EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL 6/2021
Estadual
Judiciário
25/05/2021
26/05/2021
DJERJ, ADM, n. 172, p. 31.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL Nº 6/2021
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Presidente: DESEMBARGADOR MARCO ANTONIO IBRAHIM
Organização: Serviço de Publicações Jurisprudenciais da Divisão de Organização de Acervos de Conhecimento - dicac@tjrj.jus.br
Rua Dom Manoel, 29, 2º andar, sala 215, Praça XV
Ementa número 1
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
NÃO OFERECIMENTO DA PROPOSTA PELO M.P.
AUSÊNCIA DE CONFISSÃO EM SEDE POLICIAL
JUSTIFICATIVA INIDÔNEA
CASSAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
REMESSA DOS AUTOS AO PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS. IMPUTAÇÃO DO CRIME INSCULPIDO NO ARTIGO 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ALEGA A IMPETRANTE A EXISTÊNCIA DE CONTRANGIMENTO ILEGAL, AO QUAL ESTARIA SUBMETIDO O PACIENTE, SOB OS SEGUINTES ARGUMENTOS: A) QUE O MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO OFERECEU PROPOSTA DE "ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL", FUNDAMENTANDO A RECUSA, NA AUSÊNCIA DE CONFISSÃO FORMAL E CIRCUNSTANCIADA POR PARTE DO ORA PACIENTE, NA ETAPA PRÉ PROCESSUAL; B) QUE NÃO FOI OPORTUNIZADO AO PACIENTE EXTERNAR OU NÃO SUA VONTADE, EM EFETUAR A CONFISSÃO, EM AUDIÊNCIA ESPECIAL, A QUAL O ÓRGÃO DO PARQUET DEVERIA DESIGNAR, COM TAL PROPÓSITO E VIAS A OFERTAR A PROPOSTA, NÃO O TENDO FEITO; C) QUE AO INVÉS DE ACOLHER A PRELIMINAR DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA, SUSCITADA NA RESPOSTA PRÉVIA DEFENSIVA, POR AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE, O JULGADOR SINGULAR RATIFICOU SEU RECEBIMENTO, EM DECISÃO INSUFICIENTE DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA, DEIXANDO, ADEMAIS, DE ENCAMINHAR OS AUTOS AO PGJ, NA FORMA DO ARTIGO 28 A, § 14º, DO CPP, PROCEDIMENTO O QUAL HAVIA SIDO PLEITEADO, EM SEDE DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CONHECIMENTO DO WRIT COM A CONCESSÃO DA ORDEM. O paciente foi preso em flagrante, em 22.01.2020, acusado da prática, em tese, do crime previsto no artigo 155, caput, do Código Penal. Em audiência realizada na data de 23.01.2020, a autoridade apontada como coatora, concedeu liberdade provisória ao custodiado, condicionada ao cumprimento de medidas cautelares. O membro do Parquet, ao oferecer a peça exordial acusatória em 07.04.2020, arguiu a ausência de preenchimento pelo acusado, de todos os requisitos legais imprescindíveis para a propositura de "acordo de não persecução penal" ANPP, uma vez ter o ora paciente optado, em sede distrital, por reservar se ao direito constitucional de permanecer silente. Desta forma, o Juiz singular, em 08.04.2020, recepcionou provisoriamente a denúncia ministerial, determinando a citação do agora acusado, na forma do art. 396, do CPP, e, tendo este manifestado o desejo de ser assistido pela Defensoria Pública, esta apresentou sua resposta prévia à acusação, requerendo, preliminarmente, a rejeição da denúncia, com fulcro no art. 395, II, do CPP, arguindo a ausência de condição de procedibilidade para a ação penal, ante o não oferecimento, pelo órgão do Ministério Público, de proposta de acordo de não persecução penal, aduzindo que a não propositura foi fundamentada de forma genérica e inidônea, o que equivaleria a ausência de fundamentação. Subsidiariamente requereu fossem os autos remetidos ao órgão ministerial, para que fosse ofertado o referido acordo, à alegação de que o acusado preencheria todos os requisitos exigidos em lei, ou, em caso de não oferecimento, pugnou a remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, nos moldes do art. 28 A, § 14º, do CPP. Instado a se pronunciar, o membro do Parquet, oficiou opinando contrariamente ao oferecimento da proposta de ANPP, reafirmando o não cumprimento pelo acusado, dos requisitos legais para tal propositura, sustentando que este não teria confessado em sede policial, os fatos imputados, aludindo que tal acordo não seria um direito subjetivo do réu, mas antes, uma faculdade do órgão do Ministério Público, concluindo não existir motivo para a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, pugnando pelo regular prosseguimento do feito. Assim, na fase do artigo 397 do CPP, a apontada autoridade coatora, afastou a preliminar arguida na resposta à acusação apresentada pela Defesa do ora paciente, e, em data de 13.02.2020, ratificou o recebimento da denúncia, angularizando, a partir de então, a relação jurídica processual. Ab initio, é importante mencionar que, o citado instituto jurídico do "acordo de não persecução penal" veio disciplinado pelo novel art. 28 A, caput e §§, do Estatuto Processual Penal, o qual foi incluído pela Lei n.º 13.964, de 24.12.2019, mais conhecida como "Pacote Anticrime". Com efeito, a Lei n.º 13.964, de 24.12.2019 trouxe um significativo avanço ao ordenamento jurídico pátrio, no que diz respeito à efetivação da justiça criminal consensual, a qual possui como escopo desafogar o Poder Judiciário e aguçar o foco do Direito Penal brasileiro, como ultima ratio, ao cumprimento da sua missão precípua, de prevenção geral e especial das condutas típicas de maior relevância, de acordo com a expressividade das lesões produzidas, em face dos bens jurídicos mais essenciais. No entanto, impende observar que, neste desiderato, os resultados pretendidos só haverão de ser atingidos em sua plenitude, se todos os entes públicos e atores sociais envolvidos na concretização da novel sistemática penal estiverem, de fato, imbuídos do espírito da norma e dos princípios que se prestam a nortear a política criminal de otimização e aprimoramento do processo judicial, a título de instrumento cuja utilização demanda cautela, ante os efeitos que a mera deflagração de uma ação penal, por si só, já é capaz de produzir àqueles que vêm a figurar em seu polo passivo. Neste diapasão, não se pode perder de vista que o objetivo primordial de todo o sistema de normas jurídicas, as quais compõem a chamada justiça consensual reside, inexoravelmente, em expurgar do âmbito do processo criminal (e também administrativo) toda a miríade de hipóteses casuísticas, que ostentam uma menor relevância para a sociedade, em cotejo com os dispendiosos custos suportados, tanto pelo Estado quanto pelo indivíduo jurisdicionado. Não é ocioso enfatizar que, a admissão espontânea, total ou parcialmente (ressalva aos direitos indisponíveis), sobre a verdade dos fatos, pode ser efetuada pela parte interessada, em seu benefício, formal e extrajudicialmente (na esfera administrativa), podendo ser observado, da redação do art. 28 A do C.P.P, acrescentado pela Lei nº 13.964/2019, que a mesma permite concluir se que a admissão da verdade dos fatos, ou seja, a confissão formal e circunstanciada, acerca da prática da infração penal (sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos), pode ser efetivada, espontaneamente, pelo investigado, se interessado em celebrar em seu benefício o "acordo de não persecução penal", alternativamente, tanto perante a autoridade policial, como ao órgão do Ministério Público. Com efeito, a lei atribui ao órgão do Ministério Público, presentante do Estado, como titular da ação penal, um dever jurídico, não se lhe facultando fazer opção entre oferecer denúncia e formular a proposta do negócio jurídico consensual, se preenchidos pelo autor do ato ilícito penal, todos os requisitos estabelecidos pelas normas legais, não ficando a oferta do acordo sujeita à conveniência e oportunidade daquele, por ser um ato vinculado. Decerto, revela se inconcebível a recusa imotivada na proposição do "acordo de não persecução penal", bem como a simples omissão ou inércia injustificadas, em não indagar ao indiciado/imputado se estaria disposto à negociação, para manifestar sua vontade ou não em confessar circunstanciadamente a verdade dos fatos, que lhe são indigitados objetivando aceitar o acordo e suas condições, ou de oferecê los tempestivamente. A partir de uma leitura sumária do dispositivo legal em tela (art. 28 A do C.P.P.), parece que o instituto do "acordo de não persecução penal" se destinaria, em princípio, apenas à fase pré processual. Sem embargo, em uma análise conjunta, e, adotando se processo de interpretação sistemática e teleológica, das normas alhures mencionadas extrai se que o escopo das mesmas, seria de evitar a propositura (rectius: não prosseguimento) da ação penal, de tal sorte que a ratificação da recepção (provisória) da denúncia, a nosso ver, constituiria o marco preclusivo final ao oferecimento da proposta do negócio consensual, pelo membro do Parquet. Assim, não haveria se cogitar a hipótese de concretização postergada do acordo, depois de tal momento processual, quando a lide já se encontrar, de fato e de direito, angularizada, com a aludida ratificação do recebimento da peça acusatória, pelo julgador (na fase do art. 397 do CPP), após a apreciação do conteúdo da resposta escrita à acusação apresentada pelo então denunciado, no momento do art. 396 A do C.P. Penal, se iniciada (ou já encerrada) a instrução criminal. Precedentes jurisprudenciais. Tal entendimento é plausível, e isto porque, há de se considerar, verbi gratia, as hipóteses em que o autor da infração penal opta por exercer o direito constitucional de manter se em silêncio, em sede inquisitorial, ou em audiência de custódia, ou, ainda, não admite em sua totalidade, de forma circunstanciada, a verdade sobre a prática da infração penal, simplesmente por se encontrar desassistido por um profissional do direito e por não possuir conhecimentos técnicos. Em tal conjuntura, em uma ponderada e razoável exegese sistemática e teleológica das normas legais, que disciplinam o novo instituto do "acordo de não persecução penal", e, em consonância com os elementos já constantes dos autos, vislumbra se que a recusa ou omissão, na proposição do referido acordo, pelo membro do Parquet, teria se fundamentado em motivos inidôneos ou injustificados, uma vez que, tratando se de crime cometido sem violência ou grave ameaça, com pena mínima cominada inferior a 04 (quatro) anos e o indiciado ser tecnicamente primário, ou seja, preenchidos os requisitos legais, e, ausente somente a confissão em sede policial, caberia ao órgão ministerial, enquanto titular da ação penal, oportunizar ao indiciado, antes da formulação da denúncia, a possibilidade de confessar ou não os fatos imputados perante ao membro do Ministério Público. Isto porque, a Resolução Conjunta GPGJ/CGMP nº 20/20, dispõe em seu artigo 2º, § 1º, que " A confissão formal da prática da infração penal deve ter sido realizada durante a investigação, nos autos do procedimento investigatório respectivo, ou perante o Ministério Público". (destacamos) Desta forma, o fato de o indiciado ter permanecido silente, em sede distrital, não o impede que possa a vir admitir/confessar de forma circunstanciada e espontânea, perante o membro do Ministério Público, a verdade dos fatos em apuração, a incidir, na hipótese o texto do Enunciado 3, do MPRJ. É de se argumentar, a mais que a supramencionada Resolução Conjunta, determina, ainda, que a recusa de oferecimento de ANPP, pelo Ministério Público, seja fundamentada e certificada nos autos, devendo haver a comprovação da ciência do investigado, da ausência de proposta de acordo de não persecução penal, para que este, desejando, dentro do prazo de 05 (cinco) dias, requeira a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, para o reexame da questão, o que, in casu, não ocorreu. Precedente do STJ. Neste contexto, considerando se que a fase processual prevista para a oferta de proposta de Acordo de Não persecução penal foi suprimida, com base em justificativas inidôneas e, assim, ausentes de fundamentação, em inobservância, portanto, ao disposto na norma do art. 93, IX, da C.R.F.B./1988, como bem ponderou a Procuradoria de Justiça, em seu parecer, oficiando nesta instância, impõem se a cassação da decisão que recebeu a denúncia, com vias à remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público (na forma do art. 28 A, § 14 do CPP), para que este proceda ao reexame da matéria, e, se assim o entender, se for caso de preenchimento de todos os requisitos legais pelo paciente nomeado, ofereça lhe proposta da Acordo de Não Persecução Penal com suas respectivas condições, ficando sobrestado o prosseguimento da ação penal em trâmite no juízo originário. Sob tais fundamentos, CONHECE SE do presente WRIT, CONCEDENDO SE a ordem, para cassar se a decisão vergastada que recebeu a denúncia, determinando se a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, com vias ao reexame da matéria por este, e se for o caso de preenchimento de todos os requisitos legais, pelo paciente, ofereça lhe proposta de Acordo de Não Persecução Penal com suas respectivas condições, sobrestando se, por conseguinte, o curso do processo no juízo de origem.
HABEAS CORPUS 0017947 33.2021.8.19.0000
OITAVA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). ELIZABETE ALVES DE AGUIAR Julg: 07/04/2021
Ementa número 2
CONTINUIDADE DELITIVA
FIXAÇÃO DA PENA BASE
MAJORAÇÃO DESPROPORCIONAL
PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE VOTO MINORITÁRIO QUE ENTENDEU PELO AFASTAMENTO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL, ADOTANDO O AUMENTO MÁXIMO PREVISTO NO CAPUT DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL PARA TORNAR DEFINITIVA A PENA EM 06 ANOS E 08 MESES DE RECLUSÃO E 16 DIAS MULTA, EM REGIME INICIAL SEMIABERTO, PELO CRIME DE ROUBO SIMPLES (8X) VOTO VENCEDOR QUE POR MAIORIA, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO, MANTENDO A CONDENAÇÃO PELOS OITO ROUBOS, COM A PENA FINAL EM 10 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO AFASTAMENTO DO P. ÚNICO DO ARTIGO 71 DO CP CIRCUNSTÂNCIAS FORAM CONSIDERADAS NORMAIS PARA O TIPO PENAL EM QUESTÃO NA FIXAÇÃO DA PENA BASE PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE, O CRITÉRIO PARA AUMENTO RELATIVO A CONTINUIDADE DELITIVA FOI MERAMENTE ARITMÉTICO, E PORTANTO, DESPROVIDO DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA, UMA VEZ QUE O MENCIONADO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 71 DO CP, NÃO ADOTA O NÚMERO DE DELITOS COMETIDOS EM CONTINUIDADE DELITIVA PARA SUA APLICAÇÃO, SENDO CERTO QUE A MAJORAÇÃO EXERCIDA PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU (2,5 VEZES) SE MOSTROU DESPROPORCIONAL VOTO VENCIDO QUE MERECE PREVALECER PROVIMENTO AOS EMBARGOS PARA FAZER PREVALECER O VOTO VENCIDO ORIGINÁRIO.
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE 0011319 58.2017.8.19.0003
SEXTA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). FERNANDO ANTONIO DE ALMEIDA Julg: 09/02/2021
Ementa número 3
LESÃO CORPORAL
PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA
INAPLICABILIDADE
IRRELEVÂNCIA DO PERDÃO DA VÍTIMA
AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS
CARACTERIZAÇÃO DO CRIME
APELAÇÃO Artigo: 129, §1º, I, n/f do §10, do CP. Pena de 01 ano, 06 meses e 20 dias de reclusão em regime aberto, concedido sursis pelo prazo de 02 anos. Narra a denúncia que o apelante, "no dia 14/11/2011, consciente e voluntariamente, ofendeu a integridade corporal de J. S. DE S., sua irmã, agredindo a com um soco no maxilar, causando lhe as lesões descritas no AECD de fl. 10." SEM RAZÃO A DEFESA. Impossível a absolvição pelo princípio da bagatela imprópria e pela legítima defesa: Prova robusta. Autoria induvidosa. Materialidade positivada através do AECD. Relevância da palavra da vítima. Não há dúvidas de que o ora apelante agrediu a vítima e que as lesões encontradas e descritas no laudo pericial se coadunam com a versão apresentada pela vítima. Quanto ao reconhecimento do princípio da bagatela imprópria: A aceitação da tese da bagatela, para afastar a atipicidade, significaria um incentivo a reiteração de condutas delituosas e um odioso incremento no sentimento de impunidade reinante na sociedade, acuada pelos elevados índices de criminalidade. Não obstante as alegações defensivas, quanto ao perdão da vítima e ao seu desinteresse de uma punição após o episódio de agressão, isto não afasta a relevância penal da conduta delitiva, já que, sendo o caso uma das hipóteses do §10 do artigo 129 do Código Penal, a ação penal é pública incondicionada, o que torna irrelevante a vontade da vítima em dar ou não continuidade ao processo. Ao contrário do alegado pela Defesa não restam caracterizados nos autos elementos da "bagatela imprópria" pois o fato da vítima perdoar o apelante não o exime da prática do crime e da necessidade da aplicação da pena uma vez que a conduta está tipificada no Código Penal. Descabida a tese de legítima defesa: A alegação de ter agido em legítima defesa não merece prosperar, pois de acordo com os relatos apresentados nos autos, o ora apelante chegou no comércio da família, alterado, embriagado e agressivo, iniciando uma discussão que culminou com o crime em comento. A tese defensiva está dissociada do conjunto probatório, pois há consistência, firmeza e coesão entre as provas colhidas, em especial o exame de corpo de delito. Trata se de uma agressão praticada pelo apelante em razão de uma discussão verbal que teve com a vítima, e não uma reação contra perigo atual ou iminente. Não agiu para repelir injusta agressão. Ressalte se que o apelante sequer compareceu em sede judicial para contar a sua versão dos fatos. Inexiste nos autos qualquer circunstância que justifique a conduta empreendida ou isente o apelante de pena. Conduta típica, ilícita e culpável. Descabido o afastamento da causa de aumento de pena prevista no §10 do artigo 129 do Código Penal: Restou comprovada a causa de aumento prevista no §10 do artigo 129 do CP, uma vez que o laudo pericial informou que a agressão causada pelo apelante na vítima (sua irmã), grávida de 07 meses, resultou na incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias. Manutenção da sentença. Voto pelo desprovimento do apelo defensivo.
APELAÇÃO 0039178 89.2012.8.19.0014
QUARTA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). GIZELDA LEITÃO TEIXEIRA Julg: 04/05/2021
Ementa número 4
TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTE
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
REVISTA PESSOAL DOS ACUSADOS
ILEGALIDADE
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. DENÚNCIA PELOS CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO, EM CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ARTIGOS 33 E 35 DA LEI 11343/2006, NA FORMA DO ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL). PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONSTANTE NA DENÚNCIA PARA CONDENAR OS RÉUS TÃO SÓ PELOS CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 33 DA LEI 11343/2006). RECURSO MINISTERIAL PUGNANDO PELA REFORMA DO DECISUM PARA VER AMBOS OS ACUSADOS CONDENADOS NAS PENAS DO ARTIGO 35 DA LEI 11343/2006 CONFORME DENUNCIADOS, BEM COMO A NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 33, §4º, DO MESMO DIPLOMA LEGAL ATRIBUÍDA AO RÉU L. M. A.. RECURSO DEFENSIVO REQUERENDO A ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS ANTE A FRAGILIDADE PROBATÓRIA. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER SE A DESCLASSIFICAÇÃO DO ARTIGO 33 PARA O DELITO DE USO DE DROGAS PREVISTO NO ARTIGO 28 DA LEI 11343/2006. ESPECIFICAMENTE EM RELAÇÃO AO RÉU W. F. DA S., TAMBÉM PLEITEIA SE O ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL PARA O SEMIABERTO, BEM COMO PREQUESTIONA SE A MATÉRIA. ACOLHIMENTO DO INCONFORMISMO DEFENSIVO. NÃO ACOLHIMENTO DO INCONFORMISMO MINISTERIAL. TRATA SE DE IMPUTAÇÃO PELO CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES CUJA PEÇA ACUSATÓRIA INDICA A CONDUTA DOS RÉUS EM TRAZER CONSIGO MATERIAL ENTORPECENTE SEM, CONTUDO, ESPECIFICAR COMO ERAM PRATICADAS AS CONDUTAS, CIRCUNSTÂNCIA ESSENCIAL EXIGIDA, NO PONTO, PELO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, BEM COMO, QUANTO AO CRIME ASSOCIATIVO, AFIRMA SEREM OS RÉUS VAPORES NA ESTRUTURA DO TRÁFICO EXISTENTE NA LOCALIDADE, SEM QUALQUER PROVA A ALICERÇAR A IMPUTAÇÃO. VERSÃO ORAL APRESENTADA DOS MILITARES QUE É CONTRAPOSTA POR VÁRIAS TESTEMUNHAS QUE, ESTRANHAMENTE, NADA SENDO APREENDIDAS COM ELAS, FORAM CONDUZIDAS EM VIATURA POLICIAL À DELEGACIA, MAS QUE RESTARAM OUVIDAS PELA AUTORIDADE POLICIAL COMO TESTEMUNHAS. INEXISTÊNCIA DE ACAREAÇÃO ENTRE AS TESTEMUNHAS QUANTO AO FATO IMPUTADO, QUAL SEJA, ESTAR O ACUSADO W. SEGURANDO OU PORTANDO UMA BOLSA E, NO BOLSO DO ACUSADO L., TER SIDO APREENDIDO PARTE DO MATERIAL TÓXICO. INDÍCIOS BASTANTE CONTUNDENTES DE QUE O MATERIAL TÓXICO ESTARIA NO INTERIOR DE UMA MOCHILA CARREGADA PELO INIMPUTÁVEL L. M., TESTEMUNHA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DESISTIU DE OUVIR SOB O CONTRADITÓRIO JUDICIAL. DIREITO DE REUNIR SE LIVREMENTE. DIREITO FUNDAMENTAL ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE (ART. 5º, XVI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXISTINDO FUNDADA SUSPEITA DE QUE PESSOAS REUNIDAS À FRENTE DE UMA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES ESTEJAM, QUALQUER DELAS, OCULTANDO CONSIGO MATERIAL ILÍCITO, INCLUSIVE ARMAS OU DROGAS, É ILEGAL E AFRONTOSA À DIGNIDADE HUMANA A BUSCA PESSOAL, QUE SOMENTE SER REALIZADA NOS TERMOS DO ART. 240, §2º, DO CPP, MÁXIME QUANDO OS MILITARES, SEM QUALQUER RAZÃO QUE O JUSTIFICASSE, DETERMINAM QUE AS PESSOAS REUNIDAS SE DEITEM NO CHÃO PARA PROCEDEREM À INCONSTITUCIONAL REVISTA. NEM MESMO EVENTUAL NERVOSISMO ANTE A PRESENÇA DE GUARNIÇÃO POLICIAL OU TENHA A PESSOA CORRIDO OU SE AFASTADO DO LOCAL EM QUE FOI VISTA AUTORIZA A REVISTA PESSOAL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (HCs 561329 E 586474, rel. MIN. NEFI CORDEIRO; HCs 609072, 630369 E 588445, rel. MIN. REYNALDO DA FONSECA; HC 616584, rel. MIN. RIBEIRO DANTAS; HC 566818, rel MIN. SEBASTIÃO REIS; RHC 126092, rel MIN. REYNALDO DA FONSECA; E RESP 1871856, rel. MIN. NEFI CORDEIRO). SER MORADOR DE UMA COMUNIDADE DOMINADA POR UMA FACÇÃO CRIMINOSA NÃO RETIRA A IDONEIDADE DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS SOB O CONTRADITÓRIO JUDICIAL COMO AFIRMADO NA SENTENÇA. DÚVIDA RAZOÁVEL QUE SE RESOLVE EM FAVOR DE QUEM É ACUSADO. ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CRIME ASSOCIATIVO. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER PROVA QUE INDIQUE ESTAREM OS RÉUS ASSOCIADOS PARA O TRÁFICO E, QUIÇÁ, ESTAVELMENTE. MILITARES QUE ATUAM HÁ BASTANTE TEMPO NA COMUNIDADE E QUE JÁ CONHECIAM OS ACUSADOS E QUE JAMAIS OS VIRAM OU SOUBERAM DE ENVOLVIMENTO OU LIGAÇÃO COM A INDIGITADA FACÇÃO CRIMINOSA ATUANTE NAQUELA COMUNIDADE. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO. PREJUDICADO O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
APELAÇÃO 0074077 45.2018.8.19.0001
SEXTA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO Julg: 09/02/2021
Ementa número 5
SONEGAÇÃO FISCAL DE ICMS
CRIME SOCIETÁRIO
SÓCIO GERENTE OU ADMINISTRADOR DA SOCIEDADE
CONTRIBUIÇÃO EFETIVA PARA O DELITO
NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL
ABSOLVIÇÃO
APELAÇÃO. Artigo 1°, II, da Lei 8.137/90, três vezes na forma do artigo 71, do Código Penal. Absolvição. Artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Condenação nos termos da denúncia. No Direito Penal brasileiro, para que haja a responsabilização criminal, é preciso a comprovação do dolo ou, nos casos previstos em lei, da culpa do agente. Não se admite a responsabilidade penal objetiva. Nos crimes societários, ou de autoria coletiva, não basta que o sócio figure como gerente ou administrador da Sociedade, devendo haver prova de que ele contribui para o delito, anuindo, ou, ainda, mantendo se inerte sobre fato pelo qual tinha a responsabilidade. Na presente hipótese, as provas colhidas demonstram que, o acusado não concorreu efetivamente e diretamente para a prática do crime, estando ausente o nexo causal entre a sua conduta e o resultado lesivo ao erário público, mediante sonegação fiscal de ICMS. Ausente o elemento subjetivo do tipo (dolo), não pode o acusado ser punido a título de culpa. RECURSO DESPROVIDO.
APELAÇÃO 0205818 48.2017.8.19.0001
SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). KÁTIA MARIA AMARAL JANGUTTA Julg: 20/04/2021
Ementa número 6
VISITA PERIÓDICA AO LAR
PESSOA AMIGA
INDEFERIMENTO
ROL TAXATIVO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
IMPOSSIBILIDADE
ORDEM DENEGADA
E M E N T A HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE VISITA PERIÓDICA A PESSOA "AMIGA". INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONTRANGIMENTO ILEGAL. O ARTIGO 122, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS DISPÕE, EM SEU ROL TAXATIVO, QUE OS CONDENADOS QUE CUMPRAM PENA EM REGIME SEMIABERTO PODEM OBTER O BENEFÍCIO DA VISITA PERIÓDICA AO LAR NOS CASOS DE VISITA À FAMÍLIA. ESTE DISPOSITIVO LEGAL TEM POR ESCOPO FORTALECER OS VÍNCULOS AFETIVOS DO PRESO DE MODO A VIABILIZAR O SEU GRADATIVO RETORNO AO CONVÍVIO NO MEIO SOCIAL E FAMILIAR, NÃO PODENDO SOFRER INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, CONSOANTE JURISPRUDÊNCIA DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. O QUE O IMPETRANTE INVOCA EM SEU RESPALDO COMO JURISPRUDÊNCIA DO STJ, TRATA SE, A RIGOR, DE UM ÚNICO PRECEDENTE QUE NÃO CONFERE, DE MANEIRA GENERALIZADA, INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA AO TERMO "FAMÍLIA" DISPOSTO NO INCISO I, DO ARTIGO 122 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS, MAS, AO REVÉS, RESSALTA EXPRESSAMENTE, EM SUA FUNDAMENTAÇÃO, SITUAÇÃO PECULIAR; CUIDAVA SE, NA HIPÓTESE, DE CONSELHEIRO RELIGIOSO QUE, NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS, COM HABITUALIDADE, PRESTARA AUXÍLIO ESPIRITUAL AO APENADO, EXERCENDO ATIVIDADE A CONCORRER PARA SEU RETORNO AO CONVÍVIO SOCIAL, NOS TERMOS DO INCISO III DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. SITUAÇÃO DIVERSA DO CASO CONCRETO, VISTO QUE A PESSOA "AMIGA" SE CADASTROU NO SISTEMA PENITENCIÁRIO RECENTEMENTE, CONSIDERANDO QUE A CARTEIRA DE VISITAÇÃO FOI EMITIDA EM 24.09.20, O QUE DECERTO AFASTA A ESTABILIDADE DO VÍNCULO ENTRE A PESSOA E O APENADO. ORDEM DENEGADA.
HABEAS CORPUS 0017905 81.2021.8.19.0000
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). LUIZ ZVEITER Julg: 20/04/2021
Ementa número 7
DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA
CRIME DE DANO QUALIFICADO
DOLO ESPECÍFICO
INCOMPROVAÇÃO
ABSOLVIÇÃO
REPERCUSSÃO SOMENTE NA EXECUÇÃO DA PENA
APELAÇÃO. Crime de dano qualificado. Destruição de tornozeleira. Sentença absolutória. Recurso ministerial querendo a condenação nos termos da peça acusatória. IMPOSSIBILIDADE. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, Ill, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi. No caso em tela, não restou demonstrada a intenção do apelado de causar prejuízo ao Estado. Não obstabte o laudo pericial descrever que a tornozeleira apresentava abertura do lacre, muito provavelmente por meio de instrumento perfuro cortante, o acusado, no momento do flagrante, trazia consigo a tornozeleira em seu bolso, sendo que comprovou nos autos seu comparecimento regular ao órgão de execução penal, devendo, portanto, os danos causados na tornozeleira repercurtir apenas no âmbito da execução da pena. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
APELAÇÃO 0303832 04.2016.8.19.0001
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). MÔNICA TOLLEDO DE OLIVEIRA Julg: 20/04/2021
Ementa número 8
RECONHECIMENTO POR FOTOGRAFIA
ENVIO DA FOTO AO OFENDIDO POR E MAIL
PROVA INCERTA QUANTO À AUTORIA
ABSOLVIÇÃO
CRIME DE ROUBO COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO E EM CONCURSO DE PESSOAS. CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECONHECIMENTO POR FOTOGRAFIA ENCAMINHADA AO OFENDIDO POR E MAIL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. APELO PROVIDO: ABSOLVIÇÃO GERAL. ALVARÁ DE SOLTURA. A prova não autoriza a condenação de A. por qualquer dos três crimes que lhe foram imputados. Após o roubo, enviaram ao ofendido, por e mail, uma foto de uma pessoa, pela qual teria reconhecido o apelante como autor do roubo. No entanto, isso não fornece certeza de autoria. Não veio aos autos a foto que teria possibilitado ao ofendido tal reconhecimento. Aliás, sequer o ofendido foi ouvido na fase investigatória. E, em juízo, ofendido e acusado jamais se viram. Quando um comparecia, o outro não estava. Por conseguinte, quanto ao roubo, tudo é muito tênue. Se o reconhecimento meramente fotográfico, sobretudo sem observância das cautelas legais, não traduz certeza de autoria, a insegurança se intensifica, quando sequer se sabe que foto foi apresentada ao ofendido. Em suma: não se pode ter certeza de que o apelante foi o autor do roubo. Quanto à corrupção de menor, a denúncia não é precisa, eis que não esclarece se tal crime decorreu do roubo ou da arma, ou se decorreu dos dois e, neste caso, seriam dois crimes de corrupção. Todavia, excluído o roubo, fica excluída a corrupção de menor. E, a denúncia, depois de consignar que o apelante portava a arma de fogo, acrescentou que, nas circunstâncias, corrompeu o adolescente. Contudo, quem portava a arma no instante em que foram presos em flagrante era o adolescente, pelo que não pode o apelante ser condenado nem pelo porte ilegal de arma de fogo, nem pela corrupção que daí teria decorrido. Recurso provido para absolver o apelante de todas as imputações. Alvará de soltura.
APELAÇÃO 0008420 93.2017.8.19.0001
SEXTA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). NILDSON ARAÚJO DA CRUZ Julg: 19/11/2019
Ementa número 9
EXAME CRIMINOLÓGICO
NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DEFENSIVO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU A CONTAGEM DIFERENCIADA DO TEMPO REAL DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE, DISPOSTA NA RESOLUÇÃO DA CORTE IDH, DE 22/11/2018, CONSIDERANDO A IMPOSSIBILIDADE DA SEAP EM REALIZAR O EXAME CRIMINOLÓGICO NA FORMA DETERMINADA. 1. Questão ora colocada que versa sobre o cumprimento das medidas provisórias estabelecidas pela Corte IDH na Resolução de 22/11/2018, especificamente em relação ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho IPPSC. 2. É cediço que a execução penal possui caráter dúplice, voltado tanto para a satisfação da pretensão estatal mediante a efetivação das disposições constantes da sentença ou decisão criminal como para a ressocialização e reintegração progressiva do condenado (art. 1º da LEP), em condições compatíveis com os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Republicana, e outros trazidos em instrumentos que integram o Direito Internacional dos Direitos Humanos, dentre eles a Convenção Americana de Direitos Humanos 3. No entanto, é notória a condição de precariedade que se observa em diversas unidades prisionais brasileiras, ensejando o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário nacional, em decorrência da violação massiva de direitos fundamentais (ADPF 347). 4. Nesse sentido, no ano de 2016, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro peticionou junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH, formulando pedido de medidas cautelares em relação ao IPPSC. Diante do contexto apresentado, em julho de 2016, foram implementadas pela CIDH, nos termos do art. 106 da Carta da OEA, art. 41 da Convenção Americana de Direitos Humanos e art. 25 do Regulamento da CIDH, medidas cautelares em favor das pessoas privadas de liberdade no IPPSC, destacando se a necessidade de adoção de providências para a proteção da vida e integridade dos detentos, bem como para redução substancial da superpopulação naquela unidade. 5. Tendo em vista todo o cenário exposto pela CIDH, com destaque para o falecimento de mais de trinta internos desde janeiro de 2016 até fevereiro de 2017, e reconhecendo a existência de situação de risco extremamente grave e urgente, bem como de possível dano irreparável aos direitos à vida e à integridade pessoal dos internos do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, a Corte IDH requereu, dentre outras, a implementação imediata de medidas provisórias por parte do Estado Brasileira, à luz do disposto na Convenção Americana. A Corte IDH determinou ainda, de acordo com o artigo 27.8 do seu Regulamento, o envio de uma delegação para visitação in loco ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, "com o fim de obter de forma direta informação pertinente das partes para supervisionar o cumprimento das medidas provisórias, prévio consentimento e coordenação com a República Federativa do Brasil", tudo nos termos de sua Resolução de 13/02/2017. 6. Em seguida, foi editada pela Corte IDH a Resolução de 22/11/2018, que reconhecendo que os apenados inseridos no IPPSC "podem estar sofrendo uma pena que lhes impõe um sofrimento antijurídico muito maior que o inerente à mera privação de liberdade" concluiu que "é justo reduzir seu tempo de encarceramento, para o que se deve ater a um cálculo razoável, e, por outro, essa redução implica compensar, de algum modo, a pena até agora sofrida na parte antijurídica de sua execução", ante a inviabilidade de se promover o restabelecimento imediato da liberdade dos presos. Daí porque estabeleceu, para efeito de redução de pena, dois parâmetros a serem observados: a) cômputo à razão de dois dias de pena lícita por dia de efetiva privação de liberdade em condições degradantes aos apenados em geral, exceto aos acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de natureza sexual; b) aos acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de natureza sexual, ou por eles condenados, realização, em cada caso, de "exame ou perícia técnica criminológica que indique, segundo o prognóstico de conduta que resulte e, em particular, com base em indicadores de agressividade da pessoa, se cabe a redução do tempo real de privação de liberdade, na forma citada de 50%, se isso não é aconselhável, em virtude de um prognóstico de conduta totalmente negativo, ou se se deve abreviar em medida inferior a 50%". 7. Para tanto, determinou que o Estado Brasileiro promovesse os meios para que, no prazo de 06 (seis) meses a contar daquela decisão, se computasse em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas; bem como o prazo de 04 (quatro) meses, a partir daquela decisão, para que o Estado Brasileiro reunisse equipe criminológica de profissionais, em especial psicólogos e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que, em pareceres assinados por pelo menos três deles, avaliasse o prognóstico de conduta com base em indicadores de agressividade dos presos alojados no IPPSC, acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes sexuais, ou por eles condenados, com a conclusão dos trabalhos no prazo de 08 (oito) meses a partir de seu início. 8. O reconhecimento de danos pessoais causados a detentos em estabelecimentos penais em decorrência da violação de direitos fundamentais não é matéria inédita na jurisprudência pátria, valendo conferir a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.252, representativo da controvérsia com repercussão geral, que reconheceu a responsabilidade civil estatal nesses casos. Na ocasião, restaram vencidos os Ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Celso de Mello, que, ao darem provimento ao recurso, adotaram a remição de pena como forma de indenização. 9. Relativamente à Resolução emitida pela Corte IDH, observa se que a realização dos exames criminológicos é condição imperiosa para a aferição do eventual percentual de redução do tempo real de privação de liberdade dos apenados inseridos no IPPSC que tenham praticado crimes contra a vida e a integridade física, ou de natureza sexual, estando o ora recorrente inserido neste grupo. 10. Por conseguinte, inviável a substituição, por este Colegiado, de atividade que depende precipuamente da atuação a ser realizada por expert, nos moldes estabelecidos pela Resolução supra emitida pela Corte IDH fixando medidas provisória relativas ao IPPSC, ato que possui, ressalte se, coercibilidade, nos moldes dos artigos 63.2 e 68 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Estado Brasileiro e internalizada pelo Decreto Legislativo 678/92. 11. Outrossim, as decisões da Corte IDH não podem ser simplesmente inobservadas, seja em razão de alegados obstáculos inerentes ao direito interno em observância ao princípio da interpretação autônoma, ínsito ao Direito Internacional dos Direitos Humanos seja em razão de óbices orçamentários e mudanças institucionais, ou mesmo sob o argumento da inviabilidade de seu cumprimento sob a tese da reserva do possível, cláusula impassível de invocação para tangenciar as garantias constitucionais que emanam diretamente do postulado da dignidade da pessoa humana, que, em último caso, é o valor precípuo protegido e reconhecido na Resolução da Corte em comento. 12. Nesse diapasão, conquanto inviável o arbitramento, desde logo, aos acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes sexuais, ou por eles condenados, do percentual tratado nos itens 128, 129 e 130 da Resolução de 22/11/2018 da Corte IDH já que a Corte, neste particular, não assegura de forma imediata a contagem diferenciada do tempo da privação de liberdade, mas sim a submissão dos respectivos apenados a exame criminológico para avaliação a respeito não se pode deixar de reconhecer a omissão estatal em implementar a medida relativa à reunião, no prazo de 04 (quatro) meses, de equipe criminológica de profissionais, para avaliação do prognóstico de conduta com base em indicadores de agressividade dos presos alojados no IPPSC, acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes sexuais, ou por eles condenados, com a conclusão dos trabalhos no prazo de 08 (oito) meses a partir de seu início. 13. De fato, conquanto as partes tenham sido notificadas em 14/12/2018 data bem anterior, inclusive, à situação de pandemia provocada pelo COVID 19 observa se da decisão recorrida que "conforme se verifica do ofício anexo, datado de 28/11/2019, a SEAP, em resposta ao ofício Gabinete VEP n. 88/2019, alega a impossibilidade de serem realizados os exames criminológicos nos moldes determinado pela Corte". 14. Dessa maneira, o Judiciário não pode simplesmente ignorar tal situação, sob pena de tornar letra morta as medidas provisórias estabelecidas pela Corte IDH, após a constatação de situação que também já restou aferida pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo diretamente a violação sistémica de direitos fundamentais. 15. Como bem ressaltado pela Corte IDH "todos os órgãos de um Estado Parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, inclusive os juízes, são vinculados à Convenção e obrigados a zelar pelo cumprimento de suas disposições bem como pela observação das medidas ordenadas pela Corte". 16. Por conseguinte, não resta outra solução jurídica possível senão determinar a realização do exame criminológico em comento, relativamente ao ora agravante, nos termos da Resolução de 22/11/2018 da Corte IDH, fixando se, para tanto, o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias. RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL 0166458 78.1995.8.19.0001
QUINTA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). PAULO BALDEZ Julg: 18/03/2021
Ementa número 10
DIREITO AO SILÊNCIO
FASE INQUISITORIAL
ESTRATÉGIA DE AUTODEFESA LEGÍTIMA
NULIDADE DA SENTENÇA
INOCORRÊNCIA
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS
APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ART. 14, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2006. RECURSO DEFENSIVO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO À GARANTIA DO DIREITO AO SILÊNCIO. NO MÉRITO PLEITEIA A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Do direito ao silêncio. A República Federativa do Brasil, fundada, entre outros princípios, na dignidade da pessoa humana e na cidadania, consagra dentre as garantias judiciais, o direito ao silêncio, conforme inciso LXIII do artigo 5º da CRFB e parágrafo único do artigo 186 do CPP. 2. Além disso, concretizar as garantias judiciais das partes é obrigação do Poder Judiciário desde a internalização dos principais tratados de direitos humanos no Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), que as assegura em seu artigo 14º, §3º, "g"; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) em seu artigo 8º, §2º, "g", os quais gozam de status normativo supralegal. 3. O devido processo legal exige que seja garantido aos acusados o direito de não depor contra si mesmo, sendo inidônea uma condenação baseada no silêncio do acusado ou na sua recusa em responder a perguntas ou em depor. 4. DO TRATAMENTO AO DIREITO AO SILÊNCIO NO ÂMBITO INTERNO. Não há que se falar que o silêncio como qualquer outra garantia fundamental constitui se em direito absoluto, o que implicaria se desconsiderar, de forma completa, no processo penal, a sua existência, conforme já prelecionado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal e pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça. 5. "A persecução penal, pela sua natureza, admite a relativização de direitos nas hipóteses de justificável tensão (e aparente colisão) entre o dever do Poder Público de promover uma repressão eficaz às condutas puníveis e as esferas de liberdade e/ou intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou acusado. É o que ocorre com a garantia do nemo tenetur se detegere, que pode ser eventualmente relativizada pelo legislador. A garantia do nemo tenetur se detegere no contexto da teoria geral dos direitos fundamentais implica a valoração do princípio da proporcionalidade e seus desdobramentos como critério balizador do juízo de ponderação, inclusive no que condiz aos postulados da proibição de excesso e de vedação à proteção insuficiente."(STF RE 971959, DJe 31/07/2020). 6. DO TRATAMENTO AO DIREITO AO SILÊNCIO NO ÂMBITO INTERNACIONAL. Também no direito internacional não possui caráter absoluto o direito ao silêncio. "A questão aqui em jogo é se essas proibições são absolutas, no sentido de que o exercício por um acusado do direito de permanecer em silêncio nunca poderia ser usado em sua desvantagem no julgamento ou, alternativamente, se em certas circunstâncias, informar ao réu que seu silêncio pode ser usado contra ele deve sempre ser considerado como "coerção indevida". Por um lado, é evidentemente incompatível com as imunidades aqui consideradas basear uma condenação exclusiva ou essencialmente no silêncio do acusado ou na sua recusa em responder a perguntas ou em depor. Por outro lado, é igualmente óbvio que estas proibições não podem impedir que o silêncio do interessado seja levado em conta em situações que requerem uma explicação da sua parte. Onde quer que a linha de demarcação esteja entre esses dois extremos, segue se dessa interpretação do direito de permanecer calado que a questão de saber se esse direito é absoluto deve ser respondida negativamente. Não se pode, portanto, dizer que a decisão de um acusado de permanecer calado durante o processo deva necessariamente ser desprovida de implicações." (Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Caso John Murray vs. Reino Unido, julgado em 08 de fevereiro de 1996). 7. DAS ESTRATÉGIAS NO PROCESSO PENAL. O processo penal, como bem explicado por Aury Lopes Júnior em sua obra Fundamentos do Processo Penal, é uma situação jurídica dinâmica inserida na lógica do risco e do jogo, que envolvem "estratégia e o bom manuseio das armas disponíveis". 8. A escolha pelo exercício do direito constitucional ao silêncio em sede policial é estratégia de autodefesa legítima, e este silêncio não poderá ser considerado como consentimento às acusações ou assunção de culpa. 9. E sobre estratégias no processo penal, continua a ensinar Aury Lopes Júnior: "A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória. Assim, quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance, assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance, logo, assunção do risco de uma sentença desfavorável. Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio, calcado no nemo tenetur se detegere. Não gera um prejuízo processual, pois não existe uma carga. Contudo, potencializa o risco de uma sentença condenatória. Isso é inegável." 10. In casu, a Defesa sustenta a nulidade da sentença por ter o magistrado consignado na decisão que o réu permanecera em silêncio em sede policial. Só que a mera referência ao silêncio mantido em fase inquisitorial, feita como argumento de reforço para destacar a falta de plausibilidade da versão apresentada pelo réu em juízo, não configura, per si, violação ao direito ao silêncio do réu ou sua utilização em prejuízo. 11. Ademais, ainda que pudesse ser considerado que o trecho da sentença combatido pela Nobre Defesa fosse nulo, ainda assim se impõe a condenação do Apelante, diante das fartas provas produzidas sob o crivo do contraditório. 12. MÉRITO. Autoria e materialidade do fato devidamente comprovadas. "O fato de restringir se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação." Súmula nº 70 TJERJ. RECURSO NÃO PROVIDO. DECISÃO MANTIDA.
APELAÇÃO 0029392 12.2016.8.19.0004
SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL
Des(a). SIDNEY ROSA DA SILVA Julg: 22/04/2021
Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.