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EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS 4/2023

EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS 4/2023

Estadual

Judiciário

23/05/2023

DJERJ, ADM, n. 169, p. 69.

Ementário de Jurisprudência das Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA TURMAS RECURSAIS Nº 4/2023 COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA Presidente: DESEMBARGADOR CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR Organização: Serviço de Pesquisa, Análise e Publicação da Jurisprudência da Divisão de Organização de... Ver mais
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA TURMAS RECURSAIS Nº 4/2023

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Presidente: DESEMBARGADOR CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR

Organização: Serviço de Pesquisa, Análise e Publicação da Jurisprudência da Divisão de Organização de Acervos de Conhecimento - dicac@tjrj.jus.br

Rua Dom Manoel, 29, 2º andar, sala 207

 

Ementa número 1

POLICIAL MILITAR

CIRURGIA DE URGÊNCIA

HOSPITAL PARTICULAR

POSSIBILIDADE

RESSARCIMENTO DAS DESPESAS

Recurso Inominado nº 0207865-24.2019.8.19.0001    Recorrentes: ESTADO DO RIO DE JANEIRO   Recorrido: H. M. DE M. F.                                RECURSO INOMINADO. POLICIAL MILITAR. RESTITUIÇÃO DE CIRURGIA EM HOSPITAL PARTICULAR. POSSIBILIDADE. CIRURGIA DE URGÊNCIA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO                                                                                      RELATÓRIO                                          Trata se de RECURSO INOMINADO interpostos pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face da sentença de fls.220/222 que julgou procedente em parte o pedido, nos seguintes termos:                "(...) Por fim, a pretensão da parte autora ao recebimento de reparação por dano moral, não merece acolhida. É compreensível que, depois de fazer um gasto alto com a cirurgia e com o tratamento realizado pelo HCPM, o autor tenha experimentado grande angústia. Não há, contudo, como se aferir que tais acontecimentos tenham ultrapassado a esfera do dissabor corriqueiro que sofre o homem médio com as vicissitudes da vida. Posto isto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, na forma do artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, para CONDENAR o Réu a ressarcir a parte Autora no valor de R$ 15.283,26, com juros equivalentes àqueles aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09, a contar da citação, e correção monetária a partir da data do protocolo do pedido administrativo de ressarcimento. JULGO IMPROCEDENTE o pedido de compensação por danos morais.. .(...)                 Em seu recurso inominado, a parte ré pugna pela improcedência do pedido autoral, ao argumento de que deve haver prévia solicitação ao Diretor Geral de Saúde para o custeio do procedimento realizado pelo autor, argumentando que este requisito não foi preenchido no caso concreto, pois o Autor, ora Recorrido, por conta própria e sem qualquer autorização, elegeu uma clínica e médico particulares, realizando os exames e o procedimento cirúrgico quando julgou cabível. (fls.231/236)                             Contrarrazões apresentadas em fls.246/249                                                          VOTO                                                        Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.                            Não merece prosperar o recurso.                                          A Lei 279/79 prevê a hipótese destes autos, de urgência:                 "Art. 47   Para os efeitos do disposto no artigo anterior, a internação do PM ou BM em clínica ou hospital especializado ou não, estranho à Corporação, será autorizada nos seguintes casos:   I   de urgência, quando as organizações hospitalares da Corporação não puderem atender;   II   quando as organizações hospitalares da Corporação não dispuserem de clínica especializada necessária;   III   quando não houver organização hospitalar da Corporação no local e não for possível ou viável deslocar o paciente para outra localidade;   IV   quando houver convênio firmado pela Corporação.                             Conforme verifica se o recorrido aguardou mais de 3 meses, sendo atendido no HCPM, vendo sua situação se deteriorar, ao invés de melhorar. A lesão no ombro passou do grau III para o grau V.                            Ademais, conforme depoimento da testemunha Y. A. C. S. Jr, cirurgião ortopedista, que a cirurgia a que se submeteu o recorrido, foi de urgência, diante da extrema dor a qual o paciente estava submetido, com importante redução de mobilidade e qualidade de vida.                                          Por tais motivos, VOTO pelo CONHECIMENTO e DESPROVIMENTO DO RECURSO.                      Condeno o recorrente ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da condenação, isento o ente público quanto ao pagamento das custas.                                          Sem custas nem honorários.                            Transitado em julgado, baixe se à origem.      Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2023.      Ana Beatriz Mendes Estrella  Juíza Relatora                                                                                Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro  Primeira Turma Recursal Fazendária

RECURSO INOMINADO 0207865-24.2019.8.19.0001

CAPITAL 1 TURMA RECURSAL DOS JUI ESP FAZENDA PUB.

Juiz(a) ANA BEATRIZ MENDES ESTRELLA - Julg: 24/02/2023

 

Ementa número 2

CANCELAMENTO DE VOO

UTILIZAÇÃO DE REACOMODAÇÃO

ACEITAÇÃO DE MUDANÇA

DANO MATERIAL

NÃO CONFIGURAÇÃO

DANO MORAL

435-60.2022.8.19.0014   2º Juizado Especial Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes     RECORRENTE: AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S/A.      RECORRIDO: M. B. C.                         VOTO DO RELATOR               Trata se de AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS POR ATRASO E CANCELAMENTO DE VÔO proposta por M. B. C. em face de AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS.           Alega a parte autora, em síntese, que contratou um pacote de viagem com sua filha e sua mãe idosa, com saída da cidade de Campos dos Goytacazes e destino à Manaus, com conexões em outras cidades, no mês de janeiro de 2022. Informa que no dia 06/01, a empresa ré informou que o voo de Campinas para Manaus havia sido cancelado e que o novo itinerário seria Campos Rio e Rio Recife.      Aduz que ao chegar em Recife para buscar o voucher para acomodação em hotel, foi informada que não havia vaga em nenhum hotel da cidade, tendo que dormir nos bancos do aeroporto para seguir viagem com destino à Manaus. Informa que ao chegar em Manaus, às 11 h, teriam perdido a diária do hotel e o passeio programado pela manhã.      Alega, também, atraso de voo no retorno a sua cidade e que tiveram que terminar o trajeto final da viagem por transporte terrestre. Requer, pelo exposto, a condenação a devolução das passagens aéreas pela má prestação do serviço no valor de R$2.137,18, bem como indenização por danos morais no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).     Em sede de contestação, a parte ré aduz que os voos foram remarcados em razão do avanço da variante ômicron da COVID 19, fato amplamente divulgado pelos meios de comunicação, de modo que não praticou ato ilícito.      Ressalta que é incontroverso que a " parte Autora teve ciência da alteração ocorrida com a devida antecedência em relação aos voos originalmente contratados, bem como aceitou tais alterações nas duas ocasiões em que essas circunstâncias ocorreram". Defende que cumpriu as normas contidas na Resolução 556/2020, que flexibilizou a Resolução 400/2016, ambas, da ANAC.      Ressalta que a autora "ao utilizar normalmente o voo de reacomodação escolhido por ela, o uso consistiu numa aceitação da mudança sugerida e da validade plena e eficaz da mudança no contrato", diante disso defende que "premiar a parte Autora com uma sentença condenatória pela alteração de malha é autorizar a prática de comportamentos contraditórios por parte dos consumidores, que após instados da mudança dos voos, mas cientes de que poderiam solicitar a mudança para data anterior ou posterior, ou até mesmo o cancelamento e reembolso, recusou a alteração, escolheu novo voo, inclusive com a empresa congênere, e agora pleiteia reparação em Juízo".      Aduz que na resolução n. 400 da ANAC, só há previsão de prestação de assistência material em casos que o passageiro não tenha sido devidamente avisado da alteração.     A sentença (ID 41520035) proferida pelo MM. Juízo de primeiro grau julgou parcialmente o pleito autoral nos seguintes termos:     1. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na exordial para condenar a parte ré ao pagamento da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de compensação por danos morais, com juros a contar da data da citação (resp. contratual) e correção monetária a partir da sentença.     2. JULGO IMPROCIDENTE o pedido de ressarcimento de danos materiais.          É O RELATÓRIO. PASSO AO VOTO.           A pretensão recursal do réu objetiva a reforma da sentença com o intuído de ser julgado totalmente improcedentes os pedidos na presente ação. Caso os julgadores não entendam neste sentido, requer o réu recorrente que seja reduzido o valor a título de danos morais PELO suposto abalo sofrido pela parte Autora.      A relação ora em análise é de consumo, de modo que sua solução deve ser direcionada aquela que respeite as diretrizes traçadas pela Constituição Federal, que estabelece que a proteção do consumidor é um direito fundamental, bem como um princípio da ordem econômica, diretrizes instrumentalizadas, sobretudo pelas normas de ordem pública previstas no Código de Defesa do Consumidor, na esteira dos artigos 2º e 3º do CDC.      A sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, haja vista que, ao se analisar detidamente as provas acostadas nos autos, percebe se que não há comprovação de que a autora tenha anuído com a remarcação das passagens ou com a modificação da modalidade de transporte para o terrestre no trecho de retorno ao destino, ônus probatório que cabia à ré nos termos do art. 373, I do CPC c/c art. 14, §3º do CDC.     A RÉ em todo tempo baseia se a defesa em dispositivos formulados pela ANAC e pelo Código de Aeronáutica, se esvaziando do código de defesa do consumidor, que é, sobretudo, normais basilares e principiológicas que versam sobre a relação jurídica objeto desde processo. Há precedentes deste E. Tribunal de Justiça, afastando o Código de Aeronáutica em favor da aplicação das normas de defesa do consumidor. (0117588-59.2019.8.19.0001   APELAÇÃO. Des(a). MÔNICA FELDMAN DE MATTOS   Julgamento: 23/06/2022   VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)"     No que diz cumprimento da Resolução n. 400/2016 da ANAC, que dispõe em seu art. 21 que em caso de cancelamento de voo o transportador deve oferecer ao passageiro alternativas, reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro. Tal normativa deve ser interpretada em consonância com as normas consumeristas.     Nesta esteira, mesmo que eventualmente restasse comprovado que o réu cumpriu fielmente as normativas da ANAC, seu dever de indenizar não restaria afastado, em razão de sua responsabilidade objetiva e, sobretudo, porque as alternativas apresentadas pela resolução 400 da ANAC não excluem a existência do prévio defeito do serviço causador de danos ao consumidor. É dizer que ao se analisar a resolução da ANAC por meio do filtro das normas de ordem pública previstas no CDC.      A conclusão de que se extraí e que a referida resolução visa amenizar os danos causados ao consumidor, criando deveres às companhias aéreas, com o objetivo de estabelecer uma proteção mínima à parte vulnerável da relação, ou seja, não com o objetivo de proteger as companhias aéreas por suas futuras quebras contratuais.      Baseando se nessas premissas, o consumidor quando contrata os serviços de transporte aéreo de passageiros, possui a verdadeira expectativa de que sua viagem será realizada em determinada data e horário e pelo meio aéreo. Neste sentido, a imposição da modificação do previamente pactuado, mormente quando a consumidora estava em posição de extrema desvantagem, já que possui toda uma viagem instrumentalizada com passeios agendados e reservas em hotéis, impõe o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor.     Quanto ao dever de garantir hospedagem à consumidora, diante da necessidade de pernoite não programado, não merece prosperar as alegações do réu de que a disponibilização de voucher seria uma mera liberalidade, uma vez que a legislação somente obrigaria a empresa diante do atraso em voo. Isto porque, a empresa aérea foi a causadora das dificuldades enfrentadas pela parte autora que teve que pernoitar no saguão do aeroporto, devido as sucessivas modificações no horário da viagem, bem como enfrentou novas dificuldades no trajeto de retorno, inclusive, com a necessidade de término da viagem por meio terrestre, com o incremento de 5 (cinco) horas em sua viagem. Existindo, portanto, efetivo nexo de causalidade dos danos suportados pela autora em razão da conduta da ré.      A companhia aérea tinha a obrigação de buscar minorar eventual prejuízo e tem o dever de ressarcir o dano suportado pela consumidora, por força do art. 927 c/c 944 do Código Civil c/c art. 14 CDC.     No que tange a alegação de que a remarcação foi devida ao aumento dos casos de Covid no início de 2022, a ré não comprova, em concreto, que o aumento de casos de Covid no início de 2022, foi o efetivo causador da necessidade de remarcação das viagens. Assim, a ré não se desincumbiu do ônus probatório que lhe cabia, por força do art. 373, II, do CPC.     É valido lembrar que a pandemia foi um evento imprevisível e danoso para as companhias aéreas, mas, não podem se utilizar de argumentos genéricos para evitar a responsabilização por contratos quebrados ou quebras contratuais futuras.      No caso em tela, a autora demonstrou o dano moral sofrido, na medida em que teve que dormir com sua mãe e filha no saguão do aeroporto e teve atingido a possibilidade de usufruir parte da viagem planejada, bem como foi obrigada a terminar sua viagem pelo meio terrestre com incremento de 5 (cinco) horas no tempo de sua viagem.      Frise se que o dano moral é aquele que atinge direitos de conteúdo personalíssimo relacionados a esfera mais íntima do indivíduo ou dos atributos da pessoa frente ao meio em que vive, ou seja, que haja lesão a direito da personalidade, tal qual ocorreu na espécie. No que concerne ao quantum a ser fixado a título de indenização, deve se ponderar que as lesões a aspectos existenciais da personalidade humana, tais como a integridade psicofísica da vítima, devem ser compensados de forma a buscar o princípio da reparação integral. Faz se necessário utilizar critérios de razoabilidade e proporcionalidade ante à gravidade e intensidade da lesão sofrida, atentando se especialmente às particularidades do caso concreto.      No caso em tela, a indenização por dano moral deve ser mantida no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atendendo, desta forma, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como aos critérios compensatório e punitivo pedagógico.     Isto posto, VOTO no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo se a sentença por seus próprios fundamentos.      Fica condenada a recorrente ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios de 20% do valor da condenação, em conformidade ao art. 85, §2º do CPC.      É como voto.                     Rio de Janeiro, na data da sessão                ERIC SCAPIM CUNHA BRANDÃO                                            Juiz Relator

RECURSO INOMINADO 0801435-60.2022.8.19.0014

CAPITAL 4a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) ERIC SCAPIM CUNHA BRANDÃO - Julg: 28/03/2023

 

Ementa número 3

DIREITO À SAÚDE

TUTELA DE URGÊNCIA

TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE

FORNECIMENTO DE TRANSPORTE

TRIBUNAL DE JUSTIÇA  CONSELHO RECURSAL  SEGUNDA TURMA RECURSAL FAZENDÁRIA      Recurso inominado nº 0103547-19.2021.8.19.0001  Recorrente: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO  Recorrido: C. C. R.  RELATOR: JUIZ FABIANO REIS DOS SANTOS      ACÓRDÃO        RECURSO INOMINADO. SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA PARA COMPELIR OS RÉUS A FORNECER TRANSPORTE PARA O TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. ENUNCIADO Nº 65 DA SÚMULA DO TJERJ. DISPONIBILIZAÇÃO DE VALE SOCIAL QUE NÃO SUPRE A NECESSIDADE DO PACIENTE. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES. TRANSPORTE PARA O LOCAL DO TRATAMENTO É UMA PRESTAÇÃO ACESSÓRIA AO TRATAMENTO, PORTANTO, UMA VERTENTE DO DIREITO À SAÚDE. DESNECESSÁRIO O USO DE TRANSPORTE INDIVIDUAL. SENTENÇA QUE DEU ADEQUADA SOLUÇÃO À LIDE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.     Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Recurso inominado nº 0103547-19.2021.8.19.0001, ACORDAM os Juízes de Direito que integram a Segunda Turma Recursal Fazendária do Conselho Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do relator. Decisão unânime.        Rio de Janeiro, data da assinatura digital.        FABIANO REIS DOS SANTOS  Juiz Relator        RELATÓRIO E VOTO       Trata-se de ação em que a parte autora alega que sofre de doença renal crônica e que necessita de transporte veicular para realizar o tratamento de hemodiálise, razão pela qual requereu a condenação dos réus ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO a fornecerem esse transporte.     A tutela provisória de urgência foi deferida a fls. 28/29, nos seguintes termos:    "DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, para que a ré autorize, em 48 (quarenta e oito) horas, o fornecimento de transporte para a parte autora e seu acompanhante de sua residência para realização do tratamento de hemodiálise na CDR nos dias e horários definidos, assim como seu retorno da clínica para sua residência".     O MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO contestou a fls. 48/61, com a tese de que a realização da hemodiálise deve ser de responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro e de que não há prova da necessidade desse transporte pelos entes públicos.      O ESTADO DO RIO DE JANEIRO não contestou, como certificado a fls. 114.      O Ministério Público opinou a fls. 118/119, pela procedência do pedido.     Foi proferida sentença a fls. 129/130, com o seguinte dispositivo:    "Pelo exposto, confirmo a decisão de tutela de urgência e JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito e fundamento no art. 487, I do CPC, para o fim de condenar os réus, solidariamente, a providenciarem o transporte para a parte autora nos dias e horas pleiteados na inicial, restringindo se, todavia, o transporte de modo que seja adequado, mas não necessariamente exclusivo, a fim de que a parte autora possa se submeter ao tratamento do qual necessita, por meio de outro veículo, exclusivo ou não".     Irresignado, o Município do Rio de Janeiro interpôs o recurso inominado de fls. 151/165, em que repisou a tese da contestação.      A parte autora não ofereceu contrarrazões, conforme certidão de fls. 199.     Feito o relatório, passo a votar.      A parte autora é portadora de doença crônica em estágio final, necessitando de tratamento de hemodiálise, nos dias e horários descritos na inicial.       A declaração médica juntada aos autos (fls. 16) demonstra a veracidade dos fatos narrados na inicial, comprovando, portanto, a doença e a necessidade do tratamento diante do estado de saúde do paciente. Comprovado que seu quadro clínico coloca a parte autora na posição de impossibilidade de se locomover por transporte público regular, pleiteou a disponibilidade de transporte veicular para o seu tratamento.     Ora, conforme o laudo médico juntado pela parte autora, trata se de pessoa com condição de saúde potencialmente grave e, caso não realize o tratamento de hemodiálise nos dias necessários, há óbvio risco a sua vida.       O transporte especial não se trata de privilégio. Ao contrário, o que se busca é fazer cumprir a lei que determina que deve ser resguardado o direito à vida e à saúde, nos termos da Constituição da República.       Importante registrar que a saúde, como bem de extraordinária relevância à vida e à dignidade humana, foi elevada pela Constituição da República à condição de direito fundamental do homem, manifestando o legislador constituinte constante preocupação em garantir a todos uma existência digna, consoante os ditames da justiça social.      A Constituição da República tutela o direito à saúde em seu artigo 196, privilegiando-se o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, tendo como alvo a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III, da citada carta Constitucional.     Assim, o caráter meramente programático atribuído ao artigo 196 da Constituição da República não inibe a aplicação imediata da regra nele contida, não podendo o Estado se eximir de propiciar o gozo do direito à saúde aos cidadãos.     O princípio da dignidade da pessoa humana é o norte a ser observado pelo Poder Público na concretização das políticas públicas, notadamente, no que se refere ao direito à saúde, sendo consectário lógico do direito à vida e à saúde a disponibilização de transporte para a realização de tratamento de médico.      Sobre o tema, transcrevo:      "Constitucional. Obrigação de fazer. Tutela antecipada. Fornecimento de transporte, através de ambulância. Portador de insuficiência renal crônica terminal e necessita ser submetido a sessões de hemodiálise 03 (três) vezes por semana.  Necessidade de transporte do agravante até o hospital para a realização do tratamento, cujas circunstâncias especiais do caso em comento devem ser consideradas, ou seja, a impossibilidade do agravante de se locomover, além da impossibilidade de arcar com um custo extra nesse sentido. Fornecimento de serviço e medicamento pelo Poder Público a quem não tem condições financeiras para custeá lo. Dignidade da Pessoa Humana. Cumprimento da decisão, sob pena de multa. Em decorrência da solidariedade, o cidadão necessitado pode escolher qual dos entes federativos acionará para garantir seu direito à saúde. Fornecimento de medicamento e serviços médicos, inclusive transporte, pelo Poder Público a quem não tem condições financeiras para custeá lo. Dignidade da Pessoa Humana. Concessão de antecipação da tutela recursal, no sentido determinar aos Agravados que providenciem o transporte de ambulância. Recurso provido".  (000042-54.2017.8.19.0001   AGRAVO DE INSTRUMENTO Des(a). CARLOS EDUARDO MOREIRA DA SILVA   Julgamento: 14/03/2017   VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)     Negar à parte autora, portadora de doença renal crônica em estágio final, o transporte que lhe permita se dirigir a seu tratamento, seria o mesmo que negar o atendimento médico e o tratamento de saúde, sem os quais o risco de morte seria iminente.     Deve ser ressaltado que o deslocamento de pacientes renais crônicos para realização do tratamento necessário é extremamente árduo, sobretudo ao final de cada sessão de hemodiálise. Assim sendo, a disponibilização do Vale Social não atenderia às suas necessidades, uma vez que é pública e notória a deficiência do serviço de transporte prestado no Município do Rio de Janeiro, devendo, desta forma, a parte ré prover o transporte do autor pelos serviços de que dispunha, de forma adequada e não necessariamente individual.      Ademais, certo é que o dever político constitucional se impõe ao Poder Público em todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde e de dispensar assistência aos desamparados (arts. 6º e 196 da CRFB), não merecendo prosperar as razões recursais no que tange a exclusão de sua responsabilidade.      Destarte, incumbe aos entes federativos disponibilizar a toda a sociedade os instrumentos necessários a efetivar, a concretizar os direitos fundamentais à vida e à saúde, sem os quais todos os demais direitos e garantias fundamentais perdem o sentido, a sua razão de ser.     Neste diapasão, cabe ao Município e ao Estado ajustar as suas finanças de molde a atender à pretensão legitimamente deduzida, cumprindo, dessa maneira, o seu papel de ente público.     Evidente o dever tanto da União, como do Estado e do Município, de forma solidária, por força da regra constitucional, que é de eficácia plena, garantir o direito e o acesso à saúde a todos os cidadãos.     O SUS, como sistema próprio para a prestação do serviço de saúde, impõe também ao Estado a responsabilidade por essas despesas. Ademais, o termo de cooperação não se mostra apto a afastar tal responsabilidade, de modo que, não havendo repartição de competência constitucional entre os entes para fornecimento do transporte requerido, haverá a solidariedade, sendo patente a legitimidade e a responsabilidade da União, Estado e Município.     Inobstante a necessidade de transporte veicular para realização de seu tratamento, não há indicação a ensejar necessidade de uso de transporte exclusivo para a parte autora, como bem destacado na incensurável sentença.     Isto posto, VOTO no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO.     Sem custas processuais, ante a isenção legal. Condeno o recorrente ao pagamento de honorários advocatícios em favor do CEJUR DPGE, no valor de dez por cento sobre o valor da causa.     Rio de Janeiro, data da assinatura digital.      FABIANO REIS DOS SANTOS  Juiz Relator

RECURSO INOMINADO 0103547-19.2021.8.19.0001

Segunda Turma Recursal Fazendária

Juiz(a) FABIANO REIS DOS SANTOS - Julg: 30/03/2023

 

Ementa número 4

POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL

FRAGILIDADE PROBATÓRIA

DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA

GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

ABSOLVIÇÃO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO     CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS     SEGUNDA TURMA RECURSAL CRIMINAL               Processo nº 0016276-48.2021.8.19.0202   16º JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL REGIONAL DE JACAREPAGUÁ   ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006     APELANTE: L. C. DOS S. F. R.   APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO     RELATOR: JUIZ DE DIREITO MANOEL TAVARES CAVALCANTI       VOTO                                L. C. DOS S. F. R. recorre em face da sentença de fls. 80/84, que o CONDENOU a pena de 02 (meses) meses de prestação de serviços à comunidade, à razão de 30 horas por mês de condenação, por infração ao artigo 28, da Lei nº 11.343/06.                                     Narrou a denúncia que                    "no dia 31 de maio de 2021, por volta das 14h00min, na Rua Quririm, altura do nº 1299, Vila Valqueire, nesta, o denunciado, livre e voluntariamente, trazia consigo para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar 0,70g (zero vírgula sete gramas) da substância entorpecente denominada Cannabis sativa L., envolta em um filme plástico incolor." (fls. 03).                                   O apelante, pela Defensoria Pública, em suas razões, às fls. 241/258, pugna pela absolvição "pela prova ilícita decorrente da ausência de justa causa" e pela fragilidade probatória, em homenagem ao princípio "in dubio pro reo". Requer a gratuidade de justiça.                                        A Defensoria Pública perante esta Turma Recursal, às fls. 297/300, requereu o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Tóxicos por ofender o princípio da inviolabilidade da vida privada e intimidade.                                 O Ministério Público, em contrarrazões, às fls. 286/289, requereu a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos, secundado pelo representante do MP neste grau de jurisdição, às fls. 301.                                Relatados. Passo ao voto.                                Presentes os requisitos para sua regular interposição, o recurso deve ser conhecido.                                     Em segundo grau, a Defensoria Pública em atuação na Turma Recursal ofereceu "aditamento à peça recursal defensiva", às fls. 297/300, aduzindo "matéria de ordem pública". Tal "aditamento" às razões de apelação em 2º grau afigura se intempestivo e tumultua a ordem e o desenvolvimento regular do processo, razão pela qual não conheço do mesmo.                                 Trata se da criminalização da posse de drogas para uso próprio nos termos do artigo 28, da Lei nº 11.343/06, cuja constitucionalidade é objeto do Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, ora em julgamento no E. STF, com repercussão geral, sob o tema 506, sem sobrestamento dos feitos em curso.                                  Seguindo a orientação dos três votos proferidos até o momento, pelos ministros Gilmar Mendes, relator, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, entendemos que o consumo pessoal de drogas e sua posse para tal finalidade é conduta circunscrita ao âmbito da vida privada do sujeito, que não afeta a esfera jurídica de outrem, razão pela qual a autonomia do sujeito nesse campo é garantida constitucionalmente por cláusula pétrea que protege a intimidade e a vida privada da pessoa.                                    Assim, dentre os direitos da personalidade insculpidos em cláusula pétrea na Constituição da República, a garantia de inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, X, da Carta, implica "vedação constitucional à criminalização de condutas que diriam respeito, tão somente, à esfera pessoal do agente incriminado" (voto do Min. Gilmar Mendes).                                  Nos termos do Ministro Gilmar Mendes "cogita se do deslocamento da política de drogas do campo penal para o da saúde pública, conjugando processos de descriminalização com políticas de redução e prevenção de danos." Não se trata aqui de interferir na esfera do legislador, ou violação do princípio da divisão de poderes. Trata se de "proteção dos direitos fundamentais em face do legislador" (Min. Gilmar Mendes). Cuida se de um "juízo sobre a proporcionalidade da medida, mediante o exame de adequação e necessidade da norma, isto é, do equilíbrio entre a intensidade da intervenção (restrição ao direito fundamental) e os objetivos perseguidos" (Min. Gilmar Mendes).                                Considerando a necessidade de proteção aos direitos fundamentais contra intervenções arbitrárias, deve se examinar as soluções possíveis quando se trata de intervenção em direitos individuais em nome da proteção a direitos de feição coletiva, como na hipótese de conflito entre liberdade individual e saúde pública. Em outras palavras, há que se verificar em que medida riscos a interesses coletivos justificam a proteção extrema do direito penal. Evidente que a saúde pública é um interesse coletivo que afeta cada indivíduo, mas a intervenção do direito penal para sua proteção exige a demonstração de um determinado grau de lesividade individual, não passível de contenção através de medidas administrativas, para justificar a necessidade de sua aplicação (Min. Gilmar Mendes).                                      Ainda citando o voto do Min. Gilmar Mendes, assentamos que "nossa constituição consagra a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem, dos quais se extraí o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação." Dessa forma pode se invocar o "princípio da liberdade geral, que não tolera restrições à autonomia da vontade que não sejam absolutamente necessárias para alguma finalidade de raiz constitucional".                                    "É sabido que o uso de drogas causa prejuízos físicos e sociais ao seu consumidor, dar lhe, porém, tratamento criminal é medida que ofende, de forma desproporcional, o direito à vida privada e à autodeterminação." A posse de drogas para consumo pessoal está na categoria da autolesão, e sua criminalização ofende a privacidade e a intimidade do usuário, subtraindo lhe a autodeterminação de colocar em risco a própria saúde.                                    As anotações do Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto referente ao mesmo Recurso Extraordinário, também fornecem preciosos subsídios para o julgamento da questão, de forma que destaco alguns comentários de sua Excelência.                     VIOLAÇÕES ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS      Violação ao direito de privacidade                                   A intimidade e a vida privada, que compõem o conteúdo do direito de privacidade, são direitos fundamentais protegidos pelo art. 5º, X, da Constituição. O direito à privacidade identifica um espaço na vida das pessoas que deve ser imune a interferências externas, seja de outros indivíduos, seja do Estado. O que uma pessoa faz na sua intimidade, da sua religião aos seus hábitos pessoais, como regra devem ficar na sua esfera de decisão e discricionariedade. Sobretudo, quando não afetar a esfera jurídica de um terceiro. É preciso não confundir moral com direito.                     Violação à autonomia individual                                   A liberdade é um valor essencial nas sociedades democráticas. Não sendo, todavia, absoluta, ela pode ser restringida pela lei. Porém, a liberdade possui um núcleo essencial e intangível, que é a autonomia individual. Emanação da dignidade humana, a autonomia assegura ao indivíduo a sua autodeterminação, o direito de fazer as suas escolhas existenciais de acordo com suas próprias concepções do bem e do bom. Cada um é feliz à sua maneira. A autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida pelo Estado ou pela sociedade.                      Violação ao princípio da proporcionalidade                                     Para que uma restrição a um direito seja legítima, ela precisa ser proporcional, especialmente em matéria penal, e no caso do art. 28, da lei 11.343/06, a criminalização da conduta tipificada afigura se absolutamente desproporcional, seja por ausência de lesividade a bem jurídico alheio, por inadequação, discutível necessidade e, sobretudo, pelo custo imenso em troca de benefícios irrelevantes (trechos destacados das anotações para o voto oral do Ministro Luís Roberto Barroso).                                   O Ministro Edson Fachin, em seu voto vista, não diverge e assenta no mesmo sentido: "Nesta arena, entende se que a autodeterminação individual corresponde a uma esfera de privacidade, intimidade e liberdade imune à interferência do Estado, ressalvada a ocorrência de lesão a bem jurídico transindividual ou alheio, situação essa permissiva da ação repressiva estatal".                                   Enfim, cito mais uma vez o Ministro Gilmar Mendes: "É sabido que as drogas causam prejuízos físicos e sociais ao seu consumidor. Ainda assim, dar tratamento criminal ao uso de drogas é medida que ofende, de forma desproporcional, o direito à vida privada e à autodeterminação".                                     Pelo exposto, alinhado com a tendência nascente no E. STF, conheço do recurso e, prejudicado o exame do mérito, de ofício, DECLARO a inconstitucionalidade do art. 28, da Lei 11343/2006, por violação ao direito à privacidade, à autonomia individual e ao princípio da proporcionalidade, e em consequência, ABSOLVO o réu com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.                                                                        É como voto.                     Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2023.          Manoel Tavares Cavalcanti   Juiz Relator

APELAÇÃO CRIMINAL 0016276-48.2021.8.19.0202

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CRIMINAIS

Juiz(a) MANOEL TAVARES CAVALCANTI - Julg: 20/03/2023

 

Ementa número 5

BOLETO FRAUDADO

DEVER DE CAUTELA

ERRO GROSSEIRO

AFASTAMENTO DE RESPONSABILIDADE BANCÁRIA

Recurso interposto pelo réu, ora recorrente, em face da sentença de id. 9562735, que determinou o cancelamento de débito e o condenou no pagamento de indenização por dano material e compensação por dano moral. Alega o recorrente que a recorrida efetivou pagamento de boleto fraudado, sem observância ao dever de cautela, posto que evidente a fraude perpetrada. Contrarrazões oferecidas. Sentença que merece reforma. De fato, o boleto quitado pela recorrida, alegadamente em favor do ora recorrente, apresenta característica de fraude, mormente quando se constata que os beneficiários são pessoas distintas do banco. Nota se pelo documento de id. 8648425   fl. 3, que o beneficiário final do título é uma pessoa física, de nome V. E. D. Trata se de erro grosseiro, de fácil percepção, porque, antes da conclusão do pagamento, os dados do boleto devem ser confirmados pela pessoa por esse responsável. De se acrescer que as conversas travadas pelo aplicativo WhatsApp, que ilustram a inicial, demonstram que a recorrida desconfiava ter sido vítima de fraude. Ademais, as conversas foram juntadas aleatoriamente e de forma repetida, o que impede aferir a ordem cronológica em que se deram. Valor cobrado no boleto fraudado inferior ao efetivamente devido, o que deveria, de igual modo, ter chamado a atenção da recorrida. Por fim, não se esclarece o meio pelo qual o boleto foi transmitido para a recorrida, tendo em vista que as conversas adunadas ao processo a ele não se referem. Entendimentos sufragados pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, afastando a responsabilidade dos bancos, quando se tratar de fraude grosseira, como no caso ora analisado. Reforma que se impõe. Nestes termos, voto no sentido de ser dado provimento ao recurso para JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. Sem ônus sucumbenciais porque não verificada a hipótese prevista no artigo 55, caput, da Lei 9099/95.

RECURSO INOMINADO 0802744-57.2021.8.19.0045

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) MARCIA DA SILVA RIBEIRO - Julg: 02/03/2023

 

Ementa número 6

LOCAÇÃO RESIDENCIAL

LOCAÇÃO DE QUARTOS - SUBLOCAÇÃO

UTILIZAÇÃO COMERCIAL

VEDAÇÃO PELO REGIMENTO INTERNO

PROCESSO: 0814037-25.2022.8.19.0001    RECORRENTE/RÉU: CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO ITAPORà     RECORRIDO/AUTOR: O. M. DA C.      Magistrado: Dra. Marcia Santos Capanema de Souza    VOTO    Adoto o relatório da sentença: "Trata-se de ação na qual a parte autora requer a declaração de nulidade da multa e advertência recebidas, que o réu se abstenha de abordar, de forma constrangedora, as pessoas que se direcionam ao seu imóvel, bem como a compensação por danos morais, no valor de R$10.000,00, sob fundamento de que é locatária do apartamento nº203, situado no condomínio réu, onde reside há 07 (sete) anos e que, por força do contrato mantido entre ela e seu locador, tem direito à prática de locação de quartos, sendo esta, inclusive, sua única fonte de renda. Informa que, após comunicações do síndico, suas "visitas" passaram a ser constrangidas, em função da indagação feita pelos porteiros sobre a natureza da entrada no edifício (aluguel de quarto ou visitação); assevera que recebeu notificação e multa por infração à convenção e ao regimento interno do edifício, sem que tenha havido deliberação vedando a prática de aluguel compartilhado (pensionato)."    "O Réu apresentou contestação no termo dos autos. No mérito, alega que o Condomínio do Edifício ITAPORÃ, situado na R. X. da S., nº 29, em Copacabana, é de natureza residencial e está situado na quadra da praia; que por conta de sua localização, atrai muitos turistas que aqui decidem passear; que a locação de quartos, com prestação de serviços de cama e café caracteriza se como utilização comercial da unidade autônoma, o que é vedado pela escritura de convenção; que na assembleia geral de condôminos realizada no dia 26/01/2022 (cópia em anexo), os condôminos discorreram sobre os problemas causados por locação por temporada (curto ou curtíssimos períodos) e locação compartilhada de quartos (pensionato); que o Regimento Interno já veda a prática de pensionato no edifício, objeto de deliberação entre os condôminos em "assuntos gerais", foi ratificada em assembleia geral de condôminos realizada no dia 26/04/2022, e a ratificação da multa aplicada à parte autora, por restar configurada a utilização comercial do imóvel. Pugna pela improcedência da ação".    Sentença conforme dispositiva: "JULGO PROCEDENTES os pedidos, nos termos do art. 487, I do CPC, para condenar a parte ré a 1  pagar à autora a quantia de R$5.000,00, a título de compensação por danos morais, com incidência de correção monetária, a partir da data da leitura da sentença (Súm. 97/TJ/RJ c/c Súm. 362, STJ), e juros moratórios, desde a data da citação (art. 405, CC). 2  declaro a nulidade da decisão da assembleia realizada no dia 26/01/2022, no que concerne à vedação da locação por temporada e a multa aplicada à parte autora, devendo a ré se abster de proibir a entrada, saída, gozo e fruição de todo e qualquer locatário do imóvel da parte autora, em razão de vínculo decorrente de locação por temporada, inclusive pela plataforma Airbnb, ressalvada as medidas de segurança cabíveis pela portaria, no prazo de 7 dias úteis a contar da intimação da sentença, sob pena de multa, no valor de R$1.000,00, por conduta comprovadamente contrária da ré. Sem custas e honorários advocatícios (art.55, Lei nº 9.099/95) ".    O réu interpôs recurso inominado e frisa que a locação de quartos, com prestação de serviços de cama e café caracteriza se como utilização comercial da unidade autônoma, e é vedado pela escritura de convenção. No mais, repisa os argumentos da contestação. Pleiteia a reforma total da sentença para a improcedência dos pedidos.    É o relatório, decido.    Inicialmente, deve ser observada a posição atual do STJ sobre o tema:    "RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL. CONVENÇÃO. DESTINAÇÃO EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL. PREVISÃO. LOCAÇÃO. PRAZO INFERIOR A 90 (NOVENTA) DIAS. PROIBIÇÃO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ART. 1.336, IV, DO CÓDIGO CIVIL. USO DE PLATAFORMAS DIGITAIS. ASPECTO IRRELEVANTE.    1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).    2. Delimitação da controvérsia: saber se os condomínios residenciais podem ou não fixar tempo mínimo de locação das unidades autônomas ou até mesmo impedir a utilização de determinado meio para tal finalidade, a exemplo das plataformas digitais de hospedagem.    3. A disponibilização de espaços ociosos para uso de terceiros, seja de um imóvel inteiro ou de um único cômodo, pode ocorrer das mais variadas formas: por meio de plataformas digitais, por intermédio de imobiliárias, por simples panfletos afixados nas portarias dos edifícios, anúncios em classificados etc.    4. A forma por meio da qual determinado imóvel é disponibilizado para uso de terceiros não é o fator decisivo para que tal atividade seja enquadrada em um ou outro regramento legal.    5. A disponibilização de imóveis para uso de terceiros por meio de plataformas digitais de hospedagem, a depender do caso concreto, pode ser enquadrada nas mais variadas hipóteses existentes no ordenamento jurídico, sobretudo em função da constante expansão das atividades desenvolvidas por empresas do gênero.    6. Somente a partir dos elementos fáticos delineados em cada hipótese submetida à apreciação judicial   considerados aspectos relativos ao tempo de hospedagem, ao grau de profissionalismo da atividade, à destinação exclusiva do imóvel ao ocupante ou o seu compartilhamento    com o proprietário, à destinação da área em que ele está inserido (se residencial ou comercial), à prestação ou não de outros serviços periféricos, entre outros   é que se afigura possível enquadrar determinada atividade em alguma das hipóteses legais, se isso se mostrar relevante para a solução do litígio.    7. O enquadramento legal da atividade somente se mostra relevante quando se contrapõem em juízo os interesses do locador e do locatário, do hospedeiro e do hóspede, enfim, daquele que disponibiliza o imóvel para uso e do terceiro que o utiliza, visando, com isso, definir o regramento legal aplicável à relação jurídica firmada entre eles.    8. Diversa é a hipótese em que o conflito se verifica na relação entre o proprietário do imóvel que o disponibiliza para uso de terceiros e o próprio condomínio no qual o imóvel está inserido, atingindo diretamente os interesses dos demais condôminos.    9. A exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio.    10. A afetação do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas, é o que confere razoabilidade a eventuais restrições impostas com fundamento na destinação prevista na convenção condominial.    11. O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, não é só de quem explora economicamente o seu imóvel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a paz e o sossego necessários para recompor as energias gastas ao longo do dia.    12. Recurso especial não provido".    (REsp n. 1.884.483/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23/11/2021, REPDJe de 02/02/2022, DJe de 16/12/2021.)    Neste sentido, em observância às normas internas do condomínio réu, conforme prova dos autos, o Regimento Interno é claro em proibir a prática da locação nos moldes aqui discutidos, razão pela qual a improcedência se impõe.    Isto posto, voto no sentido de conhecer do recurso e no mérito, dar lhe provimento para julgar improcedente os pedidos. Sem ônus sucumbenciais face ao êxito.     Rio de janeiro, 30 de março de 2023.       PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA JUNIOR    JUIZ RELATOR

RECURSO INOMINADO 0814037-25.2022.8.19.0001

CAPITAL 5 TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA JUNIOR - Julg: 31/03/2023

 

Ementa número 7

CONCESSÃO DE BOLSA  DE ESTUDOS

FINANCIAMENTO INTERNO

CANCELAMENTO UNILATERAL

CONDUTA  ABUSIVA

PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E BOA FÉ

VOTO               Trata-se de Recurso inominado interposto pela parte AUTORA contra a sentença de ID. 29540651, que julgou improcedentes os pedidos formulados na peça inicial.         Rejeito a impugnação à gratuidade de justiça. Os documentos juntados aos autos e a própria natureza da demanda indicam que a autora é hipossuficiente.         Pela análise dos autos, verifico que a parte autora comprova, por meio do documento de ID 15906152, a concessão da bolsa de estudos, na modalidade "financiamento interno" para o curso superior de Medicina. A parte ré, por sua vez, na peça de bloqueio, confirma que concedeu à parte autora uma espécie de "financiamento interno", de forma a "sinalizar a concessão da bolsa e do parcelamento especial". Ademais, juntou o extrato financeiro de ID 25185601, que indica "parcelamento especial" de 71,21%. Desse modo, resta incontroversa a concessão da bolsa de estudos à autora, no percentual de 71,21%.     A ré, por sua vez, não traz aos autos contrato assinado pela autora, com informações claras a respeito das condições de manutenção ou perda do benefício e nem apresenta motivo razoável para o seu cancelamento, justificando apenas em sua liberdade de manutenção do financiamento.     De fato, as relações contratuais são pautadas pelo princípio da autonomia da vontade e da liberdade para contratar. Ocorre que, uma vez exercida tal liberdade, no caso dos autos concedendo a ré bolsa de estudos à autora, o cancelamento unilateral abrupto, sem qualquer notificação e justificativa razoável, representa, no âmbito das relações de consumo de prestação de serviço educacional, conduta abusiva, lesiva aos princípios da transparência e da boa fé, na medida em que viola a legítima expectativa da autora de continuar seus estudos, nas condições que lhe foram oferecidas.      Diante do exposto, VOTO pelo CONHECIMENTO E PROVIMENTO parcial do recurso para reformar a sentença proferida e julgar procedente em parte o pedido para: 1) condenar o réu a restabelecer a bolsa de estudos da parte autora até que esta termine o curso de Medicina, no percentual inicialmente concedido (71,21%), no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$200,00; 2) condenar a parte ré ao pagamento de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, com juros de 1% ao mês a partir da citação e correção a partir da presente data, pelos índices oficiais da CGJ. Sem custas e honorários advocatícios por não estar presente a hipótese do art. 55, caput, da lei nº 9.099/95.

RECURSO INOMINADO 0805592-76.2022.8.19.0208

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) RENATA PALHEIRO MENDES DE ALMEIDA - Julg: 23/03/2023

 

Ementa número 8

MANDADO DE SEGURANÇA

PAGAMENTO DE TAXA JUDICIÁRIA

DESCOMPASSO ENTRE VALOR DA CAUSA E BENEFÍCIO PRETENDIDO

DEMANDA VALOR MÁXIMO JUIZADOS

ORDEM CONCEDIDA

Trata se de mandado de segurança em que o impetrante alega que seu recurso não foi recebido pelo Juízo impetrado em razão do recolhimento a menor da taxa judiciária (R$ 171,25), com o que não concorda, conforme Id. 520, item 01.         O Impetrante alega que a taxa judiciária foi recolhida com base no teto dos Juizados Especiais. Assegura ter realizado o cálculo sobre o valor de R$ 41.800,00 (Grerj 2020   salário mínimo 2020: R$ 1.045,00 X 40), observando se a data de emissão e recolhimento da Grerj (23/01/2020 e 07/02/2020, respectivamente), conforme Ids. 509 e 510.        Primeiramente, em análise à inicial dos autos originários anexada ao presente, verifica se que foi formulado pela parte autora 02 (dois) pedidos pecuniários de devolução de valor em dobro (R$ 12.875,76 e 2.046,96), bem como outro pedido pecuniário de indenização por dano moral no valor de 40 (quarenta) salários mínimos, entretanto, atribuiu se o valor à causa em R$ 38.160,00, expressamente mencionado como correspondente à 40 salários mínimos à época (2018: R$ 954,00 x 40). Resta, assim, evidente o descompasso entre o benefício econômico pretendido e o valor atribuído à causa.        Segundo disciplina o artigo 292, inciso V do CPC, o valor da causa na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, será correspondente ao valor pretendido, observando se, na hipótese, o somatório dos valores, conforme inciso VI do dispositivo citado. Quanto ao descompasso entre o valor atribuído à causa e o benefício econômico pretendido, não mais admitido, o Juízo a quo teria a possibilidade de, conforme § 3º do referido artigo, retificar o valor da causa de ofício para preservar justamente a exatidão da base de cálculo do recolhimento da taxa judiciária, consoante o Enunciado "2.3.2" do Aviso TJ nº 23/2008: Na hipótese de não atribuição de valor à causa, ou de discrepância entre o valor atribuído pelo Reclamante e o valor do pedido, o órgão judicial deverá, respectivamente, fixá lo ou retificá-lo, de ofício, para preservar a exatidão da base de cálculo do recolhimento da taxa judiciária.         Não obstante a falta desta providência pelo Juízo, a inadequação que ora se constata não deve mesmo ensejar prejuízo a quaisquer das partes e a solução que se propõe advém de expressa disposição de Lei, pois à luz do parágrafo terceiro do artigo 3º da Lei nº 9.099/95: A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido nesse artigo, excetuada a hipótese de conciliação.         Ora, se a opção pelo procedimento sumaríssimo importa em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido em Lei, sem que se verifique a hipótese de exceção, outra solução não há senão a de reconhecer que o benefício econômico pretendido pelo autor da demanda original deve se circunscrever ao teto dos Juizados, razão pela qual não pode ser exigível o recolhimento de taxa judiciária sobre valor superior ao referido teto.        Ante o exposto, VOTO PELA CONCESSÃO DA ORDEM, a fim de cassar a decisão de deserção e determinar que as custas sejam certificadas com base no valor da alçada da Lei nº 9.099/95. Sem honorários advocatícios, na forma da Súmula 512, do STF e da Súmula 105 do STJ.    Oficie se ao Juízo Impetrado. Ciência ao Ministério Público.   Intimem se os interessados.       Rio de Janeiro, 27 de março de 2023.          RICARDO LAFAYETTE CAMPOS     Juiz Relator

MANDADO DE SEGURANÇA - CPC 0000568-74.2023.8.19.9000

CAPITAL 3a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) RICARDO LAFAYETTE CAMPOS - Julg: 05/04/2023

 

Ementa número 9

JOGO DO BICHO

ILÍCITO PENAL   PRÁTICA DELITIVA

INDÍCIO DE PROVA MATERIAL

CONDENAÇÃO

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro      Conselho Recursal dos Juizados Especiais       Primeira Turma Recursal Criminal          Apelação nº 0001927-80.2020.8.19.0208  Apelante: J.P.P.  Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO                      R E L A T Ó R I O                Cuida se de recurso, apresentado pela Defesa Técnica, que enfrenta sentença proferida pelo Juizado Especial Criminal da Comarca de Barra do Piraí, que julgou procedente o pedido para condenar o réu J. P. P. como incurso nas sanções do artigo 58 do Decreto Lei n 3.688/41, c/c art. 58, §1º, "b", do  Decreto lei 6259/44.                            Requer o apelante, no mérito, seja reformada a r. sentença, aduzindo o seguinte: em preliminar, deseja ver reconhecida a prescrição da pretensão punitiva estatal e ausência de requisitos para o recebimento da denúncia; se superada, seja absolvido o réu com fulcro no art. 386, III do CPP, por atipicidade da conduta, falta de reprovabilidade da conduta social e intervenção mínima. No mérito e por eventualidade, requer a absolvição do réu na forma do art. 386, inciso VII do CPP, por ausência de suporte probatório a ensejar a condenação.                             Denúncia no I. 31 32.                             Termo Circunstanciado e demais documentos oriundos               da Delegacia de Polícia no I. 01 18.                            Defesa preliminar no I. 83.                            FAC e Certidão cartorária no I. 131.                            Ata de AIJ no I. 148, sendo recebida a denúncia e colhidos os depoimentos de duas testemunhas. O acusado exerceu seu direito constitucional e permaneceu em silêncio.                            Alegações finais orais, em audiência.                            Sentença no I. 156 e seguintes, julgando procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o acusado pela prática do crime do artigo 58 do Decreto Lei n 3.688/41, c/c art. 58, §1º, "b" do Decreto lei 6259/44, às penas de 06 (seis) meses de prisão simples e 10 (dez) dias multa no regime aberto, substituindo a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, na modalidade de prestação de serviços à comunidade.                            Recurso interposto pela Defesa no I. 172. Contrarrazões pelo MP no I. 212, no sentido de ser mantida integralmente a r. sentença impugnada.                            Parecer do Ministério Público, em sede de Turma Recursal, no I. 222, ratificando as contrarrazões.                Rio de Janeiro, 17 de abril de 2023.    TELMIRA DE BARROS MONDEGO  JUÍZA RELATORA                  Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro      Conselho Recursal dos Juizados Especiais       Primeira Turma Recursal Criminal                Apelação nº 0001927-80.2020.8.19.0208  Apelante: J. P. P.  Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO                        V O T O        Delito do artigo 58 do Decreto Lei no 3.688/41, c/c art. 58, §1º, "b", do Decreto lei 6259/44. "Jogo do Bicho". Prescrição não reconhecida. Denúncia que atende os requisitos legais. A norma penal infringida, na espécie em exame, permanece inalterada e em pleno vigor, não havendo que se falar nos princípios da intervenção mínima, atipicidade da conduta e do axioma do in dubio pro reo, princípios da insignificância, tampouco o da adequação social. Não se verifica qualquer incompatibilidade com a Constituição Federal, seja material, seja formal. Prova suficiente para a condenação. Recurso que se conhece, mas que se nega provimento. Sentença que se mantém por seus próprios fundamentos, com pequeno retoque para adequar a substituição da pena privativa de liberdade pela prestação pecuniária.                              Trata-se de recurso interposto pela Defesa, insurgindo se contra r. Sentença que julgou procedente o pedido contido na denúncia, condenando o réu pela infração ao disposto no artigo 58 do Decreto Lei no 3.688/41, c/c art. 58, §1º, "b", do  Decreto lei 6259/44.  Sustenta, em síntese, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, bem como ausência de requisitos para o recebimento da denúncia. Requer, caso superadas tais alegações, seja absolvido o réu com fulcro no art. 386, III do CPP, por atipicidade da conduta, falta de reprovabilidade da conduta social e intervenção mínima. No mérito e por eventualidade, requer a absolvição do réu na forma do art. 386, inciso VII do CPP, por ausência de suporte probatório a ensejar a condenação.                             1. Inicialmente, convém consignar que a D. Defesa interpôs Recurso "Inominado", ao invés do Recurso de Apelação previsto no artigo 82 da Lei no 9.099/95. Todavia, o pequeno equívoco em laborou a D. Defesa não possui o condão de inviabilizar o recebimento de seu recurso, tendo em vista o princípio da fungibilidade recursal.                            O recurso é tempestivo conforme certidão cartorária do I. 201.              Portanto, estão presentes os requisitos objetivos para admissibilidade recursal.                            2. Em preliminar, sustentou a D. Defesa   uma vez mais   a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.                            Todavia, a matéria já havia sido apreciada e repelida em sentença, como se vê no I. 157.                            Em abstrato, a máxima pena privativa de liberdade para o delito em comento é de 01 (um) ano e, na forma do artigo 107, inciso V do CP, a prescrição opera se em 04 (quatro) anos.                            O fato que deu ensejo à denúncia ocorreu em 19.06.2019, sendo efetivamente recebida em 28.01.2022, ocorrendo a interrupção do marco. Logo, não há que se falar em extinção da punibilidade.                            A denúncia observou os requisitos previstos no artigo 41 do CPP, sendo certo que foi recebida por decisão devidamente fundamentada (I. 148).                            Deste modo, rejeito as preliminares suscitadas.                            3. Passo à análise das demais teses.                            3.1. A normal penal infringida, na espécie em exame, permanece inalterada e em pleno vigor, não havendo que se falar nos princípios da intervenção mínima, atipicidade da conduta e do axioma do in dubio pro reo.                             Não há norma permissiva que revogue o tipo penal em tela, o qual é imputável a todos que com ele estiverem envolvidos, seja na condição de donos de bancas, intermediários ou apostadores. Desta forma, igualmente, não há como se acolher as alegações fundadas nos Princípios da Insignificância, tampouco o da Adequação Social. Com efeito, não basta que a conduta seja tolerada socialmente, é necessário que a ofensa ao bem jurídico tutelado seja ínfima.                            O objetivo do Legislador ordinário foi evitar a propagação de condutas que tenham em mira o ganho fácil, advindo da mera "sorte ou azar", fora do alcance da proteção estatal, o que é moralmente reprovável.                            Permanecem intactas as compatibilidades entre a legislação comum e a Constituição Federal, na medida em que a atividade ilícita, o ganho fácil, a exploração do cidadão comum e inocente, jamais podem ser considerados como "valor social do trabalho", nem trabalho "digno"   estes, sim, valores protegidos constitucionalmente.                             A existência digna pressupõe atividade laborativa honesta, não proibida por lei e não aquela exercida clandestinamente, fomentando o subemprego e exploração da boa fé alheia, visto que não se tem notícia de que os direitos mínimos do trabalhador são assegurados nesta relação ilícita.                             3.2 A norma penal em comento ainda permanece em pleno vigor, não podendo o Poder Judiciário simplesmente acatar a tese da adequação social, necessidade, ou mesmo princípio da bagatela, aceitando que o cidadão comum possa valer se de meios ilegais para prover seu sustento.                             Ademais, é de conhecimento geral que a prática delitiva em questão, sob o manto de aparente inocência, pode dar ensejo a infrações outras de diversa natureza e gravidade.                            O que quer a D. Defesa, por via transversa, é modificar o ordenamento legal do País, não sendo a via eleita a adequada para tanto. Apesar de decorridas várias décadas, a sociedade   por seus representantes no Excelso Congresso Nacional   ainda não desejou modificar a conduta aqui tipificada, que permanece íntegra.                                          3.3. No tocante à prova, os elementos colhidos em sede judicial são uníssonos, apontando pela prática do ilícito penal. Os fundamentos suscitados pela combativa Defesa, não merecem prosperar, eis que o Douto Magistrado Sentenciante, bem apreciou toda a prova produzida.                            Registro que a D. Defesa, por equívoco, fez constar informações que não dizem respeito ao réu, como se vê no I. 190.                            A materialidade delitiva veio demonstrada pelo Auto de Apreensão e Laudo pericial (I. 07 e 13), nos quais constam que os materiais serviam para a prática do delito.                            No que tange à autoria, o contexto probatório se afigura suficiente para atrelar o réu à prática delitiva narrada na denúncia, sendo oportuno registrar os depoimentos dos agentes públicos que foram colhidos em Audiência de Instrução e Julgamento.                            Registro, também, o disposto na Súmula no 51 do E.STJ, disciplinando que "A punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do 'apostador' ou do 'banqueiro'".                            A prova, portanto, é robusta e autoriza a condenação, sendo também valioso acrescentar que nenhum elemento de prova produziu a Defesa em favor de suas alegações, tendo o réu escolhido permanecer em silêncio.                            A pena foi fixada no mínimo legal, tanto a privativa de liberdade, quanto a multa, não havendo impugnação.                             Todavia, a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, na modalidade de prestação de serviços à comunidade não se afigura possível considerando o disposto no artigo 46 caput do Código Penal, merecendo aqui a necessária adequação.                                          4. Por tais razões, VOTO no sentido de que seja CONHECIDO e NEGADO PROVIMENTO ao recurso.               Contudo, de ofício, efetuo pequeno retoque para adequar a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, na modalidade de prestação pecuniária no valor equivalente a 01 (um) salário mínimo vigente à época da condenação, mantendo se a r. sentença em seus demais termos.    Rio de Janeiro, 17 de abril de 2023.      TELMIRA DE BARROS MONDEGO  JUÍZA RELATORA                              8

APELAÇÃO CRIMINAL 0001927-80.2020.8.19.0006

CAPITAL 1a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CRIMINAIS

Juiz(a) TELMIRA DE BARROS MONDEGO - Julg: 28/02/2023

 

 

Ementa número 10

TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS

LIMITE DO DESCONTO EM FOLHA

BOA FÉ OBJETIVA

PAGAMENTO DÉBITOS ASSUMIDOS

MANDAMUS PARCIALMENTE PROCEDENTE

Processo: 0002618-10.2022.8.19.9000  IMPETRANTE:  S. P. C.   AUTORIDADE COATORA   JUIZ DE DIREITO DO IV JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DO RIO DE JANEIRO  Ref PROCESSO Nº 0861096-09.2022.8.19.0001    Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, no qual a impetrante pretende, em síntese, a concessão de ordem para reformar decisão exarada pelo r. Juízo IV Juizado Especial Cível da Comarca da Capital, que indeferiu a tutela de urgência provisória nos autos do processo de nº 0861096-09.2022.8.19.0001, para proceder com a imediata restituição dos valores retirados de sua conta corrente, em virtude de descontos indevidos que comprometem o seu mínimo existencial.  Em index 20, restou concedida a liminar parcial, para limitar os descontos a 30% (trinta por cento) da verba salarial, restituindo se o excedente ao impetrante.  A autoridade coatora presta informações   index 24.  O impetrante pugna pela reconsideração da decisão   index 25/27.  O parquet manifesta seu desinteresse institucional no feito   index 38.  É o breve relatório. Passo ao voto.  O Mandado de Segurança cabe na proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data ameaçado ou violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública.   O direito líquido e certo protegido pelo mandamus é aquele cujos fatos sejam incontroversos mediante provas pré constituídas, documentalmente aferíveis e sem a necessidade de investigações comprobatórias.  O ato objurgado pelo mandado de segurança, portanto, tem que ser uma ação ou omissão da autoridade pública que viole ou ameace concretamente um direito individual ou coletivo, razão pela qual o mandamus só deve ser impetrado contra um ato concreto de natureza pública, independentemente do revestimento formal sob o qual se apresenta.   A Constituição Federal e a lei ordinária protegem, através de Mandado de Segurança, direito líquido e certo, exigindo que esse direito se manifeste na sua existência com todos os requisitos para o seu reconhecimento e exercício no momento da impetração do writ, sendo inadmitida a dilação probatória.   Isto porque a ação mandamental é via processual estreita, que reclama, de forma inafastável, a demonstração do direito líquido e certo para a sua propositura.  Não se admite a interposição de Mandado de Segurança contra qualquer decisão proferida em sede de Juizado Especial, mas somente quando o ato judicial violar direito líquido e certo do impetrante.  Na hipótese, discute se a legalidade da decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência antecipada para restituir valores relativos a verba salarial e férias indevidamente penhoradas, no monte de R$ 6.130,94, a título de operações vencidas e encargos.  Sustenta, o impetrante, que ato vergastado ofende frontalmente o disposto no art. 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, ante a natureza alimentar dos valores, por comprometer o mínimo subsistencial.  Deferida parcialmente a liminar requestada, para limitar o bloqueio a 30% (trinta por cento) da verba salarial.  Em suas informações, a autoridade coatora se limita a declinar que não restaram presentes os requisitos autorizadores para concessão da tutela de urgência, consistente na devolução imediata dos valores retidos e na abstenção de novos descontos, bem como na anulação de valores lançados como "operações vencidas e encargos". Esclarece que os pedidos foram formulados na ação de Anulação de Débitos c/c Restituição de Valores e Indenização, por danos morais, manejados pelo ora impetrante.  A norma que veda a penhora sobre os salários, saldos e proventos deve ser interpretada levando se em consideração as outras regras processuais civis, devendo ser respeitados os princípios da boa fé objetiva, dentre eles o de que os bens do devedor serão revertidos em favor do credor a fim de pagar os débitos assumidos.  Ademais a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça relativizou a regra da impenhorabilidade inserta no artigo 833, IV do CPC, possibilitando a penhora de 30% do salário para saldar dívida de natureza não alimentar (STJ. REsp 1658069/GO. Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017).   Nesse sentido evidencia se a possibilidade da penhora de verba salarial/aposentadoria, desde que limitada ao percentual de 30% (trinta por cento) dos rendimentos auferidos pelo devedor, eis que tal montante não representa risco de comprometimento de renda essencial à sua subsistência e da sua família.  Vale dizer que, embora deficitária a instrução probatória pelo impetrante, é possível constatar, nos documentos constantes do anexo 07, que o mesmo mantém saldo devedor há mais de um ano, revelando seu descontrole financeiro, a princípio, não imputável à instituição financeira credora, eis que não alegada qualquer fraude bancária.  Desse modo, evidenciado parcialmente o direito líquido e certo a ser protegido, analisando os interesses em jogo, VOTO no sentido de reformar parcialmente o ato judicial impugnado e JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O MANDAMUS, resolvendo o mérito, para limitar a retenção dos valores a 30% (trinta por cento) das verbas de natureza salarial do devedor, consolidando a liminar concedida no presente mandamus. Custas ex lege, observada a gratuidade deferida ao impetrante. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios.  Encaminhe se cópia ao r. Juízo de origem.

MANDADO DE SEGURANÇA - CPC 0002618-10.2022.8.19.9000

CAPITAL 1a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) VIVIANE ALONSO ALKIMIM - Julg: 30/03/2023

 

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.