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ATO NORMATIVO CONJUNTO 35/2019

Estadual

Judiciário

26/11/2019

DJERJ, ADM, n. 60, p. 3.

Institui o Protocolo de Depoimento Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

ATO NORMATIVO CONJUNTO TJ/CGJ nº 35/ 2019 Institui o Protocolo de Depoimento Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES e o CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA,... Ver mais
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ATO NORMATIVO CONJUNTO TJ/CGJ nº 35/ 2019

 

 

Institui o Protocolo de Depoimento Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

 

 

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES e o CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA, Desembargador BERNARDO GARCEZ, no uso de suas atribuições legais,

 

CONSIDERANDO que o art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que é dever do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito, colocando os a salvo de toda forma de negligência, violência, crueldade ou opressão;

 

CONSIDERANDO estar assegurado na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (artigo 12) o direito da criança e do adolescente de serem ouvidos em todo processo judicial que possa afetar seus interesses;

 

CONSIDERANDO que os artigos 28, § 1º e 100, parágrafo único, inciso XII, da Lei Federal nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente -garantem à criança, ao adolescente e ao jovem o direito de serem previamente ouvidos por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida;

 

CONSIDERANDO que a Lei Federal nº. 13.431/2017 instituiu um sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, dispondo sobre a obrigatoriedade do Depoimento Especial e prevendo que deve reger-se por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial;

 

CONSIDERANDO as atribuições do Serviço de Apoio ao Núcleo de Depoimento Especial da Criança e Adolescente Vítima - SEADE, vinculado à Divisão de Apoio Técnico Interdisciplinar - SEADE/NUDECA/DIATI/CGJ, nos termos da Resolução nº 08/2018 do Órgão Especial;

 

CONSIDERANDO a Portaria Conjunta TJ/CGJ nº 01/2019(CICAV), que instituiu a Comissão Interinstitucional do Estado do Rio de Janeiro para Criança e do Adolescente e as deliberações interinstitucionais tratadas no âmbito da referida comissão;

 

CONSIDERANDO o disposto no artigo 3°, inciso IV, do Ato Executivo n°4297/2012, alterado pelo Ato Executivo Conjunto nº 49/2013 e o Ato Normativo nº 21/2013;

 

CONSIDERANDO que o Depoimento Especial tem por finalidade minimizar os danos secundários às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, no ato de suas audiências;

 

CONSIDERANDO o dever de aperfeiçoamento constante das rotinas cartorárias, adotando práticas de gestão que propiciem a melhoria contínua e a otimização dos serviços judiciários, proporcionando maior celeridade, eficácia e segurança na prestação jurisdicional;

 

 

RESOLVEM:

 

Art. 1º. Instituir o Protocolo Técnico de Depoimento Especial que irá apoiar e orientar a realização de Depoimento Especial de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que segue em anexo.

 

Art.2º. Este ato entra em vigor na data da publicação, revogada as disposições em contrário em especial os Atos Normativos Conjuntos nº 09 de 2012 e 21 de 2013.

 

Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2019.

 

 

Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

 

 

Desembargador BERNARDO GARCEZ

Corregedor-Geral da Justiça

 

 

 

PROTOCOLO DE DEPOIMENTO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 

 

CAPÍTULO I

DOS PROCEDIMENTOS PREPARATÓRIOS DO DEPOIMENTO ESPECIAL

 

 

Art. 1º. A oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade judiciária ocorrerá, nas salas de Depoimento Especial, disponíveis na comarca ou na sede do NUR.

 

Art. 2º. O Serviço de Apoio ao Núcleo de Depoimento Especial (SEADE) será responsável pela operacionalização dos Depoimentos Especiais previamente agendados junto à Diretoria Geral de Apoio aos Órgãos Jurisdicionais (DGJUR) e lançados no sistema DCP.

 

§ 1º. Informações sobre o agendamento de Depoimento Especial serão obtidas com o SEADE através do e-mail nudeca@tjrj.jus.br ou telefone (21) 3133-3192 ou (21) 3133-4416.

 

§ 2º. A desmarcação de audiência, bem como a redesignação no dia da audiência ou de designação de outro dia para a continuação do ato deverão ser confirmadas primeiramente junto à DGJUR e posteriormente lançadas no sistema DCP.

 

Art. 3º. Constará obrigatoriamente no mandado de intimação que a criança ou adolescente deverá comparecer para o ato uma hora antes da audiência para a sua recepção na sala reservada, distinta da sala de audiências, juntamente com seu responsável, resguardando-se a sua privacidade.

 

Art. 4º. O SEADE poderá emitir parecer técnico não vinculante, contraindicando o Depoimento Especial, levando em conta os seguintes critérios:

 

I - Idade mínima de 5 anos, tendo em vista que a técnica demanda sobretudo maturação da linguagem e desenvolvimento cognitivo do infante;

 

II - Existência de comprometimento cognitivo comprovado nos autos;

 

III - Grau de proximidade ou parentesco entre vítima e acusado;

 

IV - Decurso do tempo entre a data do(s) fato(s) e a data da audiência;

 

V - Verificação no banco de dados de eventual oitiva anterior no NUDECA, visto que não deverá ser realizado novo Depoimento Especial, de acordo com o art. 11, parágrafo 2º da Lei nº13.431/2017; e

 

VI - Indícios ou notícias de alienação parental.

 

Parágrafo único: Nos casos em que a criança tiver menos de cinco anos de idade, será avaliado o decurso do tempo entre a data dos fatos e a data do Depoimento Especial, podendo ser contraindicado quando o período for superior a dois anos.

 

CAPÍTULO II

DO PROTOCOLO DO DEPOIMENTO ESPECIAL

 

Art. 5º. O Depoimento Especial de crianças e adolescentes contará com a participação de pelo menos um profissional da equipe interdisciplinar, obrigatoriamente capacitado na técnica de entrevista cognitiva, nomeado Entrevistador.

 

§ 1º. O SEADE/DIATI indicará os entrevistadores qualificados, preferencialmente de equipes técnicas da comarca ou região da serventia.

 

§ 2°. Compete ao entrevistador, dentre outras atribuições:

 

I - Recepcionar a criança ou adolescente e seus acompanhantes, objetivando avaliar as condições do infante para a participação no depoimento;

 

II - Informar em linguagem acessível para a criança ou adolescente a dinâmica do Depoimento Especial, explicando a partir das informações contidas na cartilha do NUDECA quem são os atores jurídicos presentes na sala da audiência;

 

III - Prestar esclarecimentos sobre o protocolo do Depoimento Especial aos presentes na sala de audiências e, conforme Art. 12, §3º da Lei 13.431/2017, comunicará ao juiz se verificar que a presença na sala de audiência, do autor da violência, pode prejudicar o depoimento ou colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado.

 

IV - Realizar a Entrevista Cognitiva.

 

Art. 6º. O Depoimento Especial de crianças e adolescentes será composto pelas seguintes fases:

 

I - Planejamento da audiência;

 

II - Preparação dos equipamentos;

 

III - Recepção e apresentação do protocolo à criança/adolescente;

 

IV - Apresentação do protocolo aos presentes na sala de audiência;

 

V - Construção do rapport;

 

VI - Recriação do contexto original;

 

VII - Narrativa livre;

 

VIII - Perguntas de esclarecimento;

 

IX - Contato com a sala de audiência para esclarecimento final;

 

X - Fechamento da entrevista;

 

XI - Finalização do depoimento especial.

 

Seção I

Das Fases do Depoimento Especial

 

Art. 7º. O planejamento da audiência é a etapa em que os entrevistadores têm acesso às principais peças dos autos para análise, a fim de obter as informações prévias necessárias à coleta do depoimento bem como emissão de parecer técnico, se necessário.

 

Art. 8º. A preparação dos equipamentos é o momento em que os entrevistadores verificam o ambiente físico, observando a arrumação das salas de escuta e de audiência e a existência dos materiais a serem eventualmente utilizados.

 

Art. 9º. A recepção e apresentação do protocolo à criança/adolescente é realizada pelo entrevistador uma hora antes da audiência e consiste em observação das condições cognitivas e emocionais, bem como esclarecimentos à criança ou adolescente e seu responsável, sobre a dinâmica do Depoimento Especial, nos seguintes aspectos:

 

I - Direito de ser ouvida;

 

II - Direito de ser ouvida em uma sala especial;

 

III - Direito de ser esclarecida sobre os desdobramentos de seu relato;

 

IV - Direito de conhecer as etapas deste procedimento;

 

V - Apresentação dos espaços e equipamentos de filmagem/gravação que serão utilizados;

 

VI - Direito de conhecer as pessoas que presenciarão a escuta, antes de seu início;

 

VII - Duração aproximada da escuta;

 

VIII - Acesso/sigilo das informações colhidas;

 

IX - Não permanência do responsável pela criança ou adolescente na sala de escuta, salvo hipóteses excepcionais autorizadas pelo juiz;

 

X - Observância das expectativas e receios da criança ou adolescente, comunicando-se ao juiz situações especiais identificadas; e

 

XI - Avaliação das condições cognitivas e limites emocionais da criança e do adolescente para comunicação verbal ao juiz antes do início da audiência, caso verifique aspectos que o contraindiquem o depoimento.

 

Art. 10. A apresentação do protocolo aos presentes na sala de audiência é o esclarecimento prestado pelo entrevistador sobre o Protocolo adotado para a escuta especial da criança e adolescente, especificando as fases da entrevista cognitiva e o momento em que ocorrerá a interlocução entre as salas de audiência e de escuta.

 

Art. 11. A construção do rapport é o contato do entrevistador com a criança ou adolescente na sala de escuta, ainda com os equipamentos de áudio e vídeo desligados.

 

Parágrafo único. Na construção do rapport, o entrevistador, buscando criar uma atmosfera satisfatória para o início de depoimento, procura conhecer a linguagem e a capacidade narrativa do depoente, através de perguntas abertas não relacionadas ao objeto do depoimento, de modo a engajá-lo para o início do procedimento.

 

Art. 12. A recriação do contexto original é o início propriamente dito do depoimento, já com os equipamentos de áudio e vídeo ligados.

 

Parágrafo único. Nesta ocasião, o entrevistador, após sinalizar para o entrevistado o início da gravação, verifica-se ainda persiste alguma dúvida sobre os direitos que lhe foram informados e favorece o resgate das lembranças.

 

Art. 13. A narrativa livre é o momento em que o entrevistador procede à escuta, fundamentado na técnica da Entrevista Cognitiva, consistente no relato livre do fato, sem interrupções, que possibilitem ao depoente exercer um papel ativo na entrevista, respeitando-se a sua condição especial de sujeito em desenvolvimento.

 

Art. 14. As perguntas de esclarecimento é o momento em que, finda a narrativa livre da criança, o entrevistador solicita ao depoente, caso ainda necessário, informações adicionais sobre o seu relato, utilizando, sempre que possível, perguntas abertas ou com múltiplas opções.

 

Parágrafo único. A fase das perguntas de esclarecimento visa retomar aspectos do relato que merecem esclarecimentos, em busca de um maior detalhamento, sem perder de vista o respeito ao entrevistado, diante da situação peculiar em que se encontra.

 

Art. 15. O Contato com a sala de audiência para esclarecimento final é a etapa em que ocorre a participação dos presentes na sala de audiências, através de perguntas, que serão transmitidas em bloco pelo Juiz ao entrevistador, por meio de ponto eletrônico.

 

§ 1º. Para sinalizar o início desta etapa, o entrevistador posicionará o ponto eletrônico auricular, ou telefonará, em caso de falha ou ausência do equipamento de escuta.

 

§ 2º. As perguntas serão realizadas pelo entrevistador utilizando a técnica adequada, evitando intervenções repetitivas ou perguntas que causem constrangimento, conotação de valor moral ou prejuízos emocionais para o depoente.

 

Art. 16. O fechamento da entrevista é quando o entrevistador agradece o esforço de recordar e narrar e, assim como no acolhimento inicial, direciona a entrevista para o cotidiano da criança ou adolescente, distanciando-se dos aspectos relativos aos fatos noticiados, a fim de encerrar o depoimento formal, desligando o sistema de áudio e vídeo.

 

Art. 17. A finalização do depoimento especial, é o momento em que o entrevistador atende o depoente, expressando compreensão pelo esforço realizado no relato, e seu responsável, com o objetivo de verificar como a família vem administrando eventuais conflitos decorrentes dos fatos noticiados, diante da necessidade de se proteger a criança ou adolescente.

 

§ 1º. Para alcançar a finalidade prevista no caput, deverá ser avaliada a necessidade de encaminhá-los à rede de proteção e de assistência às vítimas e seus familiares ou de inclusão em programas de proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas, sem prejuízo de outros encaminhamentos e comunicação ao Magistrado, se necessário.

 

§ 2º. Encerrado o atendimento, o entrevistador alimentará planilha estatística do sistema DCP elaborada com os dados do Depoimento Especial realizado.

 

Seção II

Da Instrução do Relato Livre

 

Art. 18. Durante a fase do relato livre da criança/adolescente, o depoente não deverá ser interrompido, salvo comprovada necessidade, devendo ser preservado o silêncio absoluto para evitar interferência no trabalho do técnico entrevistador e sugestionar/intimidar o depoente, já que sujeito em estágio especial de desenvolvimento.

 

Parágrafo Único. Devem ser respeitados o silêncio e o tempo de narrativa da criança ou adolescente, considerando seus limites emocionais para reconstruir mentalmente o evento e narrá-lo, pois tal processo requer intenso esforço psíquico.

 

 

CAPÍTULO III

DO REGISTRO DO DEPOIMENTO ESPECIAL

 

Art. 19. O conteúdo da audiência, na sua íntegra, será gravado em computador pelos sistemas Kenta, Skopia Desktop, videoconferência ou outro sistema de gravação disponibilizado pelo TJRJ.

 

Art. 20. Será de responsabilidade do secretário do Juiz ligar o equipamento de videoconferência e, após o término da entrevista, gravar em disco (CD/DVD) duas cópias do Depoimento Especial, devidamente identificadas, uma para o NUDECA e outra para o processo.

 

Art. 21. A mídia com gravação do Depoimento Especial somente sairá da serventia mediante autorização do juiz do processo devendo as partes serem advertidas que "violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal", configura o crime previsto no art. 24 da Lei nº. 13.431/2017.

 

CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 22. O Depoimento Especial poderá ser utilizado como prova emprestada, mediante fornecimento de cópia da mídia pelo juízo que conduziu a produção da prova, visando evitar a revitimização da criança ou adolescente.

 

Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, caberá ao juízo que utilizar a prova emprestada adotar as mesmas cautelas estabelecidas neste Ato para preservar a intimidade da criança ou adolescente.

 

Art. 23. Tendo em vista os artigos 4º, IV e 8º da Lei 13.431/2017, em caso de atraso prolongado e/ou interrupção do Depoimento Especial pela Sala de Audiência, o entrevistador deverá obrigatoriamente relatar o ocorrido por e-mail à Corregedoria Geral da Justiça.

 

Art. 24. Os juízos deverão alertar as partes que violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal é crime punível com pena de reclusão de 1(um) a 4 (quatro) anos e multa, conforme art. 24 da Lei 13.431/2017.

 

Art. 25. Os casos omissos serão decididos pelo Presidente do Tribunal de Justiça ou pelo Corregedor Geral de Justiça.

 

 

Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2019.

 

 

Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

 

 

Desembargador BERNARDO GARCEZ

Corregedor-Geral da Justiça

 

 

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.