5° da Constituição Federal de 1988 estabelece a inviolabilidade do domicílio, garantia que somente pode ser afastada em caso de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação judicial.
Assim, tratando-se de providência que almeja a apreensão de instrumentos utilizados na suposta prática de crime úteis a persecução investigatória, tal qual como exposto pelo Ministério Público Federal, é imperativo o deferimento da medida.
A quebra de sigilo dos dados obtidos e arrecadados também deve ser autorizada, ainda que não explicitamente solicitada, porquanto é consectário lógico da indigitada apreensão, de modo a permitir o acesso a todos aqueles que vierem a ser obtidos, sejam de sistemas de informática, telemática ou qualquer meio de armazenamento, mesmo condizentes a sigilo bancário e/ou fiscal, inclusive dados armazenados na nuvem, através de quaisquer serviços utilizados. Eventualmente, podem ser realizadas cópias para salvaguardar os dados.
Ressalta-se que, nessa hipótese, é permitido que, em qualquer fase da persecução criminal, sejam acessados dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, desde que autorizadas judicialmente.
Havendo necessidade, autorizo, também, a arrecadação de equipamentos eletrônicos de qualquer espécie nos quais possam estar armazenados tais dados, os quais devem ter o suporte de memória espelhado ou copiado, mediante requerimento dos interessados.
O direito ao sigilo de tais informações, eminentemente, de caráter individual, não pode ser absoluto e deve ser excepcionado porque a consagração das liberdades públicas não serve de salvaguarda a práticas ilícitas, cedendo espaço diante do interesse público superior.
A inviolabilidade da intimidade não pode escudar aqueles que atentam contra a ordem pública, sob pena de impedir, a concretização do interesse maior da coletividade no êxito da investigação criminal.
A providência também deve ser autorizada em compartimentos outros descobertos no curso da diligência, em salas comerciais/cômodos/unidades habitacionais, no mesmo prédio, contíguos ou não, independentemente de nova ordem.
Deve-se salientar que no STJ a busca e apreensão em escritórios de advocacia, desde que existem indícios de prática criminosa nesses ambientes. Como relatado acima, no caso dos autos, o escritório de advocacia da Primeira Dama do Estado do Rio de Janeiro H.A.B.W supostamente realizou contratos com empresas investigadas, sem que a investigação, até o momento, encontra-se provas da prestação do respectivo serviço, o que explicita possível exercício profissional voltado à atividade delitiva.
A respeito do tema, cito o seguinte precedente:
[...]
NULIDADE DA BUSCA E EMPREENSÃO EFETUADA EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. INVIOLABILIDADE RELATIVA. ART.
7°, § 6°, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTO DELITO COMETIDO PELO ADVOGADO. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE FORMAL NA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU A MEDIDA CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INDICAÇÃO DE PARTICULARIDADES DO CASO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDÊNCIADO.
1. A inviolabilidade do escritório de advocacia não é absoluta, ideia inclusive consagrada na própria Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, inciso II, combinado com seu § 6º este incluído com o advento da Lei nº 11.767/2008 , de tal sorte que é permitido nele ingressar para cumprimento de mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado determinado por Magistrado de forma fundamentada, desde que presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado.
2. Na hipótese dos autos, o Juiz monocrático fundamentou a decisão que determinou a busca e apreensão, indicando expressamente as hipóteses do art. 240, § 1º, do Código de Processo Penal que embasaram a providência, quais sejam, as previstas nas alíneas "c", "d" e "h" do referido preceito legal, apresentando as peculiaridades do caso concreto e especificando os endereços onde a medida deveria ser cumprida, concluindo pela necessidade da cautelar para a instrução criminal, imprescindível para a identificação das relações mantidas entre os supostos participantes da organização, tudo em conforme ao disposto no ordenamento processual penal vigente.
3. Recurso parcialmente prejudicado e, na parte remanescente, improvido. (RHC 21.455/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 13/12/2010)
Quanto ao cumprimento dos mandados, registro que a autoridade e agentes policiais devem obedecer ao disposto no art. 7° da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia):
Art. 7° São direitos do advogado:
[...]
II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
[...]
§6° Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
§7° A ressalva constante do § 6° deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.
Em relação a busca no escritório de advocacia, registro que deve ser arrecadada exclusivamente a documentação correlata aos fatos aqui investigados.
Fica a autoridade policial autorizada a restituir diretamente tudo aquilo que constatar não servir à prova.
Nos termos do art. 7°, §6°, da Lei n. 8.906/94, caberá ao Delegado de Polícia Federal, na véspera do cumprimento dos mandados de busca e apreensão no escritório de advocacia, requerer a presença de representante da OAB, que deve comparecer em ponto de partida a ser indicado, sem prévio conhecimento do local em que a medida realizar-se-á.
Ante ao exposto, defiro o pedido do Ministério Público Federal, nos seguintes termos:
I) busca e apreensão em desfavor dos investigados listados abaixo, nos endereços residenciais e profissionais (inclusive no Palácio Guanabara, nas Secretaria de Saúde e da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro), que deverão ser confirmados e indicados pela Polícia Federal no prazo de 5 (cinco)dias:
WILSON JOSÉ WITZEL;
HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL;
HELENE WITZEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA;
EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS;
GRABRIELL CARVALHO NEVES FRANCO DOS SANTOS;
FERNANDO JOSÉ DE OLIVEIRA FERNANDES;
CLAUDIO ALVES FRANÇA;
LUIZ CLAUDIO COSTA DUARTE
INSTITUTO DE ATENÇÃO BÁSICA E AVANÇA À SAÚDE - IABAS;
CORPORATE EVENTS BRASIL;
CLUBE DE PRODUÇÃO CULTURAL E ARTÍSTICA LTDA.
II) Determino o cumprimento da presente medida cautelar, visando, apreender e, em seguida, analisar (inclusive pericialmente, se necessário):
II.1) documentos físicos e eletrônicos indicativos de associação entre investigados: tis como agendas (inclusive de anos anteriores), documentos (incluindo procurações e alvarás), rascunhos ou demais documentos congêneres;
II.2) documentos indicativos de corrupção: contratos de prestação de serviços, noras fiscais, planilhas de custos contabilizados, recibos, comprovantes de depósitos ou de transferências bancárias, entre outros documentos comprobatórios de pagamento de vantagens financeiras, como qualquer escrito que relacione alguém a um valor;
II.3) documentos indicativos de ocultação de bens: comprovantes de depósito ou de transferências bancárias, procurações, contratos de promessa e de compra e venda de bens, certificados de Registro e Licenciamento de Veículos, escrituras públicas, entre outros documentos indicativos dos destinos dos valores;
II.4) mídias: mídias de armazenamento (pen drive, HD EXTERNO, notebook, HD CPU, aparelhos de telefone (se smartphones), dente outros, com arquivos importantes a investigação;
III) adotará o Delegado da Polícia Federal todas as cautelas para que a medida seja cumprida na forma e horário que repercutam o mínimo embaraço possível às atividades locais, atendo-se às seguintes peculiaridades:
III.1) que a apreensão de valores em espécie em moeda estrangeira ou em reais seja limitada ao valor igual ou superior a R$1.000,00 e desde que não seja apresentada prova documental cabal de sua origem lícita (nas residências dos investigados apenas e não nas empresas);
III.2) no tocante às obras de arte de elevado valor ou objeto de luxo, sem comprovada aquisição com recursos lícitos, deve o Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, providenciar a custódia, em ambiente seguro, indicando, no prazo de 30 (trinta) dias, museu ou estabelecimento para sua guarda, até eventual alienação;
III.3) fica também o Delegado da Polícia Federal atento para o cumprimento do Estatuto dos Advogados, conforme determinado na fundamentação acima;
IV) autorizo o Delegado da Polícia Federal a prosseguir nas medidas de busca e apreensão em endereços contíguos, devendo adotar todas as medidas necessárias para verificar a existência de eventuais cômodos secretos ou salas reservadas em quaisquer dos endereços diligenciados, franqueando-lhe, ainda, acesso, cópias ou apreensão, dos registros de controle de ingressos nos endereços relacionados, caso existam;
V) autorizo o Delegado da Polícia Federal a ter acesso ao conteúdo dos aparelhos eletrônicos apreendidos, sobretudo dos dados armazenados na "nuvem", através de quaisquer serviços utilizados, notadamente com relação aos aparelhos de telefonia celular, franqueando que esse acesso ocorra inclusive no local das buscas;
VI) fica autorizado que conste nos mandados de busca e apreensão pessoal quando houver fundada suspeita de que os envolvidos ou demais pessoas presentes no local estejam ocultando consigo provas (ex.: celulares, pen drives, chips, mídias e/ou documentos), bem como que seja autorizado o uso da força estritamente necessária para romper eventual obstáculo à execução dos mandados;
VII) delego a competência investigativa para a Polícia Federal proceder o cruzamento do resultado do material aqui produzido com os elementos probatórios que forem compartilhados das demais investigações, assim como proceder a oitiva imediata dos investigados WILSON WITZEL; HELENA BRANDÃO WITZEL; HELENA WITZEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA; EDMAR SANTOS, GRABRIELL NEVES; FERNANDO JOSÉ DE OLIVEIRA FERNANDES; CLAUDIO ALVES FRANÇA e LUIZ CLAUDIO DA COSTA DUARTE e demais agentes envolvidos nas contratações mencionadas ao longo dessa peça processual;
VIII) fica alertado que no dia do cumprimento da busca, deve-se observar o respeito aos direitos ao silêncio e da não autoincriminação, subsuma se por relevante, matérias não abarcadas por reserva de jurisdição;
Dispensada a publicação, em virtude do sigilo deste procedimento.
Diligências necessárias.
Cumpra-se com urgência.
Brasília (DF), 21 de maio de 2020.
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator"
Os citados mandados de buscas e apreensões tinham como destino diversos endereços associados ao governador do Estado do Rio de Janeiro, estando entre eles o Palácio Laranjeiras que é a residência oficial do Governador do Estado, a residência particular do Governador no bairro do Grajaú, o Palácio Guanabara que é a sede do Governo do Estado e o escritório de advocacia da esposa do governador,
Na decisão judicial, o Ministro Benedito Gonçalves, do STJ, relata que os investigadores afirmam a existência de prova robusta nos processos que levaram a contratação da IABAS para construir e gerir os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, tudo com anuência e comando da cúpula do Executivo. Relatam que o governador Wilson Witzel "tinha o comando" da estrutura que deu suporte a fraudes na Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Tendo este, criado uma a estrutura hierárquica para a prática dos delitos dentro da estrutura do poder executivo fluminense para dar suporte aos contratos fraudulentos para originar ações de combate ao coronavírus no Estado do Rio de Janeiro.
Conforme apontado na decisão judicial, o Ministro Benedito Gonçalves do STJ fundamentou sua decisão, também, em prova compartilhada originária do Ministério público do Estado do Rio de Janeiro e da Procuradoria da República do Rio de Janeiro, bem como o constante do caderno investigatório quanto a indícios de autoria e materialidade que fundamentaram a operação diante do risco real de destruição de provas.
Assim posto, com tudo que veio à tona com a operação Favorito e os fundamentos arrolados pelos investigadores para a realização da operação placebo ficou demonstrado a existência de indícios robustos de participação ativa do governador Wilson Witzel no aludido esquema, procedendo o mesmo de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, tipificado nos artigos 4°, V e 9°, 7 da Lei de crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/50).
A supramencionada operação teve também como alvo a organização social (OS) Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde - IABAS, responsável pela construção dos hospitais de campanha, que ainda não foram entregues na sua plenitude, ao custo de R$ 835 milhões. Diga-se ademais, que em outra investigação, chamada operação Favorito, esta Organização Social seria na verdade associada ao empresário Mário Peixoto, que se encontra preso e possui contratos de R$ 129 milhões com o governo do Estado do Rio de Janeiro.
A investigação aponta "vínculo bastante estreito e suspeito" entre a membros de seu Governo e as empresas do empresário Mário Peixoto, pois, inclusive é arrolado o escritório de advocacia da 1ª dama do Estado que teria contrato de prestação de serviços com a empresa DPAD Serviços Diagnósticos, ligada ao mesmo empresário. Afirma o Ministro que há documentos relacionados a pagamentos para a esposa do governador que foram encontrados no endereço eletrônico de dois homens apontados como operadores financeiros do empresário preso.
Importante frisar que o empresário Mário Peixoto seria também o real responsável pela Organização Social Instituto Unir Saúde, justamente aquela que teria voltado a poder participar de licitações com o governo do Estado do Rio de Janeiro, por despacho monocrático do governador Wilson Witzel, que após a ocorrência da operação Favorito, o governador recuou e anulou seu anterior despacho que habilitava novamente esta Organização Social.
Consta ainda, o envolvimento do Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro, Lucas Tristão, que é citado em gravações obtidas com autorização judicial e que deram origem a citada Operação Favorito. A Favorito já levou à cadeia além do empresário Mário Peixoto, o ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves e o também ex-subsecretário Gustavo Borges da Silva, ambos da área da Saúde.
Importante salientar que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ tem plena soberania para apurar e punir por infração político administrativa o governador do Estado, conforme previsto no artigo 74 e seguintes da Lei de crimes de responsabilidade, independentemente da competência originária do Superior Tribunal de Justiça - STJ para deflagrar o processo penal contra o denunciado."
Após a explicitação da denúncia, acima citada ipsis litteris, sobre os fatos que caracterizariam prática de crime de responsabilidade pelo Chefe do Poder Executivo estadual, os denunciantes finalizam a peça, nos seguintes termos:
"Os ora denunciantes, por óbvio, prefeririam que a Governador do Estado do Rio de Janeiro tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela alarmante, com a existência de corrupção governamental em pleno período de pandemia, crime que poderia ser considerado como hediondo. O comportamento do Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, consoante os fatos relatados, se revela inadmissível, que outra alternativa não resta senão pedirem a esta Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para autorizar que o Governador Wilson José Witzel seja processado na forma do artigo 74 e seguintes da Lei 1.079/50, pelos crimes de responsabilidade previstos, nos artigos 4°, V e 9°, 7 da Lei 1.079/50."
Efetuada sua autuação, em processo administrativo que recebeu o n° 5.328/2020, no âmbito do Parlamento Estadual, a referida denúncia foi submetida à apreciação da Procuradoria Geral daquela Casa Legislativa para análise do atendimento das formalidades necessárias ao seu prosseguimento.
II - DO PARECER DA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ SOBRE A DENÚNCIA E DE SUA APRECIAÇÃO EM PLENÁRIO
Recebidos os autos dos processos administrativos n° 5.328/2020 e nº 5.360/2020 (este apensado ao primeiro), no dia 04 de junho de 2020, foi exarado Parecer Técnico pelo Ilmo. Sr. Procurador Rodrigo Lopes Lourenço, que opinou da seguinte forma:
"Excelentíssimo Senhor Presidente,
Estes autos n° 5.328/2020, aos quais estão apensados os autos n° 5.360, protocolizados na quarta-feira, 27 de maio de 2020, documentam Denúncia por crime de responsabilidade formulada pelo Excelentíssimo Senhor Deputado Luiz Paulo e pela Excelentíssima Senhora Deputada Lucinha contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado Wilson Witzel.
Na vigência da decaída Constituição da República de 1946, editou-se a Lei federal n° 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o respetivo processo e julgamento.
Promulgada a vigente Lei Maior, houve dúvida sobre a competência dos Estados membros para legislar sobre crime de responsabilidade e correspondente processo. Contudo, o Egrégio Supremo Tribunal Federal sepultou a ao editar a Súmula Vinculante n° 46, afirmando que a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União." Par tal razão, a definição dos crimes de responsabilidade eventualmente cometidos por Governador de Estado e o respetivo processo devem ser regulados por lei federal.
Por outro lado, há mais de três décadas e de maneira constante, como se pode verificar no precedente consubstanciado no Mandado de Segurança n° 20.941 DF, RTJ 142/88, o Egrégio Supremo Tribunal Federal reconhece às Colendas Presidências das Augustas Casas de Leis a competência para o exame da admissibilidade de Denúncia popular por crime de responsabilidade.
As petições satisfazem todas as formalidades legais, especialmente o reconhecimento de ambas as firmas, motivo por que estes procedimentos administrativos n° 5.328/2020, além do apensado n° 5.360/2020, devem ser submetidos à Egrégia Presidência desta Augusta Casa de Leis a fim de que sejam por ela julgados se merecedores ou não de deliberação, nos termos do comando insculpido no art. 77 da Lei federal n° 1.079/1950.
Diante do parecer acima reproduzido, da lavra do Ilmo. Sr. Procurador da ALERJ Rodrigo Lopes Lourenço, que considerou atendidas todas as formalidades necessárias ao prosseguimento da denúncia, o Exmo. Sr. Presidente do Parlamento fluminense, Deputado André Luiz Ceciliano, em 10 de junho de 2020, acolheu o aludido parecer, tornando a peça denunciatória apta a ser submetida, como objeto de deliberação, à Casa de Leis estadual.
No mesmo dia 10 de junho de 2020, em atenção ao disposto na Súmula Vinculante n° 46, do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como na legislação federal que dispõe sobre os crimes de responsabilidade, foi realizada sessão plenária para deliberação quanto à admissibilidade da denúncia, ou seja, quanto ao prosseguimento do processo de impeachment, no âmbito da ALERJ, em desfavor do Exmo. Sr. Wilson José Witzel, Governador do Estado do Rio de Janeiro. Note se que o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ, Deputado André Luiz Ceciliano, abriu mão da prerrogativa que lhe cabia de decidir monocraticamente sobre a admissibilidade da denúncia, preferindo compartilhar tal responsabilidade com o conjunto de deputados e deputadas estaduais.
Assim, realizou-se a sessão plenária virtual, com a presença de 69 (sessenta e nove) dos 70 (setenta) deputados estaduais que integram o Parlamento fluminense, tendo sido aprovada a admissibilidade da denúncia pela unanimidade dos presentes àquela sessão (69 votos a zero).
Após a devida publicação da decisão adotada pelo plenário em Diário Oficial, foi aberto o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que os partidos políticos com representação na ALERJ indicassem o nome de seu representante na composição da Comissão Especial de Impeachment.
III - DA INSTALAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT NA ALERJ
Depois de indicados os representantes dos partidos, teve lugar a reunião de instalação da Comissão Especial de Impeachment, em 18 de junho do corrente, com o objetivo de eleger seu Presidente e seu Relator. Na oportunidade, sagraram-se eleitos para aqueles cargos, respectivamente, o Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado e o Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar. Por ocasião da reunião de instalação, também foram aprovadas algumas diligências, que seriam efetivadas por meio de ofícios encaminhados pelo presidente da Comissão aos órgãos de destino.
Ato contínuo, ainda no dia 18 de junho de 2020, foram expedidos os seguintes ofícios: a) CE 01/2020, endereçado ao Exmo. Sr. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Doutor Benedito Gonçalves, pelo qual se solicita o compartilhamento de provas referentes ao Inquérito n° 1.338-DF, em curso naquela colenda Corte; b) CE 02/2020, endereçado ao então Secretário de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Ilmo. Sr. Prof. Fernando Ferry, pelo qual se solicita cópia integral do Processo Administrativo n° E 08/001/1170/2019, relativo à aplicação de sanção à Organização Social Instituto Unir Saúde; c) CE 03/2020, endereçado ao Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Eduardo Ciotola Gussem, pelo qual se solicita o compartilhamento das informações obtidas pelas operações realizadas em decorrência das contratações emergenciais na área de saúde, efetuadas pelo Poder Executivo estadual, no âmbito das ações de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (COVID-19); d) CE 04/2020, endereçado ao Ilmo. Sr. Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Dr. Tacio Muzzi Carvalho e Carneiro, pelo qual se solicita o compartilhamento de cópia integral do Inquérito MPF n° 1.338, referente às contratações realizadas pelo Poder Executivo, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde, especialmente no tocante às ações de enfrentamento ao novo coronavírus (COVID-19).
Naquela mesma data, foi determinada a citação do Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson José Witzel, o que se efetivou em 23 de junho do corrente, ocasião em que lhe foram entregues as cópias integrais dos processos ALERJ n° 5.328/2020 e nº 5.360/2020, bem como lhe foi informado o prazo de 10 (dez) sessões, a contar do recebimento da referida citação, para apresentação de Defesa escrita perante a Comissão Especial de Impeachment.
IV - DA PETIÇÃO APRESENTADA À COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ COM VISTAS À SUSPENSÃO DO PRAZO PARA A DEFESA DO DENUNCIADO
Na mesma data em que foi citado por determinação da Comissão Especial, qual seja, dia 23 de junho de 2020, a defesa do denunciado protocolou petição endereçada à aludida Comissão. Nesta petição, a defesa alegava a necessidade de esclarecimento sobre informações referentes ao rito adotado para processamento e julgamento do processo de impedimento em curso, bem como a necessidade de imediata suspensão do prazo para apresentação de Defesa escrita, enquanto não fossem acostados aos autos documentos que comprovassem os fatos narrados na denúncia, sob alegação de afronta aos princípios constitucionais do Contraditório e Ampla Defesa, o que foi interposto nos seguintes termos:
"(...) GRAVE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA
Em 27 de maio de 2020, o Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Lucia Helena Pinto de Barros ofereceram, com fundamento nos arts. 75 e 76 da Lei n° 1.079/1950, denúncia perante a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ, em desfavor do requerente, nos autos dos Processos Administrativos n° 5360/2020 e 5328/2020.
O art. 76 da Lei n° 1.079/1950 estabelece como requisito da apresentação de denúncia contra titular de cargo do Poder Executivo estadual a apresentação de documentos que comprovem os fatos narrados e o respectivo rol de testemunhas, aptas a narrarem a ocorrência dos fatos alegados. Justifica se o rigor legal diante da relevância e gravidade do processo administrativo a ser instaurado, capaz de por termo a mandato outorgado por milhões de eleitores, no exercício do seu direito fundamental de voto, principal alicerce do estado democrático de direito. O referido diploma legal determina, ademais, em seu art. 79 a aplicação subsidiária das regras dos Regimentos Internos da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça, assim como do Código de Processo Penal, no processamento pela Assembleia Legislativa de processos administrativos que versem sobre a suposta prática de crime de responsabilidade pelo governador do estado.
Nos autos deste processo administrativo, no entanto, só foi anexada pelos ilustres denunciantes a i. decisão proferida pelo eminente Ministro Benedito Gonçalves do e. Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de medida cautelar, cujo objeto era o de colher provas sobre eventuais práticas de atos ilícitos. Em outras palavras, trata-se de decisão de natureza precária e preliminar, que tem por propósito angariar eventuais provas de fatos alegados pelo parquet, mas não comprovados. Fossem as acusações já respaldadas em provas, por certo não se faria necessária medida cautelar, deferida justamente para a sua produção.
Em decisão publicada em 15 de junho de 2020, o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ, o eminente Deputado Estadual André Ceciliano, mesmo sem a indispensável documentação de suporte, recebeu a denúncia e deu-lhe prosseguimento, após submetê-la à apreciação do colegiado, conforme se desprende da publicação constante do Diário Oficial de 15/06/2020 (Doc. 1 - Diário Oficial do Dia 15/06/2020), nos seguintes termos:
"Eu André Luiz Ceciliano, baseado no parecer técnico da douta Procuradoria, dou prosseguimento à denúncia por crime de responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr. Governador."
Como manifestei no início, vamos dar todo direito à ampla defesa ao Governador. Temos certeza que de onde vem, como juiz, terá também a possibilidade de esclarecer os fatos nos quais está baseado o pedido de impeachment no Processo 5328/2020.
Declaro que dou prosseguimento ao processo de impeachment.
Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido indique um representante para a comissão e, depois, essa comissão tem 48 horas para eleger o presidente e o relator. Rogo aos líderes que façam as indicações.
O prazo vai contar a partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o representante do partido nessa comissão.
Volto a dizer que não há qualquer pré-julgamento aqui; não estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa do Sr. Governador"
Após o recebimento da denúncia, em18 de junho de 2020, foi instalada a Comissão Especial que processará o pedido de afastamento do requerente. É relevante destacar que, logo após a eleição do parlamentar Presidente e relator da citada Comissão, o Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo, um dos autores da denúncia, confirmou que deixou de instruir o seu requerimento de instauração do processo administrativo com os documentos necessários para comprovar os fatos narrados. Diante desse reconhecimento da ausência dos documentos, o Exmo. Deputado Estadual Bacelar solicitou, em diligência, informações e subsídios aos seguintes órgãos: Procuradoria Geral da República, Superintendência da Polícia Federal e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, para ter acesso ao inteiro teor do inquérito.
No caso, portanto, afigura-se evidente que a denúncia apresentada não foi instruída com os documentos necessários pra comprovar os fatos narrados, indispensáveis ao exercício pelo Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro da ampla defesa e do contraditório, na amplitude que asseguram os direitos fundamentais previstos pelo Constituinte Originário no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República.
O exercício do contraditório e da ampla defesa se traduzem na necessidade absoluta de ciência pelo requerido acerca da prova trazida aos autos, em meio do julgamento do recebimento ou não da denúncia. O elemento de prova da narrativa acusatória possui capacidade de influenciar na decisão do colegiado e, por conseguinte -- perdoe se a obviedade -- deve ter conhecimento prévio para ver oportunizado seu direito de defesa, no prazo legal.
RITO LACUNOSO E INDEFINIDO
Além da ausência de documentos e provas que respaldem a instauração deste processo administrativo, é relevante enfatizar que não está devidamente esclarecido qual o rito que será adotado neste processo administrativo. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 146, e o Regimento Interno da ALERJ, em seu artigo 211, estabelecem que, em caso de crime de responsabilidade do governador do estado, as regras procedimentais deverão observar o disposto na lei federal em vigor, ou seja, a Lei n° 1.079/1950. Isso porque, a vetusta Lei n° 1.079/1950 é lacunosa e incompleta a esse respeito.
Caberia, então, a essa e. Assembleia esclarecer, minimamente, quais serão os procedimentos que serão adotados e os prazos estabelecidos. O requerido pretende indicar testemunhas a serem ouvidas. Em que momento lhe será assegurado o direito de produzir essa prova? Será adotado o rito previsto no Código de Processo Penal, aplicável ao caso de forma subsidiária, diante da ausência de rito delimitado para este processo na legislação federal? Esses aspectos, passe o truísmo, precisam ser esclarecidos antes que o requerido apresente "às cegas" a sua defesa.
Definir o rito é definir o texto da lei do processo. Sem isso, nenhum passo pode ser dado. Se, não obstante, o procedimento seguir mesmo assim, ele seguiria, então, por caminho próprio, insuflado, quiçá, por ventos políticos, quiçá, por ventos do arbítrio, mas não pela bitola da lei; seguiria, enfim, no escuro, e não sob a luz da lei. Tudo não passaria, então, de um simulacro de processo, travestido em mera formalidade externa, marcada por uma sequência ad hoc de atos para se chegar, por derradeiro, ao fim já traçado.
Mas Direito não é fim, ainda mais quando se trata de direito punitivo; Direito é meio; se o meio não é legal, o fim, seja ele qual for, é ilícito. Direito, lembrava Scalia, é essencialmente forma; ela é que legitima o conteúdo; os meios é que legitimam os fins. Essa é a essência do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Essa é a essência do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º). E devido processo legal, contraditório e ampla defesa integram o núcleo duro do Estado Democrático de Direito (CF, art. lº, caput).
Definir o rito, portanto, é definir o texto; e definir o texto, é definir, de antemão, qual a lei aplicável. Afinal, seguir o rito, é seguir o texto; e ser fiel ao texto, é ser fiel à lei. No caso, faltam essas definições elementares. Nada é certo: nem o rito, e, por conseguinte, o caminho, e, por conseguinte, os passos a serem dados. A única definição que parece previamente arquitetada diz com o fim a ser alcançado. O procedimento não pode seguir assim; que não seja perpetrada tamanha violência em pleno século XXI. Esse é o pleito do requerente.
SUSPENSÃO IMPOSITIVA
Conquanto o acusado e seus patronos reconheçam a soberania do Parlamento, conforme proclamaram John Locke e Montesquieu, nesse momento, é fundamental a suspensão do processo enquanto não for juntado aos autos os documentos que comprovam os fatos descritos na denúncia e até que o rito processual seja informado, porque o processo de impedimento decorre da prática de atos vinculados à legislação procedimental, sem que haja qualquer espaço para o "ativismo parlamentar".
Portanto, ao determinar a observância da Lei n° 1.079/50 e do Código de Processo Penal, o Constituinte Estadual visou a assegurar um rito processual capaz de observar o respeito ao sufrágio e a segurança das relações jurídicas, porque, de toda evidência, um processo de impedimento do mais alto magistrado do Poder Executivo sem a observância das regras do devido processo legal causa dano irreparável ao direitos subjetivos do acusado e é institucionalmente uma ruptura insanável da estabilidade democrática.
Os Processos Administrativos n° 5360/2020 e 5328/2020 possuem apenas a descrição de suposições constantes em medida cautelar de produção de provas, mas não há qualquer elemento capaz de justificar e sustentar acusação com base em meras ilações, ainda que oriundas do Ministério Público Federal. Ora, não é possível a apresentação da uma defesa técnica quando a peça de acusação está despida dos mínimos elementos fáticos e jurídicos. A defesa, se ofertada, seria inepta por deficiência dos elementos mínimos que devem instruir uma acusação. Pretende o requerente com esta peça preliminar de resistência afastar futuro vício insanável de nulidade em atenção a boa fé nas relações processuais.
A ausência da documentação para fundamentar o suporte probatório da denúncia impede o exercício da ampla defesa e do contraditório. O suporte probatório mínimo que, se exige para lastrear de forma prévia a propositura da acusação penal tem previsão nos artigos 12; 39, §5°, e 46, §1°; do Código de Processo Penal. Neste sentido, não seria razoável permitir o prosseguimento dos processos 5328/2020 e 5360/2020, enquanto os documentos de suporte a peça acusatória não forem acostados aos autos.
O requerente, em síntese pretende apresentar sua defesa em um procedimento que observe o devido processo legal, enquanto corolário da legalidade. No entanto, a ausência de definição: adequada do rito a ser seguido e falta de documentação comprobatória ou sua juntada após a apresentação da defesa e esgotamento do prazo anunciado pela ALERJ, impedirá o regular prosseguimento deste processo.
Assim, pelo exposto, diante da necessidade de Assegurar a Rigidez do processo, que poderá ensejar gravíssima sanção, requer a imediata suspensão deste processo administrativo, até que sejam sanados os graves vícios acima descritos, capazes de ensejar a nulidade de novos atos que venham a ser praticados."
Feitas as exposições citadas acima, a defesa finaliza, requerendo: a) que sejam sobrestados os Processos Administrativos n° 5360/2020 e nº 5528/2020, até que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro informe o rito a ser adotado para julgamento dos referidos processos; b) que não seja fixado ou, caso já fixado, que seja imediatamente suspenso o prazo para que o denunciado apresente a sua Defesa nos autos dos Processos Administrativos n° 5328/2020 e nº 5360/2020 perante a Comissão Especial do Impeachment, enquanto não forem acostados aos autos os documentos já solicitados pelo relator da Comissão, em sessão realizada no dia 18/06/2020, a fim de evitar coação ilegal, na forma do art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal, e de preservar a higidez e a legalidade do processo.
V - DA DELIBERAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOBRE O PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA DEFESA PELO DENUNCIADO
Em sua primeira reunião ordinária, após a sessão de instalação, realizada na data de 24 de junho do corrente, com o objetivo de decidir sobre o pedido apresentado pelo denunciado, a Comissão Especial de Impeachment deliberou pela suspensão do prazo para apresentação da defesa escrita, até que fosse juntada a íntegra dos autos do Inquérito nº 1.338 DF solicitada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF). Tal decisão buscava assegurar o direito à ampla defesa e ao contraditório, princípios basilares de nosso ordenamento jurídico.
Ocorre que, no dia 02 de julho de 2020, o Ilmo. Sr. Procurador da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Rodrigo Lopes Lourenço, emitiu parecer favorável à retomada da contagem do prazo para apresentação da defesa pelo acusado, prazo este que se encontrava suspenso. Passo a citar os termos do referido parecer:
"Excelentíssimo Senhor Presidente da Comissão Especial,
Por determinação de Vossa Excelência, acostada às fls. 259 destes autos n° 5.328/2020, manifesta-se a Procuradoria-geral "sobre a possibilidade da retomada do prazo ora suspenso" e, em caso positivo, sobre procedimentos a serem adotados por esta Comissão".
Inicialmente, refiro-me ao Parecer acostado às fls. 252/255 destes autos n° 5.328/2020, por meio do qual logrei manifestar-se sobre o ônus probatório marcantemente reduzido dessa Egrégia Comissão e sobre - nos termos do Dispositivo do venerando Acórdão decorrente do julgamento, pelo Egrégio Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal, do mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 378-DF - a questão de as diligências e atividades no âmbito dessa Egrégia Comissão Especial não se destinarem a provar a procedência ou improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer a Denúncia.
A Denúncia mencionou um processo administrativo específico, afirmando que o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado nele proferida Decisão pessoalmente e que está fora publicada no Diário Oficial do Poder Executivo. Tais documentos, em decorrência de louvável esforço dessa Egrégia Comissão, agora instruem o processo n° 5.328/2020.
Especificamente quanto à menção ao PBAC n° 27-DF, ora em processamento perante a Egrégia Corte Especial do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é pública a erudita, enfática e detalhadíssima Peça por meio da qual o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado prestou esclarecimentos ao Egrégia Tribunal da Cidadania. A Peça, de lavra de consagrados Escritórios de Advocacia, demonstra, a mais não poder, que o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado teve pleno acesso ao supramencionado PBAC n° 27-DF. De qualquer forma, anexo a a este Parecer.
Considerando que esta Comissão Especial instruiu a Denúncia com os documentos necessários a esclarecê-la, opino pelo prosseguimento deste processo por crime de responsabilidade.
Aprovado tal prosseguimento, devem ser intimados de tal Decisão os eminentíssimos Advogados do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, cujos nomes e inscrições em Seção da Ordem dos Advogados do Brasil estejam indicados.
Ressalto que a publicação da Intimação no Diário Oficial do Poder Legislativo deve conter, com extremíssimo cuidado quanto à grafia dos nomes e à precisão dos números e seus algarismos: a) o número deste processo por crime de responsabilidade; b) o nome completo do Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado; c) os nomes completos de seus insignes Advogados indicados na Procuração, cada qual ladeado pelo número de suas inscrições em Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, indicando-se, sempre a abreviatura "OAB/RJ n°"; d) o inteiro teor da respeitável Decisão que eventualmente seja proferida em decorrência de sessão dessa Egrégia Comissão." (grifos originais)
Em face do citado parecer, a Comissão Especial de Impeachment, em sua segunda reunião ordinária, realizada na data de 06 de julho de 2020, deliberou pela reabertura da contagem do prazo para apresentação da defesa por parte do denunciado. Em sequência, no dia 08 de julho do corrente, o denunciado foi intimado, por meio de seu representante legal à época, Dr. Manoel Messias Peixinho, sobre a reabertura da contagem do prazo para apresentação de defesa à Comissão Especial do Impeachment da ALERJ.
VI - DA IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PELO DENUNCIADO
Diante do recebimento da intimação, informando sobre a reabertura da contagem do prazo de 10 (dez) sessões para apresentação de defesa escrita à Comissão Especial de Impeachment, o denunciado impetrou Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no dia 13 de julho do corrente, nos termos abaixo reproduzidos:
"(...)
ANTECEDENTES RELEVANTES:
CINCO EVIDENTES ILEGALIDADES COMETIDAS ATÉ O MOMENTO
Síntese das 2 (duas) denúncias recebidas pela ALERJ até o deferimento de suspensão dos 2 (dois) processos administrativos instaurados contra o impetrante:
Em 27.5.2020, como já amplamente divulgado pela mídia, o Exmo. Deputado Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto de Barros ofereceram denúncias perante a ALERJ contra o impetrante (doc. 2). A primeira, foi distribuída sob o no 5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o no 5.360/2020, ambas com fundamento nos art. 4º, V, 9º, VII, 74 a 79, da Lei nº 1.079/1.950.
2. A imputação, basicamente, para embasar os alegados crimes de responsabilidade, seriam atos de improbidade, tema cuja competência legislativa, exclusiva, tanto no conteúdo, quanto na forma e no procedimento, é da União Federal. É o que já restou assentado na súmula vinculante 46 do STF. Não se trata, pois, aqui, de matéria interna corporis. E esse aspecto, que desde já se destaca, é relevante para a compreensão do caso, na medida em que a ALERJ pretende dar prosseguimento a processo de impedimento, em manifesto descompasso com parâmetros já definidos pelo STF ao interpretar, em sede de controle concentrado e, pois, com caráter vinculante (CF, 102, parágrafo 2º), a Lei nº 1.079/50.
3. Também já foi amplamente divulgado que esses 2 (dois) processos ficaram com prazo de defesa suspenso até o dia 3.7.2020, sexta-feira (doc. 2). Isso porque, no dia 23.6.2020, quarta-feira, a ALERJ deferiu o pedido de suspensão formulado pelo impetrante, deduzido com base em 2 (dois) relevantes motivos: (i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser adotado para julgamento dos Processos Administrativos de nos 5328/2020 (principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser acostados aos autos os documentos que motivaram as denúncias. A ausência de documentos decorreu do seguinte circunstancia: os denunciantes só anexaram ao feito administrativo a decisão proferida pelo eminente Ministro Benedito Gonçalves do e. Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de medida cautelar, cujo objeto consistiu na coleta de provas sobre eventuais práticas de atos ilícitos, bem como notícias veiculadas na mídia sobre o tema.
4. Sobre o tema "ii", acima, é relevante salientar que foi deferido pela ALERJ o requerimento formulado pelo impetrante. Em sessão realizada no dia 18.6.2020, o eminente relator da Comissão Especial, para evitar coação ilegal (CPP, art. 648, I) e preservar a higidez e a legalidade do processo de Impeachment, solicitou ao STJ cópias da documentação relativa à medida cautelar de produção antecipada de provas.
5. O eminente Ministro Benedito Gonçalves, no entanto, indeferiu o compartilhamento de cópias daquele feito com a ALERJ, conforme decisão anexa (doc. 2). Mesmo assim, a ALERJ, sem elementos mínimos, decidiu, no dia 6.7.2020, prosseguir com as denúncias. São denúncias, portanto, no escuro, à míngua de provas, sem lastro documental mínimo, escoradas, apenas, em decisão que deferiu colheita de provas sobre meras investigações e, ainda, em notícias de jornal. Como, então, deputados, representantes do povo, poderiam ter deliberado sobre a continuidade do mandato do chefe do Executivo estadual, de acordo com o devido processo legal, sem provas mínimas nas quais pudessem se louvar? Com base em que? Como puderam justificar cada voto? Em meras idiossincrasias políticas?
6. Já sobre o tema "i", o impetrante se surpreendeu, ao pesquisar os Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro. Ao assim proceder, ele constatou que a ALERJ já teria definido o rito processual (ou seja, de prosseguimento das denúncias) aos 2 (dois) mencionados processos administrativos. Descobriu, nessa linha, que alguns atos desse rito processual já teriam sido praticados, mas de forma totalmente ilegal.
Atos ilegais objeto deste mandado de segurança - Comissão Especial de Impeachment instituída sem votação (nem sequer fechada...), possui 25 membros da ALERJ (ao invés de 18), não respeitou a proporcionalidade (por partido) e tampouco exarou o necessário parecer inicial das denúncias:
7. Em decisão do dia 10.6.2020, publicada em 15.6.2020, o Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, Sr. André Luiz Ceciliano, mesmo à míngua da indispensável documentação de suporte, deferiu o prosseguimento das denúncias. E assim o fez, após submetê-las à apreciação do colegiado, como se infere da referida publicação (doc. 3), nos seguintes termos:
"Eu, André Luiz Ceciliano, baseado no parecer técnico da douta Procuradoria, dou prosseguimento à denúncia por crime de responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr. Governador.
Como manifestei no início, vamos dar todo direito à ampla defesa ao Governador. Temos certeza de que, de onde vem, como juiz, terá também a possibilidade de esclarecer os fatos nos quais está baseado o pedido de Impeachment no Processo 5328/2020. Declaro que dou prosseguimento ao processo de Impeachment.
Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido indique um representante para a comissão e, depois, essa comissão terá 48 horas para eleger o presidente e o relator. Rogo aos líderes que façam as indicações. O prazo vai contar a partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o representante do partido nessa comissão.
Volto a dizer que não há qualquer pré-julgamento aqui; não estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa do Sr. Governador."
8. No mesmo dia, com publicação oficial em 15.6.2020, o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ editou o Ato 41/2020, por meio do qual definiu o rito processual (doc. 4), nos seguintes termos:
"Atos do Presidente
ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir o prazo de quarenta e oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada no processo ALERJ n° 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança, o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão Especial terá quarenta e oito horas para reunir se, elegendo seu Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Tiradentes, 10 de junho de 2020
Deputado ANDRÉ CECILIANO, Presidente
Em 10.06.2020." (doc. 4)
9. Em cumprimento ao referido ato, foi instalada, sem votação, a Comissão Especial de Impeachment, no dia 18.6.2020 (doc. 5), que processará as denúncias nesta fase para, ao fim, após votação, elas serem ou não recebidas. Só com o seu recebimento é que o impetrante será afastado de suas atribuições (Lei nº 1.079/1.950, art. 77), bem como uma nova turma julgadora será formada para processar e julgar o processo de Impeachment.
10. É exatamente com base na formação dessa atual Comissão Especial de Impeachment que o impetrante deduz, aqui, neste writ, 4 (quatro) evidentes ilegalidades praticadas pelas autoridades coatoras. E o impetrante ressalta, ainda, uma quinta ilegalidade, decorrente de ato omissivo (ou seja, não praticado) pela referida comissão.
MANIFESTO CABIMENTO DESTA AÇÃO CONSTITUCIONAL
11. Louvado nessas cinco violações é que exsurge o cabimento deste mandando de segurança. O direito líquido e certo do impetrante, como será demonstrado ao longo desta petição inicial, fundamenta-se nas seguintes normas do sistema jurídico brasileiro: CF/88, arts. 1º, caput e parágrafo único, 5º, LIV e LV, 22, I, 37, caput, 58, §1º, 85, parágrafo único, 93, X, 102, § 2º, e 103 A, CE/RJ, arts. 96, parágrafo único, e 109, Súmula Vinculante 46, Lei nº 1.079/1.950, arts. 16, 76 a 79, art. 41 e 268, I e VI, do CPP, Regimento Interno da ALERJ, arts. 23, 29, e Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, arts. 280 A, parágrafo único, e 280 C, caput e §1°.
12. Essas regras já possuem interpretação atualizada pelo STF, o que se deu no julgamento da ADPF 378 MC/DF e da ADI 5.895/RR. Concluiu-se, ali, que "compete apenas à União (art. 22, I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a definição de crimes de responsabilidade e sobre o processo e julgamento desses ilícitos" (STF, ADI 5895/RR, Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 27.9.2019; grifou se).
13. O que se pretende, pois, neste mandado de segurança, é garantir um arremedo, ao menos, de contraditório, de ampla defesa e de publicidade, com um mínimo formal de liturgia, própria da cláusula do devido processo legal, a esse inescrupuloso teatro de poder cujo desfecho já parece estar encomendado e previamente acertado. Direito, afinal, é forma. Sua moralidade é formal. E é isso que garante, no final do dia, prerrogativas fundamentais do indivíduo. No caso, pretende-se atropelar todas elas, com a encenação de um simulacro mal ajambrado de procedimento.
14. Daí a razão de ser deste mandado de segurança. E o impetrante confia em que será concedida a segurança, inclusive em sede de tutela de urgência, para impedir o prosseguimento do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ. Ao fim, confia em que os pedidos de urgência serão confirmados, com anulação de todos atos praticados pela ALERJ (anulação integral ou ao menos desde o Ato 41/2020), com respeito à CF/88, à Súmula Vinculante 46, à Lei nº 1.079/1.950, já com a atualizadora interpretação do STF ao julgar a ADPF 378 MC/DF e a ADI 5.895/RR.
15. Com base nessas pretensões, a ALERJ e sua Mesa Diretora representam e presentam a instituição. Essa é a adequada interpretação dos arts. 17 e 18 do Regimento Interno da ALERJ.
16. Já o Exmo. Sr. Deputado Estadual Presidente da ALERJ (Sr. André Luiz Ceciliano) é parte legítima para figurar no polo passivo do mandado de segurança. Isso porque, nos termos do art. 19 do Regimento Interno da ALERJ, o seu Presidente a representa e ainda é a autoridade responsável por supervisionar os trabalhos ali praticados. É de sua competência nomear comissões especiais (RI ALERJ, art. 20, 'j') e fazer cumprir o Regimento (RI ALERJ, art. 20, 'l').
17. Já com relação ao Exmo. Sr. Deputado Estadual Presidente da Comissão Especial de Impeachment (Sr. Chico Machado) e ao Exmo. Sr. Deputado Estadual Relator da Comissão Especial de Impeachment (Sr. Rodrigo Bacelar), são igualmente partes legítimas para figurar neste mandado de segurança como autoridades coatoras. Isso porque, na forma do art. 37, VI, do RI da ALERJ, ao Presidente das comissões incumbe distribuir ao Relator as matérias sujeitas a parecer, sendo certo que, na falta deste, caberá ao Presidente avocar a matéria distribuída e emitir parecer em seu lugar.
18. Destaca-se, ainda, que, na forma do art. 3°, I, 'e', do Regimento Interno desse e. Tribunal de Justiça, compete ao Órgão Especial processar e julgar, originalmente, "os mandados de segurança e habeas data, quando impetrados contra atos do Governador, da Assembleia Legislativa, sua Mesa e seu Presidente (...)". E essa é a hipótese aqui.
19. A hipótese não poderia ser outra, já que o Tribunal de Justiça incorporou ao seu Regimento Interno a previsão expressa constante no artigo 161, IV, "3" da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe o seguinte:
Art. 161. Compete ao Tribunal de Justiça:
[...]
IV processar e julgar originariamente:
[...]
mandado de segurança e o habeas data contra atos:
1. do Governador;
2. do próprio Tribunal;
3. da Mesa Diretora e do Presidente da Assembleia Legislativa;
20. Esse e. Tribunal de Justiça, inclusive, possui jurisprudência firmada sobre o assunto, ao já ter reconhecido, nos autos do mandado de segurança n° 0077095 43.2019.0000, ser "da competência do Órgão Especial processar e julgar mandado de segurança impetrado em face de ato do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa". Confira-se:
"Mandado de Segurança. Competência do Órgão Especial. 1. É da competência do Órgão Especial processar e julgar originariamente mandado de segurança impetrado em face de ato do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa. 2. Incidência do art. 3º., I, "e" do Regimento Interno desta Corte. 3. Declínio de competência em favor do Órgão Especial desta Corte." (TJRJ, 15ª Câmara Cível, MS n° 0077095 43.2019.8.19.0000, Rel. Des. Horácio dos Santos Ribeiro Neto, j. 28.11.19; grifou-se)
21. É inquestionável, portanto, o cabimento do presente mandado de segurança, o qual possui autoridades coatoras adequadamente indicadas, e a competência desse E. Órgão Especial para apreciá-lo e julgá-lo.
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE CRIME DE RESPONSABILIDADE E SOBRE PROCESSO/JULGAMENTO DESSE ILÍCITO INTERNA CORPORIS, MODUS IN REBUS
22. Este mandado de segurança volta-se contra atos praticados no Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e no Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ. Denúncias, como já exposto, deduzidas com base em alegados atos de improbidade. Mais precisamente, os crimes de responsabilidade imputados são os tipificados nos arts. 4º, V, 9º, VII, da Lei nº 1.079/1.9502. Já o procedimento é delineado pelos arts. 74 a 79 da mesma lei federal.
23. Note-se que os próprios denunciantes reconhecem que os crimes imputados ao impetrante, assim como o rito processual aplicável ao caso, são regulados pela Lei nº 1.079/1.50. Nem seria diferente, porque assim preveem os arts. 22, I, e 85, parágrafo único, da CF/88, in verbis:
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...)
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento."
24. Para afastar qualquer dúvida, há, igualmente, súmula vinculante sobre a questão. Confira-se o inteiro teor da Súmula Vinculante 46, publicada no dia 17.4.2015:
"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União."
25. Essas noções básicas e intransponíveis, embora de obviedade ululante, são essenciais para se acolher a pretensão do impetrante. Isso porque, como se sabe, a Lei nº 1.079/1.950, que foi elaborada luz da CF/46, está ultrapassada em vários aspectos. Por conta disso, a CF/88 não a recepcionou integralmente, tal como decidido pelo STF ao julga a ADPF 378 MC/DF4.
26. Nessa linha, o STF já teve ao menos 2 (duas) recentes e modelares oportunidades para se debruçar sobre o tema. E ao proceder dessa forma, o que o STF fez foi delimitar os contornos constitucionais adequados da Lei nº 1.079/1.950 à luz da CF/88, tanto para presidente, quando para governadores. Ali, enfim, a e. Corte Suprema validou e definiu as liturgias aplicáveis.
27. O primeiro caso mais recente se refere ao julgamento da ADPF 378 MC/DF, no qual se discutiu várias questões referentes ao Impeachment da Exma. ex Presidente do Brasil, Sra. Dilma Rousseff. Nessa ocasião, o Tribunal Pleno do STF, por maioria, sob a relatoria designada para acórdão do Exmo. Min. Luís Roberto Barroso, no dia 17.12.2015, definiu as bases do rito de Impeachment a ser adotado perante o Congresso Nacional, notadamente à luz do Impeachment do Exmo. Ex Presidente do Brasil, Sr. Fernando Collor de Mello. Algumas dessas questões foram ainda mais bem solidificadas ao julgar, no dia 16.3.2016, os embargos de declaração opostos contra esse acórdão.
28. Não obstante se trate de julgamento que definiu o rito de Impeachment perante o Congresso Nacional, várias questões se aplicam, por analogia, a todos os Impeachments de membros do Poder Executivo do Brasil. Isso porque, como já dito, compete à União legislar sobre o tema.
29. O segundo caso recente se refere ao julgamento da ADI 5.835/RR, no qual se discutiu várias questões referentes ao Impeachment da Exma. ex Governadora do Estado de Roraima, Sra. Suely Campos. Nessa ocasião, o Tribunal Pleno do STF, por unanimidade, sob a relatoria do Exmo. Min. Alexandre de Moraes, no dia 27.9.2019, definiu as bases do rito de Impeachment a ser adotado perante as Assembleias Legislativas dos Estados do Brasil. E o que o STF decidiu, nessa ocasião, basicamente, é que esse rito deve ser aquele definido no atual Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, porque restou elaborado adequadamente, de forma exaustiva, à luz da CF/88, da Súmula Vinculante 46 e da Lei nº 1.079/1.950.
30. O objeto dessa ADI 5895/RR foi, basicamente, a impugnação das disposições dos art. 280 e 280-A a 280-H do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, que tratam das normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade. No seu julgamento, o e. Ministro Alexandre de Moraes entendeu pela constitucionalidade dos mencionados dispositivos, e assinalou ser "salutar a iniciativa da Casa Parlamentar em explicitar o procedimento definido pela legislação federal de regência em seu Regimento Interno, seja para fins de organização administrativa ou mesmo para antecipar com clareza a todos os órgãos e autoridades envolvidos o itinerário procedimental a ser percorrido, desde que observando o previsto pela União". Naquele julgamento, destacou-se, ainda, que "as normas regimentais impugnadas espelham fiel e materialmente o figurino descrito acima, respeitando ainda o que foi decidido pelo SUPREMO na ADPF 378 MC (Rel. Min. EDSON FACHIN, Relator p/ Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJ de 7/3/2016)".
31. Reconheceu-se, pois, ali não só a regularidade formal do procedimento previsto no Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Roraima, mas a sua absoluta adequação ao decidido no julgamento da ADPF 378. Ou seja, reconheceu-se, ali, seu caráter modular, paradigmático, a orientar a compreensão da matéria, no que tange ao rito do processo de impedimento a ser adotado para governadores. Não há outro precedente do STF, referente ao rito de Impeachment de Governador, depois do julgamento da ADI 5895/RR. E nem mesmo seria razoável que o STF definisse para cada 1 dos 27 Estados da Federação (26 + DF) qual deveria ser o procedimento, já que, repita-se, ele já fez isso no caso de Roraima.
32. Até porque, o julgamento se deu em sede de controle concentrado, por acórdão já transitado em julgado. Uma decisão, portanto, ex vi do art. 102, § 2º, da CF/88, dotada de eficácia vinculante para todo o Poder Público. Afinal, o que vincula, num regime de precedente vinculante, a ratio decidendi do julgado, e não o seu dispositivo. Este, como é elementar, diz com a coisa julgada, com eficácia inter partes. Mas a razão de decidir do julgado paradigmático, esta, sim, se aplica a todos os casos análogos. E é essa a hipótese aqui. A ALERJ, na condução do Impeachment do impetrante, destoou de várias normas de procedimento já abonadas e chanceladas pela Suprema Corte, em releitura atualizadora da Lei 1.079/50 e à luz da Súmula vinculante 46.
33. De fato, em ambos os casos se definiu, especificamente, que o rito do processo de Impeachment de membros do Poder Executivo deve respeitar a CF/88, a Súmula Vinculante 46, a Lei nº 1.079/1.950 e, só no que couber, residualmente, o Regimento Interno das respectivas Casas Legislativas (modus in rebus). É exatamente esse o motivo pelo qual o impetrante demonstrará que, no caso, a ALERJ descumpriu essas regras, à luz das delimitações feitas pelo STF ao julgar a ADPF 378 MC/DF e a ADI 5.895/RR.
34. Contudo, os posicionamentos alhures não são novidades na Corte nem surgem do casuísmo desses procedimentos. A tormentosa questão acerca da competência para a definição do processo de Impeachment de governadores já havia sido enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n.º 1.628 8, leading case que teve por relator o Min. Nelson Jobim (na medida cautelar; e o Min. Eros Grau, no julgamento definitivo).
35. Nesse julgado, assentou-se que essa competência seria da União; não dos Estados. De fato, ali ficou registrado que o art. 85 da CRFB/88, ao estabelecer que os crimes de responsabilidade "serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento", apenas reproduziu o que já continham as Constituições de 1969, 1967 e 1946, razão pela qual não apenas "a definição dos crimes de responsabilidade, mas também o estabelecimento de normas de processo e julgamento, é da competência da União Federal" (voto do relator, p. 104).
36. Não há, nesse contexto, espaço para a teoria dos atos interna corporis. Interna corporis, com efeito, modus in rebus. As imputações de impedimento derivam, alegadamente, de atos de improbidade. E improbidade é tema de normativa federal, no conteúdo e na forma; na substância e no procedimento.
Isso já está assentado em súmula vinculante. Isso já foi escrutinizado pelo e. Supremo Tribunal Federal em julgamento abstrato, também com eficácia vertical para todo o Poder Público. Consequentemente, o que escapa ao que ali foi decidido, foge ao direito, e é nulo.
37. Os arts. 211 e 212 do Regimento Interno da ALERJ5 apenas apontam previsão quanto ao rito de impedimento de Governador, "às disposições da lei federal em vigor". Atestam, pois, que, no caso, a edição de suposto "rito" por meio de ato administrativo normativo do Exmo. Presidente da ALERJ, ora uma das autoridades impetradas, mostra-se inválida e denota dúplice mácula jurídica: inconteste inconstitucionalidade e evidente ilegalidade, além de ferir a súmula vinculante nº 46 do STF, bem como mácula à jurisprudência quanto ao caso firmada pela Corte Suprema. Afinal, "o fato de ser o Impeachment processo político não significa que ele deva ou possa marchar à margem da lei".
38. Não se aplica, aqui, a exceção do legislador, porque também, numa República, o Poder Legislativo é limitado, como há tempos adequadamente entende o STF7. Afinal, "as leis, também elas, devem possuir seus limites (...)", como há tempos assertivamente ressaltava Benjamin Constant8. A democracia, já dizia Roscoe Pound9, "não permite que seus agentes disponham de poder absoluto". Até porque, como também destacava Jacques Chevallier10, o "objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito".
39. Nessa linha, como arremate, na nossa República, o Poder Legislativo Estadual não tem competência para editar normas, materiais ou processuais, sobre improbidade. Só o Poder Legislativo Federal, e ele já o fez, na Lei 1.079/50. E o STF já fixou, em exegese atualizada e conforme à CF de 1988, a interpretação desse diploma, em dois precedentes vinculantes - tanto para presidente, quanto para governadores. Admitir, então, que as assembleias estaduais não estivessem vinculadas a eles, e às razões de decidir ali estabelecidas - não, portanto, ao regimento de outras assembleias estaduais, mas aos dois acórdãos do STF - , implicaria admitir que elas poderiam dispor sobre tema a respeito do qual não podem legislar. A incongruência seria manifesta, o sistema entraria em curto circuito, e não faria sentido algum. Por isso, em boa hora, foi editada a Súmula Vinculante n. 46, que obriga a todo Poder Público, inclusive ao Poder Legislativo. Essa é a hipótese aqui.
40. Assim, os acórdãos do STF são precedentes constitucionalmente vinculantes (CF/88, art. 102, § 2º). Já a referida súmula vinculante possui igual vinculação à ALERJ (CF/88, art. 103 A). Mas, no caso, como dito, a ratio decidendi desses precedentes (que, por óbvio, é o que possui vinculação erga omnes) foi substancialmente descumprida, como a seguir será detalhado.
DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE
PRIMEIRO MOTIVO:
PURA ENCENAÇÃO + CARTA MARCADA =
NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO POR FALTA DE PROVAS E MOTIVAÇÃO
41. No dia 10.6.2020, à luz das 2 (duas) denúncias feitas com base, 100%, em meras alegações (ou seja, sem documentação mínima que poderia lastreá las), a ALERJ decidiu que, a despeito disso, deveria ser dado prosseguimento aos processos administrativos contra o impetrante. Após a decisão de prosseguimento das denúncias, na sessão do dia 18.6.2020, a Comissão Especial de Impeachment, que processará o pedido de afastamento do impetrante, foi instaurada.
42. Também como comprovação do jogo de cartas marcadas atrelado ao "efeito arrebanhador" do proposital "esquecimento" da instrução documental da denúncia, foi a declaração do Sr. Luís Paulo Correa em entrevista televisiva. Afirmou, ali, que "quando você tem 69 (sessenta e nove) votos para abrir o procedimento é o sinal que você tem ampla maioria para aprovação."
43. Logo após a eleição do parlamentar Presidente e do relator da citada Comissão (ora também autoridades coatoras), o Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo, um dos autores das denúncias, confirmou/assumiu/confessou que não instruiu o requerimento de instauração do processo administrativo com os documentos necessários para comprovar os fatos narrados. Tudo foi processado, portanto, desde a largada, de modo banal, e por puro impulso político.
44. Tentou-se, em seguida, corrigir o passo em falso. Diante do reconhecimento da ausência dos documentos, o Exmo. Deputado Estadual Bacelar solicitou, em diligência, informações e subsídios aos seguintes órgãos:
Procuradoria Geral da República, Superintendência da Polícia Federal e Ministério Público do Rio de Janeiro, para ter acesso ao inteiro teor do inquérito em trâmite no STJ.
45. Paralelamente, diante dessa evidente violação às garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV e LV), o impetrante requereu à ALERJ que pelos menos ele pudesse ter acesso à íntegra dos documentos, nos quais as denúncias se basearam. No dia 23.6.2020, a ALERJ deferiu a suspensão dos processos administrativos objeto deste mandado de segurança. E assim procedeu exatamente por ter reconhecido que, de fato, votara pelo prosseguimento de denúncias que não possuíam nenhum suporte probatório.
46. Tanto é assim, que, dias depois, foi ao STJ postular o acesso integral aos autos do inquérito civil no qual se investiga o impetrante. Mas o STJ negou esse acesso, porque os autos estão sob o manto do segredo de justiça. E o próprio Ministério Público Federal, antes, ao emitir parecer, já havia deixado claro que se trata de inquérito penal ainda em fase substancialmente embrionária. Confiram se, respectivamente, trechos do parecer do MPF e da decisão proferida pelo Ministro do STJ relator do IC 1.338/DF sobre a petição apresentada pela ALERJ no dia 23.6.2020:
TRECHOS DO PARECER DO MPF EXARADO NO DIA 25.6.2020:
"(...) O INQ nº 1338/DF tem por escopo apurar possíveis delitos praticados no âmbito da administração do Estado do Rio de Janeiro. A existência de indícios envolvendo, em tese, o Governador WILSON JOSÉ WITZEL ensejou o Pedido de Busca e Apreensão nº 27/DF, medida que foi deferida pelo Exmo. Ministro Relator e as diligências devidamente executadas em 26/5/2020, coletando-se diversos elementos de prova.
O material probatório amealhado ainda está sob análise da Polícia Federal e poderá, em momento futuro, ensejar outras providências que se mostrarem pertinentes.
Portanto, nesse momento da investigação, o mais prudente é que as informações contidas no inquérito e aquelas obtidas com a busca e apreensão circulem o menos possível. Com efeito, o compartilhamento de provas com a ALERJ, nesse momento, quando ainda pendem diligências e uma melhor análise das provas coletadas para ensejar eventual aprofundamento da investigação e tomada de novas medidas judiciais, mostra-se prematura e temerária, porque a remessa de cópia dos autos, inclusive elementos sigilosos, poderia acarretar na frustração da coleta de novas evidências e na publicização da linha investigativa.
Outrossim, a ALERJ, querendo, pode requisitar da própria Secretaria de Estado da Saúde a cópia dos procedimentos administrativos, contratos, pagamentos etc., bem assim o compartilhamento dos inquéritos e processos que tramitam em primeiro grau, tanto na Justiça Estadual quanto na Federal.
Ante o exposto, por considerar prematuro o compartilhamento de provas num momento em que os elementos de convicção ainda estão sob análise da Polícia Federal e há diligências pendentes, não se podendo vislumbrar qualquer prejuízo a ALERJ, mas sim, ao contrário, grande risco de prejudicar a investigação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-se contrariamente ao pedido de compartilhamento, o que deverá ser feito somente ao final do inquérito policial." (doc. 2)
TRECHOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO MINSTRO DO STJ NO DIA 29.6.2020:
"(...) O instituto do compartilhamento de elementos de informação ou de prova é extraído do sistema jurídico brasileiro, sobretudo dos princípios da razoável duração do processo (CPC, art. LXXVIII; CPC, art. 139, II) e da unidade da jurisdição, assim como, de forma mais abrangente até, do art. 372 do Código de Processo Civil de 2015 - aplicável subsidiariamente ao processo penal (CPP, art. 3º) -, cujo teor é o seguinte: "O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório".
O STJ tem jurisprudência consolidada na Súmula n. 591, oriunda da 1ª Seção, no sentido de que "É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa".
No presente caso, contudo, segundo se extrai da precisa manifestação do MPF, é prematuro o compartilhamento dos elementos de informação ou de prova num momento em que os elementos colhidos ainda estão sob análise da Polícia Federal e há diligências pendentes, bem como se configura prudente estabelecer que as informações contidas no inquérito e aquelas obtidas com a busca e apreensão circulem o menos possível, valendo destacar, no particular, o disposto no art. 20 do Código de Processo Penal: "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".
Ante o exposto, INDEFIRO O REQUERIMENTO de compartilhamento de elementos de informação e de prova formulado pelo Excelentíssimo Senhor Deputado Presidente da Comissão Especial do Processo por Crime de Responsabilidade da ALERJ.
Caso Sua Excelência tenha interesse futuro, por ocasião, por exemplo, do encerramento das investigações, deverá formular novo requerimento, sem prejuízo de eventual encaminhamento de ofício, se couber. (...)" (doc. 2)
47. Note-se que não há, até o momento, elementos mínimos de nada. Ainda assim, como visto, a ALERJ, por unanimidade, deferiu o prosseguimento das denúncias feitas contra o impetrante objeto deste mandado de segurança.
48. Mais grave: no dia 6.7.2020, com o fim do prazo de 10 (dez) dias de suspensão concedido ao impetrante, a ALERJ, após indeferir pedido de vista de um Deputado Estadual (Sr. Dionísio), decidiu o seguinte: não só as denúncias contra o impetrante prosseguirão, como eventuais documentos só serão apresentados na fase jurídica do processo de Impeachment. Mas essa fase jurídica, como se sabe, só se inicia com o recebimento da denúncia, é dizer, só depois do exaurimento da presente fase política, que se dá com o recebimento da denúncia e o afastamento do cargo do denunciado. O prejuízo, então, já estaria consumado. O direcionamento político do processo já teria alcançado seu escopo.
49. É claro que essa fase política do processo, tal como consta de parecer exarado pela Procuradoria da ALERJ no dia 29.6.2020 (doc. 2), não se destina "a provar a procedência da Denúncia". É claro, no entanto, que este não é o ponto aqui. Até porque, obviamente, essa "procedência da Denúncia" só poderia se dar na fase jurídica. O que se coloca, aqui e agora, precipuamente neste tópico, é que a ALERJ deu prosseguimento às denúncias, na sessão do dia 10.6.2020, sem qualquer base probatória. Deputados, portanto, votaram pelo prosseguimento de uma denúncia leviana e carente de provas.
50. Votaram, então, com base em quê? Como poderiam justificar seu voto? Quais fontes ou documentos consultaram? Elas deveriam estar necessariamente no processo. Porque essa é a essência do devido processo legal. Quem julga deve julgar com base no que está nos autos, não no que está fora dos autos. Essa é uma garantia mínima do denunciada, mas que, no caso restou confessadamente violada. O procedimento está maculado desde a origem. A árvore está contaminada, na sua raiz, no seu tronco e nos seus frutos. Consequentemente, o prejuízo ao impetrante já está consumado.
1. De fato, naquela sessão ocorrida no dia 6.7.2020, a ALERJ, após acolher parecer exarado por sua Procuradoria no dia 2.7.2020, delimitou a denúncia a 2 (dois) fatos, quais sejam:
"a Denúncia mencionou um processo administrativo específico, afirmando que o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado nele proferira Decisão pessoalmente e que esta fora publicada no Diário Oficial do Poder Executivo. Tais documentos, em decorrência de louvável esforço dessa Egrégia Comissão, agora instruem o processo n° 5.328/2020;" e
"Especificamente quanto à menção ao PBAC n° 27-DF, ora em processamento perante a Egrégia Corte Especial do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é pública a erudita, enfática e detalhadíssima Peça por meio da qual o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado prestou esclarecimentos ao Egrégio Tribunal da Cidadania. A Peça, de lavra de consagrados Escritórios de Advocacia, demonstra, a mais não poder, que o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado teve pleno acesso ao supramencionado PBAC n° 27-DF. De qualquer forma, anexo a a este Parecer"
52. Não há nenhuma dúvida, portanto - trata-se de fato incontroverso, pré-constituído - que, no dia 10.6.2020, quando a ALERJ votou por unanimidade pelo prosseguimento das denúncias, os processos não estavam minimamente instruídos com documentos que pudessem lastreá-los. E mesmo após, quando a votação pelo prosseguimento já estava concluída, só foi carreada aos autos cópia de procedimento administrativo em que o impetrante profere uma decisão e nada mais (decisão essa, aliás, que o impetrante nem sequer poderia deixar de proferir, já que de sua competência; mas tão logo a proferiu, logo em seguida, no dia 15.5.2020, a desqualificou, em razão da ação criminal denominada "Operação Favorito" - doc. 2) e alguns outros documentos (doc. 2).
53. Seja como for, e aqui retorna-se ao busílis da narrativa. Como os deputados votaram? Com lastro em que? Com base em nada, ou melhor, em conjecturas e queremismos políticos. Os processos, por isso, são nulos, integralmente nulos. Fica evidente que todos os deputados votaram ao léu, com base em meras conjecturas e alegações carentes do mínimo lastro probatório. Esse fato é inconteste, e já foi reconhecido a partir das próprias medidas já anteriormente intentadas pela ALERJ, quais sejam:
No dia 18.6.2020, após a formação da Comissão Especial de Impeachment, o próprio deputado estadual denunciante confessou que não teria instruído a denúncia com os documentos necessários (doc. 5);
No dia 23.6.2020, a ALERJ deferiu o pedido do impetrante, de suspensão do processo, justamente para que esses documentos fossem juntados aos autos (doc. 2);
Dias depois, o STJ negou o pedido da ALERJ de acesso aos autos (doc. 2); e
Agora, no dia 2.7.2020, muito depois de já ter sido deliberada o prosseguimento da denúncia a Procuradoria da ALERJ confessou, uma vez mais, que só nessa ocasião é que alguns documentos foram juntados aos autos do processo, enquanto na verdade já deveriam dali constar ao menos antes do dia 10.6.2020, para viabilizar a votação do prosseguimento das denúncias feitas contra o impetrante (doc. 2).
54. Em outras palavras, deputados, sem ter acesso a provas mínimas, que devem necessariamente ser carreadas ao processo, formalmente instruído, simplesmente não podem deliberar sobre o impedimento de governador. E isso simplesmente porque não podem se louvar, para formação de um juízo de tal natureza, em elementos extra autos, ou em notícias da mídia, ou ainda em mera decisão do STJ que defere a busca e apreensão de documentos. Deputados, enfim, não podem deliberar no vazio, ou no escuro, ou com base em puro queremismo político, sem que haja qualquer elemento de prova que possa conduzir a uma acusação de prática de ilícito, minimamente fundada. Um mínimo de liturgia, para que as instituições não sejam banalizadas, é devido. Do contrário, tudo, confessadamente, não passa de uma grande encenação orquestrada.
55. E essa é a correta exegese do art. 76 da Lei n. 1.070/51. A ótica, que ali se aguça, é a do denunciado: não haverá cerceamento de defesa, nem violação ao contraditório, se, não juntadas aos autos as provas que lastreiem a denúncia, indicar-se a fonte delas àquele. Mas isso não vale para os deputados votantes. Como julgadores, eles não podem julgar nada com base naquilo que esteja fora dos autos. Seus votos, com efeito, devem justificar-se a partir do que restou provado no processo, não na mídia. Do contrário, não haveria garantias jurídicas mínimas a um processo político. O impulso político prevaleceria, sem freios. E o político também deve ceder ao jurídico, notadamente quando se trata de processo sancionatório. O julgamento é político porque, fundamentalmente, se processa perante um corpo político. Mas isso não significa a completa abdicação de garantias jurídicas mínimas. E estas faltaram aqui.
56. Lembrem-se que os fatos objeto das denúncias, que ensejaram este mandado de segurança, basicamente se referem a atos que teriam sido praticados pelo impetrante, à época da pandemia, e que supostamente seriam ilegais. A esse respeito, o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública (processo n° 0127970-77.2020.8.19.0001, em curso perante o MM. Juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital - doc. 6). Mas o impetrante nem sequer é parte nesta ação coletiva. Pela leitura da petição inicial, verifica se que essa ação civil pública foi fruto de investigações promovidas pela 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Capital, com o auxílio da força Tarefa de Atuação Integrada na Fiscalização de Ações Estaduais e Municipais de Enfrentamento à COVID-19, no âmbito do inquérito civil n° 2020.00284171, cujo objeto são supostos ilícitos praticados na contratação, pelo Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Estado de Saúde, das empresas (i) A2A Comércio e Representações LTDA., (ii) ARC Fontoura Indústria Comércio e Representações Ltda. e (iii) MHS Produtos e Serviços EIRELI, na contratação de respiradores (ventiladores) destinados ao tratamento de pacientes com COVID-19 (contratos n: 2020.001633, 2020.001868 e 2020.001859). Além das referidas empresas e seus representantes, nela figuram como réus o então Secretário de Saúde do Estado (Edmar Santos), seu subsecretário executivo (Gabriell Neves), e o servidor responsável pelo processo de contratação (Gustavo Borges). Das mais de 120 (cento e vinte) páginas daquela petição inicial, contudo, não há nenhuma referência à participação do impetrante em tais eventos. E o fato do nome do impetrante nem sequer ser citado naquela ação é prova cabal de que o Ministério Público, por meio dos seus órgãos especializados de investigação, não foi capaz de encontrar indícios, mínimos que fossem, da participação do impetrante nos aludidos eventos. Não obstante, a ALERJ, como visto, por meio da sessão ocorrida no dia 6.7.2020, entendeu por bem dar prosseguimento ao processo de Impeachment, no qual se discutem exatamente os mesmos fatos.
57. Outro exemplo: a mídia, recentemente, no dia 11.7.2020, noticiou que o Exmo. Sr. Presidente do STJ determinou a suspensão de um depoimento agendado para essa data sobre a investigação instaurada pelo MPF para apurar casos de fraude na saúde estadual no contexto da pandemia. A suspensão foi decidida depois que o impetrante pediu acesso aos documentos da referida investigação, já que o caso está em segredo de Justiça. O Ministro do STJ entendeu que o impetrante somente deve prestar depoimento depois que a sua defesa tivesse acesso às informações, notadamente para evitar eventuais nulidades dos atos processuais praticados ("(...) considero prudente determinar a remarcação do depoimento em data breve, mas seguramente depois de esclarecida a situação da falta de acesso integral aos elementos probatórios").
58. Fica bastante evidente, então, que o que há, aqui, nestas denúncias, é uma pura encenação de 2 (dois) processos que, não obstante ainda se encontrarem na fase política, já estão viciados na origem, com o único fim de performar uma carta marcada: afastar o impetrante, ainda que provisoriamente, do atual cargo (porque é exatamente essa a sanção que se dá com o recebimento formal da denúncia pela ALERJ). E é exatamente por esse motivo que os processos administrativos objeto deste mandado de segurança são integralmente nulos.
59. Nessa linha, como é elementar, para a validade de qualquer ato público - e, por conseguinte, de todo o procedimento administrativo que o ensejou - é indispensável a observância dos requisitos formais: a) agente habilitado à prática do ato (rectius, competente); b) objeto lícito, possível, certo e moral; c) motivo; e d) finalidade. O motivo, por sua vez, se divide nos pressupostos de fato e de direito: enquanto este é o próprio dispositivo legal em que se estriba o ato, o pressuposto de fato "corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato."
60. Nem o fato de ser político o procedimento, em sua primeira fase, justificaria o total alheamento do direito. Sem provas mínimas carreadas num processo formal, não há como deputados motivarem seu voto; não há como eles justificarem seu voto; não há, enfim, como eles votarem. Mas o fato é que já o fizeram. O processo então é nulo.
61. Devido processo legal é o meio jurídico. E não há fim, muito menos político, que justifique sua supressão. Suprimi-lo, afinal, é afastar o Estado de Direito. Seria descer muito fundo, em nome de um obscuro fim mais alto. Seria a negação da racionalidade. Seria o vale tudo ("Desça fundo quem aspire tanto quanto subiu"17). Foi o que a ALERJ fez: atropelou todas as formalidades constitucionais obrigatórias para prosseguir, a todo custo, com as denúncias contra o impetrante.
62. Além das garantias constitucionais já mencionadas, essas condutas adotadas pela ALERJ violam, diretamente, as seguintes regras:
i) art. 76 da Lei nº 1.079/1.950: é a regra da lei federal específica à Impeachment de Governador. Dispõe que a denúncia "deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá los com a indicação do local em que possam ser encontrados".
Essa regra existe, por óbvio, para que sejam atendidas 2 (duas) finalidades: a primeira, a de cientificar os deputados estaduais das Assembleias Legislativas do lastro probatório das alegações feitas pelo denunciante. Só com isso é que os deputados conseguirão aferir-se a denúncia poderá ou não ser deferida, para que, então, haja o seu prosseguimento.
Se a denúncia prosseguir, então o cumprimento integral dessa regra atenderá à sua segunda finalidade: ao denunciado é garantido o exercício pleno da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Ele só pode ser submetido ao prosseguimento da denúncia, se antes a Assembleia tiver votado à luz da íntegra das alegações e dos documentos da denúncia. Depois disso, o denunciado deverá ter o mesmo acesso para fins de apresentação da defesa prévia;
Mas, no caso, como visto, nada disso aconteceu. A ALERJ simplesmente atropelou todo esse ritual procedimental, com o fim evidente de muito em breve tentar receber formalmente a denúncia feito contra o impetrante, para, com isso, afastá-lo provisoriamente do cargo de chefe do Executivo estadual.
arts. 41 e 648, I e VI, do CPP: pelo CPP também o denunciante possui a obrigação de instruir a denúncia com elementos mínimos, inclusive sob pena de se prosseguir, caracterizar coação ilegal. E foi exatamente essas situações que aconteceram aqui no caso do impetrado.
63. Nessa linha, escusado seria dizer que o elemento de prova da narrativa acusatória possui capacidade de influenciar na decisão do colegiado. Mas esse ato formal, no caso, inclusive já aconteceu, por meio da votação ocorrida no dia 10.6.2020, na qual se deferiu o pedido de prosseguimento das denúncias. E, por conseguinte, o impetrante ainda deve ter conhecimento prévio do que realmente está sendo denunciado, bem como das provas que lastreiam tais denúncias, para ser oportunizado o exercício do seu direito de defesa no prazo legal, o que igualmente não aconteceu.
64. A questão, aqui, é simples: num julgamento, que se inicia político, o devido processo legal, com todas as suas garantias, não se direciona apenas ao denunciado. Ele é mais amplo, e abarca a todos os participantes, isto é, a todos os deputados reunidos num corpo político. A existência de elementos mínimos, portanto, a instruir a demanda, tem a ver com a necessidade de que todos os deputados, ao votarem politicamente pelo prosseguimento ou não processo de impedimento, disponham de elementos oficiais, importados a um processo regular formal, com base nos quais possam emitir seu voto. Não basta, destarte, que o impetrante possa ou tenha tido acesso as provas alocadas em outros procedimentos (o que não ocorreu no caso). É imprescindível que essas provas instruam os procedimentos, através dos quais seu impedimento será julgado, para que seus julgadores (ou seriam algozes?) possam formar seu próprio convencimento e não seguir, simplesmente, o que diz a imprensa ou a opinião pública.
65. Sem essa base probatório mínima, o processo carece de um mínimo de juridicidade. E o julgamento político, para ser compatível com a garantia do devido processo legal, não pode ser puramente político, calcado em mera vontade política. Ele deve revestir-se de juridicidade mínima, de elementos básicos. Pouco importa, portanto, aqui, que os arts. 16 e 76 da Lei nº 1.079/1.950 aludam à circunstância de que poderá ser indicado ao denunciado a fonte onde se encontram os documentos. Não é essa a hipótese aqui. O que importa é que os deputados que participem do processo possam, para votar, ter acesso a documentos que amparem a denúncia. Sem isso, o processo todo não passa de um simulacro, de uma encenação política, de um jogo de cartas marcadas, com violação do devido processo legal.
66. E ainda que se admita que o início do procedimento possa se dar, apenas com a indicação da fonte da prova a ser obtida, como admite expressamente a lei ( art. 16 da Lei 1.079/1950), o prosseguimento deste depende, necessariamente, da coleta destas provas, que devem ser carreadas aos autos.
Não há outra interpretação possível, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
67. A hipótese, pois, é grave: o julgamento já ocorrido no dia 10.6.2020 jamais poderia ter ocorrido; jamais as denúncias deveriam ter prosseguido; e os 70 deputados da ALERJ jamais poderiam ter determinado o prosseguimento de denúncias, referentes a 2 (dois) processos de Impeachment, porque confessamente nem sequer possuíam lastro probatório; a nulidade do processo é patente; essas denúncias deveriam ter sido indeferidas liminarmente.
68. Mas há um fato ainda mais grave: no dia 6.7.2020, a ALERJ já prenunciou/prejulgou que haverá provável afastamento do impetrante (Lei nº 1.079/1.950, art. 77), ao final da atual fase política, sem elementos mínimos de prova (doc. 2).
69. Os deputados simplesmente não poderiam ter votado porque não dispunham de elementos probatórios no dia 10.6.2020, fato esse que foi inclusive confessado na sessão do dia 18.6.2020, após a Comissão Especial de Impeachment ser instituída.
70. E agora, na sessão ocorrida no dia 6.7.2020, eles confessaram mais uma nulidade processual intransponível, até mesmo temerária: anunciaram que haverá oportunidade de fazer prova, após o recebimento das denúncias. Ou seja, prenunciam que acolherão as denúncias, mesmo antes da apresentação da defesa do impetrante, o que, nos termos da lei, ensejará o afastamento do impetrante, tudo isso sem lastro probatório, ao afirmarem que a instrução probatória poderá ser feita após o recebidas as denúncias.
71. Ora, aqui, constata-se uma genuína inversão da ordem legal e constitucional. Primeiro, a denúncia. Depois, o denodo em se provar. Não é este, contudo, como sabido, o devido processo legal. Primeiro se prova. A prova é essencial, indispensável para que qualquer denúncia seja acolhida seja em processo político ou judicial. Requisito sine qua non. Essa regra, não há dúvida, aplica-se a todo ou qualquer procedimento, menos, ao que parece, para estes simulacros de procedimento legal, verdadeiros processos kafkanianos, que ora se impugna.
72. Diga-se, por fim, que há ainda um fundamento de que per se se mostra suficiente para anular integralmente os 2 (dois) processos administrativos objeto deste mandado de segurança. O STF, ao julgar a ADI 5.895/RR, também manteve o entendimento de que as denúncias devem ser instruídas com os respectivos documentos ou da indicação de onde os documentos podem ser encontrados (o que, como dito, não houve no caso, já que o STJ indeferiu o pedido de acesso dos autos do processo do inquérito no qual o impetrante está sendo investigado), ao considerar constitucional o art. 280 A, parágrafo único, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima.
73. Outra acachapante jurisprudência do STF aplicável ao caso é a seguinte:
"(...) À toda evidência, se não houver a intercessão do Poder Judiciário, poder-se-á esperar que, em pouco tempo, seja ressuscitada a bizarra tese da insindicabilidade das questões políticas, a opor se a concepção de que é possível, sim, o controle jurisdicional dos atos de caráter político, sempre que suscitada questão de índole constitucional." (STF, Pleno, MS 26.441/DF, Relator Min. Celso de Mello, DJE 18.12.2009).
74. Como no processo penal, o denunciado aqui se defende dos fatos narrados e imputados pela denúncia. É forçoso que os fatos constantes da exordial acusatória sejam determinados e limitados e, ainda, devida e previamente ladeados pelas indicadas provas e demais documentos para que o acusado possa exercer plenamente o direito de defesa. E o mais grave, repita-se: não obstante essa necessidade, o fato é que, para que os deputados da ALERJ votassem no dia 10.6.2020, é óbvio que assim deveriam proceder após analisar os referidos documentos.
75. Conforme aferido na jurisprudência consolidada do STF e por força dos princípios da reserva legal e da finalidade e vinculação dos atos administrativos, ora cânones corolários do devido processo legal, há motivação suficiente para anular integralmente os 2 (dois) processos administrativos objeto deste mandado de segurança, diante da patente violação de normas procedimentais que conferem um dever impositivo às partes, em especial aos denunciantes, e que deveriam ter sido tuteladas pelos ora impetrados - o que não ocorreu - quanto à formação prévia de um acervo probatório de modo a garantir a devida e plena votação dos deputados da ALERJ no dia 10.6.2020 (preclusão temporal/consumativa). Como cediço, inexiste direito à "ampla acusação" ou um suposto alargamento de denúncia inicial, data vênia, diante de encenação política, de um jogo de cartas marcadas, repita se, em violação clara ao devido processo legal.
76. Assim, confia o impetrante em que será concedida a segurança, para preservar ao impetrante as suas garantias constitucionais processuais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, notadamente para que somente com isso possa eventualmente ser submetido a um processo tão grave como o de impedimento.
SEGUNDO MOTIVO:
COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT INSTITUÍDA SEM QUALQUER VOTAÇÃO
77. Como devidamente explicado no primeiro tópico desta petição inicial, em decisão proferida no dia 10.6.2020, quarta-feira, publicada em 15.6.2020, o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ, após votação pelos seus membros, deu prosseguimento às denúncias objeto deste mandado de segurança (doc. 3). No mesmo dia, o mesmo Exmo. Sr. Presidente da ALERJ editou o Ato 41/2020, por meio do qual definiu o rito processual do processo de Impeachment do impetrante (doc. 4).
78. Em seguida, foi instalada, sem votação, a Comissão Especial de Impeachment no dia 18.6.2020, quarta feira (doc. 5). Os líderes de cada partido da ALERJ indicaram um membro e, com isso, automaticamente, a comissão foi instituída. Não houve absolutamente nenhuma votação, nem sequer fechada ou simbólica.
79. Violou-se, pois, a publicidade dos atos do Poder Legislativo. Até porque, é um princípio que decorre, de forma imediata, (i) do princípio democrático (CF/88, art. 1º, caput), (ii) do sistema representativo (CF/88, art. 1º, parágrafo único), (iii) do regime republicano (CF/88, art. 1º, caput), e (iv) do princípio da publicidade (CF/88, art 37, caput). E isso sem contar que a própria Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art. 96, parágrafo único, impõe essa conduta. A inconstitucionalidade aqui, pois, é evidente, sob todos os aspectos.
80. Também foi violada a reserva de plenário. E essa supressão fulmina a higidez do feito com a inaceitável retirada da legalidade do procedimento, o que enseja na sua nulidade, como novel desobediência ao devido processo legal.
81. Violou-se, ainda, a representatividade, que atinge, por sua vez, o sistema democrático. Afinal, "isto pode servir de advertência para aqueles que são os verdadeiros e absolutos representantes do povo, a fim de ensinarem a todos a natureza de seu cargo, e tomarem cuidado com a maneira como admitem a existência de qualquer outra representação geral, em qualquer ocasião que seja, se pretendem corresponder à confiança neles depositada." (HOBBES, Thomas. Leviatã). Ou seja, a partir dessa reflexão da citação de Hobbes, muito se recorda do Estado forte, que, em breves palavras, veio a ser criado para tentar conter os excessos cometidos no estado de natureza, no qual a sociedade se encontrava antes da instituição do Estado. A citação acima reproduzida destaca que a representação legítima é fundamental para existência de um governo voltado para os administrados.
82. A representatividade é conferida na Constituição da República pelo exercício mais legítimo do sufrágio universal, ou seja, a delegação de Poder se concretiza por meio do voto na escolha dos representantes do Executivo e do Legislativo. Tal escolha também remete à vontade geral, conceito eivado de diferentes interpretações, todavia pode se associar em termos políticos à soma da vontade de todos que assim o exerceram, em sua maioria quantitativa, por meio da votação legítima recebida no devido processo eleitoral. Logo, foram respeitadas as formas de escolha da sociedade, no momento do exercício do sufrágio universal. Em tal contexto, tanto os representantes do Poder Legislativo e do Executivo são 'ungidos' pelo voto para exercer a delegação que o povo deu para o Estado, por meio de cada Poder em sua função delegada, em nome dos representados e em cumprimento aos ditames da Constituição da República.
83. Por outro lado, há que se questionar a retirada de tal representação popular por meio dos institutos democráticos, tal como o processo de impedimento de representação, quando existem suspeitas, ou seja, não há contundentes provas de que as condutas praticadas pelos eleitos tenham sido efetivamente praticadas contra os interesses da vontade geral, isto é, que tenham sido voltadas para qualquer outro interesse.
84. Nessa linha, o STF, ao julgar a ADPF 378 MC/DF, no dia 17.12.2015, decidiu que a formação final da Comissão Especial de Impeachment deve ser submetida à votação. E essa votação deve ser i) aberta, ii) ainda que simbólica, iii) com veiculação no Diário Oficial. Como o voto possui mais de 400 laudas, confiram-se alguns trechos da ementa e da fundamentação específicos sobre essa questão:
"(...) III.5. A ELEIÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIALDEVE SE DAR POR VOTO ABERTO (CAUTELAR INCIDENTAL)
64.Na segunda medida cautelar incidental apresentada, o autor também requereu provimento liminar para garantir que a eleição da Comissão Especial do Impeachment seja feita por meio do voto aberto do Plenário da Câmara dos Deputados. Acolho o pedido. No processo de Impeachment do Presidente da República, todas as votações e deliberações devem ser abertas.
A publicidade dos atos do Poder Legislativo decorre de forma imediata (i) do princípio democrático (CF/1988, art. 1º, caput), (ii) do sistema representativo (CF/1988, art. 1º, parágrafo único), (iii) do regime republicano (CF/1988, art. 1º, caput), e (iv) do princípio da publicidade (CF/1988, art 37, caput). A regra geral que se extrai desses princípios é a de que as votações no âmbito das Casas Legislativas devem se dar por meio de voto ostensivo, de modo a permitir maior transparência e controle dos representantes eleitos pelos titulares da soberania (accountability). Praticamente toda deliberação ou votação do Congresso deve ser realizada sob as vistas da sociedade.
Devo dizer que não considero que o escrutínio secreto encontra-se proscrito pela ordem constitucional. Tampouco entendo que a Constituição Federal tenha definido de forma taxativa as hipóteses de deliberações das Casas Legislativas que possam ser realizadas por voto sigiloso. Porém, a previsão desta forma de votação ostenta caráter absolutamente excepcional em uma democracia representativa, que pressupõe que os representantes eleitos prestem contas aos eleitores de seus votos e ações.
Feitas tais observações preliminares, parece-me claro que no processo de Impeachment não há lugar para voto secreto. E isso por quatro fundamentos. Em primeiro lugar, a exigência de votação ostensiva no caso decorre do conjunto normativo aplicável ao processo por crime de responsabilidade. Ao disciplinar o processamento do Impeachment, a Constituição de 1988 não estabeleceu nenhuma hipótese de votação secreta. Do mesmo modo, a Lei n. 1.079/1950, embora tenha previsto em seu art. 19 a existência de uma "comissão especial eleita", não instituiu escrutínio sigiloso nesta situação. Finalmente, Constituição, da Lei n. 1.079/1950 e do Regimento Interno, não é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para a Comissão Especial de Impeachment.
Em segundo lugar, o sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. O processo de Impeachment tem natureza político administrativa, constituindo ferramenta de preservação da legitimidade da representação popular. Contudo, a responsabilização do Presidente nesse caso não se dá por uma decisão dos eleitores, mas dos parlamentares eleitos. Em outras palavras, o Presidente pode ser afastado e perder o mandato conquistado nas urnas por decisão não daqueles que os elegeram, mas dos congressistas. Em processo de tamanha magnitude institucional, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível. A exigência de votação ostensiva torna se ainda mais evidente, tendo em conta que a mera aceitação da denúncia contra o
ocupante do mais elevado cargo da Nação já instaura no país um clima de instabilidade política, econômica e social. Em terceiro lugar, o processo de Impeachment se sujeita à incidência direta e com especial vigor dos princípios democrático, representativo e republicano. O voto aberto é aquele que melhor realiza referidos princípios, conferindo aos representados ferramentas para que possam exercer o controle social sobre todas as etapas deste procedimento e examinar a atuação de seus representantes. Na realidade social brasileira, de grave crise de representatividade e desconfiança dos eleitores em relação aos governantes, a exigência de publicização das votações adquire um destaque ainda maior. Como já afirmei, o Brasil é um país no qual o imaginário social supõe que por trás de cada porta fechada são conduzidas tenebrosas transações e - acrescento - que cada votação secreta está a encobrir barganhas e acordos pouco republicanos. Portanto, em um processo de tamanha seriedade como o do Impeachment, não é possível invocar como justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a liberdade e independência dos congressistas, afastando a possibilidade de ingerências indevidas (por exemplo, de lideranças partidárias, dos pares ou de outras autoridades). Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece a possibilidade de pressão e controle popular sobre os representantes, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados dispôs expressamente sobre as comissões temporárias especiais no art. 33, mas tampouco trouxe previsão de eleição secreta para sua formação. E mais: seu art. 188 elenca os casos de votação por escrutínio secreto, sem prever expressamente, entre eles, a Comissão Especial do Impeachment. No silêncio da que vai na contramão das exigências dos princípios democrático, representativo e republicano. Daí porque não se pode admitir o escrutínio sigiloso em processo desta natureza.
Em quarto e último lugar, trata-se da mesma forma de votação que foi adotada para a composição da Comissão Especial no processo de Impeachment de Collor. Na ocasião, a chapa única formada por indicação dos líderes foi eleita em votação aberta (simbólica) do Plenário da Câmara dos Deputados. A manutenção do mesmo rito seguido em 1992 contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do procedimento, evitando casuísmos indesejados e manipulações das regras do jogo ao sabor das lideranças políticas de ocasião."(STF, ADPF 378 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Luís Roberto Barroso, j. 17.12.2015; (grifou se)
85. Insatisfeita com o resultado do acórdão, a Mesa da Câmara dos Deputados opôs embargos de declaração, ocasião na qual, dentre outras matérias, apontou essa parte da votação, como um dos supostos vícios do acórdão. Mas o STF, ao julgá los, reforçou a posição já exarada, agora por meio de um voto de mais de 130 laudas.
86. Note se que no caso do Impeachment da ex Presidente Dilma Rousseff o que se colocou perante o STF foi a possibilidade de a Comissão Especial de Impeachment ser instituída por votação secreta. Nem se cogitou da hipótese de não ter votação. Mas, no caso, foi exatamente isso o que aconteceu: a ALERJ nem sequer fez alguma votação para escolher a Comissão Especial de Impeachment do impetrante, o que caracteriza que o ato legislativo, além de descumpridor do princípio democrático, deu se com a celeridade dos atos de exceção, típicos do regimes totalitários.
87. Já não bastasse, o STF, ao julgar a ADI 5.895/RR (com efeito erga omnes), também manteve esse entendimento, ao considerar constitucional o art. 280 C, §1°, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Roraima. Para evitar remissão excessiva, confira se íntegra dessa regra:
"Art. 280-C. Caberá à Comissão Especial a emissão de parecer sobre a autorização para instauração de processo por crime de responsabilidade contra o Governador, o Vice Governador ou os Secretários de Estado. (Incluído pela Resolução nº 017, de 2016).
§1° A Comissão será constituída de um quarto da composição da Assembleia Legislativa e eleita na mesma sessão em que se fizer a leitura da denúncia, por deliberação da maioria absoluta dos seus membros, em votação aberta, obedecida a proporcionalidade das representações partidárias ou dos blocos parlamentares, vedada a apresentação de candidatura ou chapa avulsas.
(Incluído pela Resolução nº 017, de 2016)." (STF, ADI 5895/RR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 27.9.2019; grifou-se)
88. Como se observa do excerto supracitado, o Regimento Interno da unidade federativa referenciada foi considerado legal porque repetiu a regência da Lei Federal nº 1079/1950, à luz da CF/88 e da SV 46. A contrario sensu, a ALERJ não poderia ter alterado o rito de regência federal que prevê o obrigatoriedade da eleição para a formação da Comissão Especial do Impeachment.
89. Assim, o impetrante possui direito líquido e certo, com provas já pré-constituídas, razão pela qual confia em que esse e. Órgão Especial afastará a aplicação do Ato 41/2020 do Presidente da ALERJ, para determinar que as autoridades coatoras votem, expressamente, de forma aberta, ainda que simbólica, quais serão os membros da ALERJ que comporão a Comissão Especial de Impeachment.
TERCEIRO MOTIVO:
PRESIDENTE DA ALERJ NÃO INDICOU QUANTIDADE DE MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT E NEM A LIMITOU 1/4 DOS MEMBROS DA ALERJ
90. Arrebatada pelo momento pandêmico vivenciado e na ânsia de dar agilidade ao processo de Impeachment contra o impetrante, a ALERJ atropelou o procedimento em mais um aspecto. Ao exarar o Ato 41/2020, o Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, dentre outras determinações, estabeleceu, logo como primeiro ato, "abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial". Ou seja, tal como prevê o art. 19 da Lei 1.079/50, determinou-se a criação de uma Comissão Especial que, segundo o Ato, foi formada pela indicação de um membro por cada um dos líderes de cada partido:
"Art. 1º Abrir o prazo de quarenta e oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir Parecer sobre a Denúncia por contra o
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada no processo ALERJ nº 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança, o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária."
91. Não obstante a exatidão em determinar a formação da Comissão Especial de Impeachment, esse Ato não observou as formalidades necessárias previstas no próprio Regimento Interno da ALERJ. Dele há previsão do art. 29 o qual dispõe que o ato que institui a referida comissão deve indicar, além da finalidade, o número dos membros que a compõe:
"Art. 29. As comissões especiais são constituídas para fins predeterminados, por proposta da Mesa Diretora ou a requerimento de um décimo dos Deputados, com aprovação do Plenário.
§1º. O requerimento para constituição de comissão especial, submetido à discussão e votação únicas, decorridas vinte e quatro horas de sua apresentação, deverá indicar, desde logo:
I - finalidade; II - número de membros; III - prazo de funcionamento"
92. Nessa linha, deveria ter constado do ato o número de membros da Comissão Especial de Impeachment. E esse número deveria ser equivalente a um quarto do número dos membros da ALERJ, como definido no parágrafo 1º do art. 280-C do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima. Foi exatamente essa a determinação referendada pelo STF ao julgar a ADI 5895.
93. Para que se faça ainda mais claro, como o Regimento Interno da ALERJ não especifica o número de membros que deve ter a Comissão Especial para o processamento dos crimes de responsabilidade do Governador, deve-se adotar o parâmetro estabelecido no parágrafo 1º do art. 280-C do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Roraima, que dispõe que "a Comissão será constituída de um quarto da composição da Assembleia Legislativa". Confira-se a íntegra dessa regra:
"Art. 280-C. Caberá à Comissão Especial a emissão de parecer sobre a autorização para instauração de processo por crime de responsabilidade contra o Governador, o Vice-Governador ou os Secretários de Estado.
§1º A Comissão será constituída de um quarto da composição da Assembleia Legislativa e eleita na mesma sessão em que se fizer a leitura da denúncia, por deliberação da maioria absoluta dos seus membros, em votação aberta, obedecida a proporcionalidade das representações partidárias ou dos blocos parlamentares, vedada a apresentação de candidatura ou chapa avulsas." (grifou-se)
94. Com base nessa regra, como a ALERJ é composta por 70 (setenta) deputados estaduais22, a Comissão Especial de Impeachment deveria ser composta por 25% (ou 1/4) desse número, o que seria equivalente a 17 (dezessete) ou 18 (dezoito) membros no máximo (considerando que o cálculo não chega a número certo - dá 17,6). Pontue-se que a norma não fala em "ao menos" 25%, mas em exatos 1/4 do número de membros da Assembleia Legislativa. Acima desse montante também não pode ser considerado em consonância com o compreendido pelo STF.
95. No entanto, como dito, a Comissão Especial de Impeachment formada para os processos administrativos objeto deste mandado de segurança é composta por 25 (vinte e cinco) Deputados Estaduais. Isso porque, em cumprimento ao Ato 41/2020, é constituída por 1 (um) membro de cada um dos 25 (vinte e cinco) partidos com representação na ALERJ ( doc. 4 e doc. 5).
96. Em síntese, não foi respeitado o quantitativo definido pelo STF, ao julgar a ADI 5895/RR, de um quarto dos membros da ALERJ (ao invés de 25, deveria ser formada por 17 ou 18 deputados estaduais). Eis, portanto, mais um equívoco na formação da Comissão Especial de Impeachment do impetrante, a inquinar de ilegal o ato coator.
QUARTO MOTIVO:
A FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT
DESRESPEITOU A PROPORCIONALIDADE
97. Na linha do tópico anterior, há, ainda, mais um ponto que não foi observada pela ALERJ ao compor a Comissão Especial de Impeachment: a necessária proporcionalidade partidária. Como já pontuado, através do Ato 41/2020 (doc. 4), foi determinado que "cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes (...) indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial". Consequentemente, a comissão foi formada por um representante de cada partido.
98. Deve-se observar, no entanto, que o art. 23 do Regimento Interno da ALERJ dispõe que na composição das comissões "deve ser obedecida, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária". Essa previsão reflete o previsto no art. 19 da Lei 1.079/50, que estabelece, igualmente, a necessidade de ser observada a proporcionalidade partidária:
Regimento Interno da ALERJ:
Art. 23. Na composição das comissões permanentes e temporárias deve ser obedecida, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária, a qual se define como o número de lugares reservados aos partidos em cada comissão.
Lei 1.079/50:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.
99. O fato de a comissão ser composta por representantes de todos os partidos que compõem a ALERJ, embora garanta a representatividade partidária de todos os partidos, não atende ao princípio constitucional da proporcionalidade partidária. Como consta do próprio site do Congresso Nacional, proporcionalidade partidária é o "princípio segundo o qual a representação dos partidos políticos e dos blocos parlamentares na Casa Legislativa deve ser reproduzida proporcionalmente, tanto quanto possível, na composição da Mesa Diretora, das comissões e de outros órgãos colegiados fracionários que a integram".
Desta forma, há flagrante violação ao princípio constitucional da proporcionalidade da composição partidária e, outrossim, existe visível mácula aos arts. 19 e 76 da Lei nº 1079/50, o que nulifica todos os atos executivos praticados pela Comissão Processante, com flagrante prejuízo ao impetrante. Diga-se, ademais, que os dispositivos constitucional e legal fulminados pela ALERJ não podem ser albergados sob a égide da "soberania do Parlamento" e nem interpretados como matéria interna corporis porque atos inconstitucionais e ilegais não são convalidáveis ao arrepio de normas reguladores que dispõem sobre o funcionamento do processo de Impeachment.
Esse princípio da proporcionalidade, aliás, decorre da necessidade de ser garantida a vontade popular, refletida na composição das Casas Legislativas, nos demais órgãos fracionados que a integram. Atender o princípio da proporcionalidade partidária na formação de comissões não significa garantir a presença de representantes de todos os partidos que compõem aquela legislatura, mas, sim, garantir que seja ali refletida, na mesma proporção, a representação dos partidos na Assembleia Legislativa, a fim de que esses órgãos não destoem da vontade dos eleitores que compuseram a Casa Legislativa. É nesse sentido que dispõe a CF/88 e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Confira-se:
Constituição do Estado do Rio de Janeiro:
Art. 109. A Assembleia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos Regimento ou ato legislativo de sua criação. § 1º Na constituição da Mesa Diretora e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares com participação na Assembleia Legislativa.
Constituição Federal:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.
Nessa linha, por exemplo, se um partido detém 20% de participação na Assembleia Legislativa, deve ele deter os mesmos 20% de participação no âmbito das suas comissões. Da mesma forma, um partido que detenha pouca participação na casa legislativa, deterá pouca participação no órgão fracionado, mesmo que isso signifique a ausência da sua representação. Exatamente por essa possibilidade é que todas as normas que versam sobre proporcionalidade partidária dispõem que a observação do princípio deve ocorrer "tanto quanto possível".
Sobre esse aspecto, o Regimento Interno da ALERJ dispõe, no art. 23, que "na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar". Da leitura desse dispositivo torna-se claro que o atendimento à proporcionalidade partidária não exige a inclusão de todos os partidos. Ainda que não seja possível a inclusão de todos os partidos - o que, pelo número limitado de lugares nas Comissões, não será - a participação da minoria deverá ser assegurada.
Outro exemplo: a Comissão Especial formada na Câmara dos Deputados na ocasião da instauração do processo de Impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT). Em 2015, foram empossados para mandato na Câmara dos Deputados, para a 55ª legislatura, 513 (quinhentos e treze) deputados de 28 (vinte e oito) partidos24. Para a formação da Comissão Especial, composta por 65 (sessenta e cinco) deputados federais, apenas continha deputados de 24 (vinte e quatro) partidos. Ademais, os partidos com maior representação na Câmara, como o PMDB e o PT, tinham participação maior que os partidos com menor representação. Confira a lista dos membros divididos por partido:
O que se evidencia, portanto, é que a proporcionalidade partidária não é alcançada meramente pela presença de todos os partidos na Comissão, como fez a ALERJ, mas, na verdade, pela representatividade equânime (e proporcional, passe o truísmo) de membros dos partidos existentes na Casa Legislativa. O objetivo é o de que aquele órgão fracionado, integrante da Casa Legislativa, reflita a vontade dos eleitores que a compuseram.
Como mencionado, na Comissão Especial, como formada hoje, com 25 (vinte e cinco) participantes, cada partido possui participação idêntica de 4%. Contudo, a participação desses 25 (vinte e cinco) partidos na ALERJ não é equânime, como se apresenta na Comissão Especial. Conforme consta do próprio site da ALERJ, os 70 (setenta) deputados estaduais, que compõem atualmente a ALERJ, estão distribuídos, ente os 25 (vinte e cinco) partidos, gerando a seguinte representatividade partidária:
O que se evidencia é que na atual formação da Comissão Especial não foi atendida a proporcionalidade partidária, na medida em que estão ali igualmente representados, tanto os partidos com representação expressiva na ALERJ quanto os que detém mínima. Tome-se, por exemplo, o PSL, que detém 12,86% da ALERJ, mas, na comissão, representa apenas 4% dos seus membros. Ao passo que partidos com 1,43% de representação na ALERJ acima mencionados estão com os mesmos 4% de participação na Comissão. Essa conta não fecha; a representação partidária na Comissão não reflete, como deveria, a composição da Casa Legislativa.
Nem se diga que, dentro dessa realidade, a minoria não teria representação na comissão. Isso porque, considerando que 15 (quinze) partidos detém menos de 3% dos membros da ALERJ, eles, conjuntamente, representam quase 30% da Casa Legislativa. Por óbvio, esses 30% terão participação na Comissão Especial mesmo que não seja possível a participação de todos os partidos individualmente. Exatamente para abranger essas hipóteses que as normas que dispõem a respeito da proporcionalidade partidária possuírem a ressalva de que o princípio deve ser atendido "tanto quanto possível".
Sobre esse aspecto, o Regimento Interno Câmara dos Deputados dispõe, no art. 23, que "na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar". Da leitura desse dispositivo torna se claro que o atendimento à proporcionalidade partidária não exige a inclusão de todos os partidos. Ainda que não seja possível a inclusão de todos os partidos - o que, pelo número limitado de lugares nas Comissões, não será - a participação da minoria deverá ser - e será - assegurada.
O prestígio do critério da proporcionalidade constitui autêntico direito subjetivo e respeito ao princípio democrático. Como funciona de acordo com o número de membros de cada legenda na Casa Legislativa, está diretamente relacionado à força da representatividade popular. De tal forma, repita se, aplicável "tanto quanto possível", como assim disposto no citado Ato nº 41/2020 e não sendo alcançado tal princípio meramente pela presença de todos os partidos na Comissão.
Formar uma comissão de outra forma, pois, significa desrespeitar a vontade popular, pilar do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput). A doutrina ainda explica o seguinte:
"A Constituição da República (Art. 58, §1o), tanto quanto possível, assegura a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares junto às Comissões, com o propósito de preservar o princípio democrático e pluralista, além de homenagear o aspecto partidário da democracia brasileira. Com o viés de criar procedimentos para conferir maior efetividade ao processo legislativo, bem como de valorizar os órgãos técnicos, o Constituinte de 1988 atribuiu poderes às Comissões Parlamentares (art. 58, § 2o da C.R.) para substituir o Plenário nas deliberações dos projetos de leis."25
Não há dúvida, portanto, do direito líquido e certo do impetrante, de ser julgado na forma prevista na lei, que dá representatividade proporcional na citada comissão, tendo em vista que a sua formação desrespeita não só o número de componentes (como compreendido pelo STF), como também o princípio constitucional e a regra legal da proporcionalidade partidária.
QUINTO MOTIVO:
INSTITUÍDA, A COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT NÃO ELABOROU PARECER INICIAL PARA DELIMITAR EXATAMENTE AS DENÚNCIAS
Diga-se, por fim, que ainda há um quinto motivo para a segurança ser concedida ao impetrante, ainda que analisado isoladamente. Isso porque, além de não ter havido votação para a instituição da Comissão Especial de Impeachment e o desrespeito ao número de membros da ALERJ que a compõe e a proporcionalidade entre eles, essa comissão adotou ilegal conduta omissiva.
Segundo constou do Ato 41/2020 exarado pelo Presidente da ALERJ (doc. 4), depois que a referida comissão fosse instituída, o impetrante seria citado para apresentar defesa em até 10 sessões parlamentares. No entanto, após a instituição, mas antes da citação, a comissão deveria elaborar um parecer inicial. E a razão desse parecer é singela: ele nortearia, num filtro técnico de admissibilidade, a ampla defesa e o contraditório a ser exercido pelo impetrante, porque delimitaria, exatamente, o escopo das denúncias objeto deste mandado de segurança.
Foi exatamente esse o rito delimitado pelo STF ao julgar a ADI 5.895/RR. Essa formalidade se perfaz exatamente no art. 280-C, caput, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima. Para evitar transcrição excessiva, os trechos do voto do STF, inclusive com essa regra, já foram transcritos no tópico desta petição inicial referente ao "PRIMEIRO MOTIVO". Somente para facilitar a análise, essa regra dispõe o seguinte:
"Art. 280-C. Caberá à Comissão Especial a emissão de parecer sobre a autorização para instauração de processo por crime de responsabilidade contra o Governador, o Vice-Governador ou os Secretários de Estado. (Incluído pela Resolução nº 017, de 2016)." (grifou-se)
Aliás, o próprio parecer da Procuradoria da ALERJ, referendado na sessão do dia 6.7.2020 (doc. 2), faz clara alusão à necessidade de se delimitar especificamente a denúncia feita contra o impetrante,
especialmente à luz do precedente do STF que decidiu a ADPF 378 MC. Mas até o momento, além da ausência do parecer inicial, o impetrante ainda não possui absoluta certeza de quais serão exatamente os fatos que ser objeto das denúncias objeto dos processos administrativos os quais o impetrante neste mandado de segurança pretende ver suspensos/anulados.
Nem alegue que o parecer inicial, de incumbência da Comissão Especial de Impeachment, seria o referido parecer apresentado pela Procuradoria da ALERJ. Se, eventualmente, algum impetrado assim alegar, então o impetrante realmente estará convicto de que todo o processo está eivado de vícios. Isso porque, se assim ocorrer, então o impetrante não saberá, exatamente, quais fatos prevalecem no prosseguimento do processo: os fatos descritos nas petições iniciais das 2 (duas) denúncias? Os fatos que constaram do parecer da Procuradoria da ALERJ? Os 2 (dois)?
É evidente que a conduta omissiva da Comissão Especial de Impeachment criou mais um relevante problema processual. As denúncias revestem-se, pois, de elementos de dubiedade. E denúncias dúbias, ou ambíguas, são nulas. Quais, efetivamente, hoje, os fatos imputados ao denunciado? Do que ele deverá se defender? Daqueles constantes da peça inicial? Daqueles do parecer apresentado e ratificado? Há imprecisões entre ambos.
A exigência de elaboração de parecer prévio é peça indispensável para a motivação dos atos legislativos e de formação de convicção prévia parlamentar, ainda que seja ato processual perfunctório, de instauração de processo de crime de responsabilidade. Isso porque tem incalculável repercussão nos direitos subjetivos do impetrante, ainda que não haja imputação de direta de culpa.
É evidente que há violação a direito líquido e certo do impetrante no prosseguimento das denúncias em curso na ALERJ, sem que previamente ele tenha a oportunidade de ter acesso ao parecer inicial da ilegal Comissão Especial de Impeachment. Isso, evidentemente, vulnera as suas garantias fundamentais ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, consagrados na Constituição Federal (assegurados no art. 5º, LIV e LV).
Por mais essas circunstâncias, confia o impetrante em que será concedida a segurança, com vistas a assegurar o seu direito líquido e certo de apresentar defesa tão somente após a Comissão Especial de Impeachment elaborar parecer inicial, que deve conter ao menos quais fatos exatamente o impetrante será investigado e eventualmente punido, de modo a que seja garantido o seu direito de defesa substantivo, em respeito às garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
TUTELA DE URGÊNCIA IMPOSITIVA
O art. 7o, III, da Lei no 12.061/2009 possibilita ao magistrado, ao receber a petição inicial do mandado de segurança, determinar a suspensão da eficácia do ato coator, desde que demonstrados, cumulativamente, fundamentos relevantes (fumus boni iuris) e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida (periculum in mora). E há, no caso, farto respaldo fático jurídico a justificar a concessão desse provimento de urgência.
123. Em síntese, como demonstrado, por meio de documentos idôneos:
no dia 10.6.2020, mesmo sem a indispensável documentação de suporte, a ALERJ decidiu que as denúncias feitas contra o impetrante, objeto deste mandado de segurança, deveriam prosseguir. Diante dessa evidente violação às garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, o impetrante requereu à ALERJ, no dia 22.6.2020, que a ele fosse ao menos concedido o direito de ter acesso à íntegra dos documentos que deveriam dar lastro à denúncia. No dia 23.6.2020, a ALERJ deferiu a suspensão dos processos administrativos, para tentar acesso aos documentos. Poucos dias depois o STJ negou tal pleito. No dia 6.7.2020, o impetrante soube que a ALERJ decidiu que as denúncias prosseguirão, e que os referidos documentos instruirão o processo só na sua eventual fase jurídica, pressupondo se, então, que a denúncia será recebida, sem a apresentação de qualquer prova. A encenação que este procedimento simboliza é patente; o simulacro de devido processo é ululante; e o arbítrio de um desejo político já encomendado é gritante. Tudo isso, com efeito, tornou manifesto o intuito de vendeta da ALERJ contra o impetrante; A ALERJ, com efeito, se colocou acima de todas as garantias basilares de qualquer processo; o processo, pois, é nulo;
Com base nos acórdãos do STF que julgaram a ADPF 378 MC/DF (em 2015, Impeachment "Dilma Rousseff") e a ADI 5.895/RR (em 2019, Impeachment "Governadora de Roraima"), a formação final formal (ou instituição) da Comissão Especial de Impeachment deve ser submetida à votação aberta, ainda que simbólica, com veiculação no Diário Oficial. Mas nada disso aconteceu aqui no caso do impetrante. Aliás, nem sequer houve votação no caso. Os líderes de cada partido da ALERJ indicaram um membro e, com isso, automaticamente, a comissão foi instituída;
Tal como já decidido pelo STF, ao julgar a ADI 5.895/RR, a Comissão Especial, formada para instruir o prosseguimento de denúncia de Impeachment contra Governador, deve possuir 1/4 dos membros da Assembleia Legislativa. Mas o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ, ao definir como seria composta a Comissão Especial de Impeachment do caso do impetrante, não delimitou que deveria ser composta por 1/4 dos deputados da ALERJ (ou 18, porque a ALERJ possui um total de 70). Diante dessa ilegalidade, a comissão instituída possui 25 membros da ALERJ;
Esses 25 membros são exatamente a soma de 1 deputado escolhido pelo líder de cada partido que possui representação na ALERJ. Mas, à luz dos votos que decidiram a ADPF 378 MC/DF e a ADI 5.895/RR, essa comissão deveria respeitar a proporcionalidade/representatividade partidária, tanto quanto possível. Os percentuais dos membros de cada partido da ALERJ são facilmente aferíveis do próprio site da ALERJ; e à luz do acórdão do STF que decidiu a ADI 5.895/RR, a Comissão Especial de Impeachment deve exarar um parecer inicial para que as denúncias sejam devidamente esmiuçadas/esclarecidas para, só depois, citar o denunciado. Mas, no caso, a comissão do caso do impetrante não procedeu dessa forma, na medida em que não há parecer algum (na verdade, como dito acima, sequer há documentos necessários que poderiam dar algum lastro às denúncias).
124. O fumus boni iuris decorre, pois, da inobservância manifesta, por parte das autoridades coatoras, dentre outros, dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legislativo e da publicidade, ao prosseguirem com as denúncias objeto do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ. Violou se pelos 5 (cinco) motivos demonstrados ao longo desta petição inicial, a CF/88, a Súmula Vinculante 46, a Lei nº 1.079/1.950, com as delimitações já feitas pelo STF ao julgar a ADPF 378 MC/DF e a ADI 5.895/RR.
125. A gravidade da afronta aos preceitos fundamentais fala por si mesma. A Casa Legislativa de representação popular estará à frente de um processo de Impeachment eivado de vícios processuais e sob evidentes máculas a inúmeras garantias constitucionais (cláusulas pétreas constitucionais).
Note-se, nessa linha, que definir o rito é definir o texto da lei do processo. Sem isso, nenhum passo pode ser dado. Se, não obstante, o procedimento seguir mesmo assim, ele seguirá, então, por caminho próprio, insuflado, quiçá, por ventos políticos, quiçá, por ventos do arbítrio, mas não pela bitola da lei. Seguirá, enfim, no escuro, e não sob a luz da lei. Tudo não passaria, então, de um simulacro de processo, travestido em mera formalidade externa, marcada por uma sequência ad hoc de atos para se chegar, por derradeiro, ao fim já traçado.
Mas Direito não é fim, ainda mais quando se trata de direito punitivo. Direito é meio. Se o meio não é legal, o fim, seja ele qual for, é ilícito. Direito, lembrava Scalia, é essencialmente forma; ela é que legitima o conteúdo; os meios é que legitimam os fins. Essa é a essência do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Essa é a essência do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º). E devido processo legal, contraditório e ampla defesa integram o núcleo duro do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).
Definir o rito, portanto, sem vícios legais, é definir o texto; e definir o texto, é definir, de antemão, qual será a lei aplicável. Afinal, seguir o rito, é seguir o texto; e ser fiel ao texto, é ser fiel à lei. No caso, essas definições elementares foram violadas. Tudo isso já foi definido pelo e. STF. Mas a ALERJ destoou da liturgia ali chancelada em vários aspectos.
O periculum in mora, por sua vez, também se faz presente. Afinal, o prazo da suspensão do processo terminou com a sessão da ALERJ ocorrida no dia 6.7.2020, segunda-feira. Nessa ocasião, como a ALERJ decidiu que os processos administrativos objeto deste mandado de segurança prosseguirão, o prazo de 10 sessões parlamentares para o impetrante apresentar defesa começou a fluir a partir do dia 8.7.2020, quarta-feira (data na qual foi veiculada no Diário Oficial a decisão da ALERJ), cjujo prazo chega a termo no dia 29.7.2020, quarta-feira.
Mas como um processo tão relevante, notadamente à sociedade carioca, poderia prosseguir eivado de tantas inconstitucionalidades/ilegalidades? Essa resposta, no dia 6.7.2020, foi respondida pela ALERJ: não obstante a completa/integral ausência de provas, e as demais ilegalidades acima apontadas, as denúncias objeto deste processo prosseguirão; do jeito que a ALERJ decidiu nesse dia, eventuais documentos somente serão apresentados na próxima fase (na jurídica), na qual o impetrante já estará afastado do cargo.
Em outras palavras, o periculum in mora se baseia no prosseguimento das denúncias com o prazo da defesa e o possível impedimento do representante eleito (na verdade, o recebimento da denúncia já foi anunciado pela ALERJ na sessão do dia 6.7.2020; lamentável). Isso viola, diretamente, o próprio resultado do processo eleitoral e a força da soberania popular. O processo, desde o início é nulo, por nulidades insanáveis e inconvalidáveis, que se comunicam aos atos posteriores.
Não há, por outro lado, nenhum perigo de dano inverso. Fazer com que o devido processo legal seja respeitado, na forma já explicitada, no pior cenário, apenas retardará por pouco tempo o curso destes procedimentos, até que seja devidamente instruído e sejam ajustadas as condutas aos termos da lei. Nada além.
Qual prejuízo terá a assembleia ou a sociedade fluminense, se os procedimentos de Impeachment vierem a ser retardados por umas poucas semanas ou até por um mês ou outro, para que sejam respeitados dogmas constitucionais tão caros à democracia, como o contraditório e a ampla defesa? E veja se que os vícios apontados são todos, sem exceção, sanáveis. Dir se ia até: fáceis de serem corrigidos.
O que custa às autoridades coatoras juntar as provas da acusação aos autos, antes de abrir o prazo para defesa, ao menos, antes de julgar? O que impede de formar a Comissão Especial de Impeachment, obedecida a proporcionalidade representativa, prevista na constituição e na lei? Nada, absolutamente nada, a não ser o açodamento e a precipitação da realização do interesse político momentâneo. Em verdade, corrigir as ilegalidades ora apontadas, desde logo, trará a estes processos mais segurança jurídica e, por conseguinte, legitimidade.
Conquanto o impetrante e seus patronos reconheçam a soberania do Parlamento, conforme proclamaram John Locke27 e Montesquieu28, nesse momento é fundamental a suspensão dos processos administrativos enquanto os vícios objeto deste mandado de segurança não forem sanados. O processo de impedimento decorre da prática de atos vinculados à legislação procedimental sem que haja qualquer espaço para o "ativismo parlamentar".
E a necessidade de deferimento de liminar de imediato se justifica, na medida em que o prazo para defesa do impetrante já está em curso e chegará a termo em 29.7.2020. Cada dia que passa, menos prazo o impetrante dispõe para apresentar sua defesa regular, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Por isso, o impetrante requer a V. Exa. a concessão de tutela de urgência, inaudita altera parte, para determinar que as autoridades coatoras abstenham-se de retomar o prosseguimento das denúncias objeto do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ: i) sem antes instruir adequadamente as denúncias, com as provas da acusação, para somente então o prosseguimento delas ser apreciado, ii) bem como para instituir uma Comissão Especial de Impeachment de forma adequada (deve haver votação aberta ainda que simbólica + 1/4 dos membros da ALERJ + membros eleitos com respeito à proporcionalidade partidária), que depois deverá elaborar um parecer inicial, no qual deverá conter, no mínimo, os fatos exatos sobre os quais o impetrante será investigado, para somente depois o impetrante ser citado para apresentar a sua defesa. Essa é a forma de se assegurar, até o momento, o direito líquido e certo do impetrante ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório, à legalidade e à publicidade dos atos públicos, como.
(...)" (grifos originais)
Por fim, o impetrante conclui o mandado de segurança, manifestando confiança de que lhe será concedida a medida liminar postulada e, na oportunidade, requer ainda a notificação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e demais integrantes do polo passivo para que prestem as informações que julgarem convenientes. Solicita, ainda, a intimação da Procuradoria Geral da ALERJ para que ingresse no feito. Em suma: requer, no mérito, a concessão de medida liminar para que sejam anulados todos os atos praticados, nos seguintes termos: "anulação integral ou ao menos após o Ato 41/2020 do Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, quais sejam: i) a indicação dos membros da Comissão Especial de Impeachment; ii) a instituição da Comissão Especial de Impeachment; iii) a votação do Presidente e do Relator da Comissão Especial de Impeachment; iv) a citação do impetrante para apresentar defesa, no prazo de até 10 sessões parlamentares".
VII - DA RESPOSTA OFERECIDA PELA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ AO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO DENUNCIADO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Ao tomar conhecimento do Mandado de Segurança impetrado pela defesa do Chefe do Poder Executivo, a Procuradoria Geral da ALERJ, espontaneamente, através do Ofício PGPR nº 33/2020, datado de 14 de julho de 2020, protocolou resposta nos termos que se seguem:
"(...)
FATOS
O Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Doutor WILSON JOSÉ WITZEL, impetrou este Mandado de Segurança alegando, em síntese, defeito na instalação e na composição da Comissão Especial destinada a oferecer parecer quanto à Denúncia formulada contra o insigne Impetrante pelos Excelentíssimos Senhores Deputados Luiz Paulo e Lucinha em virtude de alegado cometimento de crime de responsabilidade, bem como a nulidade de uma suposta decisão colegiada que, em 10 de junho de 2020 teria decidido o prosseguimento de tal ação por crime de responsabilidade.
SÚMULA VINCULANTE N° 46
Os Impetrados concordam plenamente que a tipificação e o processo por crime de responsabilidade, à luz do Verbete n° 46 da Súmula Vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal só podem ser feitos por lei federal.
Tal verbete sumular vinculante tem a seguinte redação:
"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União." (grifou-se)
Exatamente por isso, os Impetrados se pautam quanto ao processo por crime por responsabilidade, exclusivamente, pela Lei federal n° 1.079/1950 e pelo venerando Acórdão que julgou o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 378 DF, doravante mencionado por sua célebre sigla "ADPF" e publicado no Diário de Justiça eletrônico de 8 de março de 2016.
Em outras palavras: nenhum regimento interno - nem o do próprio Parlamento fluminense, ora impetrado, nem o da Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima - foi utilizado como parâmetro no processo por crime de responsabilidade. Isso seria juridicamente impossível porque, nos termos do pré falado Verbete n° 46 da Súmula Vinculante do Pretório Excelso, as normas de processo e julgamento por crime de responsabilidade são de competência legislativa privativa da União.
Aliás, como Impeachment de governador de Estado só pode ser regulado por lei federal, os Impetrados elogiam e subscrevem a citação do saudoso ex-Senador da República, ex-Ministro de Estado e ex-Ministro do Colendo Supremo Tribunal Federal, Professor Doutor Paulo Brossard, no sentido de "o fato de ser o Impeachment processo político não significa que ele deva ou possa marchar à margem da lei" (grifou-se).
Indubitavelmente! Todo processo de Impeachment deve marchar de acordo com a lei. Todavia, não basta ser lei: deve ser lei federal, a qual, seja processo por crime de responsabilidade federal, seja estadual, deve ser a Lei federal n° 1.079/1950.
INTERNA CORPORIS?
Em absolutamente nenhum momento os Impetrados invocaram a doutrina de ato interna corporis no processo por crime de responsabilidade.
Desde o início do processo por crime de responsabilidade, os Impetrados, nos termos do pré-falado verbete sumular vinculante, recusaram a incidência de normas regimentais fluminenses - e, evidentemente, também de normas regimentais roraimenses... - a fim de, exclusivamente, utilizarem a Lei federal n° 1.079/1950 e o supramencionado Acórdão decorrente do julgamento do mérito da ADPF n° 378-DF.
Assim, não se pode compreender, com todas as vênias devidas, o porquê de o insigne Impetrante preocupar-se tanto em afirmar que não se cuida de ato interna corporis.
ADPF n° 378-DF
Anexado a estas Informações, junta-se o inteiro teor do venerando Acórdão decorrente do julgamento do mérito da ADPF n° 378-DF.
Os Impetrados, aliás, elogiam e subscrevem a citação da ADPF n° 378 DF, ressalvando que a menção a trecho daquele venerando Acórdão pode não permitir sua integral compreensão.
No venerando Acórdão, há várias menções a "bloco parlamentar". Posto que a Augusta Câmara dos Deputados, composta por quinhentos e treze Excelentíssimos Senhores Deputados Federais, tenha organizado Blocos Parlamentares, o Parlamento fluminense não formou nenhum bloco parlamentar.
O bloco parlamentar não é uma instituição regimental: é constitucional, porque prevista no art. 58, § 1°, da Lei Maior e no art. 109, § 1°, da Carta do Estado.
O bloco parlamentar é, em determinado Parlamento e durante determinada Legislatura, a reunião, perante o correspondente plenário e as respetivas comissões, de dois ou mais partidos políticos com a finalidade de aumentar a representatividade, perante a Casa Legislativa, de determinadas ideias políticas. Destarte, a instituição de bloco parlamentar é uma decisão de partidos políticos destinada a facilitar a consecução dos elevados objetivos políticos comuns no que tange as suas atividades finalísticas: a atuação política perante o plenário e as comissões.
Repita-se: na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, nesta 12ª Legislatura, pelo menos por ora, não há nenhum bloco parlamentar formado. Em virtude de não haver blocos parlamentares na Impetrada, não se destacarão os trechos do venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF que mencionem os blocos parlamentares da Augusta Câmara dos Deputados.
ESCOLHA DA COMISSÃO ESPECIAL
O trecho destacado na primeira folha da primorosa Inicial, ora transcrito sem nenhum grifo e encontrável na página 10 do venerando Acórdão, é:
"13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão especial do Impeachment, esta somente pode se dar por escrutínio aberto."
Em primeiro lugar, os Impetrados repetirão a transcrição - com a qual concordam e ora subscrevem - permitindo-se, apenas, o grifo da parte essencial:
"13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão especial do Impeachment, esta somente pode-se dar por escrutínio aberto." (grifou-se)
Como se vê, o trecho da ementa do venerando Acórdão estabelece que, se houver votação para formação da comissão especial, então ela deverá ser aberta. Todavia, esse tipo de escrutínio deve ocorrer se houver votação.
Como o venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF tem quatrocentas e três páginas, destacar-se-ão os trechos que abordam a "forma de votação" para formação da comissão especial. Na página 2 do venerando Acórdão, lê-se:
"2. A cautelar incidental requerida diz respeito à forma de votação (secreta ou aberta) e ao tipo de candidatura (indicação pelo líder ou candidatura avulsa) dos membros da Comissão Especial na Câmara dos Deputados. A formação da referida Comissão foi questionada na inicial, ainda que sob outro prisma. Interpretação da inicial de modo a conferir maior efetividade ao pronunciamento judicial. Pedido cautelar incidental que pode ser recebido, inclusive, como aditamento à inicial. Inocorrência de violação ao princípio do juiz natural, pois a ADPF foi à livre distribuição e os pedidos da cautelar incidental são abrangidos pelos pleitos da inicial." (grifos acrescidos)
Por ora, observe-se que no precedente do Caso Dilma, a própria ADPF n° 378 DF, debateram-se, quanto à formação da comissão especial, duas questões: a) se, havendo votação para a comissão especial, ela seria aberta ou secreta; b) se seriam permitidas candidaturas avulsas ou somente as indicadas pelos eminentes Líderes partidários.
Lendo mais, agora na página 5 do venerando Acórdão:
"4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia partidária. Em rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para o rito de Impeachment em curso, contudo, não se considera inválida a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde que limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas. Procedência do pedido.
A VOTAÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOMENTE PODE SE DAR POR VOTO ABERTO (CAUTELAR INCIDENTAL): No Impeachment, todas as votações devem ser abertas, de modo a permitir maior transparência, controle dos representantes e legitimação do processo. No silêncio da Constituição, da Lei nº 1.079/1950 e do Regimento Interno sobre a forma de votação, não é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para a Comissão Especial de Impeachment. Em uma democracia, a regra é a publicidade das votações. O escrutínio secreto somente pode ter lugar em hipóteses excepcionais e especificamente previstas. Além disso, o sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível. Nesse caso, não se pode invocar como justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a liberdade e independência dos congressistas, afastando a possibilidade de ingerências indevidas. Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece o controle popular sobre os representantes, em violação aos princípios democrático, representativo e republicano. Por fim, a votação aberta (simbólica) foi adotada para a composição da Comissão Especial no processo de Impeachment de Collor, de modo que a manutenção do mesmo rito seguido em 1992 contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do procedimento." (grifos acrescidos)
Aqui, o ponto essencial: os representantes de cada Partido Político na Comissão Especial devem ser indicados pelos respetivos Líderes o que permite concluir que, nos termos do venerando Acórdão, em "rigor, portanto, a hipótese não é de eleição". Em verdade, se fosse permitida uma rigorosa eleição dos membros da Comissão Especial, partidos políticos com pequenas bancadas poderiam ser derrotados e seus membros rejeitados, o que, novamente nos termos do venerando Acórdão, implicaria "violação à autonomia partidária".
Lendo um pouco mais, depara-se com o já transcrito parágrafo na página 10 do venerando Acórdão:
"12. Cautelar incidental (candidatura avulsa): concessão integral para declarar que não é possível a formação da comissão especial a partir de candidaturas avulsas, de modo que eventual eleição pelo Plenário da Câmara limite-se a confirmar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos; e
Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão especial do Impeachment, esta somente pode se dar por escrutínio aberto." (grifos acrescidos)
Na página 12 do venerando Acórdão, mais uma vez se reafirma que, havendo votação para formação da comissão especial, além de o escrutínio dever ser aberto não se admitirão candidaturas avulsas. Confira-se:
"Quanto à cautelar incidental (candidatura avulsa), por maioria, em deferir integralmente o pedido para declarar que não é possível a formação de comissão especial a partir de candidaturas avulsas, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Quanto à cautelar incidental (forma de votação), por maioria, em deferir integralmente o pedido para reconhecer que a eleição da comissão especial somente pode se dar por voto aberto, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello." (grifos acrescidos)
Nas páginas 27 e 28, leem-se os seguintes trechos essenciais à compreensão histórica do venerando Acórdão:
"Em 09.12.2015, em virtude da concessão do pedido liminar, a Presidência da Câmara dos Deputados prestou informações complementares e requereu a imediata revogação da liminar (eDOC 51), aduzindo que:
(...)
em virtude da ausência de pacificação nas bancadas no tocante às indicações oficiais dos partidos, a Presidência da Câmara adiou a votação dos integrantes da comissão especial, estabelecendo as regras para que as candidaturas avulsas fossem registradas, tendo como parâmetro os artigos 7º, inciso I e 8º do RICD;
nesse sentido, os deputados que desejassem concorrer deveriam registrar chapas com pelo menos 33 integrantes (metade mais um da composição da comissão especial, respeitando-se a proporcionalidade das bancadas e o número de vagas destinadas a cada partido). Caso fossem registradas chapas incompletas, far se ia eleição suplementar para o preenchimento das vagas restantes; formaram-se duas chapas: uma constituída com os candidatos indicados pelos líderes de partidos e de blocos parlamentares e outra integrada por candidatos avulsos;" (grifos acrescidos)
Chega-se, finalmente, ao ponto crucial para que se compreenda o quadro fático do venerando Acórdão decorrente do julgamento de mérito da ADPF n° 378-DF: no Caso Dilma, havia conflito interno entre as bancadas partidárias e, por força de tais desavenças, o então Presidente da Augusta Câmara dos Deputados editou regras sobre composição de chapas, admitindo candidaturas avulsas.
Todavia, na Impetrada, a composição da Comissão Especial do processo de Impeachment transcorreu em total harmonia, cabendo a cada Líder indicar o representante do respetivo Partido Político. Não ocorreram conflitos partidários, não houve registros de chapas nem candidatos avulsos.
Nas páginas 87 e 88 do venerando Acórdão, lê-se:
"Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a participação de todos os partidos. No caso, seja a indicação feita por líderes a ser submetida à votação perante o Plenário da Câmara dos Deputados, seja a concorrência entre chapas oficial e avulsa, ambas as formas satisfazem os critérios formativos da comissão." (grifos acrescidos)
Assim como já se destacara no trecho da página 10 do venerando Acórdão, a indicação dos membros da Egrégia Comissão Especial por Líderes é, de novo, reputada constitucional.
Entretanto, o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950 tem a seguinte redação:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Então, como essa tal "eleição" deve ser feita? Consulte-se, então, as páginas 139 e 140 do venerando Acórdão:
"'Eleita' pode ter dois sentidos: 'sujeita à votação', ou pode ter o sentido de 'escolhida' - Comissão Especial escolhida. Eu até fui ao Aurélio hoje pela manhã, e a primeira acepção de 'eleita' é 'escolhida', não é 'votada'. Portanto, essa é uma acepção possível, e não só é uma acepção possível, como é a única que faz sentido. Por que ela é a única que faz sentido? É que não há lógica que possa sustentar que os candidatos do partido 'A' que vão integrar a Comissão Especial sejam escolhidos não pelo partido 'A', que eles vão representar, mas pelo Plenário. Não! A indicação tem que ser pelos líderes. Você não pode ter o representante de um partido em uma Comissão eleito pelo Plenário."
Repita-se: o vocábulo "eleita" significa "escolhida"; escolhida pelos Líderes. Simplesmente, não se pode correr o risco de submeter-se a um plenário de Casa Legislativa a aprovação de indicações partidárias: se isso acontecesse, um partido político minoritário jamais escolheria seus membros nas mais importantes comissões parlamentares, marcantemente na Comissão Especial de Impeachment. Como cada partido político, com grande ou minúscula bancada, tem direito a indicar seu representante em comissão especial de Impeachment, admitir-se votação pelo respetivo plenário implicaria tolerar que um partido político minoritário não conseguiria indicar o membro que elegesse - que escolhesse - para tão importante comissão.
A eleição da comissão especial significa, assim, escolha; a escolha se dá pelos respetivos Líderes. Na página 175 do venerando Acórdão, a dúvida é, finalmente, sepultada:
"62. A partir dessa premissa é que se deve examinar o art. 19 da Lei nº 1.079/1950, que prevê uma "comissão especial eleita" para emissão de parecer no rito de Impeachment na Câmara dos Deputados. Restam, assim, duas interpretações possíveis acerca do preceito legal: (i) a expressão 'eleita', nele prevista, implica comissão aprovada por votação do Plenário da Casa, destinada a validar ou não a indicação apresentada pelos líderes partidários; ou, o que me parece mais adequado, (ii) 'eleita' significa apenas escolhida, de maneira que a formação da comissão de Impeachment segue, por completo, o regramento padrão do RI/CD, que é de designação dos membros das Comissões pelos líderes.
Não há sentido na primeira interpretação. Não pode caber ao Plenário da Casa Legislativa escolher os representantes dos partidos ou blocos parlamentares. Tal mecanismo enfraqueceria, sobremaneira, a autonomia partidária e a garantia constitucional de representação proporcional dos partidos nas comissões. Logo, eleita deve significar escolhida, que é, aliás, uma das acepções léxicas possíveis. Portanto, esta é a interpretação que se entende correta e que se propõe seja adotada daqui por diante." (grifos acrescidos)
REPRESENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA COMISSÃO ESPECIAL
Relembre-se, inda mais uma vez, o teor do art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos acrescidos)
A Lei federal n° 1.079/1950 exige que a Comissão Especial do Impeachment seja composta por representantes de todos os Partidos Políticos da respetiva Casa Legislativa.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro é, em obediência ao comando insculpido no caput do art. 27 da Constituição da República, composta por setenta Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, os quais são filiados a vinte e cinco diferentes Partidos Políticos.
Neste ponto, é essencial lembrar-se as regras sobre sistema eleitora, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas aplicáveis aos Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais são normas estabelecidas pela Constituição da República. Em outras palavras, absolutamente nada cabe às Assembleias Legislativas nem mesmo à do Estado de Roraima ou do Rio de Janeiro - quanto aos temas acima mencionados.
Da mesma forma, a composição numérica das vinte e seis Assembleias Legislativas e da Augusta Câmara Legislativa do Distrito Federal é, também, norma estabelecida pela Constituição da República, motivo por que o número de setenta Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais é imposto pelo comando insculpido no caput do art. 27 da Lei Maior.
Fixada a premissa de que o número de Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais é norma estabelecida na Constituição da República, confira-se, de acordo com documento oficial da Secretaria Geral da Mesa Diretora, a composição partidária da Impetrada:
A fim de que se cumpra a regra de um representante por partido político em comissão especial de Impeachment, na Impetrada, ela terá, no mínimo, vinte e cinco Membros, porque, atualmente, há vinte e cinco Partidos Políticos nela representados.
Ocorre que o multicitado Acórdão decorrente do julgamento do mérito da ADPF n° 378 DF pelo Egrégio Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal também determinou a representação de todos os partidos políticos de uma Casa Legislativa em comissão especial de Impeachment.
Na página 87 do venerando Acórdão, leem-se:
"Posto isso, extrai-se do diploma legal dois critérios formativos no que se refere à comissão especial: (i) a eleição de seus membros integrantes; e (ii) a participação em sua composição de representantes de todos os partidos políticos, observada a proporção partidária.
(...)
Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a participação de todos os partidos." (grifos acrescidos)
Em primeiro lugar, se todos os partidos políticos representados numa Casa Legislativa têm direito a vaga em comissão especial de Impeachment, não se pode, previamente, determinar nenhuma fração ou número máximo de tal comissão especial.
Em segundo lugar, a Lei federal n° 1.079 foi publicada em 12 de abril de 1950. Como ela foi promulgada entre 1° de fevereiro de 1947 e 31 de janeiro de 1951, o início de sua vigência ocorreu durante a trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara dos Deputados.
Na pré-falada trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara dos Deputados, havia trezentos e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados Federais divididos, naquela época, entre dez Partidos Políticos. Considerada tal composição político partidária, a garantia de pelo menos um Membro de cada Partido Político em comissão especial de Impeachment talvez implicasse composição menor do que a necessária na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Em terceiro lugar, a Lei federal não determina o número máximo de membros ou a fração da composição plenária que deva ser imposta a comissão especial de Impeachment. Todavia, a Lei federal determina que haja pelo menos um membro de cada partido político em comissão especial de Impeachment.
Em quarto lugar, é democrático que se assegure a cada partido político representado em uma Casa Legislativa uma vaga em comissão especial de Impeachment. Se não fosse assim, seriam justamente os partidos políticos com menores bancadas que não teriam acesso a tal comissão especial, porque, evidentemente, ela seria partilhada apenas entre os grandes partidos políticos.
PROPORCIONALIDADE PARTIDÁRIA NA COMISSÃO
Inicialmente, destaque-se que é impossível cumprir-se a proporcionalidade!
De novo, relembre-se o teor do multicitado art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos acrescidos)
Literalmente, além de um representante por partido político, cada comissão especial deveria espelhar a composição plenária da respetiva Casa Legislativa. Com o devido respeito e acatamento, essa interpretação, além de ser literal, anula completamente a regra constitucional pertinente.
Consulte-se, em primeiro lugar, o parágrafo único do art. 40 da Constituição da República de 1946, vigente quando foi publicada a Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 40 ..................................................................
Parágrafo único - Na constituição das Comissões, assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos nacionais que participem da respectiva Câmara." (grifos acrescidos)
Confira-se, agora, o § 1° do art. 58 da Constituição da República de 1988:
"Art. 58 .................................................................
1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. ............................................." (grifos acrescidos)
É comezinho que se interpreta uma lei - mesmo uma Lei federal - à luz da Constituição da República e nunca o contrário. Assim, quer se analise a Constituição da República de 1946, vigente na época da publicação da Lei federal n° 1.079/1950, quer se considere a atual Constituição da República de 1988, o comando legal de respeito à proporcionalidade partidária é podado pela determinação constitucional de que isso se dê "tanto quanto possível".
Aliás, a questão da cláusula "tanto quanto possível", inscrita na Lei Maior, não é exclusividade brasileira. Ela é tão rotineira nos Parlamentos mundiais que se a pode encontrar, por exemplo, no Regimento Interno do Augusto Parlamento Europeu, literalmente em português, um dos idiomas oficiais da União Europeia. Confira se em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/RULES 9 2019 07 02 RULE 209_PT.html:
"Artigo 209: Composição das comissões:
1. ..........................................................................
A composição das comissões deve refletir, tanto quanto possível, a composição do Parlamento. A distribuição dos lugares nas comissões entre os grupos políticos deve corresponder ao número inteiro imediatamente superior ou inferior ao resultado do cálculo proporcional.
Se não houver acordo entre os grupos políticos quanto à sua proporção numa ou mais comissões específicas, a Conferência dos Presidentes decide da distribuição.............................................." (grifos acrescidos)
No caso da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, já se demonstrou que a composição da Comissão Especial de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados, porque vinte e cinco Partidos Políticos nela são representados. Considerando-se que o Colendo Plenário da Impetrada conta com setenta Parlamentares, a Comissão Especial já representa 35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense.
A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética, além de ignorar a expressão constitucional "tanto quanto possível", implicaria a composição da Comissão Especial com número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa fluminense.
Neste passo, inda mais uma vez, é necessário reler-se o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Com o devido respeito, por que uma comissão destinada a opinar - isto é, a emitir parecer - sobre uma denúncia por crime de responsabilidade precisa ser tão grande a ponto de ultrapassar 35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense? Simplesmente, não precisa!
Pelo exposto, considerados os vinte e cinco Partidos Políticos representados na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a imposição legal de um representante de cada Partido Político na Comissão Especial do Impeachment, a composição plenária constitucionalmente imposta de setenta Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais e, finalmente, a cláusula constitucional do "tanto quanto possível", a única solução juridicamente possível era a composição da Comissão Especial com vinte e cinco Membros.
Como se vê, é impossível cumprir-se a proporcionalidade.
ADI n° 5.895 RR
Ao julgar, em 27 de setembro de 2019, o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.895 RR, o Egrégio Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou - como aliás o insigne Impetrante muito bem destacou - que:
"1. Ação Direta não conhecida em relação ao inciso I do art. 65 da Constituição do Estado de Roraima, pois sua inconstitucionalidade já foi declarada no julgamento da ADI 4.805, Relator Ministro LUIZ FUX.
Compete apenas à União (art. 22, I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a definição de crimes de responsabilidade e sobre o processo e julgamento desses ilícitos. Essa competência foi exercitada pela edição da Lei Federal 1079/1950, em grande parte recepcionada pela Constituição de 1988. (Enunciado 722 da Súmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, convertida na Súmula Vinculante 46).
No caso, são inconstitucionais os artigos e 65, § 2º, da Constituição de Roraima, por afronta à competência legislativa da União para legislar sobre crimes de responsabilidade, seja tipificando os ilícitos ou disciplinando questões inerentes ao processo e ao julgamento.
A mera repetição, pela Assembleia Legislativa em seu Regimento Interno, da legislação federal de regência - tanto do regramento da Lei 1.079/1950, como do conteúdo prescrito pelo precedente firmado pela CORTE na ADPF 378 MC - denota uma coerente harmonização das normas sobre o funcionamento interno da Casa Legislativa na apuração dos crimes de responsabilidade do Governador e dos Secretários de Estado, o que não se confunde com a alegada invasão de competência legislativa da União." (grifos acrescidos)
Assim, o que fez a Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima foi, em seu Regimento Interno, meramente repetir a Lei federal n° 1.079/1950, que tipifica as condutas e rege o processo e julgamento por crime de responsabilidade. Ocorreu, nos termos do venerando Acórdão, "mera repetição".
Quanto à limitação da composição de comissão especial de Impeachment a um quarto da composição plenária da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, há três problemas:
o Regimento Interno do Parlamento roraimense não é lei em sentido formal a ponto de tornar-se obrigatório para outros Estados;
o Regimento Interno do Parlamento roraimense não é lei federal a ponto de tornar-se obrigatório para outros Estados;
como o Regimento Interno do Parlamento roraimense prevê que a Comissão Especial de Impeachment será composta por um quarto dos Membros do Parlamento, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, ela teria dezoito Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, o que implicaria deixar sete Partidos Políticos sem representação.
CARÁTER OPINATIVO DA COMISSÃO ESPECIAL
Mesmo que se admitisse que houve ilegalidade na composição da Comissão Especial do Impeachment, o que ora se imagina apenas a título de argumentação, nenhuma lesão poderia ser arguida pelo insigne Impetrante.
Em primeiro lugar, o Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da Comissão Especial pode elaborar Voto no sentido da rejeição da Denúncia em virtude de alegado crime de responsabilidade.
Em segundo lugar, qualquer que seja o Voto do Excelentíssimo Senhor Deputado Relator, a própria Comissão Especial poderá aprovar parecer - repita-se: parecer - no sentido da rejeição de tal Denúncia.
Por fim e o mais importante, o Parecer da Comissão Especial é meramente opinativo. Ele não vincula o Plenário da Assembleia Legislativa, o qual pode sempre decidir em sentido oposto ao parecer da Comissão Especial. Mais uma vez: quem decide é o Plenário da Assembleia Legislativa, não a Comissão Especial, legalmente incumbida de apenas oferecer parecer.
Na página 88 do venerando Acórdão decorrente do julgamento do mérito da ADPF n° 378-DF, lê-se:
"Aliás, o trabalho da comissão especial é essencialmente instrutório e opinativo, tendo em conta que as decisões políticas de deliberar sobre a denúncia e de autorizar a instauração do processo estão reservadas ao Plenário da Câmara dos Deputados, por força da Lei 1.079/50." (grifos acrescidos)
Na página 93 do venerando Acórdão, constata-se:
"De novo, cabe-se frisar que a Comissão Especial possui funções instrutórias e opinativas." (grifos acrescidos)
Por fim, novamente, é fundamental reler-se o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Como se vê, se houvesse inconstitucionalidade ou ilegalidade na composição da Comissão Especial - e essa possibilidade já foi refutada - não haveria risco para o insigne Impetrante, porque a deliberação sobre a Denúncia é de competência exclusiva do Plenário da Impetrada.
INSTRUÇÃO PROCESSUAL
Leia-se, inicialmente, o caput do art. 76 da pré-falada Lei federal n° 1079/1950:
"Art. 76 A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos.
Parágrafo único ................" (grifos acrescidos)
A Denúncia por alegado cometimento de crime de responsabilidade foi oferecida por dois Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais indicando o local em que se poderiam encontrar os documentos que a esclarecessem.
Repita se, porque essencial: esclarecessem.
Sim, no dispositivo do venerando Acórdão que julgou o mérito da ADPF n° 378-DF, precisamente na página 402, lê-se:
"quanto ao item C, por maioria, deferiu parcialmente o pedido para (1) declarar recepcionados pela CF/88 os artigos 19, 20 e 21 da Lei nº 1.079/1950, interpretados conforme à Constituição, para que se entenda que as "diligências" e atividades ali previstas não se destinam a provar a improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia; e (2) para declarar não recepcionados pela CF/88 o artigo 22, caput, 2ª parte [que se inicia com a expressão "No caso contrário..."], e §§ 1º, 2º, 3º e 4º, da Lei nº 1.079/1950, que determinam dilação probatória e segunda deliberação na Câmara dos Deputados, partindo do pressuposto que caberia a tal casa pronunciar se sobre o mérito da acusação, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Dias Toffoli e Gilmar Mendes;" (grifos acrescidos)
É, aliás, importante, recordar-se como o Egrégio Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal, no mesmo julgamento, reputou o ônus probatório que recai sobre comissão especial de Impeachment. Na página 4 do venerando Acórdão, lê-se:
"Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém, desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do processo (condição de procedibilidade)."
O principal documento indicado na Denúncia era o processo administrativo n° E 08/001/1170/2019. Segundo a Denúncia, nele se conteriam Decisão do insigne Impetrante e sua publicação. Nos termos do caput do art. 76 da Lei federal n° 1.076/1950, isso foi indicado, cabendo à Comissão Especial do Impeachment juntá-lo.
A Comissão Especial juntou-o e os eruditos Advogados que elaboraram a preciosíssima Inicial receberam a integralidade de tais documentos.
Assim, no dia 10 de junho de 2020, o Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa recebeu monocraticamente a Denúncia, conforme o parágrafo n° 7 da preciosa Inicial.
Naquele momento, Denúncia com firma reconhecida descrevia fato que, em tese, pode configurar o crime de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, conforme o art. 9°, item n° 7, da Lei federal n° 1.079/1950, sendo certo que o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado não deixara, por qualquer motivo, o elevado cargo que ora ocupa.
A juntada de documentação, que ocorreu em data posterior à respeitável Decisão monocrática do Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, mas anterior à intimação dos cultíssimos Advogados do insigne
Impetrante, não era essencial para que, à luz dos argumentos da Denúncia, fosse reconhecida sua viabilidade.
Nos parágrafos n° 49 e n° 50 da preciosa Inicial, impugna se o fato de "na sessão do dia 10.6.2020, sem qualquer base probatória. Deputados, portanto, votaram pelo prosseguimento de uma
denúncia leviana e carente de provas." Naquela data, como já se demonstrou, o Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, monocraticamente, decidiu dar prosseguimento à Denúncia.
Mesmo que juridicamente competisse ao Plenário tal decisão, não era necessária, naquele momento e em virtude do pré-falado art. 76, caput, da Lei federal n° 1.079/1950, nenhuma prova. Bastava o fortíssimo indício decorrente da transcrição da respeitável Decisão do Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito Gonçalves no PBAC n° 27/DF.
Enfrentando-se o parágrafo n° 53 da erudita Inicial, pode-se resumir assim a questão:
em 18 de junho de 2020, os Denunciantes não confessaram que não instruíram a Denúncia com os "documentos necessários",
porque, nos termos do art. 76, caput, da Lei federal n° 1.079/1950, indicaram onde se os poderiam obter;
no dia 2 de julho de 2020, com os documentos juntados aos autos, foi possível a intimação dos eminentes Advogados do insigne Impetrante, que receberam o conjunto completo de documentação que instrui o processo de Impeachment.
Segundo o insigne Impetrante, no parágrafo n° 54 de sua preciosa Inicial, "deputados, sem ter acesso a provas mínimas, que devem necessariamente ser carreadas ao processo, formalmente instruído, simplesmente não podem deliberar sobre o impedimento de governador."
Em primeiro lugar, os Denunciantes indicaram onde as provas poderiam ser obtidas, nos termos do caput do art. 76 da Lei federal n° 1.079/1950.
Em segundo lugar, o Excelentíssimo Senhor Presidente, monocraticamente, julgou viável a Denúncia, porque elaborada por cidadãos brasileiros, cujas firmas foram reconhecidas por tabelião, descrevendo conduta que, em tese, estaria adequada ao tipo do art. 9°, item n° 7, da Lei federal n° 1.079/1950, sendo certo que o Governado do Estado não deixara - como não deixou - o prestigioso cargo por qualquer motivo.
Por fim, nunca é demais repetir que o pré-falado processo administrativo n° E 08/001/1170/2019, expressamente mencionado na Denúncia e ora integralmente carreado aos autos, contém Decisão exclusiva do insigne Impetrante. (...)" (grifos originais)
Ao final do documento, oferecido em resposta ao Mandado de Segurança impetrado pelo denunciado, a Procuradoria Geral da ALERJ conclui sua exposição, requerendo a declaração de integral improcedência do pedido formulado pela defesa do governador afastado, Exmo. Sr. Wilson José Witzel.
VIII - DA DECISÃO DO EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. ELTON LEME SOBRE O MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO DENUNCIADO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
No dia 15 de julho do corrente, após a juntada espontânea da resposta da Procuradoria Geral da ALERJ ao Mandado de Segurança impetrado pelo denunciado, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decidiu o Eminente Desembargador Elton Leme, nos termos que passo a citar:
"(...)
D E C I S Ã O
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Wilson José Witzel, contra atos praticados pelo Exmº Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro ALERJ, pelo Exmº Sr. Presidente da Comissão Especial de Impeachment da Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro e do Exmº Sr. Relator da Comissão Especial de Impeachment da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Deputados Estaduais, narrando que, no dia 27/05/2020, o Deputado Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e a Deputada Estadual Lúcia Helena Pinto de Barros ofereceram "denúncia" perante a ALERJ contra o impetrante. Menciona que a primeira recebeu o nº 5.328/2020 e a segunda, apensada à primeira, é identificada pelo nº 5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º V, 9º, VII, 74 a 79, da Lei nº 1.079/1.950.
Ressalta a competência exclusiva da União para legislar sobre crime de reponsabilidade e sobre processo julgamento desse ilícito, não havendo espaço para a teoria dos "atos interna corporis, modus in rebus". Destaca que o suposto "rito" adotado por meio de ato administrativo normativo do Presidente da ALERJ, uma das autoridades impetradas, mostra-se inválido e denota dúplice mácula jurídica: uma inconteste inconstitucionalidade e evidente ilegalidade, além de ferir a súmula vinculante nº 46 do STF, bem como afrontar a jurisprudência da Corte Suprema.
Sustenta, em resumo, a nulidade do processo, por falta de provas e motivação. Narra que, no dia 10/06/2020, mesmo sem a indispensável documentação de suporte, a ALERJ decidiu que os processos em questão, com as denúncias feitas contra o impetrante, objeto deste mandado de segurança, deveriam prosseguir. Relata que, diante da evidente violação às garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, requereu à ALERJ, no dia 22/06/2020, a concessão do direito de ter acesso à íntegra dos documentos que deveriam dar lastro à denúncia. E, no dia 23/06/2020, a ALERJ deferiu a suspensão dos processos administrativos para tentar obter o compartilhamento de documentos junto ao Superior Tribunal de Justiça, o que foi negado por aquela Corte Superior de Justiça.
Prossegue mencionando que, no dia 06/07/2020, o impetrante soube que a ALERJ decidiu que as denúncias prosseguiriam e que os referidos documentos instruiriam o processo somente na sua eventual fase jurídica, fazendo supor que a denúncia será recebida sem a apresentação de qualquer prova, em detrimento das garantias processuais básicas, sendo, pois, nulo o processo.
Destaca que, com base nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal que julgaram a ADPF 378-MC-DF em 2015 (Impeachment da Presidenta "Dilma Rousseff") e a ADI 5.895/RR em 2019 (Impeachment da "Governadora de Roraima"), a composição final formal da Comissão Especial de Impeachment deve ser submetida à votação aberta, ainda que simbólica, com veiculação no Diário Oficial. Entretanto, nada disso aconteceu no caso do impetrante. Aliás, sequer houve votação no caso, pois o líder de cada um dos partidos da ALERJ indicou um membro e, com isso, automaticamente, a comissão foi instituída.
Descreve que, tal como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.895/RR, a comissão especial, formada para instruir o prosseguimento da denúncia de Impeachment contra Governador deve possuir 1/4 dos membros da Assembleia Legislativa, ou seja, 18 deputados, porque a ALERJ possui um total de 70 deputados. Aponta que a comissão instituída pela ALERJ possui 25 membros, constituindo ilegalidade.
Menciona que os 25 membros são exatamente a soma de um deputado escolhido pelo líder de cada partido com representação na ALERJ, sendo que de acordo com os votos que decidiram a ADPF 378- MC/DF e a ADI 5.895/RR, essa comissão deveria observar, tanto quanto possível, a proporcionalidade representatividade partidária, à medida que os percentuais dos membros de cada partido da ALERJ são facilmente aferíveis a partir do próprio site da ALERJ.
Ressalta que, à luz do acórdão do Supremo Tribunal Federal que decidiu a ADI 5.895/RR, a Comissão Especial de Impeachment deve exarar um parecer inicial para que as denúncias sejam devidamente esclarecidas para, só depois, citar o denunciado. Contudo, no caso, a comissão não procedeu dessa forma, na medida em que não há parecer algum e sequer há documentos para lastrear as denúncias.
Sustenta que o fumus boni iuris decorre da inobservância manifesta pelas autoridades apontadas como coatoras, dentre outros, dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do processo legislativo e da publicidade, ao prosseguirem com a denúncia objeto do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ, violando a Constituição Federal, a Súmula Vinculante 46, a Lei nº 1.079/1950, com as delimitações já feitas pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF 378 MC/DF e a ADI 5.895/RR.
Alega a existência de vícios processuais e inúmeras máculas às garantias constitucionais e cláusulas pétreas constitucionais.
Salienta que, em decisão do dia 10/06/2020, publicada em 15/06/2020, o Presidente da ALERJ, mesmo à míngua da indispensável documentação de suporte, deferiu o prosseguimento das denúncias, vindo a definir o rito por meio do ATO/E/GP/nº 41/2020.
Aduz a existência de periculum in mora, uma vez que o prazo da suspensão do processo terminou com a sessão da ALERJ ocorrida no dia 06/07/2020, segunda-feira, na ocasião em que a ALERJ decidiu que os processos administrativos objeto deste mandado de segurança prosseguirão. O prazo de 10 sessões parlamentares para o impetrante apresentar defesa começou a fluir a partir do dia 08/07/2020, quarta-feira (data em que foi veiculada a decisão da ALERJ no Diário Oficial), com término no dia 29/07/2020, quarta-feira. Assim, eventuais documentos somente serão apresentados na próxima fase (jurídica).
Aponta violação ao próprio resultado do processo eleitoral e a força soberana do voto popular, sendo nulo o processo, por vícios insanáveis e inconvalidáveis, que contaminam os atos posteriores.
Afirma a ausência de perigo de dano inverso com o deferimento da liminar, pois o respeito ao devido processo legal apenas retardará pouco tempo o curso desses procedimentos, até que sejam devidamente instruídos e sejam ajustadas as condutas nos termos da lei.
Sustenta a existência de direito líquido e certo.
Desse modo, postula a concessão da liminar "inaudita altera parte", com fundamento no disposto no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009, para determinar que as autoridades coatoras abstenham-se de retomar o prosseguimento das denúncias objeto do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ, sem antes instruir adequadamente as denúncias com as provas da acusação, para somente então o prosseguimento delas ser apreciado, bem como para instituir uma Comissão Especial de Impeachment de forma adequada, com votação aberta, ainda que simbólica, mais 1/4 dos membros da ALERJ eleitos com respeito à proporcionalidade partidária, que depois deverá elaborar um parecer inicial, no qual deverá conter, no mínimo, os fatos exatos sobre os quais o impetrante será investigado, para somente depois o impetrante ser citado para apresentar sua defesa, a fim de assegurar o direito líquido e certo ao devido processo legal, à ampla defesa, à legalidade e à publicidade dos atos públicos.
Manifestação do impetrante a fls. 48, informando o recolhimento de custas complementares, conforme guia a fls. 50 51.
As autoridades impetradas prestaram informações a fls. 52 83, afirmando a ausência de defeito na instalação e composição da comissão especial destinada a oferecer parecer quanto à denúncia formulada contra o impetrante. Ressaltam que a tipificação e o processo por crime de responsabilidade, à luz do verbete 46 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, só podem ser estabelecidos por lei federal. Mencionam que se pautam, quanto ao processo por crime de responsabilidade, exclusivamente na Lei nº 1.079/1950 e no acórdão que julgou o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 378/DF, publicado no Diário de Justiça eletrônico no dia 08/03/2016. Mencionam que nenhum regimento interno, nem o do próprio Parlamento Fluminense, nem o da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima foi utilizado como parâmetro. Destacam que em nenhum momento invocaram a doutrina de ato interna corporis no processo por crime de responsabilidade contra o impetrante. Salientam que no acórdão da mencionada ADPF 378/DF há várias menções a bloco parlamentar, mas o Parlamento Fluminense não formou nenhum bloco parlamentar.
Apontam, em síntese, que o voto na ADPF 378/DF menciona o seguinte: a) se houver votação, esta deve ser aberta; b) os representantes de cada partido serão indicados pelos respectivos líderes, não sendo, a rigor, hipótese de eleição para a Comissão Especial; c) havendo votação para formação da comissão especial, o escrutínio deve ser aberto, não se admitindo candidaturas avulsas; d) a compreensão histórica do acórdão da ADPF 378/DF obriga à análise do conflito interno existente entre as bancadas partidárias; e) na assembleia impetrada a escolha da comissão especial do processo de Impeachment transcorreu em total harmonia, cabendo a cada líder indicar o representante do respectivo Partido Político; f) não ocorreram conflitos partidários no presente caso; g) não houve registros de chapas, nem candidatos avulsos; h) a indicação dos membros da comissão especial por líderes é considerada constitucional; i) o vocábulo "eleita" utilizado no art. 19 da Lei nº 1.079/1950 significa "escolhida", no caso, escolhida pelos líderes, sob pena de enfraquecimento da autonomia partidária; j) a Lei n° 1.079/1950 exige que a Comissão Especial do Impeachment seja composta por representantes de todos os partidos políticos da respectiva Casa Legislativa; l) o acórdão na ADPF 378/DF determinou a representação de todos os partidos políticos de uma Casa Legislativa em Comissão Especial de Impeachment; m) a impossibilidade de cumprimento da proporcionalidade partidária; n) quer se analise a Constituição da República de 1946, vigente na época da publicação da Lei n° 1.079/1950, quer se considere a Constituição da República de 1988, o comando legal de respeito à proporcionalidade partidária tem alcance limitado pela expressão "tanto quanto possível"; o) a Comissão Especial é composta de 25 membros, porque 25 partidos políticos nela estão representados, o que constitui 37,5% da composição plenária do Parlamento Fluminense; p) a comissão destinada a emitir parecer sobre uma denúncia por crime de responsabilidade não precisa ultrapassar 35,7% da composição plenária do Parlamento Fluminense de 70 deputados; q) a Assembleia Legislativa de Roraima, em seu Regimento Interno, reproduziu a Lei nº 1.079/1950; r) o descabimento de limitação da composição da Comissão Especial de Impeachment a 1/4 da composição plenária nos moldes da Assembleia Legislativa de Roraima; s) o caráter opinativo da comissão especial; t) a deliberação sobre a denúncia é de competência exclusiva do Plenário; u) a denúncia por alegado cometimento de crime de responsabilidade foi oferecida indicando expressamente os documentos e onde poderiam ser obtidos; v) o processo administrativo nº E 08/001/1170/2019 foi juntado pela Comissão Especial, dando se acesso aos advogados do impetrante; x) o impetrante não deixou o cargo de Governador do Estado; z) o processo administrativo nº E 08/001/1170/2019, expressamente referido na denúncia, foi integralmente trazido aos autos, constando ali decisão administrativa da lavra exclusiva do Impetrante. Assim, pedem a declaração integral de improcedência do pedido.
Consta certidão da secretaria deste Órgão Especial a fls. 487, atestando a manifestação das autoridades impetradas e que as custas foram devidamente recolhidas.
É o breve relatório. Decido.
Inicialmente, destaca-se a competência deste Órgão Especial para conhecer e apreciar a matéria, nos termos do art. 3º, inciso I, alínea "e", do Regimento Interno deste Tribunal e art. 161, IV, alínea "e", item 3, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, cabendo a apreciação do pleito liminar pelo relator, de acordo com o art. 124 do referido Regimento Interno e do art. 7º da Lei nº 12.016/09, que disciplina o mandado de segurança.
Com efeito, verifica-se que são imputados ao Governador do Estado do Rio de Janeiro, ora impetrante, os crimes de responsabilidade tipificados no art. 4º, V, e no art. 9º, VII, ambos da Lei nº 1.079/1.950. Nesse caso, o procedimento a ser adotado nos processos nº 5.360/2020 (fls. 5 29) e nº 5.328/2020 (fls. 31 43), que tratam do tema, encontra previsão expressa nos arts. 74 a 79 da aludida lei federal, sendo que os referidos feitos se encontram apensados por força do despacho de fls. 45 do anexo.
Deve-se ser observado desde logo que não se vislumbra, em sede de cognição sumária, a utilização do Regimento Interno da ALERJ para ditar o curso dos processos administrativos em questão. Como dito, esses feitos tramitam lastreados na Lei nº 1.079/1950 e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, notadamente nos termos sedimentados quando do julgamento da ADPF nº 378/DF, de relatoria do Ministro Edson Fachin, tendo como redator do acórdão o Ministro Luís Roberto Barroso.
Note-se que o próprio Regimento Interno da ALERJ, em seu art. 211, dispõe que "o processo nos crimes de responsabilidade do Governador e do Vice Governador do Estado obedecerá às disposições da lei federal em vigor".
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, no acórdão que julgou a ADPF nº 378 DF, "deferiu parcialmente o pedido para estabelecer em interpretação conforme à Constituição do art. 38 da Lei nº 1.079/1950, que é possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado ao processo de Impeachment, desde que que sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes", conforme cópia acostada a fls. 485 dos presentes autos.
Em uma análise superficial, parece não proceder a alegação do impetrante de ausência de prova a lastrear o oferecimento da "denúncia". Neste ponto, observa-se que a respectiva peça de "denúncia", ao narrar os fatos imputados ao impetrante, faz alusão expressa ao procedimento administrativo instaurado no âmbito da Secretaria de Estado sob o número E 08/001/1170/2019, bem como aponta a decisão supostamente ilícita proferida pelo impetrante, publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro no dia 24/03/2020 (cópia a fls. 06 do anexo). Há indicação, portanto, dos fatos e atos administrativos que possibilitam a identificação e localização dos respectivos documentos públicos que lastreiam a denúncia, conforme exige o art. 76, caput, da Lei nº 1.079/1950, que assim dispõe:
"Art. 76 - A denúncia, assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterá o rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos."
Neste sentido, por não se tratar de ato reservado ao Plenário da Assembleia Legislativa, o Presidente da ALERJ, no dia 10/06/2020, decidiu monocraticamente o seguinte: "(...) dou prosseguimento à denúncia por crime de responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr. Governador. (...) Declaro que dou prosseguimento ao processo de Impeachment (...) que não há qualquer pré-julgamento aqui, não estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa do Sr. Governador" (Diário Oficial do Estado, 15/06/2020; fls. 1.168 do anexo).
Outrossim, no momento da apresentação da "denúncia" não se fazia imprescindível a apresentação das provas, tendo em vista, como acima ressaltado, o disposto no art. 76 da Lei nº 1.079/1950. Dessa forma, revelam-se suficientes os indícios extraídos da transcrição da decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito Gonçalves no PBAC n° 27/DF e a referência aos documentos públicos mencionados.
Nesse ponto, é de especial relevância o entendimento do Supremo Tribunal Federal manifestado quando do julgamento da ADPF n° 378 DF, no sentido de "(1) declarar recepcionados pela CF/88 os artigos 19, 20 e 21 da Lei nº 1.079/1950, interpretados conforme à Constituição, para que se entenda que as "diligências" e atividades ali previstas não se destinam a provar a improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia; (...)" (cópia a fls. 485 destes autos).
E ainda, ao apreciar o item (2.2) (Rito do Impeachment na Câmara), entendeu Supremo Tribunal Federal que "(...) Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém, desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do processo (condição de procedibilidade). (...)" (fls. 87 destes autos).
Tem aqui especial relevância o fato de que a cópia do Processo Administrativo nº E 08/001/1170/2019, mencionado na inicial da denúncia, foi disponibilizada ao impetrante, conforme demonstrado pela parte impetrada à fls. 94 483. Nesse passo, embora a alegação de que a juntada dos documentos ocorreu em data posterior à decisão do Presidente da ALERJ que determinou o prosseguimento do processo administrativo, verifica-se, em verdade, que a juntada se efetivou em data anterior à intimação dos advogados do impetrante da referida decisão (02/07/2020). Na ocasião, os advogados receberam o conjunto completo da documentação que instrui o processo de Impeachment (fls. 82), o que, a princípio, afasta qualquer prejuízo potencial à defesa.
É oportuno observar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar quanto ao momento da apresentação da defesa, decidiu expressamente na ADPF n° 378 DF que "a apresentação de defesa prévia não é uma exigência do princípio constitucional da ampla defesa: ela é exceção, e não a regra no processo penal. Não há, portanto, impedimento para que a primeira oportunidade de apresentação de defesa no processo penal comum se dê após o recebimento da denúncia. No caso dos autos, muito embora não se assegure defesa previamente ao ato do Presidente da Câmara dos Deputados que inicia o rito naquela Casa, colocam-se à disposição do acusado inúmeras oportunidades de manifestação em ampla instrução processual. Não há, assim, violação à garantia da ampla defesa e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em tema de direito de defesa".
Desse modo, em análise ainda que breve, não se evidencia a alegada falta de prova e motivação nos processos administrativos em questão a macular as garantias do devido processo legal, ampla defesa e do contraditório.
No tocante à formação da Comissão Especial de Impeachment, sem votação prévia, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal na ADPF n° 378 DF reconheceu que "(...) 12. Cautelar incidental (candidatura avulsa): concessão integral para declarar que não é possível a formação da comissão especial a partir de candidaturas avulsas, de modo que eventual eleição pelo Plenário da Câmara limite-se a confirmar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos." E segue: "(...) 13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão especial do Impeachment, esta somente pode se dar por escrutínio aberto (...)" (fls. 93 destes autos).
Ainda na reiteradamente mencionada ADPF n° 378-DF, quanto aos temas "votação aberta ou secreta para a formação da comissão especial", e "candidaturas avulsas em contrapartida à indicação pelos líderes partidários", decidiu o Supremo Tribunal Federal que "(...) 4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia partidária. Em rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para o rito de Impeachment em curso, contudo, não se considera inválida a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde que limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas". (fls. 88 destes autos).
Muito embora a ADPF n° 378 DF faça menção à existência de "bloco parlamentar", é de toda evidência que inexiste, no caso da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a organização de alianças de representações parlamentares em bloco.
Assim, por simetria à hipótese decidida pela Suprema Corte, a formação da comissão especial nas Assembleias Legislativas estaduais deve ocorrer mediante indicação de membros pelos líderes dos partidos políticos, a afastar a suscitada necessidade de eleição. Desta feita, entendeu também o Supremo Tribunal Federal que a expressão "comissão eleita" contida no art. 19 da Lei nº 1.079/1951 significa "escolhida", pois entendimento contrário constituiria violação à autonomia partidária, como se extrai dos itens 62 e 63 do acórdão trazido por cópia a fls. 175 destes autos.
No que diz respeito à alegação de que o Presidente da ALERJ não indicou o número de membros da Comissão Especial de Impeachment e nem o limitou a 1/4 dos membros da ALERJ, verifica-se que a Lei nº 1.079/1950 exige que essa comissão especial seja composta por representantes de todos os partidos políticos da Casa Legislativa. Tal assertiva se extrai do respectivo art. 19, a saber:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.
Nos termos do regramento inserto no art. 27 da Constituição Federal, a ALERJ é composta de 70 Deputados Estaduais, que são filiados a 25 partidos políticos, conforme consta a fls. 68. Assim, informam as impetradas que para atender à referida regra, ou seja, de um representante por partido político, a Comissão Especial de Impeachment deverá ter no mínimo 25 membros, guardada a razão direta do número de partidos políticos ali representados.
Na mesma linha, o acórdão na ADPF n° 378-DF estabeleceu que a escolha de membros dessa comissão deve ter a participação de todos os partidos, como se depreende do trecho a seguir transcrito:
"(...) "Posto isso, extrai-se do diploma legal dois critérios formativos no que se refere à comissão especial: (i) a eleição de seus membros integrantes; e (ii) a participação em sua composição de representantes de todos os partidos políticos, observada a proporção partidária. (...) Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a participação de todos os partidos (...)". (fls. 170 dos presentes autos).
Nesse contexto, não é possível estabelecer antecipadamente regramento numérico ou de fração para integrar a comissão em análise, sem antes conhecer a composição partidária da Casa Legislativa que é alterada a cada eleição. Ademais, a Lei nº 1.079/1950 não determina o número máximo de membros ou a fração da composição a ser adotada para integrar a comissão.
No que se refere ao ventilado desrespeito à proporcionalidade, verifica-se, a princípio, a impossibilidade prática, no caso concreto, de observar tal recomendação concomitantemente à representação de todos os partidos políticos da Casa Legislativa. Isso porque os 25 membros que representam todos os partidos já espelham o percentual de 35,7% da composição plenária da ALERJ, não sendo razoável que a comissão especial tenha em sua composição número ainda maior de Deputados.
Com relação à pretendida aplicação da limitação a 1/4 da composição, que é prevista no Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima ?? regramento este que foi apreciado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.895 RR ?? não é possível transpor para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro os termos regimentais da Casa Legislativa de outro Estado da federação. Além disso, a adoção da limitação a 18 membros, como ocorre naquele Estado, deixaria no caso do Rio de Janeiro sete partidos políticos sem representação na comissão, o que não pode ser acolhido em razão do evidente conflito com o que dispõe o art. 19 da Lei nº 1.079/1950.
Ressalte-se que o art. 58, § 1º, da Constituição Federal assegura, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos junto às comissões. Todavia, no caso em análise, essa proporcionalidade não se mostra possível por malferir a própria representação numérica partidária na comissão especial.
Cumpre mencionar que o parecer da Comissão Especial de Impeachment é meramente opinativo, como ressaltado no acórdão da ADPF nº 378/DF (fls. 170 destes autos), a saber: "(...) o trabalho da comissão especial é essencialmente instrutório e opinativo, tendo em conta que as decisões políticas de deliberar sobre a denúncia e de autorizar a instauração do processo estão reservadas ao Plenário da Câmara dos Deputados, por força da Lei 1.079/50. (...)".
Registre-se que o art. 4º do Ato/E/GP nº 41/2020 do Presidente da ALERJ, publicado no Diário Oficial de 15/06/2020, transcrito na inicial a fls. 04, estabelece que o parecer da Comissão Especial de Impeachment, sobre a admissibilidade ou não da denúncia, deverá ser emitido em cinco sessões, contadas do oferecimento da defesa pelo impetrante ou do término do prazo mencionando no caput do art. 2º. Dado a seu caráter meramente opinativo, como acima destacado, não procede a alegação do impetrante no sentido de que deveria haver parecer prévio da comissão especial para viabilizar a defesa.
Por fim, vale relembrar a sempre lúcida lição do saudoso Ministro Paulo Brossard, em sua obra clássica sobre o tema, conforme citado pelo Ministro Gilmar Mendes no MS 33921 MC/DF:
"O Impeachment terá inspiração política, motivação política, estímulos políticos. Políticos serão os resultados perseguidos. É natural que seja assim; dificilmente assim não será. Contudo, isto não quer dizer que o Impeachment seja inteiramente discricionário e que o seu desenvolvimento se processe ao inteiro sabor de uma e outra casa do Congresso, tanto é certo que, uma vez instaurado, deve desdobrar-se segundo a lei, que minuciosamente o disciplina. Em glosa ao Regimento do Senado norte americano, Thomas Jefferson, que o presidiu, escreveu que, em matéria de Impeachment, a decisão senatória 'must be secundum, non ultra legem'. E não só a sentença, mas o processo todo, no que diz respeito a suas fases e formalidades". (BROSSARD, Paulo de Souza Pinto. O Impeachment. 3ª ed. São Paulo, Saraiva. 1992) (...)"
Ao final de sua decisão, o Exmo. Sr. Desembargador Elton Leme indefere a liminar postulada, por não ter vislumbrado, no transcurso dos procedimentos realizados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, qualquer afronta à Constituição, à lei de regência ou à inteligência dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não considerou presentes os requisitos ensejadores do provimento liminar.
IX - DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPETRADA PELO DENUNCIADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Inconformado com o indeferimento da liminar pleiteada no Mandado de Segurança que tramitou no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o denunciado deu entrada em Reclamação Constitucional perante o Supremo Tribunal Federal (STF), na data de 22 de julho do corrente, contra dois atos administrativos praticados no transcurso do processo, no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que não proporcionaram: a) a suspensão do prazo para apresentação de defesa escrita à Comissão Especial de Impeachment enquanto a peça acusatória não fosse instruída com os documentos solicitados em diligência; b) a realização de votação aberta, ainda que simbólica, dos membros eleitos para integrarem a Comissão Especial de Impeachment, respeitada a proporcionalidade partidária. Cumulativamente, a Reclamação impetrada no STF se insurge contra a respeitável decisão judicial proferida pelo Exmo. Sr. Desembargador, Dr. Elton Martinez Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que ratificou os atos praticados pela ALERJ por não ter neles vislumbrado qualquer ofensa à Constituição. Assim, para expressar seu inconformismo face à decisão desfavorável no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, buscando revertê-la, o denunciado impetrou a Reclamação, nos seguintes termos:
"(...)
I. SÍNTESE DA PRETENSÃO E DA FINALIDADE DESTA RECLAMAÇÃO.
1. Trata-se de reclamação contra 2 (dois) atos desviantes praticados pela ALERJ e seus membros (sua mesa Diretora, seu Presidente, o Presidente da Comissão Especial de Impeachment e o Relator da Comissão Especial de Impeachment), no âmbito do processo de Impeachment movido contra o ora reclamante (doc. 3).
2. Cumulativamente, trata-se de reclamação, também, contra decisão judicial proferida pelo Exmo. Desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, que, ao indeferir o pedido de medida liminar veiculado nos autos do Mandado de Segurança n° 0045844-70.2020.8.19.0000 - TJ/RJ, culminou por referendar e encampar os atos da ALERJ, assim igualmente desafiando a autoridade dos julgados proferidos por essa c. Suprema Corte, nas seguintes ações de controle concentrado de constitucionalidade: i) a ADPF 378 MC/DF; e ii) a ADI 5.895/RR, além do desrespeito à Súmula Vinculante 46.
3. Assim, com esta reclamação - encartada, para todos os reclamados, na hipótese do art. 988, III, do CPC/15 -, pretende-se seja restaurada a autoridade decisória dessa c. Corte.
II. SÍNTESE DOS FATOS.
II.A SÍNTESE DAS 2 (DUAS) DENÚNCIAS RECEBIDAS PELA ALERJ ATÉ O DEFERIMENTO DE SUSPENSÃO DOS 2 (DOIS) PROCESSOS ADMINISTRATIVOS INSTAURADOS CONTRA O RECLAMANTE.
4. Em 27.5.2020, o Exmo. Deputado Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto de Barros ofereceram denúncias perante a ALERJ contra o reclamante (doc. 3). A primeira, foi distribuída sob o no 5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o no 5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a 79, da Lei nº 1.079/1.950.
5.Tais processos ficaram com prazo de defesa suspenso até o dia 3.7.2020, sexta-feira (doc. 3). Isso porque, no dia 23.6.2020, quarta-feira, a ALERJ deferiu o pedido de suspensão formulado pelo reclamante, deduzido com base em 2 (dois) relevantes motivos: (i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser adotado para julgamento dos Processos Administrativos de nos 5328/2020 (principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser acostados aos autos os documentos que motivaram as denúncias, para somente então ser avaliada a pertinência ou não do prosseguimento dos gravíssimos processos políticos administrativos (o principal e o apenso).
6.Sobre o item (ii), em sessão posterior, o eminente relator da Comissão Especial de Impeachment, para evitar coação ilegal (CPP, art. 648, I), solicitou ao STJ o compartilhamento da documentação relativa à medida cautelar de produção antecipada de provas. Esse pedido, no entanto, foi indeferido pelo Ministro Benedito Gonçalves (doc. 3), o que não impediu o procedimento de anomalamente retomar o seu curso.
7. Já sobre o item (i), o reclamante se surpreendeu, ao pesquisar nos Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro. Constatou, então, ali, que a ALERJ já tinha definido o rito de prosseguimento das denúncias e que alguns atos dessa liturgia ad hoc já tinham sido praticados de forma inidônea, porque destoantes do rito fixado por essa e. Corte para o processo de Impeachment (ADPF 378 e da ADI 5.895), a partir da Lei 1.079/50, cuja disciplina é de competência é exclusiva da União Federal (SV 46).
II.B SÍNTESE DO ATOS ILEGAIS OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA, E QUE TAMBÉM SÃO OBJETO DESTA RECLAMAÇÃO - A COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT FOI INSTITUÍDA SEM VOTAÇÃO; POSSUI 25 MEMBROS DA ALERJ (AO INVÉS DE 18), NÃO RESPEITOU A PROPORCIONALIDADE (POR PARTIDO), NEM TAMPOUCO EXAROU O NECESSÁRIO PARECER INICIAL
8. Em decisão do dia 10.6.2020, publicada em 15.6.2020, o Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, à míngua da indispensável documentação de suporte, deferiu o prosseguimento das denúncias. E assim o fez, após submetê las à apreciação do colegiado, como se infere da referida publicação (doc. 3), nos seguintes termos:
"Eu, André Luiz Ceciliano, baseado no parecer técnico da douta Procuradoria, dou prosseguimento à denúncia por crime de responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr. Governador.
Como manifestei no início, vamos dar todo direito à ampla defesa ao Governador. Temos certeza de que de onde vem, como juiz, terá também a possibilidade de esclarecer os fatos nos quais está baseado o pedido de Impeachment no Processo 5328/2020.
Declaro que dou prosseguimento ao processo de Impeachment. Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido indique um representante para a comissão e, depois, essa comissão terá 48 horas para eleger o presidente e o relator. Rogo aos líderes que façam as indicações. O prazo vai contar a partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o representante do partido nessa comissão.
Volto a dizer que não há qualquer pré-julgamento aqui; não estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa do Sr. Governador."
9.No mesmo dia, com publicação oficial em 15.6.2020, o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ (ora reclamado) editou o Ato 41/2020, no qual definiu o rito processual a ser seguido nos processos políticos administrativos (o principal e o apenso) movidos contra este Governador de Estado (doc. 3), o que fez nos seguintes termos:
"Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada no processo ALERJ n° 5.328/2020. Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança, o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão Especial terá quarenta e oito horas para reunir-se, elegendo seu Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Tiradentes, 10 de junho de 2020
Deputado ANDRÉ CECILIANO,
Presidente Em 10.06.2020." (doc. 2)"
10. Em cumprimento ao referido ato, instituiu-se, então, sem qualquer tipo de votação e a partir de mera indicação pelos Líderes, a Comissão Especial de Impeachment, no dia 18.6.2020 (doc. 2).
11. É exatamente com base na formação dessa atual Comissão Especial de Impeachment que o reclamante deduziu, no writ objeto desta reclamação e naquilo que para ela importa, 2 (duas) evidentes ilegalidades praticadas pelas autoridades coatoras (ora reclamados), em claro desrespeito às balizas vinculantes firmadas por esta Suprema Corte:
1. a Comissão Especial de Impeachment foi instituída pela simples indicação de líderes partidário, sem qualquer posterior votação (aberta, ainda que simbólica, veiculada no Diário Oficial); e
2. a formação da Comissão Especial desrespeitou por completo da regra da proporcionalidade partidária, tendo em vista que cada partido teve direito a indicar um membro. Com isso, partidos restaram sub representados (aqueles com as maiores bancadas, mas com apenas um representante na Comissão Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas, foram super representados, com artificial desvirtuamento das próprias forças políticas existentes no Parlamento.
12.Dentre outras ilegalidades apontadas no mandado de segurança, o fato inquestionável é o de que as 2 (duas) acima mencionadas revelam claro descumprimento de parâmetros já bem definidos pelo STF ao interpretar, em sede de controle concentrado (com caráter vinculante - CF /88, 102, § 2º), a Lei nº 1.079/50, fonte normativa exclusiva, em tema de crime de responsabilidade. Assim procedeu o STF ao julgar a ADPF 378 MC/DF e a ADI 5.895/RR e ao editar a súmula vinculante 46 do STF (CF/88, art. 103 A).
13. Nesse contexto, o reclamante, por meio do mandado de segurança, deduziu, inicialmente, pedidos de urgência, a fim de que o Órgão Especial do e. Tribunal a quo suspendesse ou anulasse os referidos atos ilegais, praticados pela ALERJ em total descumprimento à autoridade decisória de precedentes vinculantes desta Suprema Corte e do rito a ser compulsoriamente observado em tema de crime de responsabilidade.
No entanto, o Ilustre Desembargador Relator, também indicado como autoridade reclamada, indeferiu o pedido de medida liminar ali formulado, chancelando, assim, ele próprio, os descumprimentos dos comandos deste Supremo Tribunal Federal realizados pelo Poder Legislativo.
15. Daí a presente reclamação, com pedido urgente de medida liminar.
III. MANIFESTO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO: DOIS ATOS PRATICADOS PELAS AUTORIDADES COATORAS (ORA RECLAMADOS) E DECISÃO JUDICIAL (TAMBÉM OBJETO DESTA RECLAMAÇÃO) QUE OS MANTEVE.
III.A DOS ATOS RECLAMADOS E PARADIGMAS VIOLADOS.
16.Reclamação, como se sabe, é instrumento processual que objetiva resguardar, contra atos do Poder Público, a competência desse e. Supremo Tribunal Federal e a autoridade de seus julgados, notadamente quando impregnados de eficácia vinculante, como se dá com aqueles proferidos em sede de fiscalização normativa abstrata. A respeito do cabimento desta reclamação para essa e. Corte, dispõe o art. 102, I, 'l', da CF/88 que "compete ao Supremo Tribunal Federal (...) processar e julgar (...) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões". Já o art. 103 A, §3°, da CF/88 prevê que, "do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal".
17. Nesse mesmo sentido dispõe o art. 988, III, do CPC/15, ao prever que "caberá reclamação da parte interessada" para "garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade". E em sintonia com essa regra, o art. 9°, I, 'c' do RI STF ainda prevê que compete às Turmas do STF processar e julgar, originariamente, "a reclamação que vise a preservar a competência do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas decisões ou Súmulas Vinculantes".
18. Com bases nessas premissas é que esta reclamação - encartada na hipótese dos arts. 102, I, 'l', 103 A, , §3°, da CF/88 c/c art. 988, III, do CPC/15 - é o meio processual adequado para a correção dos desvios dos atos administrativos e da decisão judicial reclamados em relação a parâmetros já previamente definidos em acórdãos proferidos em sede de controle de constitucionalidade e em Súmula Vinculante. Afinal, esta reclamação é proposta contra os seguintes atos:
i) Os 2 (dois) atos administrativos praticados no processo de impedimento do reclamante pelo Presidente da ALERJ, pelo Presidente da Comissão Especial de Impeachment e pelo Relator da Comissão Especial de Impeachment; e
ii) A decisão judicial proferida pelo Exmo. Desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança n° 0045844- 70.2020.8.19.0000, por meio da qual indeferiu os pedidos de tutela de urgência formulados pelo ora reclamante, a qual permitiu a manutenção dos referidos atos administrativos.
19. Os reclamados, ao praticarem todos esses atos (dois administrativos e um judicial), violaram a autoridade:
i) da Súmula Vinculante n° 46, a qual prevê ser competência legislativa privativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas para processo e julgamento; e
ii) dos acórdãos proferidos por esta Suprema Corte ao julgar a ADPF 378 MC/DF (analisou a recepção das normas previstas na Lei n° 1.079/1950 à luz da CF/88) e a ADI 5.835/RR (em que se fez o filtro de constitucionalidade da disciplina atinente ao processo por crime de responsabilidade contra Governadores de Estado, considerado o monopólio da União Federal na matéria).
20. dos acórdãos proferidos por esta Suprema Corte ao julgar a ADPF 378 MC/DF (analisou a recepção das normas previstas na Lei n° 1.079/1950 à luz da CF/88) e a ADI 5.835/RR (em que se fez o filtro de constitucionalidade da disciplina atinente ao processo por crime de responsabilidade contra Governadores de Estado, considerado o monopólio da União Federal na matéria).
21. Esse entendimento se reforça à luz do art. 85, parágrafo único, da CF/88, que exige lei especial federal para definir, processar e julgar crimes de responsabilidade. É a Lei 1.079/1.950, recepcionada, com algumas ressalvas, pela CF/88 (ADPF 378 MC/DF, Rel. para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJe 8.3.2016).
22. O que, em suma, o reclamante busca, nesta reclamação, é valer-se do meio processual mais adequado, célere, eficaz para preservar a autoridade das decisões dessa e. Corte. Até porque, diga-se logo, o prejuízo já milita contra o reclamante, na medida em que o prazo para apresentar defesa no processo de Impeachment (permeado de ilegalidades em seu rito) já está em curso, com termo em 29.7.2020, quarta feira. Pretende se, pois, aqui, restaurar a autoridade desse e. STF e os parâmetros já definidos na Súmula Vinculante 46 e nos acórdãos da ADPF 378 MC/DF e da ADI 5.895/RR.
III.B JURISPRUDÊNCIA DO STF ESPECÍFICA SOBRE O CABIMENTO DE RECLAMAÇÃO PARA ANULAR ATOS PRATICADOS PELO PODER LEGISLATIVO EM PROCESSOS DE IMPEACHMENT
23. Não é incomum o ajuizamento de reclamações perante esta Suprema Corte, contra atos praticados em "processos de Impeachment" que desrespeitem o rito federal previsto pela Lei nº 1.079 (fonte normativa exclusiva na matéria, tal como estabelece a SV 46) e a filtragem constitucional realizada por esta Suprema Corte nos julgamentos da ADPF 378 e da ADI 5.895.
24. Em recente caso análogo, o eminente Ministro Luís Roberto Barroso deferiu pretensão de urgência postulada por 2 (dois) vereadores em uma medida cautelar na Reclamação 38.371/PR, que se voltava contra decisão proferida pela Câmara Municipal que prestigiou legislação estadual/local em detrimento da federal, dentro de um processo de Impeachment (no caso, do Prefeito). Nas palavras do eminente relator, que inclusive citou vários outros precedentes, "ao afastar o regramento federal, para aplicar o princípio da simetria e a legislação estadual e local, o ato reclamado, aparentemente, acabou por contrariar a Súmula Vinculante. Nessa linha, confiram-se, entre outras, Rcl 22.034, da minha relatoria; Rcl 24.727, Rel. Min. Dias Toffoli; e Rcl 37.923, Rel. Min. Alexandre de Moraes. Presente, portanto, o fumus boni iuris. Igualmente presente o periculum in mora, em face do eminente encerramento da sessão legislativa."
25. Em outro caso ontologicamente análogo e bastante recente, agora sob a relatoria do eminente Ministro Edson Fachin (Reclamação 40.561/RS, DJe. 14.5.2020), igualmente foi deferida a pretensão de urgência contra ato que, em sede de Impeachment de Prefeito Municipal, criou uma modalidade de Sessão de julgamento não prevista em Lei Federal, em afronta à Súmula Vinculante 46 do STF.
26. Também assim Vossa Excelência, Ilustre Ministro Dias Toffoli, que, ao deferir medida liminar na Rcl 24.727 (já julgada monocraticamente em seu mérito e também movida tanto contra ato de Tribunal de Justiça, como contra ato do Poder Legislativo em processo em Impeachment), assim se manifestou:
"(...). Em juízo de estrita delibação, próprio dos provimentos liminares, e da perspectiva da definição, do processo e do julgamento de crimes de responsabilidade estarem regulamentados por lei nacional, da competência privativa da União, entendo que assiste razão jurídica à tese de violação à SV nº 46 e à decisão na ADPF nº 378/DF pelo TJ/PA ao legitimar o recebimento de denúncia e a deliberação pela cassação do mandato de prefeito do Município de Novo Progresso por escrutínio secreto (...)".
27. Também assim as decisões proferidas na Reclamação 37.923/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 20.11.2019 e na Reclamação 22.034 MC/SP, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe 24.11.2015.
28. Vê se, portanto, que se mostra viável a presente reclamação (movida contra decisão judicial e também contra atos praticados pela ALERJ na tramitação do processo de Impeachment) sendo plenamente legítimos os pedidos nela veiculados, já acolhidos por esta Suprema Corte em outras reclamações movidas em contexto em tudo idêntico, considerado o desrespeito à SV 46 e aos julgamentos vinculantes proferidos na ADPF 378 e na ADI 5.895.
IV. MÉRITO:
DO MANIFESTO DESCUMPRIMENTO À AUTORIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS NA ADI 5.895, NA ADPF 378, BEM ASSIM À FORÇA VINCULANTE DA SV 46:
COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT FORMADA SEM QUALQUER VOTAÇÃO DE SEUS MEMBROS E À REVELIA DE QUAQUER CRITÉRIO DE PROPORCIONALIDADE PARTIDÁRIA - CRIAÇÃO DE UM NOVO RITO PELA AUTORIDADE ESTADUAL.
29. Como sintetizado, a ALERJ, ao fixar o rito que está sendo seguido nos processos políticos administrativos (o principal e o apenso) movidos contra este Governador, determinou que a Comissão Especial do Impeachment seria assim constituída: mediante "indicação" dos seus membros por cada partido, sendo certo que cada agremiação faria jus a um único assento no órgão, independentemente do número de parlamentares eleitos. Eis o que se contém no pronunciamento do Ilustre Presidente da ALERJ:
"(...). Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido indique um representante para a comissão e, depois, essa comissão terá 48 horas para eleger o presidente e o relator. Rogo aos líderes que façam as indicações. O prazo vai contar a partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o representante do partido nessa comissão".
30. Esse rito fixado pela Nobre Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro destoa daquele fixado no art. 19 da Lei nº 1.079, sede normativa exclusiva na matéria, nos exatos termos da Súmula Vinculante 46 desta Suprema Corte, verbis:
"Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma"
31. "Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma".
32. Há, portanto, no art. 19 da Lei Federal especial sobre a matéria, dupla exigência a ser observada em tema de constituição da Comissão Especial encarregada de inicialmente analisar acusações de crime de responsabilidade contra Chefes do Poder Executivo: a de que os nomes dos integrantes da Comissão Especial sejam submetidos à eleição e a de que a composição dessa mesma Comissão Especial deve ao máximo refletir a proporção partidária da Casa.
33. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no entanto, inovou na matéria e criou rito até então inexistente, além de flagrantemente destoante daquele previsto na Lei nº 1.079, pois DISPENSOU a votação, ainda que simbólica, dos membros da Comissão Especial, contentando-se com a mera indicação partidária, além de ter criado um Colegiado completamente descolado das reais forças políticas que compõem o Parlamento Estadual, com total quebra de qualquer mínima regra de proporcionalidade, já que cada agremiação foi contemplada com uma vaga, independentemente do tamanho de sua bancada.
34. Assembleias Legislativas, no entanto, não podem criar ritos para processos políticos administrativos por crime de responsabilidade, nos exatos termos da Súmula Vinculante 46, claramente violada na espécie.
35. Provocado o tema em sede de mandado de segurança, o Ilustre Desembargador Relator, também apontado como autoridade coatora, ao indeferir o pedido de tutela de urgência, chancelou o novo rito criado pela ALERJ (em que os membros não são jamais eleitos, apenas indicados, e no qual não se observa a regra da proporcionalidade partidária), invocando, para tanto, em resumo, os seguintes fundamentos:
"Assim, por simetria à hipótese decidida pela suprema Corte, a formação da comissão especial nas Assembleias Legislativas estaduais deve ocorrer mediante indicação de membros pelos líderes dos partidos políticos, a afastar a suscitada necessidade de eleição. Desta feita, entendeu também o Supremo Tribunal Federal que a expressão "comissão eleita" contida no art. 19 da Lei nº 1.079/51 significa "escolhida" (...)"
(¿)
No que se refere ao ventilado desrespeito à proporcionalidade, verifica se, a princípio, a impossibilidade prática, no caso concreto, de observar tal recomendação concomitantemente à representação de todos os partidos políticos da Casa Legislativa. Isso porque os 25 membros que representam todos os partidos já espelham o percentual de 35,7% da composição plenária da ALERJ, não sendo razoável que a comissão especial tenha em sua composição número ainda maior de Deputados".
36. Com todo o respeito devido, há, por parte da Nobre Assembleia Legislativa (que inovou em tema de processo por crime de responsabilidade), e por parte do ilustre Desembargador apontado como reclamado, claro desrespeito à Súmula Vinculante 46/STF, explícita no sentido de que compete exclusivamente à União Federal disciplinar as normas materiais e procedimentais em tema de crimes de responsabilidade, sendo vedado às autoridades estaduais dispor de forma diferente daquela estabelecida na Lei nº 1.079, fonte normativa exclusiva na matéria.
37. Em primeiro lugar porque, como dito, o art. 19 é claríssimo ao prever que os membros da Comissão Especial do Impeachment devem ser "eleitos". A eleição dos integrantes do órgão, portanto, é requisito imposto pela Lei nº 1.079.
38. Não por outro motivo, no "Caso Collor", os membros da Comissão, após indicação de seus nomes pelos líderes partidários respectivos, foram eleitos, ainda que de forma simbólica, pelo Plenário da Casa, em rito chancelado por este Supremo Tribunal.
39. Como se não bastasse a expressa previsão no art. 19 da Lei nº 1.079, o que impediria qualquer ritualística diferente, sob pena de violação à Súmula Vinculante 46, tal como ocorrente na espécie, o fato é que esta Suprema Corte, no julgamento da ADPF 378, ao realizar uma filtragem constitucional da Lei de Crimes de Responsabilidade (fonte exclusiva na matéria), foi expressamente provocada a ser pronunciar sobre o art. 19 da Lei nº 1.079, mais precisamente sobre a exigência de "eleição" dele constante.
40. E o fato é o de que o Ministro Luís Roberto Barroso, em verdadeira posição de auto contenção e em reconhecida deferência ao antecedente do "caso Collor", não impôs qualquer interpretação conforme ou qualquer restrição semântica à exigência de "eleição" dos membros da Comissão Especial, tal como constante do art. 19 da Lei nº 1.079.
41. É dizer: não assiste razão à decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência por este Governador de Estado, quando afirma que esta Suprema Corte teria assentado que o termo "eleição" significaria "escolha".
42. Não foi isso o que esta Suprema Corte fez, no julgamento da ADPF 378, justamente em respeito à legislação existente e à experiência já consolidada sob a égide da Carta Política de 1988, precisamente num tema com a delicadeza institucional como o é o Impeachment.
43. Eis o que se contém no voto proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, acompanhado pela maioria desta Casa:
"Eleita pode ter dois sentidos: 'sujeita à votação', ou pode ter o sentido de 'escolhida' - Comissão Especial escolhida. Eu até fui ao Aurélio hoje pela manhã, e a primeira acepção de eleita é escolhida, não é votada. Portanto, essa é uma acepção possível, e não só é uma acepção possível, como é a única que faz sentido (...).
(...).
Porém, eu não vou fazer a retificação para aplicar nesse caso, por enquanto, porque eu estou seguindo tudo como feito no precedente "Collor" e, no precedente "Collor", a Comissão foi efetivamente eleita, homologada pelo Plenário".
44. A gravidade inerente aos processos políticos administrativos de Impeachment, portanto, fez com que esta Suprema Corte, ao submeter a Lei nº 1.079 a uma clivagem constitucional, prestigiasse, tanto quanto possível, não apenas as disposições já expressas na lei, mas, também, a própria experiência do "caso Collor", com o que se atribuiria ao regime jurídico constitucional dos crimes de responsabilidade tônus de estabilidade e previsibilidade.
45. Não por outro motivo, a parte dispositiva do julgamento proferido na ADPF 378 atesta a declaração de recepção do art. 19 da Lei nº 1.079, sem qualquer ressalva quanto a ele.
46. Nesse contexto, portanto, em que esta Suprema Corte, no julgamento da ADPF 378, expressamente opta, em típica filtragem constitucional, por validar a integralidade do art. 19 da Lei nº 1.079 (em especial no que concerne à necessidade de eleição, ainda que simbólica, tal como previsto em lei e tal como praticado tanto no "caso Collor" como no "caso Dilma"), descabe às autoridades estaduais inovar em tal ritualística e ir além daquilo que está na Lei Federal específica e daquilo que consta do julgado vinculante desta Suprema Corte.
47. Ao assim proceder, as autoridades reclamadas desrespeitaram a autoridade decisória não apenas do julgamento proferido na ADPF 378 (ignorando o juízo de recepção, sem ressalvas, que ali foi feito quanto ao art. 19), mas, por igual, a própria força vinculante da SV 46, claríssima no sentido de que a disciplina jurídica em tema de crimes de responsabilidade é exclusiva da União Federal, falecendo aos Estados Membros fugir, adequar ou restringir os termos da Lei nº 1.079.
48. Como se não bastasse, em momento posterior à ADPF 378, esta Suprema Corte ratificou orientação de que a Comissão Especial do Impeachment, inclusive de âmbito estadual, deve ser eleita.
49. É o que se contém no julgamento da ADI 5.895/RR, também descumprido, ocasião em que o Plenário desta Casa assentou a constitucionalidade de dispositivo interno de Assembleia Legislativa que continha tal exigência, justamente por entender que se tratava de reprodução obrigatória de exigência constante do art. 19 da Lei nº 1.079, já chancelada por este Supremo Tribunal Federal, quando da ADPF 378.
50. Isso significa, portanto, que as autoridades reclamadas, ao entenderem ser "dispensável" que os nomes dos integrantes da Comissão Especial do Impeachment, após indicação dos líderes partidários respectivos, fossem submetidos à eleição, mesmo que simbólica, desrespeitaram a autoridade decisória dos julgamentos proferidos na ADPF 378 e na ADI 5.895 e, ainda, ao criarem uma ritualística que destoa daquela prevista na Lei nº 1.079 bem assim da prática institucional brasileira nos casos "Collor" e "Dilma", violaram em idêntica medida a SV 46.
51. Tudo a autorizar, portanto, o deferimento dos pedidos ora formulados na presente reclamação.
52. Mas há mais. Isso porque, como visto, a Comissão Especial do Impeachment foi composta por um membro de cada partido político, independentemente do tamanho e da expressão de sua respectiva bancada, com o que se nulificou integralmente a regra da proporcionalidade, expressamente fixada no mesmo art. 19 da Lei nº 1.079.
53. No caso concreto, insista-se, cada partido político teve direito a um único representante na Comissão Especial, o que desvirtuou por completo a equivalência de forças existente no âmbito do Poder Legislativo, tornando desviada eventual manifestação de vontade por este órgão.
54. No caso concreto, insista-se, cada partido político teve direito a um único representante na Comissão Especial, o que desvirtuou por completo a equivalência de forças existente no âmbito do Poder Legislativo, tornando desviada eventual manifestação de vontade por este órgão.
55. No caso concreto, insista-se, cada partido político teve direito a um único representante na Comissão Especial, o que desvirtuou por completo a equivalência de forças existente no âmbito do Poder Legislativo, tornando desviada eventual manifestação de vontade por este órgão.
56. Em resumo: é uma Comissão Especial que não reflete nem de longe a realidade política da própria Assembleia e que ignora por completo a exigência constante não apenas do art. 58, § 1º da Carta Política, mas, por igual, do art. 19 da Lei nº 1.079, claro ao prever que, da "Comissão Especial", devem participar "representantes de todos os partidos", "observada a respectiva proporção".
57. Ora, se a Lei Federal é clara ao exigir a observância da proporcionalidade partidária na composição da Comissão Especial do Impeachment, não poderia a ALERJ criar um "NOVO RITO", com previsão concebida justamente para neutralizar e esvaziar a exigência legal e constitucional.
58. Ao assim proceder, ou seja, ao inovar, ao criar rito novo, em que não há proporcionalidade alguma, claramente destoante daquele previsto no art. 19 da Lei nº 1079, a ALERJ claramente ofendeu a SV 46.
59. Houve, também, ofensa clara ao julgamento vinculante da ADPF 378 MC/DF, ocasião em que esta Suprema Corte, ao realizar uma filtragem constitucional do art. 19 da Lei nº 1.079, MANTEVE A EXIGÊNCIA DA OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE, que também está na Constituição da República, apenas entendendo pela possibilidade também "de se calcular a proporcionalidade na Comissão a partir dos blocos parlamentares"..
60. Eis o que se contém no voto proferido pelo Ilustre Ministro Luís Roberto Barroso:
"(...) se, por força do art. 58, § 1º da Constituição, a representação proporcional é do partido ou bloco parlamentar, os nomes do partido não podem ser escolhidos heteronomamente, de fora para dentro, em violação ao princípio constitucional da autonomia partidária (CF/1988, art. 17, § 1º). Isso, é claro, desfiguraria a proporcionalidade. De acordo com as normas regimentais, as comissões devem ser compreendidas como órgãos formados por partidos ou blocos parlamentares, sendo a estes que se assegura, tanto quanto possível, o direito de participação proporcional à representação no Plenário da Casa. Há, portanto, direito subjetivo dos partidos ou blocos de serem contemplados nas comissões, na proporção que ocupem no Plenário".
61. Para que dúvidas não pairassem, Vossa Excelência, Ilustre Ministro Presidente Dias Toffoli, após o voto do saudosíssimo Ministro Teori Zavascki, travou o seguinte debate com o Ministro Gilmar Mendes:
"O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Uma questão que eu gostaria de trazer, Ministro Teori, se me permite, até porque eu fui assessor parlamentar na Câmara dos Deputados durante cinco anos, é que candidaturas avulsas são admitidas para as eleições, por exemplo, da composição da mesa, tanto para a Presidência quanto para a Vice-Presidência e para as secretarias da Mesa da Câmara dos Deputados. O que a Constituição exige é a proporcionalidade, que se respeite a proporcionalidade partidária.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Partidária ou de bloco, não é?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Partidária ou de bloco. A questão se a vaga vai ser do a ou do b na eleição, eu penso que é uma questão interna corporis da Câmara dos Deputados. O que não se pode ter aqui é uma comissão que seja eleita com desrespeito à proporção prevista na Constituição (...). O que a Constituição exige - e aqui eu entendo que, aí, sim, nós podemos analisar e enfrentar - é se foi respeitada a proporcionalidade, isso sim".
62. Em sede de embargos declaratórios na mesma ADPF 378, Vossa Excelência, Ilustre Ministro Presidente, voltou a asseverar: "O que a Constituição garante, e eu disse, quando do voto em dezembro, é que haja a proporcionalidade. E nós estamos aqui sim, aptos a interferir".
63. Data vênia, ao simplesmente desconfigurar, neutralizar, esvaziar a regra da proporcionalidade prevista no art. 19 da Lei nº 1.079 e no art. 58, §1º da Carta Política, as autoridades reclamadas claramente instauraram rito novo, completamente dissociado das balizas firmadas por esta Corte Suprema na ADPF 378, cujo julgamento foi frontalmente desrespeitado, e em claro desrespeito à Súmula Vinculante 46.
64. Consoante dito por esta Casa no julgamento da ADPF 378, claramente violado, é direito subjetivo das agremiações partidárias se fazerem representar na Comissão Especial do Impeachment, observada, tanto quanto possível, o peso de sua representatividade e o tamanho de sua bancada.
65. De idêntica forma, é direito do acusado ter sua defesa submetida à análise de uma Comissão Especial que revele, ao máximo possível, a dinâmica de forças presente na Assembleia, sob pena de burla à própria regra da representatividade que timbra as Casas Legislativas.
66. Data vênia, como assentar que partidos que o PSL (09 deputados eleitos) ou o PSOL (05 deputados eleitos) ou o DEM (05 deputados) possuam o mesmo número de representantes na Comissão Especial (um único) que partidos que possuem apenas um único representante na Assembleia?
67. Fixar número igual de representantes a partidos com bancadas tão assimétricas, portanto, é criar rito novo, em que não há exigência de qualquer mínima proporcionalidade.
68.Tal proceder, contudo, ofende claramente o julgado desta Casa na ADPF 378, a Súmula Vinculante nº 46 e se afasta em absoluto da ritualística prevista no art. 19 da Lei nº 1.079 e na própria Carta Política (art. 58, § 1º). Tudo a justificar, também aqui, o deferimento dos pedidos veiculados na reclamação.
69. Não custa mencionar, finalmente, que esta Corte Suprema, ao projetar, para o âmbito estadual, as regras atinentes aos crimes de responsabilidade, tais como fixadas na Lei 1.079, igualmente reafirmou a imprescindibilidade de respeito à regra da proporcionalidade, na formação da Comissão Especial do Impeachment, o que fez no julgamento da ADI 5.895, Rel. Min Alexandre de Moraes, também desrespeitado na espécie.
70.Nesse contexto, portanto, constatada a clara desconsideração da regra da proporcionalidade, com nítido desrespeito à baliza legal federal (art. 19 da Lei de Crimes de Responsabilidade), com clara desconsideração do precedente vinculante firmado na ADPF 378 e reafirmado na ADI 5.895, tudo isso com igual ofensa à Súmula Vinculante 46 (que não permite inovações pelas autoridades locais, nem mesmo mediante invocação do princípio da "razoabilidade", em tema de Impeachment), pede se sejam deferidos os pedidos acautelatórios postulados na presente reclamação, cuja procedência, no mérito, também se requer.
V. DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA.
71. Senhor Ministro Presidente: é de todos sabido a gravidade político institucional de procedimentos que visem à destituição de seus mandatos de Governadores de Estado legitimamente eleitos, com a grave daí decorrente.
72. Não por outro motivo, esta Suprema Corte consolidou sua jurisprudência no sentido de que apenas lei federal específica pode disciplinar a matéria, com o que se consolida uma arquitetura legal única e segura, capaz de conferir o maior grau de confiabilidade e previsibilidade possível aos processos por crime de responsabilidade movidos contra Chefes do Poder Executivo.
73. No caso, como demonstrado, a ALERJ, em atos chancelados pelo Ilustre Desembargador Relator do MS 0045844 70.2020.8.19.0000 no TJ/RJ, se afastou não apenas das balizas previstas no art. 19 da Lei nº 1.079, mas, por igual, da jurisprudência vinculativa desta Suprema Corte, firmada no julgamento da ADPF 378 e da ADI 5.895, criando ritualística local nova e distinta, em clara ofensa à Súmula Vinculante 46.
74. Ajustes precisam ser feitos, até mesmo para fins pedagógicos, já que, como sabido, num momento de grave crise de saúde pública e de clara polarização política, diversos pedidos de Impeachment contra Governadores de Estados tramitam nas Assembleias Legislativas, sendo temerário que cada uma possa, ao seu critério, criar sua própria ritualista, em total desrespeito aos parâmetros da Lei Federal e desta Suprema Corte.
75. No caso concreto, acha-se em curso o prazo de 10 sessões parlamentares deste Governador de Estado para apresentação de sua defesa, a expirar em 29.7.2020, quarta-feira.
76. É iminente, portanto, o término do prazo para que este Governador de Estado apresentar peça defensiva a uma Comissão Especial manifestamente ilegítima, seja porque o nome de seus membros jamais foi submetido à eleição, mesmo que simbólica, seja, ainda, porque formada em total desconsideração da cláusula legal e constitucional da proporcionalidade partidária.
77. Imperioso, com todo respeito, uma correção de rumos, até porque descabe cogitar-se da apresentação de um parecer em tema institucionalmente tão sensível, por uma Comissão Especial completamente dissociada e descolada da composição de forças existente no âmbito da própria Casa Legislativa.
78. Quanto antes forem feitos os devidos ajustes, menor os vícios a serem corrigidos.
79. Presentes, portanto, os requisitos do periculum in mora (já que o prazo para defesa por este Governador se encerra em poucos dias) e da probabilidade jurídica do direito invocado, considerada as violações aos precedentes vinculantes firmados na ADPF 378, na ADI 5.895, bem assim a ofensa à Súmula Vinculante 46, pede-se, em sede de tutela de urgência, que Vossa Excelência, inaudita altera pars:
1) Conceda medida liminar, sustando-se os efeitos dos atos reclamados, para que seja imediatamente desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº 5.360/2020), formando-se outra em seu lugar, agora com observância dos parâmetros vinculantes desta Corte, ou seja, com representantes que correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade partidária e apenas após votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico;
2) Caso assim não se entenda, pede-se a concessão de medida liminar ao menos em parte, para que, ao menos por ora, seja sustado o prazo para apresentação da respectiva defesa por este Governador de Estado, prazo que se consuma em 29/07 (risco de perecimento do direito), até que possam ser recebidas as respectivas informações das autoridades reclamadas e também da ALERJ, além de coletado o parecer da douta PGR, quando a medida de urgência poderá ser novamente avaliada por esta Suprema Corte.
VI. DOS PEDIDOS.
80. Ante todo o exposto, pede e espera o ora reclamante:
1) A concessão de medida liminar, sustando-se os efeitos de todos os atos reclamados, para que seja imediatamente desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº 5.360/2020), determinando-se a formação de outra em seu lugar, agora com observância dos parâmetros vinculantes desta Corte e da Lei Federal específica, ou seja, com representantes que correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade partidária e apenas após votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico, comunicando se com urgência as autoridades reclamadas;
2) Caso assim não se entenda, pede-se a concessão de medida liminar ao menos em parte, para que, ao menos por ora, seja sustado o prazo para apresentação da respectiva defesa por este Governador de Estado, prazo que se consuma em 29/07 (risco de perecimento do direito), até que possam ser recebidas as respectivas informações das autoridades reclamadas e também da ALERJ, além de coletado o parecer da douta PGR, quando a medida de urgência poderá ser novamente avaliada por esta Suprema Corte, comunicando-se com urgência as autoridades reclamadas.
81. Após a concessão da medida liminar postulada acima, pede-se sejam requisitadas as informações aos reclamados (CPC/15, art. 989, I), bem como a intimação/citação de eventuais beneficiários, tal como a Procuradoria da ALERJ (CPC/15, art. 989, III e RI STF, art. 159).
82. Pede-se, ainda, seja ouvida a douta Procuradoria Geral da República e, no mérito, seja confirmada a medida liminar anteriormente deferida, com o decreto de PROCEDÊNCIA da presente reclamação, para que:
i) Seja desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº 5.360/2020), com anulação de todos eventuais atos por ela praticados, determinando se a formação de outra em seu lugar, agora com observância dos parâmetros vinculantes desta Corte e da Lei Federal específica, ou seja, com representantes que correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade partidária e apenas após votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico, comunicando-se com urgência as autoridades reclamadas. (¿)" (grifos originais)
X - DA RESPOSTA DA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ À RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPETRADA PELO DENUNCIADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ao tomar conhecimento da Reclamação Constitucional impetrada pela defesa do Governador Wilson Witzel, a Procuradoria Geral da ALERJ, mais uma vez de forma espontânea, através do Ofício PGPR nº 35/2020, datado de 23 de julho de 2020, ofereceu resposta à mencionada Reclamação, na forma que passo a citar:
"(...)
FATOS
O Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Rio de Janeiro, Doutor WILSON JOSÉ WITZEL, ajuizou esta Reclamação alegando, em síntese, defeito na instalação e na composição da Comissão Especial destinada a oferecer parecer quanto à Denúncia formulada contra o insigne Reclamante pelos Excelentíssimos Senhores Deputados Luiz Paulo e Lucinha em virtude de alegado cometimento de crime de responsabilidade.
CARÁTER OPINATIVO DA COMISSÃO ESPECIAL
Mesmo que se admitisse que houvesse ilegalidade na composição da Comissão Especial do Impeachment, o que ora se imagina apenas a título de argumentação, nenhuma lesão poderia ser arguida pelo insigne Reclamante.
Em primeiro lugar, o Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da Comissão Especial pode elaborar Voto no sentido da rejeição da Denúncia em virtude de alegado crime de responsabilidade. Em segundo lugar, qualquer que seja o Voto do Excelentíssimo Senhor Deputado Relator, a própria Comissão Especial poderá aprovar parecer - repita-se: parecer - no sentido da rejeição de tal Denúncia.
Por fim e o mais importante, o Parecer da Comissão Especial é meramente opinativo. Ele não vincula o Plenário da Assembleia Legislativa, o qual pode sempre decidir em sentido oposto ao parecer da Comissão Especial. Mais uma vez: quem decide é o Plenário da Assembleia Legislativa, não a Comissão Especial, legalmente incumbida de apenas oferecer parecer.
Na página 88 do venerando Acórdão decorrente do julgamento da ADPF n° 378 DF, lê-se:
"Aliás, o trabalho da comissão especial é essencialmente instrutório e opinativo, tendo em conta que as decisões políticas de deliberar sobre a denúncia e de autorizar a instauração do processo estão reservadas ao Plenário da Câmara dos Deputados, por força da Lei 1.079/50." (grifos acrescidos)
Na página 93 do venerando Acórdão, constata se: "De novo, cabe-se frisar que a Comissão Especial possui funções instrutórias e opinativas." (grifos acrescidos)
Por fim, leia-se o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Como se vê, se houvesse inconstitucionalidade ou ilegalidade na composição da Comissão Especial, não haveria risco para o insigne Reclamante, porque a deliberação sobre a Denúncia é de competência exclusiva do Plenário da Reclamada.
SÚMULA VINCULANTE N° 46
Os Reclamados concordam plenamente que a tipificação e o processo por crime de responsabilidade, à luz do Verbete n° 46 da Súmula Vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal, só podem ser feitos por lei federal.
Tal verbete sumular vinculante tem a seguinte redação:
"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União." (grifou-se)
Exatamente por isso, os Reclamados se pautam quanto ao processo por crime por responsabilidade, exclusivamente, pela Lei federal n° 1.079/1950.
Em outras palavras: nenhum regimento interno - nem o do próprio Parlamento fluminense, ora reclamado, nem o da Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima - foi utilizado como parâmetro no processo por crime de responsabilidade. Isso seria juridicamente impossível porque, nos termos do pré falado Verbete n° 46 da Súmula Vinculante do Pretório Excelso, as normas de processo e julgamento por crime de responsabilidade são de competência legislativa privativa da União.
ADPF n° 378 DF
Os Reclamados elogiam e subscrevem a invocação ao venerando Acórdão que julgou o mérito da ADPF n° 378 DF, publicado no Diário de Justiça eletrônico de 8 de março de 2016.
Exatamente por isso, os Reclamados, nos pontos em que a Lei federal n° 1.079/1950 é omissa ou não foi recepcionada pela vigente Constituição da República, utilizam o precedente consubstanciado na ADPF n° 378 DF.
ADI n° 5.895 RR
Em primeiro lugar, registre-se que estas Informações procuram veicular o mais profundo respeito pela fulgurante história do antigo Território Federal do Rio Branco, atualmente Estado de Roraima, prestes a completar seu septuagésimo sétimo aniversário de criação no próximo dia 13 de setembro. A "Amazônia do Norte da Pátria" sempre deve ser para todo brasileiro motivo de orgulho, desde seu "lindo berço, rincão Pacaraima".
Em segundo lugar, não se discute que a legislação do Estado de Roraima declarada constitucional pelo Pretório Excelso na ADI n° 5.895 RR não pode ser juridicamente questionada. Como é óbvio, a respetiva veneranda Decisão tem efeito vinculante.
Entretanto, nada permite que se obriguem os outros vinte e cinco Estados membros e o Distrito Federal a cumprir legislação do Estado de Roraima, inda que declarada constitucional por decisão definitiva, dotada de efeito vinculante e proferida pelo Colendo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal.
O efeito vinculante de que é dotada a veneranda Decisão na ADI n° 5.895 RR implica a vedação jurídico constitucional de o Poder Judiciário e o Poder Executivo recusarem cumprimento ou questionarem a higidez da Legislação roraimense dela objeto. Contudo, esse efeito vinculante não obriga o Estado do Rio de Janeiro a cumpri-la.
Numa Federação - inda que marcantemente centralizadora com a Brasileira - , a declaração de constitucionalidade com efeito vinculante de norma de um Estado membro não tem o efeito de vincular os outros Estados membros a obedecer a tal Legislação. O efeito vinculante significa, apenas, que não mais se pode juridicamente questionar, no âmbito espacial de validade da legislação objeto do controle abstrato de constitucionalidade, sua plena adequação à Lei Maior.
Além disso, ao julgar, em 27 de setembro de 2019, o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.895-RR, o Egrégio Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou que:
"1. Ação Direta não conhecida em relação ao inciso I do art. 65 da Constituição do Estado de Roraima, pois sua inconstitucionalidade já foi declarada no julgamento da ADI 4.805, Relator Ministro LUIZ FUX. 2. Compete apenas à União (art. 22, I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a definição de crimes de responsabilidade e sobre o processo e julgamento desses ilícitos. Essa competência foi exercitada pela edição da Lei Federal 1.079/1950, em grande parte recepcionada pela Constituição de 1988. (Enunciado 722 da Súmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, convertida na Súmula Vinculante 46). 3. No caso, são inconstitucionais os artigos 64 e 65, § 2º, da Constituição de Roraima, por afronta à competência legislativa da União para legislar sobre crimes de responsabilidade, seja tipificando os ilícitos ou disciplinando questões inerentes ao processo e ao julgamento. 4. A mera repetição, pela Assembleia Legislativa em seu Regimento Interno, da legislação federal de regência - tanto do regramento da Lei 1.079/1950, como do conteúdo prescrito pelo precedente firmado pela CORTE na ADPF 378 MC - denota uma coerente harmonização das normas sobre o funcionamento interno da Casa Legislativa na apuração dos crimes de responsabilidade do Governador e dos Secretários de Estado, o que não se confunde com a alegada invasão de competência legislativa da União." (grifos acrescidos)
Assim, o que fez a Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima foi, em seu Regimento Interno, meramente repetir a Lei federal n° 1.079/1950, que tipifica as condutas e rege o processo e julgamento por crime de responsabilidade. Ocorreu, nos termos do venerando Acórdão, "mera repetição".
Quanto à limitação da composição de comissão especial de Impeachment a um quarto da composição plenária da Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, há três problemas: a) o Regimento Interno do Augusto Parlamento roraimense não é lei em sentido formal a ponto de tornar se obrigatório para outros Estados;
b) o Regimento Interno do Augusto Parlamento roraimense não é lei federal a ponto de tornar se obrigatório para outros Estados;
c) como o Regimento Interno do Augusto Parlamento roraimense prevê que a Comissão Especial de Impeachment será composta por um quarto dos Membros do Parlamento, na Reclamada, ela teria dezoito Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, o que implicaria deixar sete Partidos Políticos sem representação.
Sim, na Reclamada, como adiante se demonstrará, há vinte e cinco Partidos Políticos representados, motivo por que a limitação do número de Membros da Comissão Especial de Impeachment nos termos da legislação roraimense implicaria, na melhor das hipóteses, a exclusão de sete deles, o que, sem dúvida, violaria o comando insculpido no art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950 de nela haver "representantes de todos os partidos".
Além disso, nenhuma lei federal determina o número máximo de membros ou a fração da composição plenária que deva ser imposta a comissão especial de Impeachment. Todavia, a Lei federal determina que haja pelo menos um membro de cada partido político em comissão especial de Impeachment.
BLOCO PARLAMENTAR
No venerando Acórdão da ADPF n° 378 DF, há várias menções a "bloco parlamentar". Posto que a Augusta Câmara dos Deputados, composta por quinhentos e treze Excelentíssimos Senhores Deputados Federais, tenha organizado Blocos Parlamentares, o Parlamento fluminense não formou nenhum bloco parlamentar.
O bloco parlamentar é, em determinado Parlamento e durante determinada Legislatura, a reunião, perante o correspondente plenário e as respetivas comissões, de dois ou mais partidos políticos com a finalidade de aumentar a representatividade, perante a Casa Legislativa, de determinadas ideias políticas. Destarte, a instituição de bloco parlamentar é uma decisão de partidos políticos destinada a facilitar a consecução dos elevados objetivos políticos comuns no que tange as suas atividades finalísticas: a atuação política perante o plenário e as comissões.
Repita-se: na Reclamada, nesta 12ª Legislatura, pelo menos por ora, não há nenhum bloco parlamentar formado.
ESCOLHA DA COMISSÃO ESPECIAL
O insigne Reclamante impugna o Ato/E/GP/n° 41/2020, afirmando que ele violou o Verbete n° 46 da Súmula Vinculante na medida em que não determinou a "eleição" dos Excelentíssimos Senhores Deputados que ora compõem a Egrégia Comissão Especial do Impeachment.
Com o devido respeito, o Ato/E/GP/n° 41/2020, o qual expressamente menciona a Súmula Vinculante n° 46 e a legislação federal sobre Impeachment, cumpriu o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950 nos termos da ADPF n° 378-DF.
Como o venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF tem quatrocentas e três páginas, destacar-se-ão os trechos que abordam a "forma de votação" para formação da comissão especial. Na página 2 do venerando Acórdão, lê-se:
"2. A cautelar incidental requerida diz respeito à forma de votação (secreta ou aberta) e ao tipo de candidatura (indicação pelo líder ou candidatura avulsa) dos membros da Comissão Especial na Câmara dos Deputados. A formação da referida Comissão foi questionada na inicial, ainda que sob outro prisma. Interpretação da inicial de modo a conferir maior efetividade ao pronunciamento judicial. Pedido cautelar incidental que pode ser recebido, inclusive, como aditamento à inicial. Inocorrência de violação ao princípio do juiz natural, pois a ADPF foi à livre distribuição e os pedidos da cautelar incidental são abrangidos pelos pleitos da inicial." (grifos acrescidos)
Por ora, observe-se que no precedente do Caso Dilma, a própria ADPF n° 378 DF, debateram-se, quanto à formação da comissão especial, duas questões: a) se, havendo votação para a comissão especial, ela seria aberta ou secreta; b) se seriam permitidas candidaturas avulsas ou somente as indicadas pelos eminentes Líderes partidários.
Lendo mais, agora na página 5 do venerando Acórdão:
"4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia partidária. Em rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para o rito de Impeachment em curso, contudo, não se considera inválida a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde que limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas. Procedência do pedido.
A VOTAÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOMENTE PODE SE DAR POR VOTO ABERTO (CAUTELAR INCIDENTAL): No Impeachment, todas as votações devem ser abertas, de modo a permitir maior transparência, controle dos representantes e legitimação do processo. No silêncio da Constituição, da Lei nº 1.079/1950 e do Regimento Interno sobre a forma de votação, não é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para a Comissão Especial de Impeachment. Em uma democracia, a regra é a publicidade das votações. O escrutínio secreto somente pode ter lugar em hipóteses excepcionais e especificamente previstas. Além disso, o sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível. Nesse caso, não se pode invocar como justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a liberdade e independência dos congressistas, afastando a possibilidade de ingerências indevidas. Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece o controle popular sobre os representantes, em violação aos princípios democrático, representativo e republicano. Por fim, a votação aberta (simbólica) foi adotada para a composição da Comissão Especial no processo de Impeachment de Collor, de modo que a manutenção do mesmo rito seguido em 1992 contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do procedimento." (grifos acrescidos)
Aqui, o ponto essencial: os representantes de cada Partido Político na Comissão Especial devem ser indicados pelos respetivos Líderes o que permite concluir que, nos termos do venerando Acórdão, em "rigor, portanto, a hipótese não é de eleição". Em verdade, se fosse permitida uma rigorosa eleição dos membros da Comissão Especial, partidos políticos com pequenas bancadas poderiam ser derrotados e seus membros rejeitados, o que, novamente nos termos do venerando Acórdão, implicaria "violação à autonomia partidária".
Lendo um pouco mais, depara-se na página 10 do venerando Acórdão:
"12. Cautelar incidental (candidatura avulsa): concessão integral para declarar que não é possível a formação da comissão especial a partir de candidaturas avulsas, de modo que eventual eleição pelo Plenário da Câmara limite-se a confirmar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos; e 13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão especial do Impeachment, esta somente pode se dar por escrutínio aberto." (grifos acrescidos)
Na página 12 do venerando Acórdão, mais uma vez se reafirma que, havendo votação para formação da comissão especial, além de o escrutínio dever ser aberto não se admitirão candidaturas avulsas. Confira-se:
"Quanto à cautelar incidental (candidatura avulsa), por maioria, em deferir integralmente o pedido para declarar que não é possível a formação de comissão especial a partir de candidaturas avulsas, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Quanto à cautelar incidental (forma de votação), por maioria, em deferir integralmente o pedido para reconhecer que a eleição da comissão especial somente pode-se dar por voto aberto, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello." (grifos acrescidos)
Nas páginas 27 e 28, leem se os seguintes trechos essenciais à compreensão histórica do venerando Acórdão:
Em 09.12.2015, em virtude da concessão do pedido liminar, a Presidência da Câmara dos Deputados prestou informações complementares e requereu a imediata revogação da liminar (eDOC 51), aduzindo que: (...)
e) em virtude da ausência de pacificação nas bancadas no tocante às indicações oficiais dos partidos, a Presidência da Câmara adiou a votação dos integrantes da comissão especial, estabelecendo as regras para que as candidaturas avulsas fossem registradas, tendo como parâmetro os artigos 7º, inciso I e 8º do RICD;
f) nesse sentido, os deputados que desejassem concorrer deveriam registrar chapas com pelo menos 33 integrantes (metade mais um da composição da comissão especial, respeitando se a proporcionalidade das bancadas e o número de vagas destinadas a cada partido). Caso fossem registradas chapas incompletas, far-se-ia eleição suplementar para o preenchimento das vagas restantes;
g) formaram-se duas chapas: uma constituída com os candidatos indicados pelos líderes de partidos e de blocos parlamentares e outra integrada por candidatos avulsos;" (grifos acrescidos)
Chega-se, finalmente, ao ponto crucial para que se compreenda o quadro fático do venerando e célebre Acórdão da ADPF n° 378 DF: no Caso Dilma, havia conflito interno nas bancadas partidárias e, por força de tais desavenças, o então Presidente da Augusta Câmara dos Deputados editou regras sobre composição de chapas, admitindo candidaturas avulsas.
Todavia, na Reclamada, a composição da Comissão Especial do processo de Impeachment transcorreu em total harmonia, cabendo a cada Líder indicar o representante do respetivo Partido Político. Não ocorreram conflitos partidários, não houve registros de chapas nem candidatos avulsos.
Nas páginas 87 e 88 do venerando Acórdão, lê-se:
"Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a participação de todos os partidos. No caso, seja a indicação feita por líderes a ser submetida à votação perante o Plenário da Câmara dos Deputados, seja a concorrência entre chapas oficial e avulsa, ambas as formas satisfazem os critérios formativos da comissão." (grifos acrescidos)
Assim como já se destacara no trecho da página 10 do venerando Acórdão, a indicação dos membros da Egrégia Comissão Especial por Líderes é, de novo, reputada constitucional.
Entretanto, o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950 tem a seguinte redação:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Então, como essa tal "eleição" deve ser feita? Consulte-se, então, as páginas 139 e 140 do venerando Acórdão:
'Eleita' pode ter dois sentidos: 'sujeita à votação', ou pode ter o sentido de 'escolhida' - Comissão Especial escolhida. Eu até fui ao Aurélio hoje pela manhã, e a primeira acepção de 'eleita' é 'escolhida', não é 'votada'. Portanto, essa é uma acepção possível, e não só é uma acepção possível, como é a única que faz sentido. Por que ela é a única que faz sentido? É que não há lógica que possa sustentar que os candidatos do partido 'A' que vão integrar a Comissão Especial sejam escolhidos não pelo partido 'A', que eles vão representar, mas pelo Plenário. Não! A indicação tem que ser pelos líderes. Você não pode ter o representante de um partido em uma Comissão eleito pelo Plenário."
Repita-se: o vocábulo "eleita" significa "escolhida"; escolhida pelos Líderes. Simplesmente, não se pode correr o risco de submeter-se a um plenário de Casa Legislativa a aprovação de indicações partidárias: se isso acontecesse, um partido político minoritário jamais escolheria seus membros nas mais importantes comissões parlamentares, marcantemente na Comissão Especial de Impeachment. Como cada partido político, com grande ou minúscula bancada, tem direito a indicar seu representante em comissão especial de Impeachment, admitir se votação pelo respetivo plenário implicaria tolerar que um partido político minoritário não conseguiria indicar o membro que elegesse - que escolhesse - para tão importante comissão.
A eleição da comissão especial significa, assim, escolha; a escolha se dá pelos respetivos Líderes. Na página 175 do venerando Acórdão decorrente do julgamento de mérito da célebre ADPF n° 378 DF, a dúvida é, finalmente, sepultada:
"62. A partir dessa premissa é que se deve examinar o art. 19 da Lei nº 1.079/1950, que prevê uma "comissão especial eleita" para emissão de parecer no rito de Impeachment na Câmara dos Deputados. Restam, assim, duas interpretações possíveis acerca do preceito legal: (i) a expressão 'eleita', nele prevista, implica comissão aprovada por votação do Plenário da Casa, destinada a validar ou não a indicação apresentada pelos líderes partidários; ou, o que me parece mais adequado, (ii) 'eleita' significa apenas escolhida, de maneira que a formação da comissão de Impeachment segue, por completo, o regramento padrão do RI/CD, que é de designação dos membros das Comissões pelos líderes.
63. Não há sentido na primeira interpretação. Não pode caber ao Plenário da Casa Legislativa escolher os representantes dos partidos ou blocos parlamentares. Tal mecanismo enfraqueceria, sobremaneira, a autonomia partidária e a garantia constitucional de representação proporcional dos partidos nas comissões. Logo, eleita deve significar escolhida, que é, aliás, uma das acepções léxicas possíveis. Portanto, esta é a interpretação que se entende correta e que se propõe seja adotada daqui por diante." (grifos acrescidos)
REPRESENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA COMISSÃO ESPECIAL
Relembre-se, inda mais uma vez, o teor do art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos acrescidos)
A Lei federal n° 1.079/1950 exige que a Comissão Especial do Impeachment seja composta por representantes de todos os Partidos Políticos da respetiva Casa Legislativa.
A Reclamada é, em obediência ao comando insculpido no caput do art. 27 da Constituição da República, composta por setenta Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, os quais são filiados a vinte e cinco diferentes Partidos Políticos.
Fixada a premissa de que o número de Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais é norma estabelecida na Constituição da República, confira-se, de acordo com documento oficial da Secretaria Geral da Mesa Diretora, a composição partidária da Reclamada:
(¿)
A fim de que se cumpra a regra de um representante por partido político em comissão especial de Impeachment, na Reclamada, ela terá, no mínimo, vinte e cinco Membros, porque, atualmente, há vinte e cinco Partidos Políticos nela representados.
Ocorre que o multicitado Acórdão decorrente do julgamento da ADPF n° 378 DF também determinou a representação de todos os partidos políticos de uma Casa Legislativa em comissão especial de Impeachment.
Na página 87 do venerando Acórdão, leem-se:
"Posto isso, extrai-se do diploma legal dois critérios formativos no que se refere à comissão especial: (i) a eleição de seus membros integrantes; e (ii) a participação em sua composição de representantes de todos os partidos políticos, observada a proporção partidária.
(...)
Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a participação de todos os partidos." (grifos acrescidos)
Em primeiro lugar, se todos os partidos políticos representados numa Casa Legislativa têm direito a vaga em comissão especial de Impeachment, não se pode, previamente, determinar nenhuma fração ou número máximo de tal comissão especial.
Em segundo lugar, a Lei federal n° 1.079 foi publicada em 12 de abril de 1950. Como ela foi promulgada entre 1° de fevereiro de 1947 e 31 de janeiro de 1951, o início de sua vigência ocorreu durante a trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara dos Deputados.
Na pré falada trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara dos Deputados, havia trezentos e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados Federais divididos, naquela época, entre dez Partidos Políticos. Considerada tal composição político partidária, a garantia de pelo menos um Membro de cada Partido Político em comissão especial de Impeachment talvez implicasse composição menor do que a necessária na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Em terceiro lugar, a Lei federal não determina o número máximo de membros ou a fração da composição plenária que deva ser imposta a comissão especial de Impeachment. Todavia, a Lei federal determina que haja pelo menos um membro de cada partido político em comissão especial de Impeachment.
Em quarto lugar, é democrático que se assegure a cada partido político representado em uma Casa Legislativa uma vaga em comissão especial de Impeachment. Se não fosse assim, seriam justamente os partidos políticos com menores bancadas que não teriam acesso a tal comissão especial, porque, evidentemente, ela seria partilhada apenas entre os grandes partidos políticos.
É importante observar-se que tal partilha exclusiva entre grandes partidos políticos ocorreria se houvesse eleição dos membros da comissão especial pelo respetivo plenário ou se fosse adotado estrito critério de proporcionalidade. Repita-se: ambos os argumentos tão rigidamente defendidos pelo Reclamante implicariam, sempre, a lesão ao direito dos pequenos partidos políticos de serem representados em comissão especial de Impeachment.
PROPORCIONALIDADE PARTIDÁRIA NA COMISSÃO
De novo, relembre-se o teor do multicitado art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos acrescidos)
Literalmente, além de um representante por partido político, cada comissão especial deveria espelhar a composição plenária da respetiva Casa Legislativa. Com o devido respeito e acatamento, essa interpretação, além de ser literal, anula completamente a regra constitucional pertinente.
Consulte-se, em primeiro lugar, o parágrafo único do art. 40 da Constituição da República de 1946, vigente quando foi publicada a Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 40 ..................................................................
Parágrafo único - Na constituição das Comissões, assegurar se á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos nacionais que participem da respectiva Câmara." (grifos acrescidos)
Confira-se, agora, o § 1° do art. 58 da Constituição da República de 1988:
"Art. 58 ................................................................. § 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. ............................................." (grifos acrescidos)
É comezinho que se interpreta uma lei - mesmo uma Lei federal - à luz da Constituição da República e nunca o contrário. Assim, quer se analise a Constituição da República de 1946, vigente na época da publicação da Lei federal n° 1.079/1950, quer se considere a atual Constituição da República de 1988, o comando legal de respeito à proporcionalidade partidária é podado pela determinação constitucional de que isso se dê "tanto quanto possível".
Aliás, a questão da cláusula "tanto quanto possível", inscrita na Lei Maior, não é exclusividade brasileira. Ela é tão rotineira nos Parlamentos mundiais que se a pode encontrar, por exemplo, no Regimento Interno do Augusto Parlamento Europeu, literalmente em português, um dos idiomas oficiais da União Europeia. Confirase em https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/RULES 9 2019 07 02 RULE 209_PT.html:
"Artigo 209º: Composição das comissões 1. .......................................................................... 2. A composição das comissões deve refletir, tanto quanto possível, a composição do Parlamento. A distribuição dos lugares nas comissões entre os grupos políticos deve corresponder ao número inteiro imediatamente superior ou inferior ao resultado do cálculo proporcional. Se não houver acordo entre os grupos políticos quanto à sua proporção numa ou mais comissões específicas, a Conferência dos Presidentes decide da distribuição. ............................................." (grifos acrescidos)
No caso da Reclamada, já se demonstrou que a composição da Comissão Especial é de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados, porque vinte e cinco Partidos Políticos nela são representados. Considerando-se que o Colendo Plenário da Reclamada conta com setenta Parlamentares, a Comissão Especial já representa 35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense.
A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética, além de ignorar a expressão constitucional "tanto quanto possível", implicaria a composição da Comissão Especial com número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa fluminense, ora Reclamada.
Neste passo, inda mais uma vez, é necessário reler se o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou se)
Com o devido respeito, por que uma comissão destinada a opinar - isto é, a emitir parecer - sobre uma denúncia por crime de responsabilidade precisa ser tão grande a ponto de ultrapassar 35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense? Simplesmente, não precisa!
Pelo exposto, considerados os vinte e cinco Partidos Políticos representados na Reclamada, a imposição legal de um representante de cada Partido Político na Comissão Especial do Impeachment, a composição plenária constitucionalmente imposta de setenta Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais e, finalmente, a cláusula constitucional do "tanto quanto possível", a única solução juridicamente possível era a composição da Comissão Especial na Reclamada com vinte e cinco Membros.
PERICULUM IN MORA
Sendo a atribuição da Comissão Especial, cuja composição ora se impugna, apenas a de oferecer parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade, a apresentação de Defesa pelo Reclamante não lhe pode trazer nenhum prejuízo. Em qualquer hipótese, o Egrégio Plenário da Reclamada terá a mesma composição e ele - somente ele - pode determinar o prosseguimento do processo, motivo por que não há, com o devido respeito, periculum in mora que justifique a concessão da liminar ora requerida.
SÍNTESE DOS ARGUMENTOS DO INSIGNE RECLAMANTE
Nos parágrafos n° 38 a n° 48, o insigne Reclamante insiste, citando parte do venerando Acordão da ADPF n° 378 DF, em que o Pretório Excelso, por força do Caso Collor, decidiu no sentido de a comissão especial de Impeachment ser formalmente eleita, isto é, submetida a processo de aprovação pela maioria do plenário do eventual parlamento. É necessário, todavia, reler se o trecho específico, páginas 87 e 88, do venerando Acordão:
"Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a participação de todos os partidos. No caso, seja a indicação feita por líderes a ser submetida à votação perante o Plenário da Câmara dos Deputados, seja a concorrência entre chapas oficial e avulsa, ambas as formas satisfazem os critérios formativos da comissão." (grifos acrescidos)
Repita-se: "ambas as formas satisfazem".
Nos parágrafos n° 52 a n° 58, o insigne Reclamante insiste, invocando exclusivamente o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950, em que deve haver estrita proporcionalidade na composição de comissão especial de Impeachment. Contudo, a "clivagem constitucional", nos termos da preciosa Inicial, impõe a leitura do pré falado art. 19 - e, por conseguinte, a determinação de proporcionalidade - segundo o art. 58, § 1°, da Constituição da República:
"Art. 58 ................................................................. § 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. ............................................." (grifos acrescidos)
Repita-se: "tanto quanto possível".
Por fim, além de a proporcionalidade dever ser respeitada tanto quanto possível, é necessário identificar se quem seria o titular do direito subjetivo de maior representação na Comissão Especial do Impeachment da Reclamada.
Os célebres Partidos Políticos PSL, PSOL e DEM, mencionados pelo ínclito Reclamante, não impugnaram a forma de composição da Comissão Especial, sem embargo, segundo o insigne Reclamante, de as prerrogativas de tais agremiações partidárias terem sido lesadas. Com o devido respeito, não cabe ao erudito Reclamante vindicar em nome próprio suposto direito alheio.
Repita se: direito alheio (¿)."
A Procuradoria Geral da ALERJ conclui sua resposta à Reclamação Constitucional em apreço, requerendo o indeferimento da Medida Cautelar pretendida pelo denunciado e, no mérito, a declaração de improcedência integral do pedido.
XI - DA DECISÃO DO EMINENTE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DIAS TOFFOLI QUE DEFERIU O PEDIDO LIMINAR NO ÂMBITO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL.
No dia 27 de julho do corrente, o Exmo. Sr. Dias Toffoli, Ministro do Supremo Tribunal Federal, à época presidente da Suprema Corte brasileira, respondendo pelo plantão judiciário daquela elevada Corte, proferiu decisão liminar sobre a Reclamação Constitucional impetrada pelo denunciado naquela Corte Constitucional, que doravante passo a citar:
"(...)
Decisão:
Vistos.
Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por Wilson José Witzel em face de um conjunto de atos administrativos da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ, pelo Presidente da Comissão Especial de impeachment do Processo nº 5.328/20 - ALERJ, pelo Relator da Comissão Especial de impeachment do Processo nº 5.328/20, de pronunciamento unipessoal do Desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança nº 0045844 70.2020.8.19.0000, em trâmite perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por suposta violação ao enunciado nº 46 da Súmula Vinculante e às autoridades das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 378 MC/DF e da ADI 5.835/RR.
O reclamante diz que "[e]m 27.5.2020, o Exmo. Deputado Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto ofereceram denúncias perante a ALERJ contra [si]. A primeira, foi distribuída sob o nº 5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o nº 5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a 79, todos da Lei nº 1.079/1950."
Afirma que "[t]ais processos ficaram com prazo de defesa suspenso até o dia 3.7.2020, sexta feira (doc.3). Isso em razão, segundo entende, com de base em 2 (dois) relevantes motivos: i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser adotado para julgamentos dos Processos Administrativos de nºs 5328/2020 (principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser acostados aos autos os documentos que motivaram as denúncias, para somente então ser avaliada a pertinência ou não do prosseguimento dos gravíssimos processos políticos administrativos ( o principal e o apenso)."
Informa que "[s]obre o item (ii), em sessão posterior, o eminente relator da Comissão Especial de Impeachment, para evitar coação ilegal (CPP, art. 648, I), solicitou ao STJ o compartilhamento da documentação relativa à medida cautelar de produção antecipada de provas. Esse pedido, no entanto, foi indeferido pelo Ministro Benedito Gonçalves (doc. 3), o que não impediu o procedimento de anomalamente retomar seu curso."
Alega que "[...] sobre o item (i), o reclamante se surpreendeu, ao pesquisar nos Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro e ali constatar, então, que a ALERJ já tinha definido o rito de prosseguimento das denúncias e que alguns atos dessa liturgia ad hoc já tinham sido praticados de forma inidônea, porque destoantes do rito fixado por esta e. Corte para o processo de impeachment (ADPF 378 e da ADI 5.895), a partir da lei 1.079/50, cuja disciplina é de competência exclusiva da União Federal (SV 46)."
O autor aduz que "[a] Comissão Especial de Impeachment foi instituída pela simples indicação de líderes partidários, sem qualquer posterior votação (aberta, ainda que simbólica, veiculada no Diário Oficial) [...]"
Assevera que "a formação da Comissão Especial desrespeitou por completo a regra da proporcionalidade partidária, tendo em vista que cada partido teve direito a indicar um membro. Com isso, partidos restaram sub representados (aqueles com as maiores bancadas, mas com apenas um representante na Comissão Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas, foram super representados, com artificial desvirtuamento das próprias forças políticas no Parlamento."
Relata que "por meio do mandado de segurança, deduziu, inicialmente, pedidos de urgência, a fim de que o Órgão Especial do e. Tribunal a quo suspendesse ou anulasse os referidos atos ilegais, praticados pela Alerj em total descumprimento à autoridade decisória de precedentes vinculados desta Suprema Corte e do rito a ser compulsoriamente observado em tema de crime de responsabilidade."
Expõe que "[¿] o Ilustre Desembargador Relator, também indicado como autoridade reclamada, indeferiu o pedido de medida liminar ali formulado, chancelando, assim, ele próprio, os descumprimentos dos comandos deste Supremo Tribunal Federal realizados pelo Poder Legislativo."
Argumenta "[...] que se mostra viável a presente reclamação (movida contra decisão judicial e também contra atos praticados pela ALERJ na tramitação do processo de impeachment) sendo plenamente legítimos os pedidos nela veiculados, já acolhidos por esta Suprema Corte em outras reclamações movidas em contexto em tudo idêntico, considerado o desrespeito à SV 46 e aos julgamentos vinculantes proferidos na ADPF 378 e na ADI 5.895."
O reclamante sustenta a presença dos pressupostos para a concessão da tutela provisória de urgência. No mérito, requer a procedência do pedido para que "seja desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº 5.360), com a anulação de todos os eventuais atos por ela praticados, determinando-se a formação de outra em seu lugar, agora com observância dos parâmetros vinculantes desta Corte e da Lei Federal específica, ou seja, com representantes que correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade partidária e apenas após a votação em plenário dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico, comunicando-se com urgência as autoridades reclamadas".
Em 23/07/2020, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro prestou, voluntariamente, informações nos autos, ocasião em que defendeu o respeito à Lei federal 1.059/1950 e ao julgado desta Corte na ADPF 307. Informa que "o Parlamento fluminense não formou nenhum bloco parlamentar" e que
"[n]o caso da Reclamada, (...) a composição da Comissão Especial é de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados, porque vinte e cinco Partidos Políticos nela são representados. Considerando se que o Colendo Plenário da Reclamada conta com setenta Parlamentares, a Comissão Especial já representa 35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense.
A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética, além de ignorar a expressão constitucional 'tanto quanto possível', implicaria a composição da Comissão Especial com número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa fluminense (...)."
Quanto ao argumento de necessidade de eleição da comissão especial, defende que, nos termos do julgamento da ADPF 378-MC, "[a] eleição da comissão especial significa, assim, escolha; escolha-se dá pelos respetivos Líderes."
Por fim, pugnam pelo "indeferimento da medida liminar e, no mérito, a declaração de integral improcedência do pedido".
É o relato do necessário. Decido.
Preliminarmente, assento a competência desta Suprema Corte para processar e julgar a presente reclamação constitucional.
A reclamação constitucional é ação cabível para garantir a observância de súmula vinculante e do conteúdo da decisão proferida em controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. (Nesse sentido: MITIDIERO, Daniel. Precedentes - da Persuasão à vinculação. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.108; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Os precedentes fortes e as técnicas para garantir soluções jurídicas iguais para casos iguais. Dissertação Mestrado em Direito - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 424; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes qualificados. Saraiva: São Paulo, 2019, p. 469 470).
Estando em jogo a desatenção quanto às regras que conformam o processo de impeachment, versadas em enunciado da Súmula Vinculante da Suprema Corte, revela-se adequado o cabimento da reclamação constitucional para a preservação da autoridade dos julgados da Suprema Corte (Nesse sentido: Rcl 38.371/PR, relatoria do Ministro Roberto Barroso; Rcl 24.727/PA, da minha relatoria; Rcl 40.561/RS, relatoria do Ministro Edson Fachin).
De acordo com o Professor Pedro Miranda de Oliveira, "[o] efeito vinculante da súmula pode ser visto como uma consequência do respeito à estrutura hierárquica do Poder Judiciário, e não de limitação à liberdade de convencimento dos juízes de primeiro e segundo graus. Afinal, em última análise, a função do Supremo Tribunal Federal é, precipuamente, ser o fiel guardião da Constituição Federal. O Supremo é a máxima instância de superposição em relação todos os órgãos de jurisdição." (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015. 3ª ed. Empório do Direito: Florianópolis, 2017. p.257)
O autor aponta como paradigma de confronto na presente reclamação constitucional o verbete do enunciado nº 46 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, cuja redação transcrevo:
"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União."
Como é sabido, o procedimento de edição de súmula vinculante por esta Suprema Corte pressupõe "reiteradas decisões sobre matéria constitucional" (art. 103 A, caput, da Carta da República) e, portanto, o alcance de sua eficácia em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta perpassa pela compreensão do conteúdo decisório anterior da jurisprudência desta Suprema Corte acerca do tema constitucional.
No ato de subsunção do enunciado sumular é necessário analisar as razões de decidir dos julgados que deram ensejo a sua edição, lançando um olhar sobre as questões de fato e de direito examinadas nos precedentes. Mas faz se imprescindível também voltar os olhos para as decisões subsequentes que aplicaram o verbete. Nesse sentido, é importante a lição do Professor Ronaldo Cramer ao ponderar que "[¿] a tese jurídica sintetizada pela súmula deve ser compreendida não só a partir do precedente que a criou, mas também das decisões posteriores." (CRAMER, Ronaldo. A súmula e o sistema de precedentes no CPC. In: NUNES, Dierle, MENDES, Aluísio, JAYME, Fernando Gonzaga (org). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código de Processo Civil/2015: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 972).
O paradigma evocado deriva de proposta de conversão do enunciado n° 722 da súmula da jurisprudência dominante em enunciado com força vinculante, aprovada nos autos da PSV nº 106, na qual o Ministro Presidente Ricardo Lewandowski consignou que:
"Mesmo após a edição da Súmula 722 STF, ocorrida em novembro de 2003, este Tribunal - seja por meio de seus órgãos colegiados, seja pela atuação individual de seus membros - tem-se debruçado diversas vezes quanto ao tema ora em debate, sobretudo em razão da permanente insistência de Estados membros e Municípios em caracterizar uma série de novas condutas como crimes de responsabilidade." a oportunidade, ressaltou-se manifestação do Ministro Celso de Mello, no RE nº 367.297/SP, após ressalva de posicionamento individual, in verbis:
'A orientação consolidada na Súmula 722/STF, hoje prevalecente na jurisprudência desta Suprema Corte, conduz ao reconhecimento de que não assiste, ao Estado membro e ao Município, mediante regramento normativo próprio, competência para definir tanto os crimes de responsabilidade (ainda que sob a denominação de infrações administrativas ou político administrativas) quanto o respectivo procedimento ritual:
(¿)
Cabe assinalar que têm sido reiteradas as decisões proferidas por esta Suprema Corte, cujo magistério jurisprudencial se orienta - considerados os precedentes mencionados - no sentido da impossibilidade de outros entes políticos, que não a União, editarem normas definidoras de crimes de responsabilidade, ainda que sob a designação formal de infrações político administrativas ou infrações administrativas:
(¿)
O que me parece incontroverso, no entanto, a partir da edição da Súmula 722/STF, é que resultou superada, agora, prestigiosa corrente doutrinária (PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO, 'O Impeachment', p. 88/112, 2ª ed., 1992, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, 'Curso de Direito Constitucional Positivo', p. 629/630, 32ª ed., 2009, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, 'Direito Municipal Brasileiro', p. 805, 16ª ed., item n. 4.2.1, 2008, Malheiros), que admite a possibilidade de os Estados membros ou os Municípios definirem, eles próprios, os modelos tipificadores dos impropriamente denominados crimes de responsabilidade.
O Estado membro e o Município, portanto, considerada a jurisprudência predominante nesta Suprema Corte, não dispõem de competência para estabelecer normas definidoras de crimes de responsabilidade (ainda que sob a designação de infrações administrativas ou político administrativas), bem assim para disciplinar o respectivo procedimento ritual.'
Ainda nesse sentido, rememoro a ADI nº 2.220/SP, julgada procedente na parte conhecida para, com fundamento no art. 85 da Lei Maior, declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo que pretendiam regulamentar a definição, o processo e o julgamento de crimes de responsabilidade, assim ementada na parte de interesse:
"2. A definição das condutas típicas configuradoras do crime de responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento das agentes políticos federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei nacional especial (art. 85 da Constituição da República). Precedentes." (ADI nº 2.220/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 7/12/2011).
É convencional o conhecimento de que, em sua acepção moderna, o princípio republicano se concretiza pela presença de três elementos característicos: a eletividade dos governantes, a temporariedade dos mandatos e a responsabilidade dos agentes públicos. De fato, a responsabilidade dos governantes traduz se em uma das pedras angulares essenciais à forma de governo republicana pensada pelos norte americanos quando da fundação daquele país. Na verdade, a ideia de que tal princípio envolvia o elemento da responsabilização dos governantes já contava das famosas Notas de Thomas Jefferson sobre a ciência do governo republicado que tanto influenciaram seus compatriotas (GISH, Dustin; KLINGHARD, Daniel. Thomas Jefferson and the science of republican government: a political biography of notes on the State of Virginia. Cambridge University Press. Cambridge: 2017, p. 200 e ss.) No Brasil, o princípio republicano tem recebido uma compreensão equivalente. Tal princípio, ao lado do princípio democrático e do princípio federativo, integra o núcleo essencial de nossa Constituição (LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Reflexões em torno do Princípio Republicano. In: Carlos Mário da Silva Velloso e outros (Coord.), Princípios Constitucionais Fundamentais. Estudos em Homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva Martins, 2001 p. 375).
De fato, em nosso sistema constitucional a feição do princípio republicano também exprime a ideia de que todos os agentes públicos são igualmente responsáveis perante a lei, entendimento este reverenciado por esta Suprema Corte em diversos precedentes importantes, inclusive naqueles evocados pelo reclamante.
Embora corolário do princípio republicano, o impeachment é uma experiência gravíssima em uma democracia constitucional (Nesse sentido, conferir: TRIBE, Laurence; MATZ, Joshua. To end a Presidency : the power of impeachment. New York: Basic Book, 2019; SUNSTEIN, Cass. Impeachment - a citizen´s guide. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2017). É por essa razão que o processo de impeachment se reveste de caráter de excepcionalidade em sistemas constitucionais presidencialistas. Exatamente por isso a realização de um processo de impeachment precisa guardar a higidez constitucional e legal em relação ao seu procedimento.
Ressalte se, nesse sentido, diversos precedentes desta Corte que, em sede de Reclamação, analisou exatamente a não observância, em processos de impeachment, do rito previsto na legislação federal e no julgamento da ADPF 378. Nesse sentido: Rcl 38.371 MC/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 17/12/19; Rcl 24.727/PA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 7/5/18; Rcl 31.850/PB, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 14/11/18.
Na presente reclamação constitucional, indica se como violada autoridade do pronunciamento formalizado na decisão cautelar na ADPF nº 378/DF, por meio da qual esta Corte realizou verdadeira filtragem constitucional da Lei nº 1.079/50. Confira-se a ementa que recebeu esse julgado, na parte de interesse:
"3. A PROPORCIONALIDADE NA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL PODE SER AFERIDA EM RELAÇÃO A BLOCOS [¿.]: (i) a possibilidade de se assegurar a representatividade por bloco (art. 58, §1º) e (ii) a delegação da matéria ao Regimento Interno da Câmara (art. 58, caput). A opção pela aferição da proporcionalidade por bloco foi feita e vem sendo aplicada reiteradamente pela Câmara dos Deputados na formação de suas diversas Comissões, tendo sido seguida, inclusive, no caso Collor. Improcedência do pedido. (Rel. Min. Edson Facchin, Rel. P/ acórdão Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 8/3/2016, grifei).
Com efeito, a Constituição de 1988 estabelece, em seu art. 58, § 1º, a necessidade de se respeitar a representatividade proporcional nas Comissões. Vide:
"Art. 58 (¿) § 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa."
No mesmo sentido estabelece o art. 19 da Lei 1.079/50, especificamente quanto à formação da comissão especial:
"Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma."
No julgamento da ADPF 378 MC, decidiu-se que, em razão das elevadas funções exercidas, a deliberação institucional para escolha dos membros da comissão especial deveria observar a representação proporcional dos partidos políticos ou blocos parlamentares, assegurando se, na medida do possível, a dinâmica das forças políticas na proporção que ocupem no Parlamento.
Conforme assentado por esta Corte, a comissão especial deve revelar em sua composição a representação proporcional do ambiente parlamentar. Nesse sentido, fui expresso em meu voto no julgamento da ADPF 378 MC, quando destaquei:
"(¿) O que a Constituição exige é a proporcionalidade, que se respeite a proporcionalidade partidária.
(¿)
Partidária ou de bloco. A questão se a vaga vai ser do a ou do b na eleição, eu penso que é uma questão interna corporis da Câmara dos Deputados. O que não se pode ter aqui é uma comissão que seja eleita com desrespeito à proporção prevista na Constituição."
No presente caso, a forma de composição da comissão especial no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, formada por um representante de cada legenda, inovou o processo para apuração de responsabilidade política previsto no art. 19 da Lei nº 1.079/50, contrariando, assim, o verbete nº 46 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.
É o que se verifica da leitura do Ato 41/2020, editado pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no qual estabelece o rito processual a ser seguido no referido processo:
"Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada no processo ALERJ n° 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança, o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado para, querendo, defender se, no prazo de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão Especial terá quarenta e oito horas para reunir se, elegendo seu Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Tiradentes, 10 de junho de 2020
Deputado ANDRÉ CECILIANO, Presidente
Em 10.06.2020."
Tal medida não se acomoda à jurisprudência desta Corte e, de fato, contraria os precedentes e enunciados evocados pelo reclamante, além de incidir em desencontro com o texto constitucional tanto quanto em relação ao art. 58, § 1º, quanto no que diz respeito à competência da União para disciplinar o processo e o julgamento de crimes de responsabilidade.
Também assiste razão ao reclamante, quanto à ausência de eleição da comissão. O art. 19 da Lei 1.179 estabelece que a comissão especial será eleita. Tal exigência se faz necessária ainda que se limite a confirmar ou não as indicações realizadas pelos líderes dos partidos ou do bloco, o que pode se dar inclusive por aclamação ou votação simbólica, tal qual ocorreu nos casos dos Presidentes Fernando Collor de Melo e Dilma Vana Rousseff.
No julgamento da ADPF 378 MC, conquanto o Ministro Roberto Barroso, redator para o acórdão, tenha salientado que, a título de esclarecimento, não se tratava propriamente de votação, Sua Excelência concluiu:
"Apesar disso, como se reconhece que, em 1992, a Câmara dos Deputados adotou a interpretação de que haveria uma votação no Plenário para ratificação dos nomes indicados pelos líderes, vota se por manter, para o rito do impeachment em curso, a realização de eleição pela Câmara, limitando-se a confirmar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, sem admissão de candidaturas avulsas".
Assim, em juízo de cognição sumária, próprio das tutelas provisórias de urgência, e a partir da perspectiva da definição, do processo e do julgamento de crimes de responsabilidade estarem disciplinados por lei nacional (Lei nº 1.079/50), da competência privativa da União, entendo que assiste razão jurídica à tese de violação ao enunciado nº 46 da Súmula Vinculante da Jurisprudência Dominante do STF e à autoridade da decisão proferida na ADPF MC nº 378/DF pelo Desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança nº 0045844- 70.2020.8.19.0000, em trâmite perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao legitimar o ato de formação da comissão especial de impeachment sem a obediência à necessária configuração proporcional dos partidos políticos e blocos parlamentares e sem a realização de votação plenária dos nomes apresentados pelos líderes, ainda que de forma simbólica.
Ante a iminência do prazo para o reclamante apresentar sua defesa (29/07/2020), defiro a medida liminar para sustar os efeitos dos atos impugnados, desconstituindo se, assim, a comissão especial formada, para que se constitua outra comissão, observando se a proporcionalidade de representação dos partidos políticos e blocos parlamentares, bem como a votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico, consoante o previsto no art. 19 da Lei nº 1.079/50 e o assentado no julgamento da ADPF 378 MC/DF.
(...)" (grifos originais)
Assim, em decorrência da decisão liminar acima citada, proferida pelo Eminente Ministro Dias Toffoli, os trabalhos da Comissão Especial de Impeachment da ALERJ foram interrompidos, até que sobreveio nova decisão, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sobre a Reclamação impetrada pelo denunciado.
XII - DA DECISÃO DO EMINENTE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ALEXANDRE DE MORAES QUE REFORMOU A DECISÃO ANTERIOR SOBRE A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL, REVOGANDO A LIMINAR CONCEDIDA EM PLANTÃO JUDICIÁRIO.
Designado como relator no Supremo Tribunal Federal da Reclamação em tela, após a declaração de impedimento manifestada por seu antecessor na relatoria desta matéria, o novo relator, Exmo. Sr. Ministro Alexandre de Moraes, decidiu, na data de 28 de agosto do corrente, nos seguintes termos:
"(...)
DECISÃO
Trata-se de Reclamação, com pedido de tutela de urgência, proposta por Wilson José Witzel, Governador do Estado do Rio de Janeiro, contra atos praticados pelo Presidente da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pelo Presidente da Comissão Especial de Impeachment do Processo nº 5.328 da ALERJ, pelo Relator do Processo nº 5.328 da Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, bem como contra o indeferimento do pedido liminar nos autos do Mandado de Segurança 0045844 70.2020.8.19.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por suposta violação à Súmula Vinculante 46 e às autoridades das decisões proferidas no julgamento da ADPF 378-MC (Redator p/ o Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, julgamento em 17/12/2015, DJe de 8/3/2016) e da ADI 5.895 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Pleno, julgamento em 27/9/2019, DJe de 15/10/2019).
Em razão de sua completude, reproduzo o relatório lançado pelo Presidente desta SUPREMA CORTE na decisão que analisou a medida liminar requerida:
O reclamante diz que [e]m 27.5.2020, o Exmo. Deputado Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto ofereceram denúncias perante a ALERJ contra [si]. A primeira, foi distribuída sob o nº 5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o nº 5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a 79, todos da Lei nº 1.079/1950.
Afirma que [t]ais processos ficaram com prazo de defesa suspenso até o dia 3.7.2020, sexta-feira (doc.3). Isso em razão, segundo entende, com de base em 2 (dois) relevantes motivos: i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser adotado para julgamentos dos Processos Administrativos de nºs 5328/2020 (principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser acostados aos autos os documentos que motivaram as denúncias, para somente então ser avaliada a pertinência ou não do prosseguimento dos gravíssimos processos políticos administrativos ( o principal e o apenso).
Informa que [s]obre o item (ii), em sessão posterior, o eminente relator da Comissão Especial de Impeachment, para evitar coação ilegal (CPP, art. 648, I), solicitou ao STJ o compartilhamento da documentação relativa à medida cautelar de produção antecipada de provas. Esse pedido, no entanto, foi indeferido pelo Ministro Benedito Gonçalves (doc. 3), o que não impediu o procedimento de anomalamente retomar seu curso.
Alega que [...] sobre o item (i), o reclamante se surpreendeu, ao pesquisar nos Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro e ali constatar, então, que a ALERJ já tinha definido o rito de prosseguimento das denúncias e que alguns atos dessa liturgia ad hoc já tinham sido praticados de forma inidônea, porque destoantes do rito fixado por esta e. Corte para o processo de impeachment (ADPF 378 e da ADI 5.895), a partir da lei 1.079/50, cuja disciplina é de competência exclusiva da União Federal (SV 46).
O autor aduz que [a] Comissão Especial de Impeachment foi instituída pela simples indicação de líderes partidários, sem qualquer posterior votação (aberta, ainda que simbólica, veiculada no Diário Oficial) [...]
Assevera que a formação da Comissão Especial desrespeitou por completo a regra da proporcionalidade partidária, tendo em vista que cada partido teve direito a indicar um membro. Com isso, partidos restaram sub representados (aqueles com as maiores bancadas, mas com apenas um representante na Comissão Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas, foram super representados, com artificial desvirtuamento das próprias forças políticas no Parlamento.
Relata que por meio do mandado de segurança, deduziu, inicialmente, pedidos de urgência, a fim de que o Órgão Especial do e. Tribunal a quo suspendesse ou anulasse os referidos atos ilegais, praticados pela Alerj em total descumprimento à autoridade decisória de precedentes vinculados desta Suprema Corte e do rito a ser compulsoriamente observado em tema de crime de responsabilidade.
Expõe que [¿] o Ilustre Desembargador Relator, também indicado como autoridade reclamada, indeferiu o pedido de medida liminar ali formulado, chancelando, assim, ele próprio, os descumprimentos dos comandos deste Supremo Tribunal Federal realizados pelo Poder Legislativo.
Argumenta [...] que se mostra viável a presente reclamação (movida contra decisão judicial e também contra atos praticados pela ALERJ na tramitação do processo de impeachment) sendo plenamente legítimos os pedidos nela veiculados, já acolhidos por esta Suprema Corte em outras reclamações movidas em contexto em tudo idêntico, considerado o desrespeito à SV 46 e aos julgamentos vinculantes proferidos na ADPF 378 e na ADI 5.895.
O reclamante sustenta a presença dos pressupostos para a concessão da tutela provisória de urgência. No mérito, requer a procedência do pedido para que seja desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº 5.360), com a anulação de todos os eventuais atos por ela praticados, determinando se a formação de outra em seu lugar, agora com observância dos parâmetros vinculantes desta Corte e da Lei Federal específica, ou seja, com representantes que correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade partidária e apenas após a votação em plenário dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico, comunicando se com urgência as autoridades reclamadas.
Em 23/07/2020, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro prestou, voluntariamente, informações nos autos, ocasião em que defendeu o respeito à Lei federal 1.059/1950 e ao julgado desta Corte na ADPF 307. Informa que o Parlamento fluminense não formou nenhum bloco parlamentar e que [n]o caso da Reclamada, (...) a composição da Comissão Especial é de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados, porque vinte e cinco Partidos Políticos nela são representados. Considerando se que o Colendo Plenário da Reclamada conta com setenta Parlamentares, a Comissão Especial já representa 35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense. A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética, além de ignorar a expressão constitucional tanto quanto possível, implicaria a composição da Comissão Especial com número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa fluminense (...).
Quanto ao argumento de necessidade de eleição da comissão especial, defende que, nos termos do julgamento da ADPF 378 MC, [a] eleição da comissão especial significa, assim, escolha; escolha se dá pelos respetivos Líderes.
Por fim, pugnam pelo indeferimento da medida liminar e, no mérito, a declaração de integral improcedência do pedido.
Em 27/7/2020, o Presidente deste TRIBUNAL, nos termos do art. 13, VIII, do RISTF, deferiu a medida liminar requerida "para sustar os efeitos dos atos impugnados, desconstituindo-se, assim, a comissão especial formada, para que se constitua outra comissão, observando-se a proporcionalidade de representação dos partidos políticos e blocos parlamentares, bem como a votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico, consoante o previsto no art. 19 da Lei nº 1.079/50 e o assentado no julgamento da ADPF 378 MC/DF". Na ocasião, o Ministro Presidente determinou, ainda, a citação da beneficiária da decisão reclamada (art. 989, III, do CPC), a requisição de informações e a manifestação da Procuradoria Geral da República.
Em 1º/8/2020, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro apresentou manifestação contra a liminar deferida, reiterando os argumentos aduzidos na prestação de informações, anteriormente apresentadas (doc. 18).
Em 3/8/2020, o TJRJ prestou informações sobre o indeferimento do pedido liminar requerido no MS 0045844-70.2020.8.19.0000, cuja transcrição segue abaixo:
Nesse contexto, destaca-se que a decisão reclamada entendeu que não houve contrariedade à regra da proporcionalidade, diante da composição partidária da Assembleia Legislativa deste Estado, com representação por 25 partidos políticos, percebendo, num juízo de cognição sumária, a possibilidade de indicação dos membros da comissão especial pelos líderes de cada partido com representação na ALERJ, entendendo inexistir incompatibilidade com as orientações firmadas pelo Supremo Tribunal Federal e tampouco existir contrariedade à Súmula Vinculante 46 também da Suprema Corte.
Em 3/8/2020, o eminente Ministro LUIZ FUX, relator sorteado, declarou sua incompatibilidade para julgamento da presente ação reclamatória, com fundamento no art. 277 do RISTF, sendo os autos redistribuídos para minha relatoria.
Em 20/8/2020, a Procuradoria Geral da República apresentou parecer pela improcedência do pedido reclamatório, em manifestação assim ementada:
RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO DE IMPEACHMENT. COMPOSIÇÃO DE COMISSÃO ESPECIAL. INDICAÇÃO DE LIDERANÇAS PARTIDÁRIAS. ELEIÇÃO DE MEMBROS. VOTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PROPORCIONALIDADE. REGRA CONDICIONADA À POSSIBILIDADE. PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA.
1. A indicação dos membros da Comissão Especial de impeachment, prevista no art. 19 da Lei 1.079/50, é prerrogativa dos partidos políticos, por meio de suas lideranças, não estando sujeita a deliberação por partidos diversos.
2. Havendo a Suprema Corte decidido que a função de indicação de membros para a composição da comissão especial de impeachment recai sobre as lideranças partidárias e inexistindo previsão constitucional e legal de votação para referendar tais indicações, não há que se impor tal procedimento às Casas Legislativas.
3. Existindo número alargado de partidos políticos na assembleia legislativa, a formação de comissão especial de impeachment com um representante de cada partido atende ao comando constitucional de proporcionalidade na medida de sua possibilidade, conferindo legitimação material e formal para a sua atuação.
- Parecer pela improcedência do pedido.
O reclamante peticionou, contrapondo à ALERJ, no que diz respeito ao pedido de reconsideração do deferimento da medida cautelar (doc. 46).
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro peticionou, reiterando o requerimento de revogação da liminar e o pedido de julgamento da improcedência do pedido (doc. 48).
Por fim, o reclamante, mais uma vez, defendeu a subsistência da medida liminar (doc. 50).
É o relatório. Decido.
A respeito do cabimento da reclamação para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, dispõe o art. 102, I, l, e o art. 103 A, caput e § 3º, ambos da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
Art. 103 A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Veja se também o art. 988, I, II e III, do Código de Processo Civil de 2015:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
Na presente hipótese, o reclamante invoca como parâmetro principal de controle a Súmula Vinculante 46, cujo teor é o seguinte:
A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.
A questão primordial da presente reclamação, portanto, é saber se, em respeito à Separação de Poderes, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro respeitou as normas constitucionais e legais referentes ao processo de responsabilização do Governador do Estado por crime de responsabilidade, em especial os termos da Lei Federal 1.079/1950 no tocante a composição da Comissão Especial.
A Constituição Federal, visando, principalmente, a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito (MARCELO CAETANO. Direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. v. 1, p. 244; NUNO PIÇARRA. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1989; JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO. Aspecto da teoria geral do processo constitucional: teoria da separação de poderes e funções do Estado. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 19, n° 76, p. 97, out./dez. 1982; JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELLO. Da separação de poderes à guarda da Constituição: as cortes constitucionais. 1969. Tese (Cátedra) - Fadusp, São Paulo; MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES. Tripartição de poderes na Constituição de 1988. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 3, N° 11, p. 16, abr./jun. 1995; MÁRCIA WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS. Separação de poderes: evolução até à Constituição de 1988: considerações. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 29, N° 115, p. 209, jul./set. 1999).
Assim, apesar de independentes, os Poderes de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e afastando as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes políticos.
Para tanto, a Constituição Federal consagra um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de forma que, ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado. Esse mecanismo denomina-se teoria dos freios e contrapesos (WILLIAM BONDY. The separation of governmental powers. In: History and theory in the constitutions. New York: Columbia College, 1986; JJ. GOMES CANOTILHO; VITAL MOREIRA. Os poderes do presidente da república. Coimbra: Coimbra Editora, 1991; DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO. Interferências entre poderes do Estado (Fricções entre o executivo e o legislativo na Constituição de 1988). Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 26, n° 103, p. 5, jul./set. 1989; JAVIER GARCÍA ROCA. Separación de poderes y disposiciones del ejecutivo com rango de ley: mayoria, minorías, controles. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 7, n° 7, p. 7, abr./jun. 1999; JOSÉ PINTO ANTUNES. Da limitação dos poderes. 1951. Tese (Cátedra) - Fadusp, São Paulo; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 2021; FIDES OMMATI. Dos freios e contrapesos entre os Poderes. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 14, n° 55, p. 55, jul./set. 1977; JOSÉ GERALDO SOUZA JÚNIOR. Reflexões sobre o princípio da separação de poderes: o "parti pris" de Montesquieu. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 17, n° 68, p. 15, out./dez. 1980; JOSÉ DE FARIAS TAVARES. A divisão de poderes e o constitucionalismo brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 17, n° 65, p. 53, jan./mar. 1980).
Dentro do mecanismo de controles recíprocos constitucionalmente previstos em uma República, a Constituição Federal estabelece várias hipóteses, entre elas encontra-se, exatamente, o processo e julgamento do Chefe do Poder Executivo por crime de responsabilidade - impeachment pelo Poder Legislativo, que deverá sempre ser utilizada com precaução, por tratar-se da mais devastadora arma à disposição do Poder Legislativa contra o Chefe do Poder Executivo (conferir: MADISON, The federalist papers LXVI; KURLAND, Philip B. The rise and fall of the doctrine of separation of powers. Michigan Law Review. Ann Arbor, ano 3, v. 85, p. 605, dez. 1986. Conferir, ainda: KURLAND, Philip B. The rise and fall of the doctrine of separation of powers. Michigan Law Review. Ann Arbor, ano 3, v. 85, p. 605, dez. 1986; YODER, Edwin M. The presidency and the criminalization of politics. Saint Louis University Law Journal. Saint Louis, ano 3, v. 44, p. 749 760, 1999; GRIESBACH, John M. Three levels of trouble: a comment on Edwin Yoder's. Saint Louis University Law Journal. Saint Louis, ano 3, v. 43, p. 761 777, 1999; CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A constituição federal comentada. Rio de Janeiro: Forense, 1948. v. 2, p. 263 ss.; MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira... Op. cit. p. 643 ss; BROSSARD, Paulo. O impeachment. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 118).
Diferentemente do princípio da absoluta irresponsabilidade, inerente ao caráter vitalício do cargo real - The King can do no wrong -, as constituições presidencialistas, seguindo o modelo norte americano, preveem regras especiais de responsabilização do Presidente da República, integralmente aplicáveis aos Governadores de Estado, permitindo sua responsabilização, tanto por infrações político administrativas, quanto por infrações penais (ALBUQUERQUE, Roberto de. A Revolução Francesa e o princípio da responsabilidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 26, no 104, p. 299, out./dez. 1989; SIQUEIRA, Galdino. O impeachment no regime constitucional brasileiro. 1912. Dissertação no concurso ao lugar de Professor Extraordinário Efetivo da 1a Seção da Faculdade de Direito de São Paulo;
FRANCO, Ary Azevedo. Em torno de impeachment. 1926. Tese (cátedra) - Fadusp, São Paulo; FIGUEIREDO, Paulo de. Impeachment: sua necessidade no regime presidencial. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, ano 2. no 6, p. 31, abr./jun. 1965).
O regime republicano, diferentemente do monárquico, não pode ficar indefeso, desprovido de mecanismos que garantam a aplicabilidade das constituições e as defendam, principalmente, dos governantes que buscam ultrapassar os limites das funções conferidas a eles pelas normas constitucionais (PIOUS, Richard M. Impeaching the president: the intersection of constitutional and popular law. Saint Louis University Law Journal. Saint Louis, ano 3, v. 43, p. 864, 1999; FITTS, Michael A. The legalization of the presidency: a twenty five year watergate retrospective. Saint Louis University Law Journal. Saint Louis, ano 3, v. 44, p. 728, 1999).
Como, historicamente, salientado por HAMILTON, o princípio republicano requer que o senso deliberado da comunidade governe a conduta daqueles a quem ela confia a administração de seus assuntos (The Federalist papers nº LXVIII).
RUI BARBOSA sempre advertiu para a grande importância da previsão constitucional de responsabilização política do Chefe do Executivo, afirmando que:
"o presidencialismo americano sem a responsabilidade presidencial, porém, é a dictadura canonizada com a sagração constitucional. Basta a eliminação deste correctivo, para que todo esse mecanismo apparente de freios e garantias se converta em mentira. Todos os poderes do Estado então vão sucessivamente desapparecendo no executivo, como nas espiraes revoluteantes de um sorvedoiro" (BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição Federal Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1933. p. 435).
Nesse sentido, essa CORTE SUPREMA entende que o impeachment concretiza "o princípio republicano, exigindo dos agentes políticos responsabilidade civil e política pelos atos que praticassem no exercício do poder" (ADPF 378/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, 16, 17 e 18 12 2015).
Tal previsão, tanto no âmbito federal quanto estadual, torna-se necessária quando se analisa que a eficácia da Constituição é dependente de fatores alheios à mera vontade do legislador constituinte. Por esse motivo, a Constituição Federal não pode ficar indefesa, desprovida de mecanismos que garantam sua aplicabilidade e a defendam, principalmente, dos governantes que buscam ultrapassar os limites das funções conferidas a eles pelas normas constitucionais.
Dentro deste mecanismo de defesa, que corresponde ao já citado sistema de "freios e contrapesos" existente em um sistema de Separação de Poderes, o processo e julgamento por crime de responsabilidade são estabelecidos pela Lei Federal 1.079/1950, em sua maior parte recepcionada pela Constituição de 1988.
Em que pese minha posição doutrinária - no sentido de que, em relação aos chamados crimes de responsabilidade, deveria ser a própria Constituição de cada Estado a fixar competência para o processo e julgamento, em face de sua autonomia em um Estado Federal (Constituição do Brasil Interpretada. 9. ed. São Paulo, Atlas, p. 1.284), conforme ressaltei na ADI 5895/RR, de minha relatoria, é entendimento assentado do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL de que compete apenas à União (art. 22, I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a definição de crimes de responsabilidade e sobre o processo e julgamento deles.
Nesse sentido, essa SUPREMA CORTE aprovou, por unanimidade, a Súmula Vinculante 46 editada em 9 de abril de 2015, mediante a conversão da antiga Súmula 722 da CORTE, aprovada em 26 de novembro de 2003, que estabelecia o mesmo enunciado, porém sem caráter vinculante, para, finalmente, pacificar a questão:
A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.
Com a edição da SV 46, o posicionamento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tornou-se vinculante no tocante à competência privativa da União para legislar sobre a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento; ou seja, o verbete vinculante tanto se refere às normas de direito material - a definição dos crimes de responsabilidade -, quanto às de direito processual - o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento (ADI 1.890, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/1998, DJ de 19/9/2003; ADI 1.628, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2006, DJ de 24/11/2006; ADI 2.220, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2011, DJe de 6/12/2011; e ADI 4.791, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/2/2015, DJe de 23/4/2015).
O Ato 41/2020, editado pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, portanto, deve estar plenamente de acordo com a Constituição Federal e a citada legislação federal e, especificamente, para a análise da presente reclamação, o ato deve ser compatível com as normas previstas para a formação da Comissão Especial de impeachment.
Eis o ato impugnado:
Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada no processo ALERJ n° 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança, o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a proporcionalidade partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão Especial terá quarenta e oito horas para reunir-se, elegendo seu Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua publicação.
O reclamante, entretanto, aponta duas ordens de nulidades do referido ato, por flagrante desrespeito à legislação federal, no tocante a formação da Comissão Especial:
(i) "desrespeitou por completo a regra da proporcionalidade partidária, tendo em vista que cada partido teve direito a indicar um membro. Com isso, partidos restaram sub representados (aqueles com as maiores bancadas, mas com apenas um representante na Comissão Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas, foram super representados, com artificial desvirtuamento das próprias forças políticas existentes no Parlamento" (doc. 1, fl. 5); e
(ii) "a Comissão Especial de impeachment foi instituída pela simples indicação de líderes partidários, sem qualquer posterior votação (aberta, ainda que simbólica, veiculada no Diário Oficial)".
A questão essencial a ser analisada, portanto, diz respeito à regularidade na composição da Comissão Especial, prevista expressamente no artigo 19 da Lei 1.079/1950:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.
Importante ressaltar, entretanto, que a recepção do referido artigo 19 da Lei 1.079/1950 deve ser interpretada nos exatos termos do artigo 58 da Constituição Federal, conforme salientado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento da ADPF 378 MC (Pleno, red. p/ o Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, j.17/12/2015), no sentido de que houve delegação ao próprio Poder Legislativo - seja por meio de seu regimento interno, seja pela próprio ato específico - para a constituição de suas Comissões, nos seguintes termos:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.
Dessa maneira, o artigo 58 da Constituição Federal assegurou a possibilidade da Comissão Especial ser constituída "na forma e com as atribuições previstas no ato de que resultar sua criação", como ocorreu com a edição do Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020 e, nos termos de seu §1º, indicou a necessidade de observar "tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou blocos parlamentares", no sentido de espelhar a escolha popular de seus representantes parlamentares, garantindo, por consequência, o pluralismo político e a democracia representativa; e, principalmente, para garantir a participação da "maioria" e "minoria" do órgão legislativo.
Não me parece que o Ato do Presidente da Assembleia Legislativa tenha desrespeitado o texto constitucional ou mesmo a legislação federal, pois refletiu o consenso da Casa Parlamentar ao determinar que cada um dos partidos políticos, por meio de sua respectiva liderança, indicasse um representante, garantindo ampla participação da "maioria" e da "minoria" na Comissão Especial. Basta verificar que não houve irresignação por parte de nenhum dos partidos políticos representados na Assembleia Legislativa.
Tratando-se de legítima opção política realizada pela Assembleia Legislativa, com observância do consenso dos partidos políticos e nos termos do artigo 58 da Constituição Federal, em proteção ao princípio fundamental inserido no artigo 2º da Constituição, segundo o qual, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, fica afastada a possibilidade de ingerência do Poder Judiciário em escolhas eminentemente políticas, dentro das opções constitucionais, conforme posicionamento pacificado no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (MS 34.099, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, Sessão Virtual de 28/9/2018 a 4/10/2018; MS 33.558 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJe de 21/3/2016; MS 34.578, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 073, 10/4/2017; MS 26.062 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 4/4/2008; MS 30.672 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno, DJe de 17/10/2011; MS 26.074, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ de 13/9/2006; MS 34.406, Rel. Min. EDSON FACHIN, Dje 139, 26/6/2017; MS 21.374, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno, DJ de 2/10/1992).
Anoto, ainda, que, no julgamento da ADPF 378/MC, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL não analisou a possibilidade do Poder Legislativo, por ato consensual e unânime dos partidos com representação no órgão legislativo, garantir a participação de todos os partidos - mediante indicação dos respectivos líderes - na Comissão Especial.
A discussão à época foi quanto a proporcionalidade na formação da Comissão Especial "poder ser aferida em relação a blocos parlamentares", conforme consta no item III, 3 da Ementa, tendo sido, por unanimidade, reconhecido que "a proporcionalidade na formação da comissão especial pode ser aferida em relação aos partidos e blocos partidários:
3. A PROPORCIONALIDADE NA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL PODE SER AFERIDA EM RELAÇÃO A BLOCOS (ITEM D DO PEDIDO CAUTELAR) : O art. 19 da Lei nº 1.079/1950, no ponto em que exige proporcionalidade na Comissão Especial da Câmara dos Deputados com base na participação dos partidos políticos, sem mencionar os blocos parlamentares, foi superado pelo regime constitucional de 1988. Este estabeleceu expressamente: (i) a possibilidade de se assegurar a representatividade por bloco (art. 58, § 1º) e (ii) a delegação da matéria ao Regimento Interno da Câmara (art. 58, caput). A opção pela aferição da proporcionalidade por bloco foi feita e vem sendo aplicada reiteradamente pela Câmara dos Deputados na formação de suas diversas Comissões, tendo sido seguida, inclusive, no caso Collor. Improcedência do pedido.
Por fim, importante observar que, em momento algum, essa SUPREMA CORTE afirmou a necessidade de realização de eleições para a escolha dos representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares para a Comissão Especial, tendo reafirmado que o artigo 58, caput e §1º da Constituição Federal estabelece a indicação pelos líderes como mecanismo para sua composição, exatamente como ocorreu no procedimento instaurado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
A CORTE, expressamente, declarou que "a hipótese não é de eleição", somente deixando de invalidá la desde que a eleição a ser realizada fosse limitada "a ratificar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos", como expressamente constou no item II. 4 da Ementa do julgamento da ADPF 378/MC:
4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia partidária. Em rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para o rito de impeachment em curso, contudo, não se considera inválida a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde que limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas. Procedência do pedido.
Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, mantendo a plena validade do art. 1º do Ato 41/2020, editado pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e regular a consequente composição da Comissão Especial, ficando revogada a medida liminar deferida.(...)" (grifos originais).
Em face da nova decisão, acima citada, sobre a Reclamação impetrada pela defesa no Supremo Tribunal Federal, que revogou a decisão liminar e julgou improcedente a aludida Reclamação, o presidente da Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado, publicou, em 01 de setembro do corrente, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ato de Intimação para dar publicidade à retomada da contagem do prazo de apresentação da defesa pelo denunciado, no âmbito daquela colenda Comissão Especial.
XIII - DA DEFESA APRESENTADA PELO DENUNCIADO À COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT DA ALERJ
Apresentada tempestivamente à Comissão Especial do Impeachment na data de 02 de setembro do corrente, a peça de Defesa do denunciado está estruturada nos seguintes eixos ou seções: a) tempestividade; b) histórico dos procedimentos administrativos; c) dubiedade e ambiguidade da denúncia; d) razões de mérito; e) conclusão.
Quanto às razões de mérito, elas se dividem em sete subseções, que versam sobre as seguintes questões: I) ausência de motivação e lastro probatório para sustentar o processo administrativo; II) sobre a competência do denunciado para julgar recurso hierárquico; III) ausência de dolo ou má fé nos fatos apontados contra o denunciado; IV) inexistência material do ato impugnado dado como ímprobo; V) ausência de provas da participação do denunciado nos fatos contra ele apontados; VI) fragilidade de provas contra o denunciado nos autos da medida cautelar adotada pelo Superior Tribunal de Justiça; VII) demanda do denunciado por produção de provas.
No tocante à conclusão, destacam se três aspectos: I) o denunciado requer, antes da continuidade do processo, que lhe sejam esclarecidos os fatos que fundamentam a denúncia; II) o denunciado requer, em decorrência do item anterior, que lhe seja concedido novo prazo de defesa; c) o denunciado reitera sua postulação acerca da produção de provas testemunhais e periciais, estas de natureza contábil.
Valho-me do resumo da defesa apresentada pelo denunciado, contido no Parecer do relator na Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, para destacar os principais elementos de conteúdo da peça defensiva apresentada à aludida Comissão, que doravante passo a citar:
"(...)
O denunciado argui, a título de preliminar, a ausência de provas que viabilizem qualquer deliberação sobre o prosseguimento ou não da denúncia e, por conseguinte, seu recebimento.
Argumenta que a leitura genérica da denúncia não traz a devida clareza a respeito dos aspectos especificamente imputados ao denunciado que ensejariam a caracterização de crime de responsabilidade e, que tal fato, portanto, vulnera as garantias fundamentais constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Alega que o próprio fato, "vaga e genericamente narrado na denúncia", nem sequer existe mais, pois foi desconstituído com a nova desqualificação do Instituto UNIR como Organização Social de Saúde apta a contratar com o governo do Estado, não subsistindo o pilar sobre o qual se apoia a denúncia.
Afirma que a Comissão Especial de Impeachment deveria prestar esclarecimentos sobre a denúncia recebida com a emissão de parecer prévio delimitando exatamente o escopo da denúncia.
No que tange às razões de mérito, alega que o processo administrativo foi instaurado sem motivação e sem o necessário lastro probatório da denúncia.
Sustenta que a decisão do denunciado nos autos do processo administrativo nº E 08/001/1170/2019 foi realizada dentro de sua competência, estando assentada nos seguintes fundamentos:
a) presunção do cumprimento das disposições contratuais em decorrência de celebração de Termo Aditivo;
b) autotutela administrativa;
c) princípio da proporcionalidade;
d) necessidade da preservação do caráter competitivo diante das contratações públicas.
Argumenta que os pareceres dos quais o denunciado discorda em sua decisão não são vinculantes e que ele se pautou no melhor interesse da sociedade, pois a prestação do serviço encontrava se satisfatória, mesmo após a verificação de atos de descumprimento contratual por parte da prestadora do serviço.
Além disso, a desqualificação de uma OSS configuraria medida gravosa não só para a própria OSS, como para a Administração Pública, pois importaria na rescisão do contrato de gestão, deixando 10 UPAs sem funcionamento.
Assevera que não se verificou tentativa da Administração Pública de utilizar todos os mecanismos legais e contratuais disponíveis para apurar e sanar as irregularidades verificadas, a fim de manter o contrato vigente.
Sustenta que o administrador público deve buscar alcançar o princípio da eficiência, calculando os benefícios e prejuízos do ato a ser praticado para os administrados que serão diretamente afetados, bem como para a sociedade como um todo.
Entende que ao fazer uso do instrumento jurídico da revogação por motivos de conveniência e oportunidade, não violou os princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal, tampouco os demais princípios norteadores da Administração Pública, não havendo improbidade nem crime de responsabilidade.
Alega, ainda, que não houve dolo a ser imputado à conduta do denunciado, nem nada lesivo à Administração Pública. Afirma que o STJ entende, em jurisprudência pacífica, a necessidade do elemento anímico do dolo para a imposição de qualquer sanção prevista na Lei nº 8.429/1992, sendo imprescindível a existência de má-fé qualificada por parte do acusado, evidenciando a finalidade de causar lesão à Administração Pública e violação a alguns de seus princípios, caracterizando dolo ou culpa grave por parte do agente, o que não aconteceu.
Além disso, argumenta que o inquérito sobre o qual a denúncia se funda está em fase embrionária e foi motivado por "denúncia" de cunho político.
Também afirma que a narrativa do Ministério Público Federal neste inquérito se pauta em presunções inexistentes quanto ao seu conhecimento dos detalhes envolvendo as contratações emergenciais
Alega que o Ministério Público se socorre da teoria do domínio do fato para tentar contornar a mais absoluta falta de provas ou mesmo indícios de que houve participação do denunciado nas irregularidades investigadas.
Entende incabível a criminalização do exercício da advocacia como pretendeu fazer o Ministério Público Federal em relação à primeira dama.
Em seguida, a defesa protesta pela produção de provas testemunhais e periciais.
Por fim, solicita o denunciado que, caso a ALERJ vote pelo prosseguimento da denúncia, seu eventual afastamento do cargo ocorra apenas após juízo positivo do Tribunal Especial Misto.
Juntamente com a defesa foram apresentados os seguintes documentos:
1. Cópia da intimação do Governador em Diário Oficial, para apresentação de defesa perante Comissão Especial;
2. Páginas do site da ALERJ, demonstrando a realização de sessões ordinárias nos dias 08, 09, 14, 15, 16, 21, 22, 23, 28 e 29 de julho;
3. Decisão do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, julgando improcedente a Reclamação 42.358;
4. Cópia da intimação do Governador em Diário Oficial, para apresentar defesa "pelo número de sessões remanescentes";
5. Sentença da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do ex Governador Luiz Fernando de Souza, por ato de improbidade administrativa;
6. Medida Cautelar ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Edmar José Alves dos Santos, ex Secretário de Saúde, em decorrência da Operação "Mercadores do Caos";
7. Cópia do Diário Oficial contendo a exoneração do ex-Subsecretário Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos;
8. Inicial da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de autoridades do setor de saúde fluminense no âmbito da pandemia;
9. Petição Inicial da Denúncia da Operação Favorito;
10. Inicial da segunda Ação Civil Pública de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de autoridades do setor de saúde fluminense no âmbito da pandemia."
XIV - DO VOTO DO RELATOR NA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ
O voto do Relator na Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, integra o Parecer de sua lavra, datado de 14 de setembro do corrente, que é composto por três partes: a "Introdução", o "Relatório" e o "Voto" propriamente dito.
No que se refere à Introdução, trata-se de preâmbulo em que o relator reflete sobre a responsabilidade de que estava investido, menciona adversidades que precisou superar e declina agradecimentos a pessoas que lhe prestaram auxílio e apoio, inclusive na esfera familiar. No tocante ao Relatório, trata se, como se supõe, de restituição descritiva dos fatos relacionados ao objeto do Parecer, qual seja, o processo de impeachment do governador Wilson Witzel. Ora, como a "Introdução" do aludido Parecer se revestiu principalmente de elementos subjetivos e, ainda, como o "Relatório" produzido pelo relator da Comissão Especial contém elementos que já estão aqui claramente restituídos, visto que o presente documento é também um relatório sobre o mesmo objeto, fixar-me-ei apenas no relato do "Voto" proferido pelo relator na Comissão Especial.
Na primeira seção, o voto do relator cuida de aspectos históricos e conceituais em relação ao instituto do impeachment, concluindo que o referido instituto é, com efeito, o processo adequado para a punição de governantes que cometem crime de responsabilidade, ressalvando que a penalidade daí decorrente não tem caráter penal, mas antes político administrativo: perda do cargo e inabilitação para o exercício da função pública.
Na segunda seção, o voto do relator discute, levando em conta o contexto brasileiro, o lastro constitucional, legal e jurisprudencial do julgamento de governadores por cometimento de crime de responsabilidade.
Na terceira seção, dialogando diretamente com a defesa apresentada à Comissão Especial, cujo resumo expandido já citei anteriormente, o voto aborda a demanda do denunciado por produção de provas naquela fase do processo, o que o relator entendeu não ser pertinente.
Na quarta seção do voto, o relator da Comissão Especial da ALERJ passa a tratar dos requisitos referentes à admissibilidade da denúncia e, por consequência, do prosseguimento do processo de impeachment. Nessa esteira, considera a legitimidade ativa, a legitimidade passiva, os requisitos formais da denúncia, a justa causa da denúncia e os indícios de autoria do denunciado.
Nesse âmbito, o relator discorre, com certa minúcia, sobre os fatos relativos às contratações, no governo de Wilson Witzel, da Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde e da Organização Social de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS), dissertando notadamente sobre as fraudes e os prejuízos ao erário e à população, que derivam daquelas contratações. Após fazê-lo, o relator conclui ter sido "demonstrada a justa causa para o prosseguimento do processo de impeachment."
Ainda no âmbito da quarta seção de seu voto, o relator menciona "fortes indícios" de relações próximas entre empresários da área da saúde, que se beneficiaram de desvios, e o denunciado. Acrescenta que tais danos ao erário só puderam se viabilizar com a interveniência direta do próprio denunciado. Adiciona sua interpretação de que o denunciado tinha "plena consciência" de todos os seus atos relacionados às contratações das aludidas Organizações Sociais. E chega o relator a afirmar que o denunciado, no exercício da função de governador do Estado do Rio de Janeiro, "agiu dolosamente contra os interesses públicos e em benefício de interesses privados".
Assim, na Conclusão, quinta e última seção de seu voto, o relator da Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, assevera que "após a análise dos autos, não existe outra resposta possível senão a de que o presente processo de impeachment deve prosseguir." Seu voto, portanto, foi pela "admissibilidade da denúncia e consequente autorização para prosseguimento do processo pela Comissão Mista, com vistas a julgar o Exmo. Sr. Governador do Estado, Wilson José Witzel, pela prática de crime de responsabilidade."
XV - DA APROVAÇÃO DO PARECER PELOS MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ
No dia 17 de setembro de 2020, no Plenário Barbosa Lima Sobrinho, Palácio Tiradentes, sede do Poder Legislativo fluminense, bem como por meios digitais, via Plataforma "Zoom", reuniram-se 24 (vinte e quatro) dos 25 (vinte e cinco) Deputados Estaduais, membros da Comissão Especial de Impeachment, sob a presidência do Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado, para a terceira reunião ordinária.
A reunião teve como objetivo discutir e votar o Parecer do relator, Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, que propugnava pela admissibilidade da denúncia e consequente continuidade do processo de impeachment.
Após a leitura integral do Parecer pelo relator, o documento foi debatido pelos membros da Comissão, tendo sido aprovado por unanimidade pelos deputados estaduais presentes.
Cabe destacar que o único membro da Comissão ausente naquela reunião foi o Deputado Estadual João Peixoto, que se encontrava hospitalizado e licenciado por motivo de saúde, razão pela qual não participou da aludida sessão. Infelizmente, o referido parlamentar veio a falecer poucos dias depois.
Concluída a votação e proclamado o resultado, foi elaborado o Projeto de Resolução, de iniciativa da Comissão Especial, sobre o prosseguimento do processo de impeachment, que seria encaminhado para deliberação, em Plenário, pelos deputados estaduais fluminenses.
XVI - DA APROVAÇÃO EM PLENÁRIO DO PROJETO DE RESOLUÇÃO DE AUTORIA DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ
No dia 23 de setembro de 2020, em sessão ordinária da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, foi pautado o Projeto de Resolução n° 433/2020, com a seguinte ementa: "Autoriza o processo por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Doutor Wilson José Witzel, nos termos da Denúncia documentada nos Processos ALERJ nº 5328/2020 e nº 5360/2020".
A sessão contou com a participação de 45 (quarenta e cinco) parlamentares, em caráter presencial, e de outros 24 (vinte e quatro) parlamentares, que dela participaram de forma virtual. Após os debates, foi aprovado por unanimidade (69 votos favoráveis) o Projeto de Resolução, que autoriza o prosseguimento do processo de impeachment em desfavor do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Exmo. Sr. Wilson José Witzel, nos termos das denúncias constantes nos processos ALERJ n° 5.328/2020 e 5.360/2020.
Após a aprovação unânime da matéria pelos deputados estaduais, foi promulgada pelo Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Deputado André Luiz Ceciliano, a Resolução ALERJ n° 294/2020, publicada em Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (DOERJ), na data de 24 de setembro de 2020, oriunda do Projeto de Resolução aprovado, com a seguinte ementa: "Autoriza o processo por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Doutor Wilson José Witzel, nos termos da Denúncia documentada nos processos ALERJ nº 5.328/2020 e nº 5.360/2020."
Na mesma data, em cumprimento ao disposto no art. 2° da Resolução 294/2020, foram encaminhadas ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) as cópias integrais dos processos ALERJ n° 5.328/2020 e 5.360/2020, devidamente acompanhadas dos demais documentos referentes à autorização para processar o Chefe do Poder Executivo fluminense por suposta prática de crime de responsabilidade, de modo a ensejar a instalação do competente Tribunal Especial Misto para o devido julgamento.
XVII - DO ENVIO PELA ALERJ DOS DOCUMENTOS SOBRE O PROCESSO DE IMPEACHMENT AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA INSTALAÇÃO DO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
Após a aprovação na ALERJ do Projeto de Resolução n° 294/2020, que autoriza o processo por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Doutor Wilson José Witzel, nos termos da Denúncia documentada nos processos ALERJ n° 5.328/2020 e n° 5.360/2020, e a consequente publicação da Resolução nº 294/2020, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, na data de 24 de setembro do corrente ano, o Exmo. Sr. Presidente do parlamento estadual, Deputado André Luiz Ceciliano, remeteu o processo ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), encaminhando os documentos eletrônicos correspondentes à autorização para abertura de processo em desfavor do Chefe do Poder Executivo por suposta prática de Crime de Responsabilidade, na forma do disposto na Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950.
Recebidos os referidos documentos encaminhados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, foi inaugurado, no Poder Judiciário estadual, o Processo n° 2020-0661953 e determinado, em despacho da lavra do Exmo. Sr. Presidente do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador Claudio Mello Tavares, o que se segue:
"1) Intime-se o denunciante, o acusado e seus representantes legais da data da sessão do Tribunal Pleno que será realizada para fins de sorteio dos Desembargadores que irão integrar o Tribunal Especial Misto para, se assim desejarem, comparecerem presencialmente ou, caso não desejem estar presentes fisicamente na sessão, poderão assistir a mesma por videoconferência ou através do canal do Tribunal de Justiça no YouTube, conforme link que segue abaixo:
https://cnj.webex.com/cnj pt/onstage/g.php?MTID=e3c9e6e8e978b00b79df832293d3007c8
2) Oficie-se ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, ao Procurador-Geral de Justiça, ao Procurador Geral do Estado, ao Presidente da ALERJ, com a finalidade de informar a data da sessão do Tribunal Pleno, que será realizada para fins de sorteio dos Desembargadores que irão integrar o Tribunal Especial Misto, solicitando que indiquem representantes para comparecer a mesma, de modo a presenciar o sorteio que será realizado manualmente por globo sorteador com bolas numeradas, onde os números representam a antiguidade do Desembargador no Tribunal;
3) Junte se aos autos a cópia da decisão exarada no processo nº 2020 0661953, que determinou a convocação do Tribunal Pleno para fins de sorteio dos Desembargadores que irão integrar o Tribunal Especial Misto.
4) Ao DEMOV para juntar aos autos certidão dos Desembargadores que se encontram fora do mapa da Distribuição ordinária, por estarem de férias, licença ou afastados por qualquer motivo."
Na mesma data, foi proferida a respeitável Decisão (Id1204182) da Presidência do TJRJ, que apresenta a sugestão sobre o rito a ser seguido para julgamento do processo de impeachment do Governador do Estado do Rio de Janeiro, bem como convoca Sessão Extraordinária do Tribunal Pleno para realização do sorteio dos Exmos. Senhores Desembargadores que passariam a integrar o E. Tribunal Especial Misto, o que foi realizado na data de 28 de setembro do corrente. Foram sorteados, na referida sessão, os seguintes eminentes Desembargadores:
Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves;
Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho;
Desembargadora Maria da Glória Bandeira de Mello;
Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva;
Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo.
Também em Sessão Plenária da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, na data de 29 de setembro de 2020, foram eleitos os 5 (cinco) Deputados Estaduais que passariam a compor o E. Tribunal Especial Misto, o que foi devidamente publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, na mesma data. Foram eleitos, por ordem de votação, os seguintes Exmos. Srs. Deputados Estaduais:
Deputado Alexandre Freitas;
Deputado Chico Machado;
Deputado Waldeck Carneiro;
Deputada Dani Monteiro;
Deputado Carlos Macedo.
A composição do Tribunal Especial Misto foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, em 30 de setembro do corrente. No dia seguinte, 01 de outubro de 2020, foi realizada a Sessão Inaugural de Instalação daquele E. Tribunal, tendo como pauta a aprovação do roteiro sugerido para julgamento do processo de impeachment do Governador do Estado do Rio de Janeiro e a realização de sorteio para definição do Relator.
Na oportunidade, foi aprovado o rito sugerido para julgamento do presente processo, com algumas modificações pontuais, e foi também realizado o sorteio do relator, sendo na ocasião sorteado para tal função o Exmo. Sr. Deputado Estadual Waldeck Carneiro.
No mesmo dia, em seu primeiro ato, o relator determinou a notificação do denunciado para que oferecesse, no prazo de 15 (quinze) dias, sua resposta à denúncia perante o E. Tribunal Especial Misto.
XVIII - DA CITAÇÃO DO DENUNCIADO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA AO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
Após sorteio do relator do processo de impeachment em curso no Tribunal Especial Misto, em 01 de outubro do corrente ano, o relator sorteado, na mesma data,
determinou a notificação do denunciado para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar sua resposta à denúncia, conforme disposto no artigo 514, do Código de Processo Penal (CPP).
A decisão foi devidamente publicada em Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro (DJERJ), bem como no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (DOERJ), conforme documentos constantes nos autos (Id1214319 e Id1214321, respectivamente).
No dia 02 de outubro do corrente, o denunciado foi notificado pessoalmente, conforme documento constante às fls. 02 e respectiva certidão positiva às fls. 03 do arquivo Id121909, devidamente juntados aos autos pela Oficial de Justiça e Avaliadora (OJA), Ilma. Sra. Ana Maria Monteiro Braga.
No dia 05 de outubro do corrente, primeiro dia útil subsequente à data do recebimento pessoal da notificação pelo denunciado, iniciou-se a contagem do prazo para apresentação de sua defesa ao Tribunal Especial Misto, conforme entendimento pacificado na Súmula 710 do Supremo Tribunal Federal (STF), qual seja: "No processo penal, contam se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem." Portanto, o prazo de defesa do denunciado chegaria a termo em 19 de outubro de 2020.
XIX - DA DEFESA APRESENTADA PELO DENUNCIADO AO TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
Durante a vigência do prazo para apresentar a sua defesa, o denunciado protocolou petição, na data de 09 de outubro de 2020, para solicitar a interveniência do relator, de modo que seus representantes legais pudessem ter acesso ao Processo ALERJ nº 11.371/2020, que, segundo o denunciado, poderia conter elementos relevantes para a sua defesa. Movido pelo respeito ao princípio da Ampla Defesa, o relator despachou nos autos do processo, em 12 de outubro do corrente, nos seguintes termos:
"Em atenção à petição juntada aos autos deste processo pelo acusado, por meio de seus advogados regularmente constituídos, na data de 09 de outubro do corrente, comunico que oficiei ao Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), solicitando que assegure ao acusado o acesso à íntegra dos autos do processo AERJ nº 11.371/2020, com máxima urgência, se possível na data de 13 de outubro do corrente, primeiro dia útil subsequente à data da referida petição. Notifique-se o acusado sobre a providência tomada, que, ressalte-se, não modifica o prazo de resposta à denúncia já fixado por esta relatoria."
Com efeito, a defesa do denunciado teve acesso aos autos do processo solicitado, na íntegra, no dia seguinte à data do despacho do relator.
No dia 19 de outubro do corrente, o denunciado protocolou sua defesa, tempestivamente, anexando à peça defensiva 34 (trinta quatro) documentos, a saber:
Procuração
Decreto Estadual nº 46.991/2020
Trecho da Cautelar Inominada Criminal nº 35/DF- Trecho da declaração do Sr. Edmar Santos
"Proposta de Trabalho" apresentada pelo IABAS em 27.3.2020
Ata das Reuniões presenciais, ocorridas perante a Subsecretaria Executiva da Secretaria da Saúde e proposta de readequação do Contrato enviada ao Subsecretário Executivo Iran Aguiar
Termo Aditivo - Contrato de Gestão firmado entre IABAS e Estado do Rio de Janeiro
Declaração da Subsecretaria Executiva da Secretaria de Estado de Saúde acerca da inexistência de repasses financeiros ao IABAS após a publicação do Decreto nº 47.103/2020 e Planilha com os valores repassados ao IABAS referente a Contratação alheia ao escopo da denúncia (Contrato de Gestão nº 003/2016)
Inicial da ação de produção de provas IABAS e Ofício enviado pelo IABAS à Fundação Saúde
Trecho da Cautelar Inominada Criminal nº 35/DF
Habeas Corpus nº 5005110-96.2020.4.02.0000
Relatório da interceptação telefônica - processo 0500358-69.2019.4.02.5101
Petição protocolizada na ALERJ pelo Sr. Mário Peixoto no dia 18.9.2020
Parecer SSJ/SES nº 237/2019
Parecer jurídico elaborado pelo ex-ministro do STJ Sr. Nilson Naves
Sentença proferida nos autos da ACP por improbidade nº 0053368-86.2018.8.19.0001
Decisão proferida nos autos do Processo nº 5010476-42.2020.4.02.5101 em 7.5.2020
Planilha de pagamentos questionados pela ALERJ feitos pelo Estado à UNIR
Relatório de auditoria nº 51/2019 elaborado pela Controladoria Geral do Estado - CGE
Processos administrativos sancionatórios OSS
Procedimentos E 08/001/1168/2019 e E 08/001/1169/2019
Regularidade dos contratos advocatícios
Documentos societários das empresas DPAD, Cootrab, e Quali
Petição do Ministério Público Federal acerca da relação entre o Sr. Mário Peixoto e as empresas DPAD, Cootrab, e Quali
Contratação da Primeira Dama pelo Hospital Jardim Amália - HINJA
Atuação da Primeira-Dama no agravo de instrumento nº 5002001-74.2020.4.02.0000
Atuação da Primeira-Dama na execução fiscal nº 0000899-05.2009.4.02.5104
Atuação da Primeira-Dama na execução fiscal nº 0000437-43.2012.4.02.5104
Juntada de procuração em nome da Primeira-Dama em 8.4.2020 nos autos do agravo de instrumento nº 5002001-74.2020.4.02.0000
Suspensão do agravo de instrumento nº 5002001-74.2020.4.02.0000 em 26.6.2020 e pedido de reconsideração protocolizado no dia 12.10.2020
Cópia das decisões proferidas no processo de partilha do denunciado com a ex-esposa
Sentença judicial que declarou a comunhão universal de bens entre o governador com a sua ex-esposa, proferida em setembro/2019
Cópia do seguro de vida (Primeira-Dama como beneficiária)
Cópia da petição inicial da ação civil pública (processo n° 0127970-77.2020.8.19.0001)
Cópia da petição da inicial da ação civil pública (processo n° 45099-95.2020.8.19.0001)
Sobre a defesa apresentada pelo denunciado ao Tribunal Especial Misto, em resposta à denúncia, passo a citar o Memorial que resume seus aspectos mais centrais:
"(...) ANTECEDENTES RELEVANTES DESTE PROCESSO
Para se analisar os fatos, objeto deste processo, é importante salientar o contexto no qual eles ocorreram. Para tanto, inicialmente, deve-se pontuar que o Estado do Rio de Janeiro possui o segundo maior PIB do Brasil (perde apenas para o Estado de São Paulo), é dividido em 92 municípios, possui um orçamento anual de aproximadamente 90 bilhões de reais e a sua estrutura organizacional dispõe de 27 secretarias.
Ao Governador deste Estado, como o de qualquer outro estado, cabe acompanhar as políticas públicas estrategicamente elaboradas, conforme o plano de governo e as promessas eleitorais. Não se imiscui na rotina diária de cada Secretaria. Aliás, o Governador nem mesmo é o ordenador de despesas (na Secretaria de Saúde, por exemplo, à época dos fatos objeto deste processo, era o subsecretário Executivo, o Sr. Gabriell Neves).
O Governador, nesse contexto, implementou, a partir de 2019, em conjunto com a SEFAZ, o Sistema Eletrônico Integrado - SEI no Estado do Rio de Janeiro, a fim de dar total transparência ao que acontece no dia a dia de cada secretaria. Esse sistema, desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, modificou completamente a transparência de toda e qualquer contratação estadual. Inclusive, permitiu à imprensa e até mesmo aos próprios cidadãos se cadastrarem no SEI, para terem informações diretas a respeito de licitações em andamento, dotações orçamentárias, dentre outras relevantes informações sobre as contas públicas.
Note-se, já aqui, e como inclusive restou demonstrado na defesa, que o Governador sempre atuou, de forma eficaz e imediata, para sanar eventuais irregularidades que apareceram. Essa atuação do Governador sempre se pautou pelo respeito ao sistema jurídico - no qual ele atuou como Juiz Federal por quase 20 anos, sem a mais mínima mácula - , em prol da sociedade fluminense. E tudo isso se deu num contexto dantesco: conter o avanço, de uma pandemia mundial nunca antes vivenciada, com uma infraestrutura de saúde pública estadual sucateada, herdada de governos anteriores.
De todo modo, como sabido, aberto este processo, ainda na ALERJ, após o Governador apresentar a sua defesa, foi aprovado o relatório apresentado pelo Exmo. Relator Deputado Rodrigo Bacellar, por meio do qual concluiu se pela existência de irregularidades relacionados a 2 (dois) eventos específicos, ocorridos durante o combate à pandemia da Covid-19, quais sejam:
a revogação da desqualificação da Organização Social de Saúde - OSS denominada Instituto Unir Saúde (fls. 31/57 do relatório); e
a contratação da Organização Social de Saúde - OSS denominada "IABAS" (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), para a construção de hospitais de campanha (fls. 57/62 do relatório). O relatório ainda imputou a participação da Dra. Helena Witzel, no alegado esquema delituoso, ao aduzir que "as investigações e a denúncia apontam existirem fortes indícios de recebimento de vantagens indevidas pelo Governador, através do pagamento de honorários à sua esposa, a senhora Helena Alves Brandão Witzel".
A lamentável história política deste Estado, nas últimas décadas, mostra que vários governadores se envolveram em gravíssimos escândalos de corrupção. Essa triste circunstância, infelizmente, contribuiu para que os fatos objeto deste processo ensejem conclusões precipitadas acerca da prática pelo Governador de supostos atos de improbidade. Mas, em sua defesa, o Governador demonstrou que sua biografia não pode ser lançada na mesma vala comum da história política deste Estado, notadamente porque, no caso, não há contra ele qualquer prova, nem sequer indiciária. Muito ao contrário: já há prova robusta de que o Governador agiu regularmente.
SÍNTESE DA DEFESA
Por meio da defesa, atualmente submetida à judiciosa apreciação de V. Exa.,
o Governador Wilson Witzel expôs, com base na farta documentação que a instruiu, os seguintes motivos, que justificam o não recebimento das 2 (duas) denúncias contra ele apresentadas:
SOBRE A CONTRATAÇÃO DO IABAS:
i) não há provas e nem indícios de que o Governador ao menos teria participado da contratação do IABAS. Todo o contexto pré e pós-contratação do IABAS se deu entre o Sr. Edmar Santos o Sr. Gabriell Neves e os membros do IABAS. Esses fatos foram confirmados pelos próprios protagonistas ao MPF;
ii) após notícias da imprensa, sobre a existência de superfaturamento na referida contratação do IABAS, tomando conhecimento dos fatos, o Governador promulgou o Decreto n° 47.039, no dia 17.4.2020, para que a Controladoria Geral do Estado - CGE passasse a fazer auditoria prévia em todas as contratações emergenciais;
não há prova de prejuízo do Estado na contratação do IABAS. Ao contrário. Ao que se saiba, o IABAS ajuizou uma ação de antecipação de provas contra o Estado do Rio de Janeiro, justamente para comprovar a inadimplência pelos vários serviços prestados pelo autor; e
iv) o Sr. Mário Peixoto não é um dos donos ocultos do IABAS. Segundo as próprias provas colhidas pelo MPF, nos autos da cautelar Inominada n° 35/DF, o IABAS estaria "sob o comando" do Sr. Roberto Bertholdo. Inexistindo este vínculo, impossível cogitar de benefício indevido do Governador, no tocante a recebimentos da primeira dama, em seu escritório de advocacia.
SOBRE A DECISÃO DO GOVERNADOR QUE JULGOU RECURSO DA UNIR:
i)o Sr. Mário Peixoto não é um dos donos ocultos da UNIR. O MPE já chegou a esta constatação em investigação já concluída. O Sr. Mário Peixoto se manifestou no mesmo sentido, em sua defesa. Se a UNIR possui ligação política com alguém, notadamente com base nas próprias provas colhidas pelo próprio MPE e pelo MPF, é com o Sr. Nelson Bornier;
a UNIR já possuía relação contratual com o Estado do Rio de Janeiro anos antes de o Governador assumir o cargo. A UNIR celebrou com o Estado, ainda sob a gestão de Luiz Fernando Pezão, 7 (sete) contratos de gestão, entre janeiro e dezembro de 2018, que somam aproximadamente R$ 172.514.848,00. Desses contratos, 5 foram aditados entre o fim do mandato de Pezão e início do governo de Witzel;
a decisão de revogação de descredenciamento, proferida pelo Governador, foi totalmente regular (fundamentada e motivada). Ainda assim o Governador revogou essa decisão tão logo soube do aparente uso criminoso da UNIR. E essa revogação ainda se deu antes dos protocolos das denúncias objeto deste processo;
eram devidos todos os valores pagos à UNIR entre novembro/2019 e janeiro/2020 (período em que a UNIR estava desqualificada). Referiram se a serviços já prestados antes do descredenciamento. Perdoe-se outra obviedade, mas, para aferir a regularidade do pagamento, não se deve observar a data em que ele foi efetuado (fundamento do Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar, encampado pela ALERJ). Deve se focar na data da realização do serviço; e
o Governador recebeu a saúde estadual em péssimo estado. Várias outras OSS estavam em situação muito pior que a UNIR (inclusive com mais condenações administrativas), como evidenciam a farta documentação juntada aos autos. Consequentemente, manter a UNIR afastada, à luz da pandemia, seria prejudicial à população fluminense, já que ao descredenciá la, não se planejou sua substituição adequada na gestão dos contratos em curso.
SOBRE OS CONTRATOS DE HONORÁRIOS DA DRA. HELENA WITZEL:
i) não há provas e nem indícios de que a contratação do escritório da Dra. Helena Witzel teria beneficiado ilegalmente o Governador e, menos ainda, o Sr. Mário Peixoto;
il) as empresas privadas DPAD, COOTRAB e QUALI nem sequer possuem qualquer relação com o Sr. Mário Peixoto;
iii) a empresa privada HINJA também não possui relação com o Sr. Mário Peixoto e a Dra. Helena Witzel prestou vários serviços advocatícios àquela entidade desde 2017, como comprovam os documentos anexados aos autos; e
iv) a alteração do regime de bens que rege o casamento de Wilson Witzel e a Dra. Helena Witzel é absolutamente irrelevante, no caso, e, ainda assim, plenamente justificável, já que realizada loqo após a homologação da partilha patrimonial do primeiro casamento do Governador, como comprovam os documentos anexados à defesa.
SOBRE A AUSÊNCIA DE PROVAS/INDÍCIOS DE ATO DOLOSO OU DE MÁ-FÉ:
Não há provas e nem indícios de que o Governador teria agido de má-fé ou dolo (coMo impõe a jurisprudência pacífica do STF e do STJ), com o intuito de causar dano ao erário ou de que teria infringido algum princípio administrativo de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. A lógica do MPF, encampada pela ALERJ, atribui responsabilidade penal objetiva ao Governador meramente por estar ele no exercício do mandato de governador, o que é vedado pelo sistema jurídico (também com farta jurisprudência nesse sentido).
Ficou demonstrado que o Sr. Mario Peixoto não tem qualquer relação ou, se tem, o que se admite para argumentar, não se teria beneficiado de qualquer ato do Governador, objeto deste processo. Consequentemente, não há como se sustentar a acusação de que o Governador teria tido algum benefício, causado dano ao erário, ou violação algum princípio, seja com a contratação do IABAS ou com a requalificação da UNIR.
Não há uma linha sequer a apontar que o Governador efetivamente sabia de fraudes supostamente cometidas na contratação do IABAS, nem que ele teria participado das atividades das pessoas que supostamente cometeram os atos (o Sr. Edmar Santos e o Sr. Gabriell Neves. v.g.) e nem que ele teria beneficiado a UNIR com a decisão por ele proferida. O que há nos autos deste processo é exatamente o oposto: o Governador agiu, por várias vezes, à luz dos fatos deste processo, com eficiência e agilidade, diante de grave crise na área da saúde estadual, notadamente decorrente dos governos anterior (como dito) e da pandemia (para piorar o cenário). Tanto é que ele nem sequer consta como réu de 2 recentes ações de improbidade administrativa ajuizadas pelo MPE justamente para apurar irregularidades de temas relacionadas ao combate da Covid 19 no Estado do Rio de Janeiro.
CONCLUSAO
Diante do exposto, o Governador confia em que V. Exa., ao elaborar o relatório, opinará pela rejeição total das denúncias ou, eventualmente, parcial (com relação à contratação do IABAS ou à decisão proferida pelo Governador que requalificou a UNIR)."
Assim, considero sintetizados os principais fatos e etapas que constituem o presente processo, desde o protocolo da denúncia na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 27 de maio do corrente, até a presente data.
É o Relatório.
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2020
Deputado WALDECK CARNEIRO
Relator
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
EDITAL DE PUBLICAÇÃO DE DECISÃO
Processo SEI nº 2020-0667131
Denunciante: Luiz Paulo Corrêa da Rocha
Denunciante: Lucia Helena Pinto de Barros
Denunciado: Wilson José Witzel
Advogada: Ana Tereza Basílio - OAB/RJ 74.802
Advogado: Bruno Di Marino - OAB/RJ 93.384
Considerando a apresentação do relatório (index número 1329005) pelo Relator, Excelentíssimo Deputado Estadual Waldeck Carneiro da Silva, designo sessão de julgamento para o dia 05 de novembro de 2020, às 10 horas, nos termos do procedimento aprovado pelo Tribunal Especial Misto.
Publique-se o relatório no Diário Oficial do Estado e no Diário da Justiça Eletrônico, com distribuição da cópia da publicação a todos os membros do Tribunal Especial Misto.
Notifique-se o acusado, com cópia do relatório, do dia do julgamento de instauração, oportunidade em que poderá comparecer pessoalmente ou ser representado por advogado.
Comuniquem-se os membros do E. Tribunal Especial Misto, bem como intimem-se o denunciante e seus representantes legais, para ciência da data designada para a sessão de julgamento.
Oficie-se ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, ao Procurador-Geral de Justiça, ao Procurador-Geral do Estado e ao Presidente da ALERJ, com a finalidade de informar a data designada para a sessão de julgamento para que, se assim desejarem, se façam presentes.
À Secretaria do Tribunal Especial Misto para adoção das providências de praxe, no sentido de viabilizar a sessão ora designada.
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2020.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal de Justiça
Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.
Alterações na Decisão. In: DJERJ, ADM, n. 47, de 10/11/2020, p. 12; n. 61, de 01/12/2020, p. 12; n. 67, de 10/12/2020, p. 26; n. 68, de 11/12/2020, p. 95; n. 76, de 23/12/2020, p. 15; n. 78, de 29/12/2020, p. 9; n. 85, de 11/01/2021, p. 19; n. 87, de 13/01/2021, p. 14; n. 99, de 01/02/2021, p. 47; n. 101, de 03/02/2021, p. 27; n. 102, de 04/02/2021, p. 19; n. 116, de 01/03/2021, p. 28; n. 125, de 12/03/2021, p. 24; n. 135, de 05/04/2021, p. 13; n. 140, de 12/04/2021, p. 32; n. 148, de 22/04/2021, p. 15; n. 163, de 13/05/2021, p. 13; n. 183, de 14/06/2021, p. 10; n. 199, de 06/07/2021, p. 15; n. 206, de 15/07/2021, p. 23; n. 214, de 27/07/2021, p. 34; n. 67, de 14/12/2021, p. 44.