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NOTA TÉCNICA 2/2025

Estadual

Judiciário

28/01/2025

DJERJ, ADM, n. 98, p. 19.

- Processo Administrativo: 06077233; Ano: 2024

- Processo Administrativo: 06102788; Ano: 2021

Dispõe sobre edição de Nota Técnica, do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tem por escopo implementar mecanismos para coibir a judicialização abusiva/predatória.

Processo 2024-06077233 DECISÃO HOMOLOGO o resultado do Plenário Virtual (id. 9534732) e determino a publicação conjunta do ato de id. 9535103, Nota Técnica e Parecer, bem como sua disponibilização no Portal do Centro de Inteligência do PJERJ... Ver mais
Texto integral

Processo 2024-06077233

 

DECISÃO

 

HOMOLOGO o resultado do Plenário Virtual (id. 9534732) e determino a publicação conjunta do ato de id. 9535103, Nota Técnica e Parecer, bem como sua disponibilização no Portal do Centro de Inteligência do PJERJ (https://portaltj.tjrj.jus.br/web/centro-de-inteligencia).

 

Ato contínuo, cumpram-se as diligências estabelecidas na parte final de id. 9541901.

 

Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.

 

Desembargador RICARDO RODRIGUES CARDOZO

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

 

NOTA TÉCNICA n° 2/2025

 

Relatora: Juíza Marcia Correia Hollanda

Tema: Judicialização abusiva

 

 

1. Relatório

A presente proposta de edição de Nota Técnica, do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tem por escopo implementar mecanismos para coibir a judicialização abusiva/predatória, entendida, segundo o Conselho Nacional de Justiça, como o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas.

Decorre do processo SEI 2024-06077233, no qual, a partir de notícias encaminhadas pela SERASA EXPERIAN, foi requerida a verificação da atuação de advogado com milhares de ações ajuizadas a partir de 2024, com a mesma causa de pedir: (i) danos morais decorrentes de inscrição no cadastro de inadimplentes sem prévia notificação e (ii) danos morais decorrentes de inscrição no cadastro SERASA LIMPA NOME de dívida prescrita. Também instruíram os autos notícias de diversos juízos, seja a respeito das ações individuais, seja em relação a várias ações coletivas, ajuizadas por instituto que tem como objetivo a defesa dos direitos difusos dos consumidores.

 

2. Justificativa

O Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi criado a partir do Ato Executivo 103/2021, editado em 18 de junho de 2021 e é constituído por um grupo operacional e um grupo decisório.

Dentre outros objetivos, cabe ao CITJRJ (i) identificar e monitorar demandas judiciais repetitivas, de grandes litigantes e ações coletivas de grande repercussão; (ii) emitir notas técnicas sobre temas repetitivos; (iii) supervisionar a aderência às notas técnicas; (iv) realizar estudos sobre as causas e consequências do excesso de litigiosidade; (v) propor medidas normativas e de gestão voltadas à modernização das rotinas processuais e à organização e estruturação das unidades judiciais atingidas pelo excesso de litigância; (vi) sugerir o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que permitam a identificação de demandas repetitivas em parceria com o núcleo de inovação - LABLEXRIO; (vii) identificar e propor medidas de prevenção e repressão da litigância protelatória; (viii) - estimular a troca de experiências entre magistrados, membros do Ministério Público, advogados e todos os demais operadores do direito, com o objetivo de uniformizar a jurisprudência em parceria com o NUGEP e enfrentar o excesso de litigiosidade e a litigância protelatória; (ix) Identificar as demandas de natureza coletiva e propor soluções concertadas na forma dos artigos 67, 68 e 69 do CPC; (x) realizar audiências e consultas públicas, além de manter estrita articulação com instituições e organizações sociais quando necessária à consecução do seu objetivo; (xi) e manter interlocução com os Centros de Inteligência de outros Tribunais e do Conselho Nacional de Justiça - CIPJ.

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça, por meio das Recomendações nº 127 de 15/02/2022 e 159 de 23/10/2024, orientou a adoção de cautelas, pelos Tribunais, visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento de defesa e a limitação da liberdade de expressão. Recomendou, ainda, que os Tribunais adotassem, quanto ao tema, medidas destinadas, exemplificativamente, a agilizar a análise da ocorrência de prevenção processual, da necessidade de agrupamento de ações, bem como da eventual má fé dos demandantes, a fim de que o demandado, autor da manifestação, possa efetivamente defender se judicialmente.

Ressalte-se que o próprio Conselho Nacional de Justiça assegurou a possibilidade, de ofício ou mediante requerimento, de acompanhar a tramitação de casos de judicialização predatória, bem como sugerir medidas concretas necessárias para evitar os transtornos dessa prática.

Por fim, conclui-se que o devido tratamento da conduta dos profissionais que, em número isolado, agem no ajuizamento de ações predatórias é de grande importância e tem potencial de repercutir em benefício de toda coletividade, haja vista que permitir o acesso à justiça apenas das lides reais é tornar o uso da jurisdição sustentável, fazendo a inclusiva, célere e efetiva, nos termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 da Agenda 2030 da ONU.

 

3. Conclusão:

Diante do exposto, determina-se o encaminhamento desta nota técnica aos magistrados com as seguintes recomendações:

 

1. alertar aos magistrados do Estado que, nas demandas que visem indenização por danos morais envolvendo a inscrição em cadastros restritivos de crédito sem prévia notificação e reparação de danos decorrentes da inclusão, no cadastros SERASA LIMPA NOME, de dívida prescrita, devem observar se a petição inicial foi instruída com documentos legíveis que indiquem a existência da dívida, a regularidade do mandato outorgado e a comprovação de residência, devendo, sempre que presentes indícios de abusividade e também quando noticiado pela parte ré eventual indício de fraude, envidar esforços para a intimação pessoal da parte autora, para confirmação do interesse e necessidade na propositura da ação;

2. noticiar aos magistrados que, conforme recomendação do CNJ (Rec. 159/2024), podem e devem ser adotadas as seguintes condutas quando presentes indícios de abusividade na demanda: (a) análise criteriosa das petições iniciais e mecanismos de triagem processual, que permitam a identificação de padrões de comportamento indicativos de litigância abusiva; (b) realização de audiências preliminares ou outras diligências, inclusive de ordem probatória, para averiguar a iniciativa, o interesse processual, a autenticidade da postulação, o padrão de comportamento em conformidade com a boa-fé objetiva e a legitimidade ativa e passiva nas ações judiciais, com a possibilidade inclusive de escuta e coleta de informações para verificação da ciência dos(as) demandantes sobre a existência e o teor dos processos e sobre sua iniciativa de litigar; (c) fomento ao uso de métodos consensuais de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, inclusive pré processuais, com incentivo à presença concomitante dos(as) procuradores(as) e das partes nas audiências de conciliação; (d) notificação para complementação de documentos comprobatórios da condição socioeconômica atual das partes nos casos de requerimentos de gratuidade de justiça, sem prejuízo da utilização de ferramentas e bases de dados disponíveis, inclusive Infojud e Renajud, diante de indícios de ausência de preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício; (e) ponderação criteriosa de requerimentos de inversão do ônus da prova, inclusive nas demandas envolvendo relações de consumo; (f) julgamento conjunto, sempre que possível, de ações judiciais que guardem relação entre si, prevenindo-se decisões conflitantes (art. 55, § 3º, do CPC); (g) reunião das ações no foro do domicílio da parte demandada quando caracterizado assédio judicial (ADIs 6.792 e 7.005); (h) adoção de medidas de gestão processual para evitar o fracionamento injustificado de demandas relativas às mesmas partes e relações jurídicas; (i) notificação para apresentação de documentos originais, regularmente assinados ou para renovação de documentos indispensáveis à propositura da ação, sempre que houver dúvida fundada sobre a autenticidade, validade ou contemporaneidade daqueles apresentados no processo; (j) notificação para apresentação de documentos que comprovem a tentativa de prévia solução administrativa, para fins de caracterização de pretensão resistida; (l) comunicação à Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da respectiva unidade federativa, quando forem identificados indícios de captação indevida de clientela ou indícios de litigância abusiva; (m) notificação para pagamento das custas processuais provenientes de demandas anteriores extintas por falta de interesse ou abandono, antes do processamento de novas ações da mesma parte autora; (n) adoção de cautelas com vistas à liberação de valores provenientes dos processos com indícios de litigância abusiva, especialmente nos casos de vulnerabilidade econômica, informacional ou social da parte, podendo o(a) magistrado(a), para tanto, exigir a renovação ou a regularização de instrumento de mandato desatualizado ou com indícios de irregularidade, além de notificar o(a) mandante quando os valores forem liberados por meio do mandatário; (o) notificação da parte autora para esclarecer eventuais divergências de endereço ou coincidência de endereço entre a parte e seu(ua) advogado(a), especialmente nos casos em que registrados diferentes endereços nos documentos juntados e/ou em bancos de dados públicos; (p) realização de exame pericial grafotécnico ou de verificação de regularidade de assinatura eletrônica para avaliação da autenticidade das assinaturas lançadas em documentos juntados aos autos; (q) requisição de providências à autoridade policial e compartilhamento de informações com o Ministério Público, quando identificada possível prática de ilícito que demande investigação (CPP, art. 40); e (r) prática presencial de atos processuais, inclusive nos casos de processamento segundo as regras do juízo 100% digital.

3. observar a incidência dos precedentes vinculantes firmados e pendentes de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas 37, 38, 40, 41, 59, 922, 1198 e 1264, inclusive quanto ao cabimento do dano moral, sempre atentando para a contemporaneidade entre o ajuizamento da ação e a restrição objeto da ação; a existência de restrições anteriores; a validade dos documentos e representação processual que instruem a ação.

4. expedir de ofício à OAB/RJ e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro com cópia do parecer exarado no SEI 2021.06102788 e desta nota técnica, para ciência e providências que entender cabíveis quanto aos advogados mencionados e aos institutos autores das demandas coletivas, inclusive no que se refere à captação de clientela e regularidade da constituição das pessoas jurídicas.

 

Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.

 

Desembargador RICARDO RODRIGUES CARDOZO

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Presidente do CI TJRJ - Grupo Decisório

 

 

 

PARECER

 

Relatora: Juíza Marcia Correia Hollanda

Tema: Judicialização abusiva

 

 

Trata-se de procedimento instaurado por iniciativa da empresa SERASA EXPERIAN, noticiando o ajuizamento de centenas de processos patrocinados pelo advogado Luis Albert dos Santos Oliveira, com idênticas causas de pedir e pedido. De acordo com o que consta do relatório produzido pela noticiante, o referido advogado, durante o ano de 2024, ajuizou mais de 5000 ações em face de instituições financeiras diversas, sendo que 1720 delas em face da SERASA, objetivando a reparação de danos morais decorrentes da ausência de notificação formal a respeito de inclusão do nome dos autores nos cadastros de inadimplentes.

Além da realização de duas reuniões com os representantes do SERASA, os autos foram instruídos com cópias de algumas das petições iniciais e das sentenças de improcedência, prolatadas nas ações objeto deste procedimento.

Posteriormente, os representantes do SERASA comunicaram o ajuizamento de diversas ações coletivas, promovidas por variados institutos, especialmente o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos Difusos e do Consumidor, objetivando, tal qual as ações individuais acima identificadas, a responsabilização das empresas mantenedoras de cadastros restritivos e positivos, por informações equivocadas vinculadas a dívidas prescritas e informações restritivas sem prévia notificação.

E, em 04/12/2024, o juízo da 7ª Vara Empresarial deste Tribunal comunicou a este órgão petição inicial e sentença proferidas em ação coletiva, ajuizada pelo instituto acima mencionado, com a mesma causa de pedir objeto deste procedimento, a fim de se apurar a litigância predatória.

 

O advogado objeto do procedimento tem inscrição principal na OAB/AM 8251 e inscrições suplementares em outras 5 seccionais, inclusive ao do Rio de Janeiro (OAB/RJ 240.091).

 

É o breve relatório. Decido.

 

O cerne da controvérsia diz respeito à configuração de litigância abusiva/predatória no ajuizamento de milhares de ações em face da noticiante, em curto período. Em tais demandas, os autores, seja individualmente, seja por meio do Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos Difusos e do Consumidor, pleiteiam a reparação dos danos morais em virtude da ausência de notificação prévia quanto à inscrição nos cadastros de inadimplentes e, também, a manutenção de cadastros de indicação de score, com referência a dívidas prescritas.

Como explicitado no relatório, houve, durante o ano de 2024, o ajuizamento de mais de cinco mil ações individuais, todas patrocinadas pelo advogado indicado pela noticiante com pedido de reparação de danos morais, o que trouxe relevante impacto na prestação jurisdicional deste Tribunal de Justiça, especialmente nas Varas Cíveis dos Foros Regionais e Comarcas da Baixada Fluminense. Além disso, há notícias de propositura de diversas ações coletivas pelo já mencionado Instituto, com a mesma causa de pedir.

Em recente ato normativo (Recomendação 159/2024), o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu que a litigância abusiva é o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça. Para a detecção da litigância abusiva, o Conselho Nacional de Justiça recomenda que sejam consideradas as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos.

 

E identificados, pelo magistrado, indícios de desvio da finalidade da demanda judicial, o CNJ indica, com base no exercício geral de cautela e por decisão devidamente fundamentada, a possibilidade de adoção de diligências para apurar a legitimidade do acesso ao Poder Judiciário.

A litigância predatória/abusiva é, normalmente, precedida da captação em massa de clientes por advogados e se concretiza pelo ajuizamento de um grande quantitativo de ações através de petições iniciais genéricas, envolvendo controvérsias simples, por vezes já pacificadas no âmbito do Poder Judiciário, direcionadas contra a mesma pessoa jurídica e com a mesma causa de pedir.

Atento ao incremento no ajuizamento de demandas abusivas e seu impacto na prestação jurisdicional, o Superior Tribunal de Justiça afetou a controvérsia acerca dos limites da atuação do magistrado em demandas com natureza abusiva (Tema 1198), que ainda está aguardando o término de julgamento (pendente o voto do Ministro Luis Felipe Salomão). De todo modo, o Ministro Humberto Martins, relator do recurso paradigma, estabeleceu em seu voto a seguinte tese: "O juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, que a parte autora emende a petição inicial, apresentando documentos de identificação e/ou probatórios previstos na lei processual para lastrear minimamente as pretensões deduzidas, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova".

No caso específico da noticiante, as demandas envolvem (i) a reparação de danos morais pela ausência de notificação prévia para a inscrição do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito; e (ii) reparação dos danos morais decorrentes da informação do nome do autor no cadastro SERASA LIMPA NOME a respeito de dívida prescrita; (iii) a exclusão liminar das anotações restritivas em nome de todos os consumidores (ações coletivas).

 

As questões são bastante corriqueiras, tanto é que foram objeto de diversos precedentes vinculantes originários do Superior Tribunal de Justiça (Temas 37, 38, 40, 41, 59 e Tema 922), cujas teses, em linhas gerais, reconheceram a necessidade de prévia comunicação ao devedor acerca da inscrição sob pena de configuração do dano moral. Todavia, as teses afastaram a necessidade de demonstração do recebimento do AR pelo consumidor e o dano moral, se preexistentes outras restrições.

 

E no que tange ao sistema de score e registro de dívidas prescritas, a controvérsia está afetada no Tema 1264, ainda sem julgamento, mas com ordem de suspensão nacional dos processos em tramitação.

 

Feitas tais considerações, é possível concluir pela presença dos indícios de propositura de ações predatórias, estas entendidas como aquelas decorrentes de uma ação concertada de um mesmo grupo de advogados, com distribuição simultânea de centenas de processos, de petições iniciais idênticas e abordando controvérsias que já foram definitivamente solucionadas pelo Superior Tribunal de Justiça ou estão em vias de se resolver por precedente vinculante.

 

A distribuição agressiva dessas ações, cujo resultado tende a ser contrário aos interesses dos autores, inibe o regular exercício do direito de defesa por parte das empresas rés e indica a provável intenção de se provocar a celebração de acordos, mesmo com valores inexpressivos, mas que, numa análise de custo x benefício, representaria menor prejuízo às demandadas.

 

Embora os precedentes vinculantes sejam de observância obrigatória pelo Poder Judiciário, nada obsta que o magistrado, na análise do caso concreto e havendo indícios da natureza abusiva da ação, promova diligências específicas para aferir a legitimidade da demanda, sempre por decisão fundamentada, de forma a viabilizar o prosseguimento ou a extinção imediata da ação.

 

Dessa forma, proponho a edição de NOTA TÉCNICA.

 

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.