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ATO SN45/2016

Estadual

Judiciário

13/10/2016

DJERJ, ADM, n. 33, p. 34.

Carmo, Ana Lúcia Vieira do - Processo Administrativo: 187844; Ano: 2015

Dispõe sobre alteração da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça - Parte Extrajudicial - Decisão.
PROCESSO: 2015-187844 Assunto: ALTERAÇÃO CNCGJ. ABERTURA E RECONHECIMENTO DE FIRMA. DEFICIÊNCIA VISUAL JOSEMAR FIGUEIREDO ARAÚJO OAB/RJ 128.690 ASSOCIAÇÃO DOS EX-ALUNOS DO INSTITUTO BENJAMIM CONSTANT DECISÃO Trata-se de procedimento iniciado pela Associação dos Ex Alunos do Instituto... Ver mais
Texto integral

PROCESSO: 2015-187844

Assunto: ALTERAÇÃO CNCGJ. ABERTURA E RECONHECIMENTO DE FIRMA. DEFICIÊNCIA VISUAL

JOSEMAR FIGUEIREDO ARAÚJO OAB/RJ 128.690

ASSOCIAÇÃO DOS EX-ALUNOS DO INSTITUTO BENJAMIM CONSTANT

 

DECISÃO

 

Trata-se de procedimento iniciado pela Associação dos Ex Alunos do Instituto Benjamin Constant requerendo a revogação do Provimento CGJ nº 86/2011, alegando que as exigências ali contidas criaram um empecilho para pessoas com deficiência visual depositarem ou reconhecerem firma em serventias extrajudiciais com atribuição notarial. O referido provimento acrescentou o §11º ao artigo 344 da CNCGJ.

 

Manifestação da ANOREG às fls.32/35 sugerindo a proibição de qualquer exigência diferenciada em razão da deficiência do usuário.

 

Parecer da DIPEX às fls.18/21 e 93/95 apresentando sugestões.

 

Este é o relatório.

 

Primeiramente, há que se esclarecer que as razões que levaram à edição do Provimento nº 86/2011 fogem às questões discriminatórias, mas concentram se no princípio basilar dos atos notariais e registrais que é a segurança jurídica.

 

Conforme ressaltado no parecer, desde a edição do Provimento CGJ nº 86 no ano de 2011, foram publicados o Estatuto das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e a Resolução nº 230/2016 do Conselho Nacional de Justiça, que tratou da adequação das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e seus serviços auxiliares às determinações exaradas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009. Ou seja, muitas alterações normativas ocorreram em nosso País desde a publicação do ato questionado.

 

Diante das exigências contidas nessas normas para inclusão das pessoas com deficiência, os espaços físicos das Serventias Extrajudiciais têm sido constantemente adaptados e reformados para garantir a acessibilidade. Porém, ainda restam providências a serem tomadas para adequação das normas às novas nomenclaturas e procedimentos.

 

Assim, em adição à análise do requerimento objeto deste procedimento administrativo, faz-se necessária uma revisão da Consolidação Normativa nos artigos que tratam do atendimento a pessoas com deficiência, no sentido de adequá-los às novas exigências legais para garantir a acessibilidade sem barreiras, mas com a segurança jurídica necessária.

 

Segundo a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009, Pessoas com deficiência (Person with Disabilities ou PwD) "são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas."

 

Barreiras são compreendidas como "qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança".

 

Discriminação por motivo de deficiência significa "qualquer diferenciação, exclusão ou restrição, por ação ou omissão, baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas".

Adaptação razoável abrange "as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais".

 

O artigo 8º da Resolução CNJ nº 230/2016 é reprodução do artigo 83 da Lei nº 13.146/2015, conhecido como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, onde lê-se:

 

"Art. 8º Os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade.

Parágrafo único. O descumprimento do disposto no caput deste artigo constitui discriminação em razão de deficiência."

 

O objetivo do Provimento CGJ nº 86/2011, questionado pela Associação, foi o de promover maior segurança jurídica aos atos de depósito e reconhecimento de firma praticados por pessoas com deficiência visual, em virtude da impossibilidade de verificação, pela própria pessoa, de onde e em quais termos sua assinatura estaria sendo utilizada. O texto atual é o seguinte:

Art. 344. O reconhecimento de firma é a declaração da autoria de assinatura em documento. (...)

§ 11. No caso de depositante cego ou portador de visão subnormal, a abertura de firma ensejará, além da observância das regras gerais insertas no Artigo 345 e seus parágrafos, a presença de duas testemunhas, devidamente qualificadas, exigindo se que as assinaturas do depositante e das duas testemunhas sejam lançadas na presença do Notário, que anotará a condição de deficiente visual do autor da firma no cartão de assinatura respectivo.

a) o Notário deverá informar ao depositante, verbalmente, no ato da abertura da firma, a opção que lhe confere o § 3º deste Artigo, fazendo constar da ficha padrão a informação prestada ao usuário cego ou portador de visão subnormal, bem como a opção por ele declarada;

b) no ato de reconhecimento de firma por semelhança, deverá o Notário certificar a condição de portador de deficiência visual;

c) o reconhecimento por autenticidade de firma de pessoa cega ou portadora de visão subnormal imporá ao Notário proceder à leitura em alta voz do conteúdo do documento, com o fito de verificar a aquiescência do signatário e, por fim, garantir a segurança jurídica;

d) a critério do Notário, as exigências previstas no artigo 344, §2º desta Consolidação poderão ser estendidas para o reconhecimento de firma por semelhança. (Parágrafo acrescentado pelo Provimento CGJ nº 86/2011, publicado no D.J.E.R.J. de 07/12/2011)

 

Antes de adentrar no mérito dos procedimentos, impõe se destacar que a atual nomenclatura convencionada em todo o mundo, utilizada pela ONU na redação da já mencionada Convenção Internacional e adotada oficialmente pelo Brasil através da Portaria nº 2.344 de 03 de novembro de 2010 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, é Pessoa com Deficiência (PcD). Não devem mais ser utilizados os termos cego; surdo; deficiente visual/auditivo ou portador de necessidades especiais. Assim, faz se necessária a adequação do texto da Consolidação Normativa para substituir essas palavras.

 

Em relação à crítica feita pela Associação, de fato, o estabelecimento de obrigatoriedade de duas testemunhas para o ato de depósito de firma de pessoa com deficiência visual acrescenta uma exigência diferenciada em relação às demais pessoas, o que foi vedado pela Lei editada posteriormente. Contudo, a anotação da condição de pessoa com deficiência visual no cartão de assinatura, que é documento interno do Serviço Extrajudicial, confere maior segurança ao Notário.

 

Interessante observar que o Estatuto da Pessoa com deficiência incluiu o artigo 1.783-A e seus parágrafos no Código Civil, facultando à pessoa com deficiência a eleição de duas pessoas de sua confiança para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil. Comparativamente, se para atos mais complexos da vida civil a Lei facultou à pessoa com deficiência a eleição de pessoas para seu auxílio, não seria razoável nem proporcional que um ato mais simples como um depósito de firma de uma pessoa com deficiência tornasse a presença de duas testemunhas obrigatória. Portanto, essa regra deve ser excluída.

 

A vedação ao Notário de qualquer exigência diferenciada em razão da deficiência do usuário, conforme sugerido pela ANOREG, está totalmente de acordo com as normas atuais. Porém, conforme bem destacado pelo Diretor da DIPEX, a imposição ao Notário do dever de informar à pessoa com deficiência visual a opção de leitura do documento em voz alta respeitaria sua autonomia e ao mesmo tempo garantiria maior segurança jurídica ao ato, desde que certificado por quem praticá-lo.

 

No mesmo sentido, não há tratamento diferenciado ao usuário com deficiência visual no texto contido na alínea a) do parágrafo 11, que determina que o Notário informe ao depositante com deficiência visual, verbalmente, no ato da abertura da firma, a opção que lhe confere o § 3º do artigo 344.

 

O referido parágrafo 3º faculta que o interessado exija, desde que por escrito, que sua assinatura somente seja reconhecida por autenticidade. Frise-se que tal opção existe para qualquer pessoa, não se tratando de norma diferenciada para pessoas com deficiência.

 

Há que se acrescentar que o cartão de abertura de firma precisa ser preenchido com os dados do depositante "na presença do funcionário habilitado para tanto" (Parágrafo 1º do Artigo 345, CNCGJ). No caso de pessoas com deficiência visual, deve ser oferecido pelo Serviço Notarial o preenchimento da ficha pelo funcionário, caso o depositante com deficiência visual não tenha condições de preenchê-lo sozinho.

 

Diante do exposto, sugiro a revisão do Provimento nº 86/2011, nos termos acima indicados, conforme minuta que segue em anexo.

 

Encaminhem-se os presentes autos à superior consideração da Exma. Desembargadora Corregedora Geral de Justiça.

 

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2016.

 

ANA LÚCIA VIEIRA DO CARMO

Juíza Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça

 

 

DECISÃO

 

Acolho o parecer da lavra da MM Juíza Auxiliar ANA LÚCIA VIEIRA DO CARMO, adotando como razões de decidir os próprios fundamentos nele expostos, que passam a integrar a presente decisão e, por conseguinte, determino a publicação de Provimento conforme minuta apresentada. Publique-se.

 

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2016.

 

Desembargadora MARIA AUGUSTA VAZ M. DE FIGUEIREDO

Corregedora-Geral da Justiça

 

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.